Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
85/15.5T8CSC-C.L1-2
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO GERAL
HIPOTECA
SEGURANÇA SOCIAL
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. O Acórdão n.º 363/2002 do Tribunal Constitucional decidiu:
“…declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República, das normas constantes do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, e do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 512/76, de 3 de Julho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à segurança social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751.º do Código Civil.”.
2. Ao art.º 11.º do Dec. Lei n.º 103/80 de 9 de maio de 1980, que foi revogado, passou a corresponder o art.º 205.º da Lei n.º 110/2009 de 16 de setembro de 2009 em ambos se mantendo a norma segundo a qual: “Os créditos … por contribuições… gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património … à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil”.
3. Tratando-se da mesma norma, embora contida em preceitos diferentes, de leis diferentes, o juízo de inconstitucionalidade com força obrigatória geral sobre ela declarado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 363/2002 não pode deixar se manter, no sentido de que é inconstitucional, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República, a interpretação do art.º 205.º, da Lei n.º 110/2009, segundo a qual os créditos da segurança social gozam de privilégio imobiliário e devem ser graduados logo após os créditos do Estado e das Autarquias referidos no art.º 748.º do C. Civil, preferindo à hipoteca.
(pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.
No âmbito de execução por alimentos requerida por Katherine .. contra António…, tendo sido penhorada a meação do executado sobre uma fracção e reclamados créditos, foi proferida sentença de graduação de créditos, a qual graduou em primeiro lugar os créditos da segurança social, em segundo lugar os créditos de Banco … e em terceiro lugar o crédito exequendo.
Inconformado com essa decisão, o credor reclamante Banco … dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação e a graduação do seu crédito em primeiro lugar, à frente do crédito da segurança social, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
Primeira) Nos termos do artigo 686º, nº1 do Código Civil, o direito de crédito garantido por hipoteca só cede perante os créditos que disponham de privilégio imobiliário especial ou prioridade no registo, e isso porque dos privilégios creditórios só os especiais, porque envolvidos de sequela, se traduzem em garantia real de cumprimento de obrigações, limitando-se os gerais a constituir a mera preferência de pagamento e sendo apenas suscetíveis de prevalecer em relação a titulares de créditos comuns, conforme se refere no Acórdão do STA, datado de 21 de Janeiro de 2009.
Segunda) Ora, a hipoteca, cujo registo é da natureza constitutiva, nos termos do dispostono artigo687º doCódigoCivil, confere aocredorque dela beneficia “(…)o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes aodevedor ouaterceirocom preferênciasobre os demais credores que nãogozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”. Nos termos deste preceito, sem prejuízo dos créditos que gozem da prioridade de registo, só os créditos com privilégio especial podem obter pagamento antes dos créditos hipotecários. Os créditos com privilégio imobiliário especial são apenas os previstos nos artigos 743º (por despesas de justiça feitas relativamente aos bens imóveis em causa) e 744º (por contribuição predial e por impostos de transmissão dessas coisas), ambos do Código Civil.
Terceira) Sendo que, as contribuições devidas à Segurança Social apenas fruem de privilégio geral (mobiliário ou imobiliário), conforme decorre do disposto no artigo 204 do Lei 110/2009, de 16 de setembro.
Quarta) O concurso entre uma garantia geral (privilégios gerais) e uma garantia especial (hipoteca) terá de ser resolvido pela prevalência da garantia especial.
Mais acresce que,
Quinta) Foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma contida no artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à Segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil, por violação do artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, pelo Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 363/2002, publicado no Diário da República nº 239, Série 1-A, de 16 de Outubro de 2002. 
Sexta) Acontece que, o princípio da confiança é violado na medida em que, gozando o privilégio de preferência sobre os direitos reais de garantia, de que terceiros sejam titulares, sobre os bens onerados, esses terceiros são afetados sem, no entanto, lhes ser acessível o conhecimento da existência do crédito, protegido que está pelo segredo fiscal, quer do ónus do privilégio, devido à existência de registo.
Sétima) Sendo assim o artigo 11º do Decreto-Lei 103/80 materialmente inconstitucional por violar o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito (artigo 2º da Constituição) e por violar o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18º, nº 2 da Constituição, conforme menciona o Acórdão 697/2004 do Tribunal Constitucional.
Oitava) Tal inconstitucionalidade decorre do facto de quem compra, penhora ou aceita como garantia real imóveis às entidades empregadoras não tem possibilidade de saber primeiro se existem dívidasà Segurança Social, até porque a violação do sigilo sobre a sua situação contributiva é punida por lei.
Nona) Mais, o legislador do artigo 11º do Decreto-Lei 103/80, de 9 de Maio, não podia equiparar as contribuições para a Segurança Social aos impostos referidos no artigo 748º do Código Civil, sob pena de causar, como no caso sub judice causou uma grave violação do princípio da confiança legítima contido no princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2º da Constituição.
Décima) A solução consagrada no artigo 11º, do Diploma Legal, supra mencionado, é portanto desproporcionada, pois pode lesar gravemente terceiros de boa fé caso a Segurança Social não tenha feito uso da garantia prevista no artigo 12º do mesmo Diploma.
Décima Primeira) Ora, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, proferida pelo Tribunal Constitucional, possui força de lei e vincula, para além de outras entidades, todos os tribunais que, na resolução dos processos pendentes não podem aplicar normas que infrinjam a Constituição ou os princípios nela consagrados, nos termos e para os efeitos do artigo 204º da Constituição.
Décima Segunda) E tendo as declarações de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral os efeitos previstos no artigo 282º da Constituição (artigo 66º da Lei 28/82, de 15 de Novembro) e sendo as decisões do Tribunal Constitucional obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecendo sobre as dos restantes tribunais e de quaisquer outras autoridades, nos termos do artigo 2º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, é de aceitar que, contrariamente ao entendimento da Sentença recorrida, a interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral conferidoà Segurança Social pelo artigo 11º do Decreto-Lei 103/80, de 9 de Maio, prefere à hipoteca é inconstitucional.
Décima Terceira) Embora o artigo 735º, nº3 do Código Civil consagrasse o princípio de que os privilégios imobiliários eram sempre especiais, coma redação introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de março, a redação deste normativo passou a ser a seguinte: “Os privilégios imobiliários estabelecidos neste Código são sempre especiais”.
Décima Quarta) Ora, é exceção ao princípio, supra mencionado, o privilégio imobiliário das instituições de Segurança Social sobre imóveis do devedor à data da instauração da ação executiva e que, como se refere a uma generalidade de bens e não a bens certos e determinados, é um privilégio geral e não especial.
Décima Quinta) Pelo que, e salvo melhor opinião, a douta Sentença recorrida, ao graduar os créditos reclamados pela Segurança Social, que gozam de privilégio imobiliário geral, com preferência sobre o crédito hipotecário reclamado pela ora Recorrente, violou as normas constantes dos artigos 9º, 686º e 749º, todos do Código Civil e dos artigos 2º, 13º, 18º e 204º da Constituição.
Décima Sexta) Assim, o privilégio imobiliário, previsto no artigo 205º do Código do Regime Contributivo do Sistema Providencial da Segurança Social, aprovado pela Lei 110/09, de 16 de Setembro (que sucedeu ao disposto nos artigos 10º e 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de Maio) são gerais e não especiais, pelo que, não preferem ao crédito hipotecário, também reclamado, na respetiva graduação de créditos, conforme menciona o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 16 de Novembro de 2011.
Décima Sétima) Pelo que, não restam dúvidas que os créditos garantidos por hipoteca devem ser graduados antes dos créditos garantidos por privilégio imobiliário geral.
Décima Oitava) Sendo certo que, a interpretação do Tribunal a quo no sentido de preterir o credor hipotecário, ora Recorrente, face ao titular daquele privilégio imobiliário geral, do Instituto da Segurança Social, é materialmente inconstitucional por violar frontalmente o princípio da confiança ínsito no princípio do estado de direito e por violar os princípios dos artigos 2º e 18º, nº2,
ambos da Constituição.
Décima Nona) Com efeito, não existe norma que contemple o valor preferencial do “privilégio imobiliário geral”, figura que de resto é expressamente rejeitada no Código Civil, face à Hipoteca. Mais acresce que,
Vigésima) Não existe qualquer conexão entre o imóvel onerado pela garantia (hipoteca) e o facto que operou a dívida (no caso à Segurança Social), ao contrário do que sucede com os privilégios especiais, referidos nos artigos 743º e 744º, ambos do Código Civil.
Vigésima Primeira) Os privilégios imobiliários gerais, porque não incidem sobre bens determinados, não são qualificáveis como “direitos reais de garantia”, ou como verdadeiras e próprias “garantias reais das obrigações” razão por que, não lhes pode ser aplicável o disposto no artigo 751º do Código Civil.
Vigésima Segunda) Pelo que, os créditos do Estado e da Segurança Social gozam de privilégio imobiliário geral ou seja, sobre todos os bens imóveis existentes no património do devedor, e não especial, mas a sua alegada preferência sobre a Hipoteca contraria a matriz em que se inspirou o Código Civil, que dispõe no seu artigo 686º que “a hipoteca cede perante os privilégios especiais e não perante os privilégios gerais”.
Vigésima Terceira) Impõe-se assim uma diferente graduação de créditos, que respeitando as preferências associadas aos créditos concorrentes, gradue em segundo lugar o credor hipotecário, ora Recorrente, à frente do credor, titular de privilégio imobiliário geral, no caso, o Instituto de Segurança Social, I.P.
Vigésima Quarta) Deve, portanto, face ao supra exposto, ser revogada a decisão recorrida e proferido acórdão que gradue o crédito da recorrente em primeiro lugar, à frente dos créditos da Segurança Social.
Não foram apresentadas contra-alegações.
2. FUNDAMENTAÇÃO.
A) OS FACTOS.
A matéria de facto a considerar é a acima descrita, sendo certo que a questão submetida a decisão deste tribunal se configura, essencialmente, como uma questão de direito.
B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões da apelação supradescritas a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal pelo apelante consiste, tão só, em saber se o seu crédito, garantido por hipoteca deve ser graduado em primeiro lugar, à frente do crédito da segurança social.
Vejamos.
Esta questão não é nova na jurisprudência[1] e sobre ela foi proferido o Acórdão n.º 363/2002 do tribunal constitucional de 17 de Setembro de 2002, publicado no Diário da República n.º 239/2002, Série I-A de 16/10/2002, o qual decidiu:
“…declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República, das normas constantes do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, e do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 512/76, de 3 de Julho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à segurança social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751.º do Código Civil.”.
Como dispõe o art.º 66.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional), sob a epígrafe “Efeitos da declaração”, “A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral tem os efeitos previstos no artigo 282.º da Constituição”, de que destacamos a produção de “…efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional….” (n.º 1, do art.º 282.º, da C. R. Portuguesa).
Posteriormente a este acórdão a norma por ele declarada inconstitucional, a saber, o art.º 11.º do Dec. Lei n.º 103/80 de 9 de maio de 1980, foi revogado pela Lei n.º 110/2009 de 16 de setembro de 2009, a qual dispõe no seu art.º 205.º, sob a epígrafe “Privilégio imobiliário” que:
 “Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património do contribuinte à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil”.
Questão que desde logo se coloca, atenta a alteração legislativa, consiste em saber se o juízo de inconstitucionalidade com força obrigatória geral se deve estender ao preceito correspondente desta Lei n.º 110/2009, que é este art.º 205.º.
A norma declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, constante do art.º 11.º do Dec. Lei n.º 103/80 sob a epígrafe “Privilégio imobiliário” dispunha que:
Os créditos pelas contribuições, independentemente da data da sua constituição, e os respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil”.
Confrontados ambos os preceitos constatamos que a norma do art.º 11.º do Dec. Lei n.º 103/80 que foi declarada inconstitucional se mantém no art.º 205.º, da Lei n.º 110/2009, qual seja:
Os créditos … por contribuições… gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património … à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil”.
Tratando-se da mesma norma, embora contida em preceitos diferentes, de leis diferentes, o juízo de inconstitucionalidade com força obrigatória geral sobre ela declarado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 363/2002 não pode deixar se manter, no sentido de que é inconstitucional, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República, a interpretação do art.º 205.º, da Lei n.º 110/2009, segundo a qual os créditos da segurança social gozam de privilégio imobiliário e devem ser graduados logo após os créditos do Estado e das Autarquias referidos no art.º 748.º do C. Civil, preferindo à hipoteca.
Com efeito, como se escreve no acórdão n.º 363/2002, por reporte ao acórdão n.º 193/2002, “o princípio da confidencialidade tributária impossibilita os particulares de previamente indagarem se as entidades com quem contratam são ou não devedoras ao Estado ou à segurança social” e por reporte ao acórdão n.º 109/2001,”o princípio da confiança é violado na medida em que, gozando o privilégio de preferência sobre os direitos reais de garantia, de que terceiros sejam titulares, sobre os bens onerados, esses terceiros são afectados sem, no entanto, lhes ser acessível o conhecimento da existência do crédito, protegido que está pelo segredo fiscal, quer do ónus do privilégio, devido à inexistência de registo”.
Não vislumbramos, pois, fundamento para reequacionar esta matéria, e muito menos para afastar esta jurisprudência com força obrigatória geral.
Em consequência da inconstitucionalidade da citada norma, antes do art.º 11.º do Dec. Lei n.º 103/80 e agora do art.º 205.º, da Lei n.º 110/2009, adquire plena aplicação o disposto no n.º 1, do art.º 686.º, do C. Civil, nos termos do qual “…A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis… com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”, pelo que a resposta à questão da apelação não pode deixar de ser no sentido de que o crédito do apelante, garantido por hipoteca, deve ser graduado em primeiro lugar, à frente do crédito da segurança social.
Procede, pois, a apelação, devendo o crédito do apelante ser graduado em primeiro lugar, seguido do crédito da segurança social e do crédito exequendo.
C) SUMÁRIO
1. O Acórdão n.º 363/2002 do Tribunal Constitucional decidiu:
“…declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República, das normas constantes do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, e do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 512/76, de 3 de Julho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à segurança social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751.º do Código Civil.”.
2. Ao art.º 11.º do Dec. Lei n.º 103/80 de 9 de maio de 1980, que foi revogado, passou a corresponder o art.º 205.º da Lei n.º 110/2009 de 16 de setembro de 2009 em ambos se mantendo a norma segundo a qual: “Os créditos … por contribuições… gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património … à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil”.
3. Tratando-se da mesma norma, embora contida em preceitos diferentes, de leis diferentes, o juízo de inconstitucionalidade com força obrigatória geral sobre ela declarado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 363/2002 não pode deixar se manter, no sentido de que é inconstitucional, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República, a interpretação do art.º 205.º, da Lei n.º 110/2009, segundo a qual os créditos da segurança social gozam de privilégio imobiliário e devem ser graduados logo após os créditos do Estado e das Autarquias referidos no art.º 748.º do C. Civil, preferindo à hipoteca.
 
3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando a decisão recorrida e graduando o crédito do apelante em primeiro lugar, seguido do crédito da segurança social e do crédito exequendo.
Custas pelo executado (art.º 541.º, do C. P. Civil).

Lisboa, 16-12-2021
Orlando Santos Nascimento
Maria José Mouro
José Maria Sousa Pinto

[1] Cfr, v. g. Os acórdãos da Relação do Porto de 2/5/2005 (m. relator) e de 02/07/2013 (relator: Henrique Araújo) e da Relação de Lisboa de 10/10/2006 (relatora: Isabel salgado), de 22/05/2012 (relator: Pedro Brighton), todos in dgsi.pt.