Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
79366/05.7YYLSB-A.L1-2
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: RECEBIMENTO DOS EMBARGOS
EXTEMPORANEIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. O tabelar recebimento liminar dos embargos de executado, com ordem de notificação do exequente para os contestar, não impede o juiz de conhecer ulteriormente, ainda que ex officio, da extemporaneidade dos embargos que, entretanto, foram totalmente contestados pelo exequente por outros motivos.
II. Em 2021, a executada, que foi citada para a execução em 2008, não está em tempo para deduzir embargos com fundamento na prescrição de uma dívida de juros convencionais (juros cujo prazo prescricional se interrompeu e mantém interrompido na pendência da execução).
III. A eventual apropriação de resultado da penhora pelo agente de execução não é fundamento de embargos, mas questão a decidir no p.p. e porventura em processo crime.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os abaixo identificados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
“A”, embargante na execução que lhe é movida pelo Banco COFIDIS, S.A., notificada do saneador-sentença que julgou verificada a exceção dilatória de preclusão do direito de embargar, e não se conformando com aquela decisão, interpôs o presente recurso.
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Vejamos os factos do processo.
Em 13/12/2021, a executada “A” deduziu, ao abrigo do disposto nos arts. 784.º e 785.º do CPC, “incidente de oposição à penhora”.
Alegou, em síntese, que:
- estão a ser-lhe cobrados mais de 16 anos de juros, estando prescritos os que ultrapassem os cinco anos anteriores à citação (art. 310.º, al. d), do CC);
- as quantias que o exequente invoca a título de capital [8.593,19€] já tinham sido penhoradas pelo anterior agente de execução, “B”, que as fez suas;
- o que deu origem ao inquérito crime com n.º …20.4T9LSB-06, que corre termos, junto da 3.ª Secção do DIAP de Lisboa;
- entende que tem um crédito sobre o Banco exequente com aquele valor, correspondente às quantias penhoradas de que o anterior AE se apropriou, e pretende exercer a compensação de créditos;
- o Banco exequente, ao propor a penhora a que se reporta a presente oposição, incorreu em abuso do correspondente direito.
Terminou requerendo o levantamento da penhora sobre as verbas constantes do auto de penhora, com a consequente devolução das mesmas às executadas.
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Por despacho de 21/04/2022, convolou-se a interposta oposição à penhora em embargos de executado; estes foram liminarmente recebidos e ordenou-se a notificação do exequente para contestar.
O texto desta parte do despacho foi o seguinte: «Recebo liminarmente os presentes embargos de executado. / Notifique o(a) exequente para contestar, querendo, no prazo de 20 dias – art. 732.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. / Dê conhecimento ao Sr. Agente de Execução.»
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Contestando (27/04/2022), o banco exequente alega que a execução foi proposta em novembro de 2005, tendo como título sentença de setembro do mesmo ano, pelo que não havia juros prescritos; o agente de execução não é representante do exequente pelo que a invocada compensação não tem fundamento; por conta do pedido exequendo, o exequente apenas recebeu até ao presente um total de €7.372,45, inexistindo qualquer má fé ou abuso de direito da sua parte.
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Por despacho de 21/05/2024, foi determinado ao AE a liquidação provisória do julgado, com indicação de todas as quantias pagas pelas executadas nos autos, a título coercivo ou voluntário, a imputação realizada quanto às mesmas, os valores já entregues ao exequente e a discriminação dos valores ainda em dívida.
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Em 12/08/2024, no p.p., o AE informou como segue:

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Por despacho de 28/10/2024, o tribunal a quo, pretendendo conhecer da extemporaneidade dos presentes embargos, considerando a data de citação da executada, mandou notificar as partes para, em 10 dias, se pronunciarem sobre a questão, querendo.
Em 09/12/2024, foi proferido o acima aludido saneador-sentença, que absolveu o exequente da instância de embargos por preclusão do direito de embargar.
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A embargante não se conformou e recorreu, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«a) A sentença recorrida fez incorrecta apreciação dos factos e errada aplicação das normas de direito, tendo decidido com base numa factualidade que deu, indevidamente, como assente e que determinou a intempestividade dos embargos,
b) Da análise dos autos e da douta decisão recorrida, constata-se que o Tribunal a quo julgou os embargos de executado intempestivos, por considerar que o prazo de 20 dias para a sua apresentação se contava da data da citação da Recorrente, ocorrida em 2008.
c) Todavia, tal entendimento não se coaduna com a lei processual civil e com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, conforme passamos a demonstrar.
d) Dispõe o artigo 728.º, n.º 2, do Código de Processo Civil que, tratando-se de matéria de oposição à execução superveniente à citação, o prazo para a dedução de embargos conta-se "a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado".
e) No caso em apreço, a Recorrente deduziu os embargos com base em factos indubitavelmente supervenientes à sua citação, nomeadamente a apropriação indevida de quantias penhoradas pelo anterior agente de execução.
f) A 12/08/2024, a executada foi notificada da informação do Agente de Execução sobre o estado do processo;
g) Em 23 de setembro de 2024, a Executada, ao tomar conhecimento dos valores reclamados pelo Agente de Execução substituto, os quais não consideraram as quantias indevidamente apropriadas pelo seu antecessor nem o período de paralisação do processo imputável exclusivamente ao Exequente, apresentou impugnação à informação prestada pelo agente, reiterando as alegações de prescrição dos juros e compensação.
h) Conforme resulta das informações prestadas pela Ordem dos Solicitadores e da comunicação da própria Recorrente ao processo, tais factos só chegaram ao seu conhecimento em 2021.
i) Assim, o dies a quo para o cômputo do prazo de 20 dias para a apresentação dos embargos deve ser fixado em 2021, momento em que a Recorrente teve conhecimento inequívoco dos factos supervenientes que lhe permitiam deduzir oposição à execução.
j) Esta interpretação do artigo 728.º, n.º 2, do Código de Processo Civil encontra-se, aliás, consagrada na jurisprudência, conforme se pode constatar nos seguintes arestos:
• Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de maio de 2016 (processo n.º 215/08.0TBVFR.E1.S1): "O prazo para a interposição de embargos de executado, quando a causa de pedir seja superveniente à citação, começa a correr a partir do conhecimento do facto".
• Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de julho de 2008 (processo n.º 08B1341): “Tratando-se de fundamento de oposição à execução superveniente à citação do executado, o prazo para a dedução dos embargos conta-se nos termos do disposto no artigo 813.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, isto é, a partir do dia em que o executado teve conhecimento do facto que lhe permite deduzir a oposição.”
k) Do caso julgado formal gerado pelo despacho liminar que admitiu os embargos.
l) O despacho liminar proferido em 21.4.2022, que admitiu os embargos de executado, produziu caso julgado formal, impedindo a posterior reapreciação da tempestividade do recurso.
m) Com efeito, o despacho liminar, ao apreciar e decidir sobre a admissibilidade dos embargos, formou caso julgado sobre os pressupostos processuais, entre os quais se inclui a tempestividade.
n) Assim, a decisão que considerou os embargos intempestivos, proferida em momento posterior à admissão liminar, violou o princípio da imutabilidade da coisa julgada, devendo, por conseguinte, ser revogada.
o) A decisão recorrida, ao considerar os embargos intempestivos em momento posterior à sua admissão liminar, incorreu em erro de julgamento, violando o princípio da imutabilidade da coisa julgada.
p) Com efeito, o despacho liminar que admitiu os embargos, proferido em 21.4.2022, constituiu uma decisão judicial que apreciou e acolheu a tempestividade do recurso. Ainda que não tenha expressamente abordado a questão da tempestividade, a admissão dos embargos pressupõe a verificação de todos os pressupostos processuais, incluindo a tempestividade.
q) Assim, a decisão posterior que considerou os embargos intempestivos, proferida em contradição com o despacho liminar, ofendeu o princípio da imutabilidade da coisa julgada, inscrito no artigo 671.º do Código de Processo Civil. Este princípio garante a estabilidade das decisões judiciais e impede a sua modificação após o trânsito em julgado.
r) No caso em apreço, o despacho liminar transitou em julgado, tornando-se imutável e indiscutível.
A posterior decisão que julgou os embargos intempestivos, ao arrepender-se da decisão anterior, violou o princípio da coisa julgada, gerando insegurança jurídica e instabilidade processual.
s) Ademais, a decisão recorrida viola também o princípio da preclusão, que impede a rediscussão de questões já decididas. Ao admitir os embargos, o tribunal considerou implicitamente a sua tempestividade, precluindo a possibilidade de voltar a apreciar a questão.
t) Este tem sido o entendimento da jurisprudência:
• Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17 de novembro de 2016 (processo n.º 1433/13.9TBVNG.P1): Neste acórdão, o Tribunal considerou que o despacho liminar que admite os embargos faz caso julgado sobre a sua tempestividade, impedindo que a questão seja reapreciada em sede de contestação. O Tribunal argumentou que a admissão liminar pressupõe a verificação de todos os pressupostos processuais, incluindo a tempestividade, e que a rediscussão da matéria violaria o princípio da segurança jurídica.
• Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29 de junho de 2010 (processo n.º 189/08.0TBMND.C1): Neste acórdão, o Tribunal decidiu que a intempestividade dos embargos não pode ser arguida em sede de contestação, uma vez que o despacho liminar que os admitiu faz caso julgado sobre a matéria. O Tribunal fundamentou a sua decisão no princípio da preclusão, argumentando que a arguição da intempestividade em momento posterior configuraria uma violação do princípio da boa-fé processual.
u) Em face do exposto, e por tudo o que foi alegado, conclui-se que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, ao ter considerado os embargos de executado intempestivos.
v) Com efeito, os embargos foram apresentados dentro do prazo legal de 20 dias, contado a partir do momento em que a Recorrente teve conhecimento dos factos supervenientes que sustentam a sua oposição à execução, conforme preceitua o artigo 728.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Mais,
w) O despacho liminar que admitiu os embargos de executado, proferido em 21.4.2022, transitou em julgado, formando caso julgado formal e impedindo a posterior reapreciação da tempestividade do recurso.
x) Com efeito, ao apreciar e decidir sobre a admissibilidade dos embargos, o despacho liminar apreciou e decidiu implicitamente sobre a tempestividade dos mesmos, uma vez que esta constitui pressuposto processual para a sua admissão.
y) Assim, a decisão que considerou os embargos intempestivos, proferida em momento posterior, violou o princípio da imutabilidade da coisa julgada, devendo ser revogada.
Assim, merece a douta decisão recorrida ser revogada, julgando-se os embargos tempestivos e, consequentemente, conhecendo-se do seu mérito.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, QUE, V. EXAS. SABIAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O DOUTO DESPACHO DA 1ª INSTÂNCIA SER REVOGADO E, EM CONSEQUÊNCIA, SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE DETERMINE A TEMPESTIVIDADE DOS EMBARGOS, SEGUINDO-SE OS DEMAIS TERMOS PROCESSUAIS ATÉ FINAL.
FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA!»
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O Banco embargado não respondeu ao recurso.
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Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.
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Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se apenas as seguintes questões:
a) Tendo recebido liminarmente os embargos, o tribunal podia, como fez, julgá-los extemporâneos em sede de saneador-sentença?
b) Na positiva, os factos que sustentam os embargos são supervenientes e apenas foram conhecidos da embargante 20 dias antes da sua dedução?
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II. Fundamentação de facto
Os factos relevantes são os que constam do relatório e, ainda, os seguintes que resultam da consulta do processo principal:
1. O processo principal – execução para pagamento de quantia certa – foi instaurado em 03/11/2005 tendo como título executivo uma sentença condenatória proferida nesse ano.
2. A quantia exequenda foi liquidada do seguinte modo:
«CAPITAL----€ 6.227,10
JUROS VENCIDOS ATÉ 30/11/2004----€ 985,59
IMPOSTO DE SELO À TAXA DE 4% ATÉ 30/11/2004----€ 39,42
JUROS À TAXA DE 21,80% DESDE 01/12/2004 ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA,EM 26/09/2005----€ 1.115,76
IMPOSTO DE SELO À TAXA DE 4% ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA, EM 26/09/2005----€ 44,63
JUROS À TAXA DE 26,80% (21,80%+5% ARTIGO 829º A Nº 4 CODIGO CIVIL) ATÉ AO PRESENTE, 03/11/2005----€ 173,74
IMPOSTO DE SELO À TAXA DE 4% ATÉ AO PRESENTE, 03/11/2005----€ 6,95
TOTAL (EXCLUIDOS JUROS VINCENDOS DESDE 04/11/2005)--€ 8.593,19
MAIS OS JUROS VINCENDOS À TAXA DE 26,80% SOBRE € 6.227,10 DESDE 04/11/2005 ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO.»
3. Por auto de 27/10/2008, foi formalizada a penhora em 1/3 da retribuição que a executada aufere como empregada da "Moviflor", até ao montante de 10.623,95 €, sendo 8.593,19 € a título de quantia exequenda e 2.030,76 € a título de despesas prováveis.
4. A embargante foi citada para os termos da execução em 2008, conforme doc. de 13/11/2008 do p.p., e admitido pela própria no requerimento que apresentou nos presentes autos em 08/11/2024.
5. Em 15/02/2021, a ora embargante apresentou no p.p. um requerimento no qual alega que o agente de execução anteriormente nomeado desviou valores penhorados do salário da executada conforme resumido no documento 1, que contém várias parcelas que, somadas, resultam em 2.936,95 €.
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III. Apreciação do mérito do recurso
a) Do caso julgado formal do despacho que recebeu os embargos
O despacho que recebeu os embargos faz caso julgado no processo?
Isso significa que, liminarmente admitidos os embargos de executado, o tribunal não pode julgá-los extemporâneos em sede de saneador-sentença?
Vejamos por partes.
Verifica-se o trânsito em julgado quando uma decisão é insuscetível de impugnação por meio de reclamação ou de recurso ordinário (art. 628.º do CPC). No momento dessa insusceptibilidade forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade de a decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
O caso julgado tem duas funções, uma positiva e outra negativa. «Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade; exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal. A função positiva tem a sua expressão máxima no princípio da exequibilidade (…). A função negativa exerce-se através da exceção de caso julgado» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, III, 4.ª ed., reimp, 1985, p. 93).
Segundo o critério da eficácia, há que distinguir entre o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cf. art. 620.º, n.º 1) e o caso julgado material, que vincula no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, conforme estabelecido no art. 619.º.
O despacho de recebimento dos embargos tem força de caso julgado no próprio processo, dentro dos limites do que aprecia. Ou seja, se o juiz recebe liminarmente os embargos de executado, não pode ulteriormente dizer que não os recebe. Porém, o despacho de recebimento tabelar dos embargos não preclude o ulterior conhecimento de questões que o tribunal podia ter conhecido em sede de despacho liminar, mas que não conheceu. Isto mesmo encontra-se expressamente estabelecido no n.º 5 do art. 226.º do CPC: Não cabe recurso do despacho que mande citar os réus ou requeridos, não se considerando precludidas as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar.
O despacho que admitiu os embargos e ordenou a citação do Banco embargado para contestar, afastando embora a possibilidade da prolação de um despacho de indeferimento liminar dos embargos deduzidos por força do esgotamento do poder jurisdicional do juiz, não forma caso julgado formal sobre as questões que podiam ter conduzido à prolação de um tal despacho, incluindo a da extemporaneidade dos embargos (cfr. art. 732.º, n.º 1, al. a)).
Tendo recebido os embargos, o tribunal a quo não ficou impedido de, findos os articulados, apreciar expressamente, ainda que ex officio, a tempestividade dos embargos e decidir pela sua extemporaneidade (art. 578.º do CPC) – no mesmo sentido o Ac. do TRE de 13/02/2025, proc. 2694/22.7T8ENT-A.E1.
Respondemos, portanto, às duas questões que começámos por enunciar: o despacho que recebeu liminarmente os embargos faz caso julgado no processo (caso julgado formal), mas isso não significa que o tribunal não possa, após os articulados, julgar os mesmos embargos extemporâneos, inclusive oficiosamente.
Questão diferente, e que a seguir apreciamos, é se julgou bem. Ou seja, se os embargos são efetivamente extemporâneos.
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b) Da tempestividade dos embargos
Nos embargos, a embargante suscitou duas questões:
i. a prescrição dos juros além de cinco anos, prazo aplicável por força do disposto no art. 310.º, al. d), do CC;
ii. ter o anterior agente de execução feito sua a quantia de 8.593,19€ que foi penhorada no vencimento da embargante o que, no entender desta, lhe permite exercer a compensação da sua dívida com esse valor.

No que respeita à alegada prescrição dos juros, bem decidiu o tribunal a quo que os embargos são extemporâneos.
Com efeito, a execução foi instaurada em 2005 e a executada foi citada em 2008.
Nas execuções que seguem a forma sumária, como é o caso da presente, cujo título executivo é uma sentença (art. 550.º, n.º 2, al. a) do CPC), feita a penhora, é o executado citado para a execução e, em simultâneo, notificado do ato de penhora, podendo deduzir, no prazo de 20 dias, embargos de executado e oposição à penhora (art. 856.º, n.º 1, do CPC).
Os 20 dias de que a embargante dispunha para embargar – nomeadamente para suscitar qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração –, esgotaram-se há cerca de 17 anos.

Quanto à alegada circunstância de o anterior AE ter feito seu o valor de 8.593,19€, resultantes de penhora do salário da embargante, a própria embargante alega ter tomado conhecimento da alegada apropriação em 2020 ou antes, pois, afirma, «O que, aliás, deu origem ao inquérito crime com n.º …20.4T9LSB-06, que corre termos, junto da 3.ª Secção do DIAP de Lisboa». Conforme consta do facto 5, em 15/02/2021, a ora embargante apresentou no p.p. um requerimento no qual alega que o agente de execução anteriormente nomeado desviou valores penhorados do salário da executada conforme resumido no documento 1, que contém várias parcelas que, somadas, resultam em 2.936,95 €.
Segundo entendemos, trata-se de matéria a ser apreciada e decidida no p.p. – onde a executada, aliás, já a suscitou –, e não por via de embargos. Em todo o caso, ainda que a alegada apropriação fosse facto superveniente fundamento de embargos, de há muito estaria ultrapassado o prazo de vinte dias contado do conhecimento do facto fundamentador dos embargos, quando a embargante deu origem aos presentes autos, com o seu requerimento de 13/12/2021.

Estando o objeto da apelação limitado à tempestividade dos embargos, não temos de nos deter sobre as várias inconsistências das alegações da executada: nestes embargos afirma que o anterior AE fez seus 8.593,19€, resultantes de penhora do salário da embargante, e que isso deu origem ao inquérito crime com n.º …20.4T9LSB-06; por requerimento de 15/02/2021, no p.p., a ora embargante alega que o anterior AE desviou valores penhorados do salário da executada conforme resumido no documento 1 com aquele requerimento junto, e que contém várias parcelas que, somadas, resultam em 2.936,95 €; por email de 09/06/2020, que a embargante juntou com a petição de embargos, a sua entidade empregadora afirma que até fevereiro de 2016 entregou 2.857,77 € através das referências MB enviadas pelo anterior AE, e que desde fevereiro de 2016 não foi possível continuar a entregar, mas que continuou a reter do salário da empregada, tendo 6.524,83 € por entregar; da informação do AE dada no p.p. em 12/08/2024, consta que o AE delegante entregou à exequente 3.500,00 € e que o AE delegado entregou à exequente 3.375,63 €.
Parece também haver alguma incompreensão da executada sobre os atos do processo e a imputação dos valores penhorados (cfr. art. 785.º do CPC); bem como sobre o regime de interrupção dos prazos de prescrição (arts. 323.º e 327.º do CC).
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IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação totalmente improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela embargante.
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Lisboa, 20/11/2025
Higina Castelo
Laurinda Gemas
João Paulo Raposo