Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4931/2006-7
Relator: PIMENTEL MARCOS
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
VIOLÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: A demolição parcial e reconstrução de muro divisório de propriedades, que, com a reconstrução, avançou cerca de um metro no limite de uma das propriedades, não justifica restituição provisória de posse por não se verificar o elemento violência que pode ser exercida também contra coisas quando constitua meio de coacção sobre as pessoas, no caso não verificada; não justifica igualmente o recurso ao procedimento cautelar comum nos termos dos artigos 393.º e 395.º do C.P.C. visto se impor a prova de que a referida reconstrução do muro é susceptível de causar dano grave ou de difícil reparação; tão pouco justifica embargo de obra nova pois, também aqui, se impõe que a obra em curso cause ou ameace causar prejuízo.

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

A. […] intentou o presente procedimento cautelar que designou de restituição provisória de posse ou procedimento cautelar comum, caso se entendesse não ser o procedimento cautelar especificado o aplicável, com o pedido cumulativo de embargo de obra nova

contra
B. […],

pedindo que se decrete a imediata demolição dum muro novo, com restituição da posse da parte do terreno “anexado” pelo Requerido ao Requerente, e a reconstrução da parte do muro demolida, bem como a imediata suspensão da demolição, proibindo-se a destruição da parte do muro que ainda não foi demolida, e ainda a condenação do Requerido no pagamento de sanção pecuniária compulsória no valor de 250,00 semanais, até à efectiva destruição do muro e reconstrução das partes demolidas do anterior.

Alegou, para tanto, o seguinte:

- que é proprietário da fracção A, correspondente ao rés-do-chão do prédio urbano sito […] em Almada, e que tal fracção integra um logradouro, cercado desde a construção por um muro que o delimita e é sua propriedade.

- há cerca de 40 anos que tal muro existe (desde a respectiva construção, na década de 60).

- em 1981, a aludida fracção, com o respectivo logradouro, foi doada pelo anterior proprietário ao filho, aqui Requerente, o qual desde essa data exerce de forma pública e pacífica a posse sobre essa fracção.

- o Requerido possui um logradouro contíguo ao do Requerente […]

- no dia 13.10.2005, o Requerido dirigiu-se à inquilina da fracção A, anunciando-lhe que iria anexar uma parte do logradouro do Requerente, para alinhar o seu terreno.

- no dia seguinte, aproveitando o facto de tal inquilina se encontrar ausente, e sem ter falado previamente com o proprietário, começou a demolir o muro que delimita o logradouro do Requerente.

- apesar do Requerente, alertado para a situação, se ter deslocado à obra, acompanhado de um genro, e ter dito aos trabalhadores que aí se encontravam que cessassem imediatamente a demolição, por não poderem daquela forma destruir um muro e entrar dentro de terreno alheio, estes continuaram o trabalho, demolindo cerca de 1m em cada uma das partes laterais do muro.

- enquanto o Requerente tentava resolver a situação, o Requerido, após a demolição parcial de cerca de 1m em dois dos lados do muro do Requerente, construiu um novo muro, cerca de 1m para dentro do limite do logradouro do Requerente, impedindo assim o seu acesso a essa parte do seu terreno.
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No despacho liminar de fls. 39 foi dito afigurar-se que “a presente situação, nos termos descritos pelo requerente, bem como o pedido que é formulado nos autos, se enquadra na tipologia legal da providência cautelar especificada de embargo de obra nova, atento o teor do artigo 412º do CPC”

E, por isso, foi ordenada a citação do requerido.

Este, depois de citado, alegou que reconstruiu um muro velho existente na estrema da sua propriedade e a delimitá-la, à vista de toda a gente, em plena luz do dia e até com comunicação prévia ao requerente por intermédio da sua inquilina.
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Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelas partes.

Seguidamente foi proferido o competentes despacho, julgando-se improcedentes os pedidos formulados

Dele recorreu o requerente, formulando as seguintes conclusões:

1ª  O pedido formulado a título principal pelo Requerente foi o de restituição provisória da posse, invocando o esbulho violento de uma parcela do seu logradouro, contígua ao logradouro do Requerido.

2a - Ficou provado que o Requerente foi, efectivamente, esbulhado da sua posse, pela força e contra a sua vontade, apesar de ter manifestado a sua oposição, ordenando aos trabalhadores do Requerido que parassem a demolição do muro o que não impediu que estes prosseguissem tal demolição e construíssem depois novo muro, oitenta centímetros para dentro do terreno do Requerente, "invadindo" o logradouro do Requerente, nas palavras da própria decisão recorrida, e "impedindo assim o acesso do Requerente a essa parte do seu terreno"

3a - A douta decisão recorrida entendeu que não havia que decretar a providência requerida, pois não se verificava que a manutenção da situação implicasse "a verificação de lesão grave e dificilmente reparável que não permita esperar pela decisão que venha a ser proferida no âmbito de uma futura acção declarativa".

4a - No entanto, a factualidade provada corresponde, salvo melhor opinião, a um esbulho violento,

5a - De facto (Ac. STJ de 26205.98, BMJ 477 p. 506), "a violência, para caracterização do esbulho, como requisito da restituição provisória de posse, tanto pode  ser praticada sobre as pessoas como sobre coisas que constituem obstáculo ao esbulho, no quadro dos arts. 1279° do CC e 393° do CPC.";

6a - Em caso de esbulho violento, a lei dispensa o "periculum in mora" para decretamento da providência cautelar, devendo ser aplicado com esta interpretação o disposto nos arts. 393° e 394° do CPC,

7a - Sem embargo da decisão, meramente processual, de audição prévia do Requerido (fls. 39 dos autos), face a uma apreciação liminar e não vinculativa do processo (decisão que não produzia caso julgado senão quanto a esse mesmo aspecto, já que, quanto à substância do pedido, não havia ainda decisão de que fosse possível recorrer);

8ª - Foi ao invés aplicado, quando não o deveria ser, o disposto no art. 381°, n° 1, do Código de Processo Civil, que havia de se ter por afastado por as normas referidas preverem um regime especial.

9a - Deve assim ser revogada a douta decisão recorrida – que no entanto cumpre louvar pela inteligência da análise factual - e substituída por decisão que, reconhecendo que o Requerente tinha a posse, e foi esbulhado dela violentamente, condene o Requerente a destruir o novo muro por si construído, repondo o anterior, que deverá ficar localizado a oitenta centímetros daquele que construiu, para o lado da propriedade do Requerido.

O agravado pede a confirmação do despacho recorrido.
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Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

Em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos (não impugnados neste recurso):
1. Está registada, pela inscrição G-1, Ap. […], a aquisição, por doação de Augusto […], a favor do Requerente, da fracção designada pela letra "A" , correspondente ao rés-do-chão direito, composto por habitação com logradouro de 196 m2, do prédio urbano sito no […] concelho de Almada, descrito […]
2. O logradouro aludido em 1 está cercado por um muro que o delimita (artigo 2° da petição inicial);
3. Desde 1981 que ninguém se opõe ao facto que resulta do aludido em 1. (artigo 5° da petição inicial);
4. Está registada, pela inscrição […]a aquisição, por compra, a favor do Requerido, do […]r/c dto., composto por habitação, com a área de 180 m2, e logradouro com a área de 410 m2, destinando-se a restante área a arruamentos, localizado no […] concelho de Almada, descrito […]
5. O Requerido dirigiu-se à inquilina da fracção aludida em 1 dos Factos Provados, anunciando-lhe que ia alinhar o seu terreno (artigo 7° da petição inicial);
6. No dia seguinte, o Requerido começou a demolir o muro que delimita o logradouro do Requerente (artigo 8° da petição inicial);
7. O Requerente, alertado para a situação, deslocou-se à fracção, acompanhado de um genro, e disse aos trabalhadores que aí se encontravam que cessassem imediatamente os trabalhos que estavam a efectuar, por não poderem daquela forma destruir um muro e entrar dentro de terreno alheio (artigo 9º da petição inicial);
8. Mas os trabalhadores continuaram os trabalhos (artigo 10° da petição/ inicial);
9. Os trabalhadores do Requerido demoliram menos de 1 m em cada uma das partes laterais do muro (artigo 10° da petição inicial);
10. O Requerente dirigiu-se então à GNR da Trafaria para participar o ocorrido, de onde foi remetido para a Câmara Municipal, que se declarou incompetente para resolver o assunto, tendo por fim apresentado de novo queixa, desta vez por escrito, na GNR, a qual foi aceite (artigo 11º da petição inicial);
11. Enquanto o Requerente tentava resolver a situação por estes meios, o Requerido, após a demolição parcial de cerca de 1m em dois dos lados do muro do Requerente, construiu um novo muro, cerca de 1m para dentro do limite do logradouro do Requerente, impedindo assim o acesso do Requerente a essa parte do seu terreno (artigo 12° da petição inicial).

E foram dados como não provados os seguintes factos:

1. O muro aludido em 1. dos Factos Provados existe desde a data da construção do prédio, há cerca de 40 anos (artigos 2° e 3° da petiço inicial);
2.O Requerido reconstruiu um muro velho existente na extrema do prédio aludido em 4. dos Factos Provados, a delimitá-la (artigo 23° da oposição);
3.A reconstrução foi efectuada à frente de toda a gente, em plena luz do dia (artigo 23° da oposição);
4.E foi precedida de comunicação ao Requerente, por intermédio da sua inquilina (artigo 23° da oposição).
5. O muro está levantado desde Setembro de 2005 (artigo 24° da oposição).

O Direito.

Se bem entendemos, o ora agravante pretendeu utilizar três procedimentos cautelares diferentes, ou seja: restituição provisória de posse nos termos do artigo 393º do CPC ou  (subsidiariamente) procedimento cautelar comum nos termos do artigo 395º, mas sempre, cumulativamente, embargos de obra nova (artº 412º).  

E daí os pedidos referidos.

No despacho recorrido apenas foi apreciado o pedido relativo aos embargos de obra nova.

Esta decisão terá sido tomada no seguimento do despacho liminar já referido e proferido a fls. 39. É que neste ter-se-á entendido desde logo que, tendo em consideração os factos alegados pelo requerente e os pedidos por ele formulados, apenas se justificaria a providência de embargos de obra nova (e não qualquer das outras duas).

Mas, nas alegações deste recurso, continua o agravante a pugnar pela verificação dos pressupostos da restituição provisória de posse. Refere com efeito em II (fls. 209): o que está em causa no presente recurso é assim, essencialmente, saber se houve esbulho violento, e se, a tê-lo havido, é ou não indispensável o “periculum in mora” para o decretamento da providência.
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O que se passa é o seguinte: os prédios do requerente e do requerido têm,  cada um deles, um logradouro; os logradouros são contíguos; a separá-los existia um muro antigo; este foi destruído em parte, e foi construído pelo requerido um muro novo em parte do logradouro do requerente.

E então ficou provado com interesse nesta parte:

O Requerido dirigiu-se à inquilina da fracção aludida em 1 dos “factos provados” (é o prédio do requerente), anunciando-lhe que ia alinhar o seu terreno

No dia seguinte, o Requerido começou a demolir o muro que delimita o logradouro do Requerente

O Requerente, alertado para a situação, deslocou-se à fracção, acompanhado de um genro, e disse aos trabalhadores que aí se encontravam que cessassem imediatamente os trabalhos que estavam a efectuar, por não poderem daquela forma destruir um muro e entrar dentro de terreno alheio.

Mas os trabalhadores continuaram os trabalhos.

Os trabalhadores do Requerido demoliram menos de 1 m em cada uma das partes laterais do muro.

O Requerente dirigiu-se então à GNR da Trafaria para participar o ocorrido, de onde foi remetido para a Câmara Municipal, que se declarou incompetente para resolver o assunto, tendo por fim apresentado de novo queixa, desta vez por escrito, na GNR, a qual foi aceite

Enquanto o Requerente tentava resolver a situação por estes meios, o Requerido, após a demolição parcial de cerca de 1m em dois dos lados do muro do Requerente, construiu um novo muro, cerca de 1m para dentro do limite do logradouro do Requerente, impedindo assim o acesso do Requerente a essa parte do seu terreno.

No fundo, o que está em causa é, naturalmente, saber onde deve ser construído o muro, portanto uma questão de estremas. E, indiciariamente, ficou provado que os trabalhadores do requerido demoliram menos de 1m em cada uma das partes laterais do muro antigo e construíram um muro novo, cerca de 1m para dentro do limite do logradouro do Requerente

A ser assim, o novo muro teria sido construído cerca de um metro para dentro do logradouro do requerido, sendo, assim, invadida uma parte do seu terreno e, portanto, violado o seu direito de propriedade.

Esta questão será depois apreciada e decidida na competente acção (da qual o procedimento cautelar seria dependente).

Todavia, parece-nos que não se verificam os pressupostos de qualquer das providências referidas.

Vejamos.
I
Nos termos do nº 1 do artigo 381º do CPC (diploma do qual serão todas as disposições legais a citar quando não se indique outra origem) "sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada assegurar a efectividade do direito ameaçado".

E o procedimento cautelar é sempre dependente da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurada como preliminar ou como incidente da acção - declarativa ou executiva (artº 383º, nº 1).

Finalmente estabelece o nº 1 do artigo 387º que "a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão".

São, pois, requisitos do decretamento de uma providência cautelar não especificada:
a) probabilidade séria da existência do direito invocado pelo requerente;
b) justo e suficientemente fundado receio de que  outrem, antes de a acção - de que a providência é dependente - proposta ou a propor ser decidida, cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito ameaçado;
c) não existência de providência específica para acautelar esse direito;
d) adequação da providência à situação de lesão iminente.

E, como determina o nº 2 do citado artigo 381º, o interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor.

Mas os procedimentos cautelares implicam apenas uma apreciação sumária da situação (summaria cognitio), devendo o requerente fazer a prova (sumária) do direito ameaçado e justificar o receio da lesão ( artº 384º, nº 1).
II

Nas alegações de recurso e respectivas conclusões continua o agravante a defender que o pedido formulado a título principal pelo Requerente foi o de restituição provisória da posse, invocando o esbulho violento de uma parcela do seu logradouro.

E diz que ficou provado que o Requerente foi, efectivamente, esbulhado da sua posse, pela força e contra a sua vontade, apesar de ter manifestado a sua oposição, ordenando aos trabalhadores do Requerido que parassem a demolição do muro.

Estaríamos, assim, perante um procedimento cautelar especialmente previsto, ou seja, a restituição provisória de posse.

Nos termos do artigo 393º “no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”.

São, pois, requisitos desta providência: a posse, o esbulho e a violência.

Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (artigo 1251º).

Portanto, existe posse quando alguém actua como se fosse titular de um determinado direito.

Nos termos do artigo 1278º do CC:

1. No caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito.
2. Se a posse não tiver mais de um ano, o possuidor só pode ser mantido ou restituído contra quem não tiver melhor posse.
3.  É melhor posse a que for titulada; na falta de título, a mais antiga; e, se tiverem igual antiguidade, a posse actual.

E como determina o artigo 1279º, “sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, o possuidor que for esbulhado com violência tem direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador”.

Naquele artigo estão previstas dois tipos de acções: manutenção e restituição de posse.

A 1ª tem como causa ou origem um acto de turbação: o possuidor não chega a ser esbulhado, mas apenas perturbado; a 2ª tem como causa o esbulho.

In casu é invocado o esbulho e, por isso, tratar-se-ia de uma acção de restituição.

Este pressupõe a privação total ou parcial da posse.
O esbulho supõe que o possuidor foi privado da posse que tinha, que foi colocado em condições de não poder continuar a exercer a sua posse. No dizer do Prof. Manuel de Andrade (1) “há esbulho sempre que alguém foi privado do exercício da retenção ou fruição do objecto possuído, ou da possibilidade de o continuar”.

Mas não nos parece que estejamos perante um caso de esbulho violento, não se vendo nos factos provados qualquer coacção física ou moral.

E o esbulho a ter em conta em relação à restituição provisória de posse é apenas o que é praticado com violência.
 
“A violência há-de exercer-se sobre as pessoas que defendem a posse, ou sobre as coisas que constituem um obstáculo ao esbulho, e não sobre quaisquer outras” (2). A violência pode, pois, ser exercida não só contra as pessoas, mas também contra as coisas. Mas tal só sucederá nos casos em que a violência sobre as coisas constitua meio de coacção sobre as pessoas.

Ora a simples construção de um muro nos termos referidos não pode ser considerado como esbulho violento. Seria bem diferente se, por exemplo, tivesse sido construído junto duma porta do requerente e impedisse a sua entrada e saída, ou, pelo menos, as dificultasse. É que então as pessoas sentir-se-iam coagidas física ou moralmente com essa construção

De resto, nem sequer foi expressamente alegado que o requerente vem utilizado a parte do logradouro onde foi construído o muro. Ou seja, a construção poderá nem sequer ter ofendido a posse do requerente, o que, obviamente, não significa que este não deva pugnar pelo seu alegado direito de propriedade, a fim de poder utilizar a totalidade do logradouro quando muito bem entender. Mas, a ser assim, mais evidente se torna que não existe esbulho violento.
III
No entanto, não se verificando o esbulho violento, a posse pode ainda ser defendida através do procedimento cautelar comum.

Com efeito, estabelece o artigo 395º do CPC: ao possuidor que seja esbulhado ou perturbado no exercício do seu direito, sem que ocorram as circunstâncias previstas no artigo 393º, é facultado, nos termos gerais, o procedimento cautelar comum.

Permite assim este artigo que o possuidor, perturbado no exercício da sua posse ou esbulhado sem violência, possa ver tutelado o seu direito através do procedimento cautelar comum.

Este artigo veio clarificar a questão da limitação do acesso do possuidor (ou detentores equiparados) à tutela possessória fora das pressupostos exigidos para a restituição provisória de posse.

Assim, quando pedida a restituição provisória de posse, não se verificando as circunstâncias previstas no artigo 393º, mas havendo elementos suficientes para que seja decretada a restituição da coisa através do procedimento cautelar inominado, poderá ser este utilizado.

Portanto, não se verificando os pressupostos da restituição provisória de posse poderá ser facultado ao possuidor o procedimento cautelar comum.

Mas então será necessário que o requerente prove todos os requisitos das providências cautelares não especificadas.

Neste caso é necessário alegar e provar, designadamente, o “periculum in mora” (o que não sucederia com a restituição provisória de posse).

Na parte que agora interessa considerar teria o requerente que alegar e provar a existência de fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu alegado direito. É que as providências cautelares em geral destinam-se a evitar a lesão grave e dificilmente reparável que possa advir da demora da regulação definitiva da situação, ou seja, para obviar ao chamado "periculum in mora".

Ora, como se viu, este requisito nem sequer foi alegado. E não se vê que a construção do muro nas referidas circunstâncias pudesse causar dano irreparável ou de difícil reparação.

Além do mais, como se disse, nem sequer foi expressamente alegado que o requerente venha utilizando a parte do logradouro onde foi construído o muro.
IV
Nos termos do nº 1 do artigo 412º, aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de trinta dias, a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente.

São, pois, requisitos específicos desta providência:
a) que o embargante seja titular do direito invocado (direito de propriedade, ou qualquer outro real ou pessoal de gozo ou na sua posse);
b) que, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo, o requerente se sinta ofendido nesse direito;
c) que essa obra lhe cause ou ameace causar prejuízo.

Mas é necessária a verificação cumulativa destes requisitos.

“O embargo de obra nova é uma providência cautelar com funções preventivas ou conservatórias, na medida em que através da mesma se pretende obter a estabilização da situação de facto, até que seja resolvido o litígio na acção principal” (3).

Trata-se dum procedimento cautelar adequada a evitar a violação, ou a continuação da violação,  do direito de propriedade ou de  outro direito real ou pessoal de gozo ou da sua posse, em virtude duma obra em curso .

“Na pendência duma acção que vise alcançar a proibição da continuação da obra, a sua alteração ou a demolição do que já tinha sido efectuado, pelo embargo de obra nova é mandada suspender a obra em curso, conservando-se a situação de facto até que na acção se obtenha o resultado pretendido” (4).

As providências cautelares destinam-se, pois, a evitar a lesão que possa advir ao requerente da demora da regulação definitiva da situação, ou seja, para obviar ao chamado "periculum in mora". O embargo de obra nova visa apenas acautelar o efeito útil da acção que tenha por fundamento o direito ofendido ou ameaçado. É assim essencial que a obra esteja em curso e que cause ou ameace causar prejuízo.

Esta providência está dependente duma acção a propor pelo requerente no sentido de o requerido ser condenado a destruir o muro, com o fundamento de que a sua construção violou o seu direito de propriedade. Com o embargo seria mandada suspender a obra em curso, mantendo-se a situação de facto existente, até que a questão fosse decidida na acção principal.

Acontece que o muro já se encontra totalmente construído, ou seja, a obra nova já se encontra consumada. Por isso o decretamento do embargo (suspensão da obra) não teria qualquer justificação e não poderia produzir qualquer efeito.

Por isso se concluiu na douta sentença: “com efeito, da circunstância do Requerente estar presentemente privado da utilização de cerca de 80 cm da sua propriedade, ao comprimento do pequeno muro que a delimita da propriedade do Requerido, como resulta visível pelas fotografias, não resulta qualquer prejuízo alegado, ou que tenha sido apurado em audiência, para além da simples limitação ao direito de propriedade do requerente sobre a fracção (art.1305º do C.C)”. E assim é, na verdade, pois dos factos provados não resulta que a construção do muro possa causar outros prejuízos. E estes poderão ser indemnizados na acção principal.
++
Por todo o exposto acorda-se em negar provimento ao agravo, confirmando-se o despacho recorrido.

Custas pelo agravante.

Lisboa, 12.07.2006.

Pimentel Marcos
Abrantes Geraldes
Maria do Rosário Morgado



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“A Posse”, pag. 363 (3ª edição).
M Andrade, ob cit. pag. 366.
Abrantes Geraldes, in “ Temas... vol. IV, pag. 237
Lebre de Freitas, in CPC Anotado, 2º, pag. 136.