Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9634/2003-1
Relator: PAIS DO AMARAL
Descritores: ACTO COMERCIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/20/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Sumário:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
A... instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra B... e mulher M... pedindo que os réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 913.410$00, relativa às rendas que os réus se obrigaram a pagar, acrescidas de 50%, e acrescidas ainda de juros à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
Alega, para tanto, que celebrou com o réu marido, em 1996JUN7, um contrato promessa de cessão de exploração, pelo qual lhe cedeu a exploração do seu estabelecimento comercial de café-pastelaria, que até aí explorava em proveito próprio, mediante o pagamento da quantia mensal de 353.040$00, onde se incluía o valor da cessão, a renda do estabelecimento a ser paga ao senhorio, e ainda água, electricidade e outras despesas decorrentes da exploração do estabelecimento.
O réu marido entrou na posse do estabelecimento em 1996JUN8 e ambos os réus iniciaram a exploração do estabelecimento, situação que se manteve até Dezembro de 1997. Mas não pagou as rendas dos meses de Abril, Maio, Junho, Outubro, Novembro e Dezembro de 1997, no valor unitário de 101.490$00 e global de 608.940$00. Daí decorreu que a autora teve de pagar ao senhorio as rendas em atraso, com um acréscimo de 50 %, no valor total de 913.410$00.
Finalmente, em Dezembro de 1997, o réu entregou o estabelecimento à autora e comprometeu-se a pagar o montante em dívida de 913.410$00.
Todavia, não efectuou esse pagamento.
A ré ... que foi citada pessoalmente, veio contestar a acção, começando por excepcionar a sua ilegitimidade, com o fundamento de não ser parte no contrato que a própria autora vem invocar como causa de pedir, e que, tal como a autora configura a relação material controvertida, só o réu marido tomou de arrendamento o dito estabelecimento.
Depois, invoca a nulidade do alegado contrato de cessão de exploração. Diz, em resumo, que apesar do rótulo que as partes deram ao acordo, ele não configura um contrato-promessa, mas antes um verdadeiro contrato de cessão de exploração, o qual é nulo por falta de forma, devendo ter sido celebrado por escritura pública, por força do art. 80º C.Not., e arts. 219º e 220º CC.
O réu ... foi citado editalmente, por o seu paradeiro ser desconhecido, e não contestou.
A autora ainda veio responder às excepções arguidas pela ré contestante, dizendo que sendo os réus casados no regime da comunhão de adquiridos, as dívidas contraídas pelo réu marido no exercício do comércio são da responsabilidade dos dois cônjuges. Acrescenta ainda que era a ré mulher que tinha o ónus de alegar e provar que a dívida não foi contraída em proveito comum do casal. Requereu ainda que a ré fosse convidada a juntar aos autos certidão do assento do seu casamento, já que o autor não sabe onde o mesmo está registado.
Quanto à nulidade do contrato, diz a autora que ainda que o contrato seja lido como sendo um contrato de cessão de exploração, e sendo nulo, sempre deverá operar a conversão do mesmo para contrato-promessa, já que essa era a vontade das partes se tivessem previsto a nulidade.
Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade arguida pela ré, e realizou-se a audiência de julgamento, finda a qual foi proferido despacho a fixar a matéria de facto provada.
Foi depois proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, absolveu a Ré do pedido e condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de 912.681$00, acrescida de juros de mora; à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.
Não se conformando com a sentença, na parte em que absolveu a Ré do pedido, vem dela interpor recurso. Na respectiva alegação que apresentou formulou as seguintes conclusões:
1. O Contrato descrito nos autos assinado pelo R. marido foi declarado nulo.
2. A dívida em que o R. marido foi condenado surge na sequência da exploração de facto de um estabelecimento.
3. Tal exploração de fado foi exercida por ambos cônjuges e aliás mais pela R.
os mulher.
4. Porque era a R. mulher quem habitualmente estava no estabelecimento e recebia o preço dos bens vendidos.
5. Tais actos de exploração são actos de comércio. (Vd. artigo 2 e 95 do Código Comercial).
6. E foram tais actos e a sua prática no tempo que levou o Mº Juiz a condenar o R. marido a indemnizar a A.
7. Deste modo e nos termos do Artigo 1691º nº 1 alínea c) a dívida referida na sentença foi contraída no exercício do comércio de ambos os cônjuges e não apenas de um .
8. Logo , são dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges nos termos do Artigo 1691º nº 1 do Código Civil alíneas a), b) e c) (já que o R. marido sabia que a mulher explorava o estabelecimento e vice versa).
9. Por último, ambos os cônjuges ao exercerem o comércio da exploração do estabelecimento actuavam como administradores.
10. A decisão do Mº Juiz "a quo" violou pelas razões expostas o disposto nos artigos 1690º, 1961º nº 1 alíneas d) c) b) e a) do Código Civil e 2º e 95º do Código Comercial.
Nestes termos se requer a revogação da douta sentença que absolveu a R. mulher e que seja substituída por douta decisão que a condene solidariamente com o R. marido a pagar à A. a quantia de 4.552,43 acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação.
A Apelada contra-alegou por forma a defender a confirmação da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
(...)
Ficaram provados os seguintes factos:
1. Em 1996JUN7 a autora celebrou com o réu marido um contrato intitulado "contrato-promessa de cessão de exploração comercial”, cujo teor é o que consta de fls. 12 a 15 dos autos, aqui dado por integralmente reproduzido.
2. Era a ré que habitualmente estava no estabelecimento, trabalhava aí e recebia em dinheiro o preço dos bens vendidos.
3. A renda mensal do estabelecimento era no ano de 1997 de 101.409$00.
4. O réu marido esteve a explorar o estabelecimento com início em Junho de 1996 e até, pelo menos, Dezembro de 1997.
5. O réu marido não pagou as rendas dos meses de Abril, Maio, Junho, Outubro, Novembro e Dezembro de 1997, no valor unitário de 101.409$00 e valor global de 608.940$00.
6. Por acordo entre a autora e o réu marido, era este quem efectuava o pagamento da renda directamente ao senhorio.
7. O réu marido não informou a autora da falta de pagamento das rendas.
8. Perante tal incumprimento, o senhorio exigiu à autora o pagamento das rendas com um acréscimo de 50 %.
9. Por isso, a autora pagou ao senhorio o montante de 912.681$00, sendo 608.454$00 de rendas e 304.227$00 do acréscimo de 50%.
10. Os réus contraíram matrimónio entre si a 4 de Agosto de 1991, sob o  regime imperativo da separação de bens. Por decisão de 27 de Julho de 2000, transitada em julgado a 7 de Agosto do mesmo ano, foi esse casamento dissolvido por divórcio.
(...)
A Apelante começa por alegar que a exploração do estabelecimento foi exercida por ambos os cônjuges, sendo mais pela Ré mulher, porque era ela quem habitualmente estava no estabelecimento e recebia o preço dos bens vendidos. E conclui que, sendo tais actos de exploração actos de comércio (artº 2º e 95º do Código Comercial), foram tais actos e a sua prática no tempo que levaram o Juiz à condenação do Réu marido. Deste modo – acrescenta – nos termos do artº 1691º, nº 1, alínea c), a dívida foi contraída no exercício do comércio de ambos os cônjuges e não apenas de um. Logo são dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges nos termos do artº 1691º, alíneas a), b) e c), já que o Réu marido sabia que a mulher explorava o estabelecimento e vice-versa.

Resulta da prova produzida que foi o Réu marido quem esteve a explorar o estabelecimento desde Junho de 1996 até, pelo menos, Dezembro de 1997. Provou-se ainda que Réu marido não pagou as rendas de alguns meses, as quais, por acordo entre este e a Autora, deviam ser pagas directamente por aquele ao senhorio. Perante tal incumprimento, o senhorio exigiu à Autora – a inquilina – o pagamento das rendas acrescido de 50%.
O contrato celebrado entre a Autora e o Réu foi julgado nulo.
Por força da declaração de nulidade, nos termos do disposto no artº 289º, nº 1 do Código Civil, devia ser restituído tudo o que havia sido prestado. Assim as partes deviam devolver tudo o que mutuamente haviam entregue.
Como é referido na sentença, em princípio, a Autora devia devolver tudo o que recebeu do Réu e este devia devolver o que recebeu da Autora. Porém, a cedência que a Autora fez da exploração do estabelecimento por certo tempo, já não tem possibilidade de a receber em espécie e, por isso, só poderá receber o valor correspondente. Considerando a ausência de prova quanto a esse valor, o Tribunal entendeu que, tendo a Autora pago o montante de 912.681$00, sendo 608.454$00 de rendas e 304.227$00 do acréscimo de 50%, devia ser este o valor a devolver pelo Réu.
É óbvio que a Ré nada tem a ver com esta dívida.
Em primeiro lugar poder-se-ia questionar se se trata de uma dívida comercial. Entre outras razões que nem vale a pena explorar, não há dúvida de que estamos perante um contrato de exploração que foi considerado nulo. A declaração de nulidade tem efeitos retroactivos, conforme refere o citado preceito. Por isso, não se pode alicerçar a construção da Apelante em um contrato nulo.
Não é verdade que foram os actos de exploração do estabelecimento que levaram o M.mo Juiz a condenar o Réu. A condenação resultou do dever de restituição do que havia recebido.
Mas ainda que de dívidas do comércio se tratasse, nem assim se poderia por elas responsabilizar a Ré, por vigorar entre os cônjuges Réus o regime de separação de bens – artº 1691º, nº 1, alínea d) do Código Civil.
Não se tratando de dívida de comércio, não tem aplicação qualquer das restantes alíneas do mesmo preceito.
Aliás não se poderia dizer que a Ré “explorava mais” o estabelecimento porque era quem habitualmente ali se encontrava e recebia o dinheiro. Estes factos nada provam quanto à exploração. A actuação da Ré é semelhante à do empregado do estabelecimento: está à frente do mesmo e recebe o dinheiro dos clientes. Não pode, só por isso, concluir-se que a exploração lhe pertence e, muito menos, que o explora mais que o patrão.
Em suma, a razão por que o Réu foi condenado a pagar a importância constante da sentença à Autora nada tem a ver com actos de comércio. Tanto basta para que a Ré não possa ser responsabilizada pela mesma dívida, visto que os Réus estavam casados segundo o regime de separação de bens.
Improcedem, pois, todas as conclusões da alegação.
Pelo exposto, sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
   
Lisboa, 20 de Janeiro de 2004.
Pais do Amaral
André dos Santos
Santana Guapo