Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19237/17.7T8SNT-A.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
REGULAMENTO BRUXELAS
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Não é possível interpretar o dispositivo de sentença estrangeira dada à execução em Portugal no sentido de que a decisão de considerar vinculativa a recomendação de um mediador no pagamento de determinada quantia, por uma parte contratual à outra, está condicionada à prestação válida de garantia bancária pela parte beneficiada com a recomendação e subsistente até à resolução final do litígio por arbitragem.
II - Não se colocando a questão ao tribunal estrangeiro por então não ter ainda ocorrido a caducidade da garantia bancária, as considerações feitas na sentença sobre o equilíbrio contratual assegurado por tal garantia até à resolução final do litígio por arbitragem, não constituem um verdadeiro processo decisório relacionado com a questão, tanto mais que, não se colocando a questão, as partes também não apresentaram os seus argumentos contraditórios, e os termos contratuais não são expressos sobre essa matéria.
IV - Mesmo a pensar-se na possibilidade, face ao Regulamento Bruxelas I bis, da questão ser conhecida pelo tribunal de execução português em sede de oposição à execução por inexigibilidade da obrigação exequenda a partir da caducidade da garantia, tendo as partes convencionado a atribuição exclusiva de competência aos tribunais irlandeses para dirimir todo e qualquer litígio decorrente do contrato, não pode o tribunal de execução nacional conhecer da questão.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
A…, S.A., veio, por apenso à execução que lhe move B … Limited, deduzir oposição à execução mediante embargos de executado e incidente de prestação de caução.
Em síntese, sustentou:          
Foi dada à execução sentença proferida pelo Tribunal Superior – Secção Comercial (…) da República da irlanda, em 31.7.2017, pela qual a embargante e a sociedade C… Limited (em liquidação judicial) foram solidariamente condenadas no pagamento à embargada de €6.363.978,00.
Segundo a exequente, a decisão que serve de título executivo encontra-se devidamente certificada nos termos e para os efeitos do Regulamento (EU) 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, e tem força executória na República da Irlanda desde 31.7.2017, pelo que pode ser imediatamente executada em Portugal sem qualquer declaração de executoriedade ou outra formalidade.
Contudo, a decisão não configura uma resolução final do litígio, e mesmo que assim fosse, encontra-se desprovida de qualquer fundamentação, não sendo discernível a motivação do tribunal irlandês, e adicionalmente, no contexto da acção declarativa respectiva, a ora embargante interpôs recurso para o “Court of Appeal”.
Em rigor, como aliás resulta da enunciação factual do requerimento executivo pela menção a “outro título executivo”, a sentença não configura uma definição estabilizada da relação material controvertida na medida em que não procedeu (o tribunal) a qualquer indagação sobre o mérito da pretensão que lhe foi formulada. Do contrato de empreitada de que emerge a pretensão executiva consta uma cláusula de resolução de litígios que prescreve um procedimento autónomo e vinculativo relativo aos diferendos e ao abrigo do qual ainda não foi proferida qualquer decisão de mérito. Com efeito, as partes convencionaram um mecanismo duplo e faseado de resolução alternativa de litígios, segundo o qual os diferendos seriam primeiramente submetidos a processo de mediação e, apenas se as recomendações do mediador não fossem observadas, o litígio seria então sujeito a arbitragem. O mediador escolhido emitiu uma recomendação favorável ao peticionado pela ora exequente e embargada, no montante de seis milhões e quatrocentos mil euros. A ora embargante apresentou uma “notice of dissatisfaction” submetendo o litígio a arbitragem. Adicionalmente, comunicou que só depositaria o montante recomendado, mediante a prestação de garantia bancária à primeira solicitação, caso a exequente efectuasse um depósito relativo aos custos da arbitragem, o que a exequente não chegou a fazer. À data de entrada da execução a garantia não se encontrava emitida, nem agora, o que consubstancia impedimento ao prosseguimento da execução.
Para mais, a pretensão deduzida pela exequente na acção arbitral não é a mesma que tinha sido apresentada na mediação, identidade cuja falta torna inultrapassável a não resolução definitiva do diferendo.
Ora, na decisão em execução, não só o tribunal se considerou competente para decidir se a executada tinha, ou não, de prestar a referida garantia bancária como julgou que, de acordo com o contrato, a decisão do mediador tinha carácter vinculativo, pelo que a executada deveria efectuar o referido pagamento.
Deste modo, a decisão não consubstancia decisão sobre o mérito, porque não se pronuncia sobre a substância dos diversos pedidos formulados e porque os poderes de cognição do tribunal se limitam apenas à decisão sobre o carácter vinculativo ou não da decisão do mediador. Assim, em rigor, é a decisão tomada no seio da mediação que sustenta a pretensão executiva, sendo que a mesma decisão não constitui título executivo nem resolve definitivamente o diferendo. A decisão do mediador é insusceptível de formar caso julgado e não produz qualquer efeito inovatório na ordem jurídica existente, revestindo mera eficácia recomendativa, sob pena de frustração da possibilidade das partes submeterem o litígio à arbitragem.
Em suma, a instância executiva baseia-se num título – recomendação do mediador – que é intrinsecamente inidóneo, porque desprovido da autoridade e exequibilidade próprias da sentença condenatória.
Assim não se entendendo, a sentença também não preenche os requisitos de exequibilidade, e atenta contra a ordem pública portuguesa por consubstanciar a violação do princípio da fundamentação das decisões judiciais.
Sustenta ainda a embargante, para os efeitos de recusa previstos no artigo 45º do Regulamento que indica, a incompatibilidade do título com a ordem jurídica portuguesa, por violação do princípio da tipicidade dos títulos executivos (a recomendação não constitui sentença nem é equiparável a qualquer outro título) e a violação do dever de fundamentação das decisões judiciais – pois que da parte alegadamente decisória apenas consta “É decidido judicialmente que seja pago à Autora pela Primeira e Segunda Rés, enquanto devedoras solidárias, o montante de 6.364.978,00, de acordo com a sua Petição Inicial homologada no despacho de Citação Sumária, contido nos presentes autos, bem como o montante devido a título de custas com os presentes Autos, as quais serão determinadas oficiosamente na falta de acordo, assim como os custos inerentes à transferência dos presentes Autos para a Lista Comercial”.
Invoca ainda a renúncia da exequente ao pedido de juros, e sustenta a suspensão da execução até à decisão do recurso que interpôs no tribunal de recurso irlandês.
Concluiu peticionando a suspensão da execução por via da prestação de caução idónea, que seja declarado que o título executivo “recomendação do mediador” ou “sentença” do Tribunal Superior da República da Irlanda ofende os princípios da ordem pública do Estado Português e em consequência seja recusado o procedimento executivo, e caso assim não se entenda, se declare que a exequente não tem direito ao pagamento de juros e que em face do recurso que interpôs seja a execução suspensa, e em qualquer caso e face ao recurso pendente, que seja determinado que o pagamento a efectuar pela embargante seja condicionado à prestação de caução pela embargada nos termos do artigo 704º nº 3 do CPC, e que sendo dado provimento ao recurso, que seja julgada extinta a execução.
Recebidos os embargos, a embargada apresentou contestação. Em síntese, aceitou parcialmente os factos, requereu a tradução dos documentos em língua estrangeira apresentados pela embargante, e defendeu-se por impugnação, desde logo sustentando que o título executivo é uma verdadeira decisão judicial devidamente certificada. A decisão pronunciou-se sobre a competência do tribunal, circunscreveu o âmbito do litígio a si submetido – “13. Aquilo que a autora pretende nesta acção não é uma determinação da sua pretensão mas tão-só uma declaração de que, nesta fase, os réus se encontram obrigados a pagar o montante recomendado em cumprimento dos termos do acordo” (questão esta da submetida à arbitragem) – e na qual e fundamentadamente o tribunal efectivamente decidiu.
Defendeu ainda a embargada o indeferimento do pedido de prestação de caução para suspensão da execução, e defendendo-se por excepção, alinhou, reiterando, a existência de uma verdadeira sentença com conhecimento da substância da questão da vinculatividade da recomendação do mediador, afirmou que a garantia bancária foi por si efectivamente prestada, como o próprio tribunal irlandês declarou, e relativamente aos fundamentos de recusa de executoriedade, manteve a não violação da tipicidade dos títulos executivos e defendeu ter sido a sentença devidamente fundamentada, sendo que na ordem jurisdicional irlandesa a fundamentação de facto e de direito consta de decisão proferida separadamente (o denominado “judgement”, oferecido como documento nº 2 com a contestação) da qual a embargante foi notificada. De tal “judgement” facilmente se alcançam os fundamentos de facto e de direito com base nos quais o “High Court” alicerçou a sua decisão. Pronunciou-se ainda sobre a renúncia ao pedido de juros, declinando-a, e sustentou o efeito devolutivo do recurso interposto pela embargante da sentença do “High Court “para o “Appeal Court”, juntando a decisão respectiva como documento nº 3, opondo-se portanto à suspensão da execução. Finalmente, requereu a condenação da embargante como litigante de má-fé.
O tribunal ordenou então a junção de tradução certificada dos documentos apresentados em língua estrangeira, o que se mostra cumprido.
Por despacho de 21.11.2018 foi indeferido o requerimento de prestação de caução formulado pela embargante.
Realizou-se audiência prévia, no decurso da qual a embargante invocou que a garantia bancária prestada pela exequente, como pressuposto essencial da exigibilidade da obrigação de pagamento prevista na sentença exequenda, havia caducado, tendo a embargada sustentado que a questão da garantia bancária é da competência do tribunal irlandês. Foi ordenada a junção de documentos atinentes à mesma garantia.
Com a junção, a embargante pronunciou-se ainda, concedendo por mera hipótese que fosse defensável a tese da embargada, que “não se verificam, à presente data, os requisitos essenciais à executoriedade da decisão (…)” pois, estando a obrigatoriedade da executada e embargante de liquidar o montante recomendado dependente e condicionada à prestação de garantia adequada pela embargada, conforme documentos nº 1 e nº 2  juntos com a contestação, dos quais resulta que na óptica, quer do mediador, quer do tribunal irlandês, a existência e prestação de uma garantia adequada por parte da entidade que pretende prevalecer-se da recomendação favorável do mediador “constitui e constituiu pressuposto fundamental e inultrapassável para que aquela recomendação pudesse vir a assumir o carácter vinculativo que lhe foi conferido (…)”, tal garantia terá de se manter válida durante todo o período que durar a execução – o que não sucede já por ter caducado em Agosto de 2018, por decurso do prazo de 550 dias e não ter sido substituída nem prestada outra – “sob pena, de se subverterem os pressupostos da decisão proferida e, em última análise”, se estar perante fraude à lei. Donde, caducada e não substituída nem renovada, a recomendação do mediador não é exequível, o que implica a extinção da execução.
Concluiu o seu requerimento peticionando a procedência dos embargos e a consequente extinção da execução por falta de título bastante que a sustente.
Respondeu a embargada logo suscitando que a questão invocada não pode ser conhecida senão pelo tribunal irlandês, nos termos do artº 52 do Regulamento, sob pena de violação da autoridade do caso julgado, princípio reforçado ainda pelo artigo 45º, que prevê os casos de recusa. De resto, o tribunal português seria incompetente, até internacionalmente, para rever alterar ou reverter o conteúdo da sentença estrangeira. Além disso, a questão da caducidade da garantia já foi colocada ao tribunal de recurso irlandês – como resulta do documento nº 1 que junta – verificando-se litispendência se o tribunal nacional apreciar essa questão.
Por outro lado, a interpretação que a embargante faz quer da cláusula 13.1.11 quer dos termos em que a mesma foi referida na decisão irlandesa, não é correcta.
Sustenta a embargada que não é disputado pelas partes que o mediador recomendou que a executada pagasse à exequente €6.364.978,00, que a executada emitiu um aviso de insatisfação e que a exequente deu uma garantia, datada de 9.2.2017, entregue aos mandatários irlandeses da executada a 10.2.2017, tendo cumprido pois a exequente a sua obrigação, o que o tribunal irlandês confirmou na sua decisão. A redacção da garantia prevê que a mesma caducará com a primeira das condições que se verifique: - que o litígio tenha sido definitivamente dirimido por um árbitro ou tribunal ou que tenham decorrido 550 dias sobre a sua data. O contrato de empreitada não dispõe nem na cláusula 13.1.11 nem noutro lado, que que se for pago o montante de uma recomendação mas a arbitragem não for decidida no tempo de duração da garantia (550 dias) que os montantes pagos têm de ser reembolsados. Pelo contrário, o contrato apenas prevê que o montante seja reembolsado quando a arbitragem terminar e apenas dentro dos limites do valor exigido pela decisão de arbitragem. Também, o contrato de empreitada não impõe qualquer obrigação à parte que recebe o montante recomendado, de o reembolsar caso a garantia caduque antes da arbitragem estar concluída. Donde, além de nem os termos da sentença, nem do contrato nem da garantia, exigirem a renovação da mesma ou o reembolso, a parte que paga o montante recomendado corre o risco de o perder, em função da caducidade da garantia pela demora do processo. Isto mesmo foi identificado e confirmado pelo tribunal de recurso irlandês e mereceu a concordância do mandatário irlandês da executada, como resulta da transcrição da audiência.
Por outro lado, a exequente procedeu a um depósito bancário de €700.000,00 para garantia dos custos da arbitragem, o que a executada e embargante não refere, demonstrando-se a sua má-fé. E, como resulta da correspondência entre mandatários irlandeses, a exequente até se predispôs a prestar uma garantia alternativa. A embargante litiga em abuso de direito, continuando a protelar os processos, razão pela qual a garantia caducou, não podendo a embargante prevalecer-se desta caducidade.
A embargante requereu a suspensão da execução com carácter urgente, em vista do agendamento do julgamento do recurso no tribunal irlandês. 
Em novo requerimento, e além do mais, a embargante veio esclarecer que não é verdade que pretenda que o tribunal recorrido reaprecie a relação jurídica subjacente entre as partes que já foi alegadamente apreciada pelo tribunal que proferiu a “sentença” que serve de base à execução, sendo que apenas traz à discussão um pressuposto indispensável à executoriedade da decisão e não o respectivo conteúdo decisório. Não está em causa a revisão do mérito, mas antes a alegação e demonstração de um evento – caducidade da garantia – que extravasando a definição das posições jurídicas das partes, condiciona a executoriedade. Tal condição resulta das transcrições e do próprio dispositivo: - a decisão foi emanada no pressuposto fundamental e inultrapassável de haver sido prestada uma garantia adequada. Solução contrária subverteria o espírito da decisão. Não é impeditivo de conhecimento o facto da caducidade da garantia já ter sido dada a conhecer ao tribunal de recurso, pois nos termos do artigo 41º nº 1 do Regulamento é a este tribunal que compete decidir sobre a execução, concretamente conhecendo de quaisquer obstáculos ou impedimentos à executoriedade do título, não se verificando a possibilidade de litispendência.
A leitura que a exequente e embargada faz da cláusula 13.1.11 do contrato está truncada. O cumprimento da obrigação de disponibilizar a garantia não se confunde com a sua prestação. A interpretação que a exequente e embargada faz – da irrelevância de vicissitudes posteriores à prestação válida de uma garantia – conduz a uma inexorável desigualdade entre as partes. A interpretação correcta é que a garantia deve conservar-se válida durante todo o período que perdurar a execução. Nas próprias palavras do tribunal irlandês, a obrigação de pagamento apenas existe no pressuposto duma garantia válida.
Em novo requerimento, a embargada veio, além do mais, opor-se à admissibilidade do requerimento da embargante que acabamos de mencionar, e dar notícia de que o tribunal de recurso irlandês proferiu acórdão em 20.3.2019, no qual considerou como não relevante a questão da caducidade da garantia e confirmou a decisão irlandesa dada à execução. Transcreve o parágrafo 32º do acórdão onde se lê: “Apesar de a caducidade da garantia ser sem dúvida um acontecimento significativo, não obstante este Tribunal deve decidir o recurso com fundamento naquilo que se encontrava perante o tribunal de julgamento. Será uma questão para as partes decidir como tratar da nova situação (…) adveniente com a caducidade da garantia. A competência do presente recurso é de simplesmente confirmar a natureza fundada da decisão do juiz de recurso”.
Em novo requerimento, a embargante veio sublinhar que o tribunal de recurso irlandês decidiu-se incompetente para conhecer da questão da caducidade da garantia, não obstante reconhecer a sua importância, e que a reapreciação do mérito da causa sem conhecimento dessa questão revela precisamente que a questão é exógena ao mérito, apresentando-se ao invés como pressuposto da executoriedade, donde é o tribunal português o competente para decidir acerca da revelância da caducidade da garantia.
Novamente, a embargada veio pronunciar-se, sustentando que o tribunal de recurso irlandês também realçou que a garantia “foi de duração limitada, e consequentemente sempre existiu a possibilidade de que a mesma poderia ter caducado no momento em que a arbitragem fosse concluída, e dessa forma que poderia não se encontrar disponível para a C… na eventualidade de a arbitragem resultar num montante inferior do que o montante recomendado pelo mediador como tendo de ser pago à B…”, deixando assim claro que não existe uma correspondência necessária entre a caducidade e a obrigação de pagamento. Ademais, sabendo da existência da execução em Portugal, o tribunal de recurso irlandês não relegou ou preceituou que o conhecimento da questão fosse da competência dos tribunais portugueses, mas apenas que seria uma questão a tratar pelas partes. O artigo 41º nº 1 do Regulamento não determina que o tribunal de execução avalia ou aprecia factos supervenientes à decisão exequenda, mas apenas que a lei processual aplicável à execução de decisões de outros Estados-membros é a portuguesa, sendo corolário desse princípio que as decisões de outros Estados-membros sejam adjectivamente executadas em condições iguais às decisões proferidas pelos tribunais nacionais. Concluir que o tribunal nacional pode aferir da relevância de factos supervenientes, o que implica fazer um reexame do mérito da causa, é simplesmente proibido pelo artigo 52º. A embargante confunde factos supervenientes com pressupostos de executoriedade. A sentença dada à execução, como resulta dos seus considerandos, estipula que o pagamento do montante recomendado é vinculativo logo que uma garantia tenha sido prestada. Mesmo a admitir-se a tese da embargante, sempre a mesma estaria a agir em abuso de direito.
Foi então proferido despacho que fixou à oposição o valor de €6.363.978,00, e que saneou os autos, passando a conhecer da violação do princípio da tipicidade, preterição do dever de fundamentação e renúncia da exequente ao pedido de juros, tudo julgando improcedente, e a conhecer “Do facto superveniente – da caducidade da garantia prestada pela exequente”, também julgando improcedente a invocada inexigibilidade da obrigação exequenda, e finalmente decidindo que nenhuma das partes havia litigado de má-fé, concluindo a final, na sua parte dispositiva:
Por todo o exposto, julgo improcedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado. Custas a cargo da executada/opoente”.
Inconformada, A… S.A. interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
A. O Título que sustenta a acção executiva em discussão corresponde a uma sentença estrangeira, proferida por um tribunal irlandês, que conferiu força executiva a uma decisão de um mediador, nos termos da qual a Recorrente e a sociedade “C… Limited” (Em liquidação judicial) são condenadas no pagamento à Recorrida do valor de €6.363.978,00 (…)”.
B. A decisão do mediador constitui uma recomendação favorável à pretensão Recorrida, no montante de €6.400,000,00 (…), tendo a Recorrente, inconformada com esta solução, apresentado, nos termos da Cláusula 13ª do Contrato de Subempreitada, uma “notice of dissatisfaction” e, assim, submetido o litígio a arbitragem com vista à discussão efectiva e definitiva sobre o mérito das suas pretensões.
C. Tanto nos termos do Contrato como da sentença dada à execução, a atribuição de força executória à decisão do mediador estava sujeita a certa e determinada condição de salvaguarda, i.e., à obrigação de a Recorrida ter, ela própria, de prestar uma garantia adequada a assegurar o valor daquela recomendação, com vista a acautelar a possibilidade de, em sede de arbitragem, vir a resultar uma decisão oposta da proferida pelo mediador, porquanto só assim se assegurava que a parte vencida na decisão do mediador teria o reembolso do seu crédito devidamente assegurado. 
D. Na exposição da sua pretensão executiva, a Recorrida - bem conhecedora desta obrigação -, alegou ter prestado uma garantia bancária autónoma à primeira solicitação (“on first demand”), emitida pelo … Bank Ireland DAC, supostamente idónea para acautelar aquela finalidade.
E. Já na pendência da presente execução, apurou-se que aquela garantia bancária entretanto caducara, sem que a Recorrida, como estava contratualmente obrigada, tivesse procedido à sua substituição por outra de igual espécie, nem tão-pouco prestado qualquer outro meio idóneo a garantir o montante que fora determinado pela recomendação do mediador.
F. O Tribunal recorrido não conheceu da questão da caducidade da garantia, a pretexto de que a mesma constituiu uma “vicissitude que bule com os pressupostos da decisão dada à execução” e, nessa medida, caso os tribunais portugueses conhecessem dessa questão, tal pronúncia representaria um reexame do mérito da sentença proferida pelo tribunal irlandês, o que violaria o art.º 52º do Regulamento Bruxelas I bis.
G. Sucede, porém, que a Sentença a quo incorreu numa errada aplicação e interpretação do disposto no art.º 41º e 52º do Regulamento Bruxelas I bis, dado que a Recorrente, ao suscitar a questão relativa à caducidade da garantia, não só não pretendeu colocar em crise o mérito da decisão ora dada à execução, nem tão-pouco tal indagação consubstanciaria qualquer espécie de reexame do mérito da referida decisão.
H. Com efeito, o Tribunal Irlandês apenas concedeu força executória à decisão do mediador, porquanto, à data que tal questão lhe foi sujeita à apreciação, existia uma garantia bancária devidamente prestada pela Recorrida, a qual constituía condição sine qua non à atribuição de força executiva à decisão proferida pelo mediador. 
I. A caducidade da garantia bancária prestada pela Recorrida não coloca em crise a resolução do mediador relativamente aos direitos e obrigações das partes - i.e., não interfere com o objecto nem com os limites da obrigação exequenda -, mas inequivocamente configura um evento que obstaculiza o prosseguimento da execução em Portugal.
J. Por outro lado, também não é verdade que a questão atinente à caducidade da garantia bancária configure, nas palavras do Tribunal a quo, uma “vicissitude que bule com os pressupostos da decisão” dada à execução, dado que, ao focar-se apenas na parte (estritamente) dispositiva daquela decisão, o Tribunal recorrido não valorou outros segmentos desta que demonstram, de forma inequívoca e cabal, que a vinculatividade do mediador estava sujeita à prestação de garantia válida e eficaz por parte da Recorrida, (cfr. ponto 11. da sentença dada à execução e pontos 5, 15 e 23 da decisão proferida pelo tribunal de recurso irlandês).
K. Para os tribunais irlandeses, a existência e prestação de uma garantia adequada por parte do contraente que pretende prevalecer-se da recomendação favorável do mediador – in casu, a Recorrida – constitui pressuposto essencial e inultrapassável para que aquela recomendação assuma carácter vinculativo.
L. Considerando que a garantia prestada pela Recorrida era válida apenas por um período de 550 (quinhentos e cinquenta e cinco) dias a contar da respectiva emissão, tendo esta caducado – sem que a Recorrida tivesse procedido à sua substituição – é forçoso concluir que a presente execução não poderá necessariamente prosseguir.
M. Contrariamente ao sustentado pelo Tribunal a quo, não está em causa uma pretensão de revisão do mérito da decisão dada à execução, mas antes a alegação e demonstração de um evento – i. e., a caducidade da garantia prestada pela Recorrida – que, extravasando a definição das posições jurídicas das partes, condiciona a executoriedade da referida decisão.
N. A configuração da garantia como pressuposto essencial à executoriedade da decisão do mediador resulta cabalmente da certidão da sentença dada à execução (cfr. 4.6.1.2.), obtida junto dos tribunais irlandeses.
O. A prevalecer a tese do Tribunal a quo, poderia dar-se o caso de a garantia ter um período de vigência de apenas 1 (um) dia que, ainda assim: (i) estaria cabalmente preenchida a obrigação de prestar uma garantia adequada; e (ii) os tribunais portugueses nada poderiam fazer para obstar à executoriedade da decisão dada à execução, independentemente de a duração da mesma desvirtuar o propósito da execução instaurada em Portugal.
P. Se o propósito da referida garantia era o de atribuir à ora Recorrente o benefício de ter um meio idóneo que pudesse accionar no caso de, por força da sentença arbitral, ter direito a um reembolso total ou parcial, a caducidade da garantia torna essa possibilidade impossível ficando a Recorrente total e injustificadamente desprotegida perante eventuais agressões à sua esfera patrimonial, situação que se afigura manifestamente inadmissível.
Q. O que amplamente justifica que o tribunal irlandês na atribuição de força executiva à decisão dada à execução expressamente refira que a obrigação exequenda apenas existe no pressuposto de que uma garantia válida seja prestada pela parte que se pretende prevalecer da decisão favorável do mediador.
R. De todo o exposto resulta claro que a Sentença recorrida não poderá deixar de ser revogada e, nessa medida, substituída por outra que, conhecendo da questão relativa à caducidade da garantia bancária prestada pela Recorrida, julgue a presente oposição à execução mediante embargos de executado totalmente procedente, por provada, e, consequentemente, rejeite a execução da decisão configurada como título executivo, por inexigibilidade da obrigação exequenda à face do título dado à execução.
Nestes termos e nos restantes de Direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente Recurso de Apelação e, consequentemente, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se esta por outra que, conhecendo a questão da inexigibilidade da obrigação exequenda em virtude da caducidade da garantia prestada pela Recorrida, julgue procedente a oposição à execução mediante embargos deduzida pela Recorrente e, consequentemente, determine a extinção da execução por falta de título válido que a sustente.
Contra-alegou B…, formulando a final as seguintes conclusões:
A. A sentença dada à execução teve em conta e apreciou as condições em que a garantia foi prestada (nomeadamente o facto de a mesma vigorar até que o litígio tenha sido definitivamente dirimido por um árbitro ou tribunal ou decorridos 550 dias sobre a data da prestação da garantia, consoante a que se verificasse primeiro), decidindo ainda assim pela obrigação de pagamento da Recorrente que se executa nos presentes autos;
B. Com o presente recurso, pretende a Recorrente que os tribunais portugueses (nomeadamente o tribunal ad quem e o tribunal a quo), enquanto tribunais requeridos/de execução, reapreciem a relação subjacente ao litígio entre as partes, a qual já foi apreciada pelo Tribunal Superior/High Court irlandês na sua sentença de 31/07/2017, e, consequentemente, reapreciem o próprio mérito da causa de que o tribunal do Estado-membro de origem já conheceu nessa mesma sentença aqui dada à execução, o que não é permitido ao abrigo do art.52º do Regulamento Bruxelas I bis “o Regulamento”);
C. O próprio Regulamento estipula que a execução só pode ser recusada caso se verifique algum dos casos elencados no art. 45º do mesmo, ex vi art. 46º, sendo que a situação da caducidade da garantia, alegada pela Recorrente, não corresponde a nenhum desses casos;
D. Para além da flagrante violação do art. 52º do Regulamento, caso o tribunal ad quem e/ou o tribunal a quo decidissem apreciar a caducidade da garantia e a sua influência no exame da obrigação exequenda estipulada na sentença dada à execução, reapreciando o mérito da causa e os próprios pressupostos da sentença proferida pelo High Court irlandês, a estariam a fazê-lo sem deter qualquer competência (inclusive internacional) para rever, alterar e/ou reverter o conteúdo de decisões judiciais proferidas por tribunais da jurisdição de outro Estado.
E. Essa reapreciação de mérito violaria igualmente o princípio do caso julgado, na sua vertente positiva de autoridade de caso julgado, a qual impede que qualquer outro tribunal proceda a nova indagação sobre a relação material controvertida já apreciada por outro tribunal (o que naturalmente inclui os tribunais da jurisdição de outro Estado);
F. No proferimento da sentença dada à execução e na sua decisão, o tribunal irlandês teve naturalmente em conta os termos da caução já prestada e já acima referidos;
G. Não obstante a Recorrente jamais ter cumprido com a sua obrigação de pagar à Recorrida o montante indicado pelo mediador, esta cumpriu com a sua obrigação de prestar uma garantia à Recorrente ao abrigo da cláusula 13.1.11 (1) do contrato de empreitada celebrado entre as partes, que exige que esta última “deve efectuar o pagamento recomendado pelo conciliador”, tendo sido esta a interpretação que o High Court irlandês confirmou na sua decisão de 30/07/2017;
H. O próprio contrato de empreitada não dispõe, quer na cláusula 13.1.11, quer em qualquer outra sede, que, se for pago o montante de uma recomendação, mas a arbitragem não for decidida dentro do tempo de duração da Garantia (in casu, 550 dias), os montantes pagos têm que ser reembolsados;
I. A única circunstância em que o Contrato de Empreitada dispõe que o montante pago tem que ser reembolsado é, nos termos da Cláusula 13.1.11 (2), quando o processo de arbitragem terminar, e apenas dentro dos limites e no valor em que a decisão do árbitro exija tal reembolso;
J. Outrossim, o Contrato de Empreitada não impõe qualquer obrigação à parte que recebe o montante (o que nem sequer aconteceu, atenta a conduta inadimplente da Recorrente e que originou o presente processo) de reembolsar o montante caso a Garantia caduque antes da arbitragem se encontrar concluída;
K. No acórdão proferido a 20-03-2019 pelo Court of Appeal irlandês (tribunal irlandês de recurso), este considerou como não relevante a questão da caducidade para efeitos do recurso e confirmou a sentença do High Court nestes autos dada à execução, dando assim razão à Exequente e aqui Recorrida;
L. Naquele acórdão, o próprio tribunal irlandês de recurso confirmou que a garantia em causa sempre foi de duração limitada e que sempre existiu para a ali Recorrente – e nestes autos Executada/Embargante e Recorrente – a possibilidade/risco de a mesma se encontrar caducada no momento em que a arbitragem fosse concluída;
M. Destarte, a circunstância de a garantia poder caducar não é nova e terá sido apreciada e levada em conta pelo High Court irlandês quando proferiu a sentença dada à execução nestes autos; N. O tribunal de recurso deixa bem claro que, independentemente da relevância ou não da questão da caducidade da garantia, não existe uma correspondência necessária entre a caducidade e a (falta de) obrigação de pagamento da Executada/ Embargante/ Recorrente face à Exequente/ Embargada/ Recorrida;
O. O tribunal irlandês de recurso, sabendo existir actualmente processo de execução da sentença do High Court irlandês em Portugal não relegou ou preceituou que o conhecimento de tal questão fosse da competência dos tribunais portugueses, tendo apenas dito que, a própria questão da caducidade em si, será uma situação para as partes (não para o tribunal a quo ou para esta Veneranda Relação) decidirem como tratar tendo o tribunal irlandês de recuso que decidir “com fundamento naquilo que se encontrava perante o tribunal de julgamento”;
P. Também nestes autos, cabe ao tribunal a quo (e ao tribunal ad quem, em sede de recurso) ordenar a execução ou não da sentença dada à execução com fundamento naquilo que se encontra naquela ou, por outras palavras, naquilo que se encontrava perante o High Court irlandês no momento da prolação da sua decisão, já que a caducidade da garantia é um facto superveniente à prolação daquela decisão e cuja apreciação implica necessariamente um exame do mérito da causa decidida tribunal irlandês (e não pelos tribunais portugueses);
Q. Contrariamente ao que refere a Recorrente, o artigo 41º, nº 1 do Regulamento não determina que o tribunal de execução ou, em sede de recurso, a Veneranda Relação de Lisboa enquanto tribunal ad quem, avalia ou aprecia factos supervenientes à decisão exequenda, mas apenas que a lei adjectiva/processual (não o direito substantivo) aplicável às execuções de decisões de outros Estados-membros é a lei processual Portuguesa, sendo corolário desse princípio que as decisões de outros Estados-membros sejam adjectivamente executadas em iguais condições às decisões proferidas pelos tribunais nacionais;
R. É simplesmente infundado e incorrecto concluir, a partir do art. 41º, nº 1 do Regulamento, que o tribunal de execução poder aferir da relevância de factos supervenientes para a decisão, o que implica fazer um reexame do mérito da causa com base nesses factos, o que é absolutamente proibido pelo art. 52º do Regulamento;
S. Não obstante, ao longo das suas alegações e conclusões de recurso, a Recorrente expressamente admitir que a caducidade da garantia diz respeito a factos supervenientes (que, como tal, naturalmente se inserem no mérito da causa, uma vez que podem ou não afectar a configuração da causa de pedir e, consequentemente, levar ou não à alteração ou improcedência desse mérito), a mesma entra várias vezes em contradição ao longo da sua fundamentação, uma vez que, se por um lado admite a caducidade da garantia como um facto superveniente, ao mesmo tempo tenta apresentá-la como uma questão exógena ao mérito da causa;
T. A recorrente confunde factos supervenientes com meros pressupostos exógenos de executoriedade de decisão – nomeadamente meros pressupostos formais de execução – que nada têm que ver com o exame da causa e dos factos subjacentes à mesma;
U. Com efeito, os factos (pretéritos, presentes e/ou supervenientes à propositura da acção) prendem-se com o preenchimento da causa de pedir e, consequentemente, com o mérito da causa, não se prendendo com a forma ou mera executoriedade adjectiva;
V. A questão da caducidade da garantia é um facto superveniente à prolação da decisão exequenda e que pode ou não influir no mérito desta última, pelo que a competência para aferir da relevância ou não desse facto, compete ao próprio órgão judicial que proferiu a sentença – o High Court irlandês, enquanto tribunal do Estado-Membro de origem/Estado-Membro requerente;
W. Resulta claro da fundamentação da sentença exequenda (nomeadamente dos seus pontos 23 a 25) que o pressuposto da prolação da mesma (e consequentemente da sua executoriedade) e da obrigação de pagamento da Embargante foi o facto de a garantia ter sido prestada, facto e pressuposto que se verificou e que não deixa de ter ocorrido ou de ser verdade pela circunstância da garantia ter caducado, pelo que a executoriedade da sentença mantém-se;
X. A obrigação sob a execução é, pura e simplesmente, o pagamento do montante de €6.364,978,00 pela Recorrente à Recorrida;
Y. A apreciação de quaisquer questões, factos (incluindo sua alteração) e/ou pressupostos que tenham levado à determinação daquela obrigação por parte do tribunal irlandês (onde se insere o facto superveniente da caducidade da garantia) dizem respeito ao exame da causa e só por e perante este podem ser avaliados;
Z. A única coisa que a certidão da sentença proferida pelo Tribunal Superior – Secção Comercial (…) em 31 de Julho de 2017, diz é que o tribunal condenou a Recorrente à pagar à Recorrida (sendo que o montante vem referido no ponto 4.6.1.4 da certidão) e que o processo é decorrente de um contrato de empreitada não se referindo em lugar algum os acrescentos falsos que a Recorrente indica nas suas alegações de recurso por forma a tentar sustentar a sua posição infundada, sendo que tal também não vem mencionado na parte dispositiva da sentença dada à execução;
AA. O ponto 11 da decisão judicial proferida a 1 de Junho de 2017 pelo High Court de Dublin, citado pela Recorrente nas suas alegações de recurso, e os pontos 5, 15 e 23 da decisão proferida pelo High Court irlandês a 31 de Julho de 2017, também citados pela Recorrente, também não comprovam aquilo que esta pretende, já que apenas explicitam aquilo que já se disse supra, ou seja, que foi acordado que o montante da recomendação do mediador teria que ser pago (coisa que a Recorrente nunca fez), caso fosse prestada uma garantia adequada, sendo que a mesma foi efectivamente prestada;
BB. Destarte, bem andou o tribunal a quo na sua sentença, ao referir que:
“A decisão dada à execução é muito clara quanto ao objecto e aos limites da obrigação aí se decidindo “que seja pago à Autora (ora exequente) pela Primeira e Segunda (ora executada) Rés, enquanto devedoras solidárias, o montante de €6.363.978,00”
Ora, não podendo, no Estado-Membro requerido, em caso algum, ser revistas as decisões proferidas num Estado-Membro quanto ao mérito da causa – como preceitua o artigo 52º do Regulamento – as vicissitudes que bulam com os pressupostos da decisão não podem ser conhecidas pelo Estado-Membro requerido, tendo, antes, que ser suscitadas junto do Estado-Membro em que foi proferida a decisão”.
CC. A apreciação da questão da caducidade da garantia, enquanto facto superveniente e que implica um reexame do mérito da causa, é necessariamente da competência dos tribunais irlandeses, nomeadamente do High Court irlandês:
DD. Sendo forçoso concluir que nenhum reparo merece a sentença sob recurso proferida pelo tribunal a quo, devendo o tribunal ad quem confirmar a mesma;
EE. Consequentemente, deverá o recurso apresentado pela Recorrente e Apelante A… S.A. ser julgado totalmente improcedente, por não provado e porque destituído de qualquer fundamento legal, e, em consequência, deverá a sentença recorrida ser integralmente mantida, por não merecer a mesma qualquer reparo.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, a questão a decidir é a de saber se o tribunal recorrido devia ter conhecido da questão da caducidade da garantia que foi suscitada nos autos já na sua pendência.
III. Matéria de facto
A constante do relatório que antecede, e ainda, concretizando:
A) - que é o seguinte o teor da cláusula 13.1.1 do contrato de empreitada, sob a cláusula “Litígios” (13) e subcláusula (13.1) “Conciliação”: “Se surgir uma disputa nos termos do Contrato, qualquer uma das partes poderá, mediante notificação à outra parte, encaminhar o litígio para conciliação de acordo com a subcláusula 13.1. (…)”;
- que é o seguinte o teor da subcláusula 13.1.5: “O conciliador deverá consultar as partes na tentativa de resolver o litígio por acordo. O conciliador pode fazer o seguinte, ou qualquer combinação das opções: (…)”;
- que é o seguinte o teor da subcláusula 13.1.8: “Se o litígio não for resolvido por acordo (…) o conciliador deverá dar a ambas as partes uma recomendação por escrito. O conciliador baseará a recomendação nos direitos e obrigações das partes nos termos do Contrato”;
- que é o seguinte o teor da subcláusula 13.1.11 “Se o conciliador recomendou o pagamento de dinheiro, mesmo que uma notificação de insatisfação seja efectuada, aplicam-se os seguintes pontos:
(1) A parte interessada deve efectuar o pagamento recomendado pelo conciliador desde que a outra parte tenha primeiro dado à parte pagadora uma garantia executada por uma garantia aprovada pela parte pagadora, agindo de forma razoável (…).
(2) Se, quando o litígio for finalmente resolvido, for indicado que a parte que recebe o pagamento sob recomendação do conciliador não tem direito a parte ou à totalidade do valor pago, então essa parte deverá reembolsar, o valor pago e ao qual não tinha direito, juntamente com juros.
(3) Quando o litígio é finalmente resolvido, os juros serão deduzidos do pagamento final mediante concessão ou decisão.
(4) Os juros, segundo esta subcláusula, são calculados com base na taxa de referência mencionada nos Regulamentos das Comunidades Europeias (…).
(5) [Esta provisão para juros é confidencial (…)].
- que é o seguinte o teor da subcláusula 13.2: “Qualquer litígio que, de acordo com a subcláusula 13.1, possa ser submetido a conciliação, deverá, de acordo com a subcláusula 13.1, ser resolvido por arbitragem de acordo com as regras de arbitragem identificadas na parte 1N do Anexo. (…)”.
- que é o seguinte o teor da subcláusula 13.3: “Sujeito às disposições acima desta cláusula, as partes submetem-se à jurisdição dos tribunais irlandeses para resolver qualquer litígio que possa surgir de ou em ligação com o Contrato ou as Obras”.
B) - que são os seguintes os termos da carta do (…) Bank para C… e A… (tradução a fls. 331 verso e seguintes) relativa à garantia bancária:
- “Na medida em que seja pago o Montante da Atribuição à B… (…), e em contrapartida do mesmo, NÓS, (…) Bank Ireland Designated Activity Company, com o nosso escritório em (…), comprometemo-nos a pagar a V. Exas., sem necessidade de quaisquer provas ou condições adicionais e sem dedução ou compensação, qualquer montante ou montantes até ao Montante da Atribuição, mediante receção, por escrito, de solicitação de V. Exas.
A não ser que tenha sido feita uma solicitação, a nossa responsabilidade ao abrigo da presente Garantia expirará com a verificação, em primeiro lugar, de qualquer dos seguintes eventos: . Quando V. Exas nos confirmarem por escrito que o litígio que foi objecto de adjudicação tenha sido definitivamente dirimido por um árbitro ou tribunal, que tenha decidido que a B… (…) tem direito ao Montante da Atribuição depois de deduzidos quaisquer montantes devidos a V.Exas,
. Tenham decorrido 550 dias sobre a data da presente garantia. 
(…) A presente garantia tornar-se-á operativa com o pagamento, por V.Exas., do Montante da Atribuição.
(…)
Esta garantia é regulada e interpretada de acordo com a lei irlandesa e as partes submetem-na à jurisdição dos tribunais irlandeses para regular todas as matérias que a mesma digam respeito”.
C – que são – em transcrição parcial relevante – os seguintes os termos (traduzidos) da sentença exequenda (High Court, 31.7.2017) (tradução a fls. 289 e seguintes):
1. A presente decisão resulta de um requerimento de julgamento sumário para efeitos de execução da recomendação do mediador datada de 15 de dezembro de 2015.
(…)
4. A cláusula 13 (b) (5) do subcontrato prevê:
“Se uma das partes não cumprir com uma recomendação do mediador que seja vinculativa, a outra parte poderá iniciar os procedimentos judiciais adequados para obter o cumprimento coactivo da recomendação do mediador sem necessidade de continuar a recorrer ao processo de mediação ou de arbitragem”.
5. Em suma, o processo de resolução de litígios envolve uma submissão do litígio à arbitragem, mediante notificação para o efeito, a qual será considerada o início do processo de arbitragem. Mas o contrato prevê igualmente que nenhuma medida será tomada no âmbito da arbitragem após a notificação de submissão ter sido apresentada, salvo se o litígio tiver sido previamente submetido à conciliação. Se nenhuma das partes apresentar uma notificação de insatisfação no prazo de 48 dias após a receção da recomendação do conciliador, a recomendação será conclusiva e vinculativa para as partes. No entanto, o contrato prevê também que, mesmo que tenha sido apresentada uma notificação de insatisfação, a parte contra a qual a recomendação foi feita deverá pagar o montante recomendado à outra parte, desde que a outra parte entregue uma garantia adequada e que o litígio prossiga para arbitragem. Isto foi o que ocorreu no presente caso. 
(…)
Jurisdição para conceder Julgamento Sumário
9. Não existe qualquer litígio entre as partes quanto à jurisprudência pertinente que rege o poder do tribunal de conceder julgamento sumário. (…)
10. As circunstâncias do presente caso são, de alguma forma, invulgares e não se enquadram adequadamente no padrão providenciado pelos casos supracitados. A razão para tal deve-se ao facto da recomendação do mediador ser somente final e conclusiva caso não seja apresentada qualquer notificação de insatisfação. Contudo, em casos como o presente, em que se apresenta uma notificação de insatisfação e se entrega uma garantia adequada, tendo o assunto sido submetido à arbitragem, o acordo estipula que o montante recomendado pelo mediador será pago, mas tendo em consideração que o árbitro poderá decidir de forma distinta, o que poderá originar diversas possibilidades, nomeadamente, (i) o aumento da indemnização, (ii) a redução da indemnização, ou, (iii) a conclusão de que a Autora não tem direito a qualquer indemnização. Nos casos (i) e (iii), o montante recomendado pelo mediador (ou uma parte do mesmo) teria de ser restituído.
11. Assim, na análise da questão de direito da Autora a requerer um julgamento sumário, o tribunal não se encontra preocupado em saber se as Rés cumprem as exigências mínimas para uma audiência plenária sobre a defesa em relação à quantia reclamada ao abrigo do contrato; ao invés, preocupa-se em saber se cumpriram as exigências para que a questão do pagamento da recomendação do mediador seja remetida para audiência plenária.
12. Está claro que, caso não seja apresentada qualquer notificação de insatisfação pelas Rés, a recomendação do mediador é definitiva e vinculativa. Porém, uma vez que tal notificação foi apresentada, e estando as exigências da prestação de garantia e da submissão à arbitragem cumpridas, a questão a ser decidida pelo tribunal é a de saber se o montante da recomendação do mediador deverá ou não ser pago antes do processo de arbitragem estar decidido. Neste processo, o tribunal não tem qualquer papel na determinação do montante devido (se aplicável) pelas Rés à Autora relativamente ao contrato. Tal determinação será feita no âmbito da arbitragem.
13. Neste caso, o que a Autora pretende não é a determinação do montante pedido, mas tão somente uma decisão que determine quem nesta fase, as Rés são obrigadas a proceder ao pagamento do montante da recomendação em conformidade com os termos do acordo e tendo em consideração que o acordo prevê que tal montante possa vir a ser alterado ou anulado pelo árbitro.
Defesa do “mesmo litigio”
14. (…)
15. De qualquer forma, a questão do pedido apresentado ao árbitro ser ou não o mesmo que o constante da notificação de submissão deverá ser decidida pelo árbitro. O contrato (incluindo o subcontrato) prevê claramente que o árbitro pode chegar a uma conclusão diferente da recomendada pelo mediador, mas reconhece que, até que tal decisão seja tomada, o montante recomendado pelo mediador deverá ser pago contanto que o assunto tenha sido subsequentemente submetido ao árbitro e que tenha sido entregue uma garantia relativa ao montante a ser pago pela parte.
(…)
Natureza vinculativa da Recomendação do Mediador
20. Uma vez que foi apresentada uma notificação de insatisfação pelas Rés a recomendação apenas não é vinculativa a final no sentido de ainda poder ser recorrida e, portanto, pode ser recuperada por procedimentos sumários. A questão a decidir neste caso é se os termos da cláusula 13 são vinculativos para as Rés e se lhes é exigido o pagamento do montante recomendado até à determinação final do montante devido.
21. É por este motivo que o presente caso não se enquadra no padrão comum dos casos em que a decisão que se pretende obter nos tribunais, caso seja decretada, seria definitiva no que respeita o montante. As Rés não terão qualquer prejuízo pelo facto do montante devido estar assegurado por garantia que será somente retido até ao resultado da arbitragem e da decisão do árbitro.
Outras questões suscitadas pelos requeridos
22. (…)
23. As Rés alegam que a recomendação do mediador não é vinculativa, uma vez que foi apresentada uma notificação de insatisfação dentro do prazo estipulado. Embora seja verdade que não é vinculativa para o árbitro, que em última instância, decidirá o litígio, a obrigação de proceder ao pagamento do montante recomendado, tendo sido entregue uma garantia e tendo o caso sido submetido ao árbitro nos termos da cláusula 13, considera-se vinculativa, uma vez que foi o acordado pelas partes.
24. Se o Tribunal permitisse que os argumentos ou defesas devidamente apresentados na arbitragem constituíssem uma defesa relativamente à obrigação de efectuar o pagamento da recomendação do mediador iria pôr totalmente em causa o acordo e o seu propósito, conforme estabelecido na minha sentença de 1 de junho de 2017 (…).
25. É meu entendimento que as Rés não apresentaram uma defesa bona fide a este pedido e que a Autora tem direito ao pagamento pretendido”.
IV. Apreciação
Conforme definimos supra a questão a conhecer, trata-se apenas de saber se o tribunal recorrido ao qual foi colocada a questão da caducidade da garantia bancária enquanto condição de exigibilidade da obrigação exequenda, devia ou não – conforme decidiu – dela conhecer.
Com efeito, servindo os recursos à apreciação de questões novas – artigo 627º do CPC – o que acontece é que o tribunal recorrido não conheceu da invocada caducidade da garantia bancária enquanto pressuposto de exigibilidade e portanto pressuposto de prosseguimento da execução e portanto considerar este tribunal de recurso que devia aquele tribunal conhecer, não implica o salto do primeiro grau de jurisdição, pois que a questão invocada não é directamente a caducidade dum direito mas os efeitos da caducidade duma garantia bancária na obrigação de pagamento da quantia recomendada pelo mediador, a interpretar desde logo segundo os termos do contrato em que as partes convencionaram um sistema alternativo de resolução de litígios.
Estando definitivamente decididas, por não ter sido delas interposto recurso, as questões relativas à violação do princípio da tipicidade dos títulos executivos e ao dever de fundamentação das decisões judiciais – razões que, segundo a embargante, integravam os fundamentos de recusa da execução, nos termos do artigo 45º do Regulamento – o que resta agora é apenas saber se o tribunal de execução recorrido, porque assim resulta tanto dos “termos do Contrato como da sentença dada à execução” devia ter considerado que a “atribuição de força executória à decisão do mediador estava sujeita a certa e determinada condição de salvaguarda, i.e., à obrigação de a Recorrida ter, ela própria, de prestar uma garantia adequada a assegurar o valor daquela recomendação” e perante a caducidade demonstrada daquela garantia, deveria ter considerado que a atribuição de força executória que a sentença irlandesa fez à recomendação do mediador, estava dependente da válida e subsistente prestação da garantia bancária, e isto (estas considerações) porque essa interpretação representa apenas o juízo sobre um facto superveniente que é exógeno à definição da relação material controvertida, não implicando a sua apreciação (para chegar a esse juízo) nenhuma intromissão no poder jurisdicional exercido pelo tribunal irlandês.
Em suma, se não erramos, para a recorrente trata-se de, perante um facto superveniente, saber como interpretar a sentença exequenda, não estritamente segundo o seu depurado dispositivo, mas conjugadamente com a sua fundamentação: - a sentença irlandesa só condena a pagar o valor recomendado pelo mediador se durante o tempo até à resolução final do litígio segundo os termos de resolução que as partes acordaram, subsistir validamente prestada a garantia bancária que assegura – segundo a vontade das partes – que se a decisão final do litígio vier a ser desfavorável à embargada, esteja cativo o montante (ou a correspondente medida) do valor a reembolsar. Verificando-se que este pressuposto da decisão judicial já não subsiste, não subsistirá também o espírito da condenação, que assim não poderá ser executada.
Se porém atentarmos melhor, também é defensável extrair das conclusões da alegação de recurso uma outra abordagem: - (não sendo um caso de interpretação da decisão exequenda) será então a apreciação, pelo tribunal de execução, dum facto superveniente que torna inexigível a obrigação determinada na sentença exequenda.
Significa isto que estão as partes e o tribunal de acordo no respeito pelo artigo 52º do Regulamento que dispõe: “As decisões proferidas num Estado-Membro não podem em caso algum ser revistas quanto ao mérito da causa no Estado-Membro requerido”. Com efeito, a recorrente insiste que a questão da caducidade da garantia bancária não implica a revisão do mérito da sentença exequenda.
Para aqui chegar, como vimos, ou se interpreta a sentença exequenda para lograr considerar que nela está contido um comando condicionado, ou se ignora a sentença exequenda e se aprecia autonomamente a consequência da caducidade da garantia. É que, também é certo, dispõe o artigo 41º nº 1 do Regulamento que “1. Sem prejuízo do disposto na presente secção, o processo de execução de decisões proferidas noutro Estado-Membro rege-se pela lei do Estado-Membro requerido. Uma decisão proferida num Estado-Membro que seja executória no Estado-Membro requerido deve nele ser executada em condições iguais às de uma decisão proferida nesse Estado-Membro”. Independentemente da discussão sobre o significado e alcance do preceito, há pelo menos acordo em que a lei processual que regula a execução é a lei do Estado-membro requerido, concretamente, o Código de Processo Civil e ainda mais concretamente, visto que estamos em sede de oposição por embargos à sentença, o disposto no artigo 729º do mesmo diploma. Ora, segundo este preceito, “Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes: a) Inexistência ou inexequibilidade do título; b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução; c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento; d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º; e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução; f) Caso julgado anterior à sentença que se executa; g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio; h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos”.
Portanto, se podemos admitir que pela alínea e) (inexigibilidade) estamos num apuramento que não prescinde duma apreciação do mérito da decisão exequenda – e por isso só lá chegaríamos à inexigibilidade por extensão interpretativa da decisão – já no caso da alínea g) seria defensável, mesmo no contexto do cumprimento do dever de executar sentença estrangeira pautado pelos artigos 41º nº 1, 52º e 45º, todos do Regulamento, que se ponderasse, apreciasse ou julgasse, em sede exequenda, o efeito dum facto que ocorre posteriormente à prolação da decisão que se executa, e que impede a efectivação desta. Pense-se no caso mais flagrante do cumprimento espontâneo da obrigação entre o momento da decisão e o momento da instauração da execução, vulgarmente pelo pagamento. É intolerável pensar que a arquitectura da cooperação judiciária imponha o prosseguimento de uma execução que conduza a um duplo pagamento. Não é portanto linear que da arquitectura regulamentar resulte logo um impedimento de apreciação pelo tribunal recorrido.
Mas voltemos atrás: - é possível extrair da sentença exequenda o comando que a recorrente lhe empresta?
Como qualquer outra declaração, a sentença judicial está sujeita a interpretação, aplicando-se entre nós e para tanto o disposto no artigo 236º do Código Civil.
Quis o julgador irlandês – que apenas decidiu que a recomendação do conciliador era vinculativa – dizer também que o era apenas no caso de, até à resolução final do litígio por arbitragem, se manter válida a garantia bancária prestada?
É verdade que dos parágrafos da sentença que transcrevemos resulta que a decisão se baseia no respeito pela vontade das partes expressa no contrato, ou seja, o julgador perscrutou a fonte que tinha para decidir – o contrato – e foi pela sua análise que entendeu que no mecanismo de resolução alternativa faseado que as partes haviam acordado, em obediência ao equilíbrio contratual, se justificava considerar a recomendação do conciliador – no caso de ter sido apresentada uma nota ou notícia de insatisfação que abria a segunda parte do processo (arbitragem) – como vinculativa. Antecipava-se assim a reparação de prejuízos, por assim dizer em traços largos, acautelando-se os resultados possíveis da segunda fase – que poderiam levar à conclusão de que nada havia a pagar ou que o montante a pagar era diverso do recomendado – mediante a prestação de uma garantia adequada. E daqui poderíamos então partir para pensar que, para este mecanismo que as partes haviam instituído, se justificava plenamente a manutenção da garantia até à decisão final do árbitro.
Simplesmente, repare-se: - o julgador deparou-se com uma omissão no texto contratual. As partes não regularam expressamente o efeito vinculativo da recomendação do conciliador para pagamento de determinada quantia. A decisão obteve-se, como referimos, apelando à lógica que melhor se adequava ao equilíbrio contratual. Isto é, não resultava directamente dos termos do contrato o efeito da recomendação do conciliador, tal como não resulta directamente dos termos do contrato a duração da garantia. Quer isto dizer que há, para determinar a duração da garantia, enquanto pressuposto da decisão sobre o efeito da caducidade da garantia, de proceder a uma apreciação tipicamente jurisdicional. Neste aspecto, o que se pode dizer em abono da tese da inexigibilidade, é que encontramos um apoio jurisprudencial – houve um juiz irlandês que assim pensou.
Agora repare-se: a manutenção deste pressuposto de equilíbrio não é substancialmente afectada por uma previsão das partes sobre o tempo de resolução dum litígio por arbitragem. A cláusula 13.1.11 nada estabelece, e muito em concreto não estabelece expressamente que a parte deve pagar o montante recomendado desde que a outra tenha antecipadamente prestado uma garantia “válida até à resolução final do litígio por arbitragem”. Na ausência de previsão expressa estamos autorizados a pensar que a garantia deve permanecer válida até que sobrevenha a decisão final, ou podemos ainda pensar que respeita a vontade das partes que a garantia seja prestada pelo tempo razoável, ou pelo tempo previsível de duração do litígio em arbitragem? Naturalmente, quando falamos de equilíbrio da posição das partes, de igualdade ou de desigualdade, também temos de pensar nos custos da garantia bancária a serem pagos pela parte que, segundo a recomendação do conciliador, até tem direito a ser “indemnizada”. Portanto, com estas dúvidas, face a um texto contratual omisso, e perante a posição discordante das partes, o que temos aqui é um novo foco de litígio que convoca uma decisão de mérito, que não esteve na mente nem na preocupação do tribunal irlandês e onde por isso não conseguimos dizer que só por lapso ou por menor perfeição o seu pensamento não foi levado à parte dispositiva. De resto, note-se, nem a questão – justamente porque então a garantia estava prestada validamente – lhe foi colocada pelas partes, que então e por isso não tiveram oportunidade de oferecer os seus argumentos em defesa duma e doutra tese.
Deste modo, não consideramos que seja possível interpretar o dispositivo irlandês – “a recomendação do mediador é vinculativa, pague o montante recomendado” – para “ a recomendação do mediador é vinculativa, pague o montante recomendado enquanto subsistir válida a garantia que já foi prestada pela outra parte”.
Afastado o caminho da interpretação da sentença exequenda, resta o caminho da apreciação pelo tribunal de execução nacional da consequência da caducidade da garantia, enquanto facto superveniente autónomo ou exógeno.
Porém, tendo a embargada e ora recorrida suscitado que o tribunal nacional, além de outras razões, é até internacionalmente incompetente, a verdade é que as partes expressamente convencionaram que a jurisdição competente para todos os litígios – cláusula 13.3 – é a irlandesa. Deste modo, nos termos dos artigos 94º nº 1 e 2, 96º al. a) e 97º nº 1 primeira parte, todos do CPC, o tribunal de execução nacional não é internacionalmente competente para apreciar a questão da caducidade da garantia bancária, pelo que, mesmo que fosse possível defender, perante os artigos 41º nº 1 e 52º do Regulamento a apreciação pelo tribunal de execução do Estado-membro requerido, sempre este estaria impedido de a apreciar por violação da competência internacional convencionalmente fixada.
É que, como resulta de tudo quanto se expôs, a questão cuja apreciação se pretendia constitui um verdadeiro litígio face aos termos não expressos do contrato e às posições antagónicas das partes, não dispensando um verdadeiro exercício decisório judicial, que as partes reservaram exclusivamente aos tribunais irlandeses.
Nestes termos, improcede o recurso. 
Tendo nele decaído, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.
V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam negar provimento ao recurso e em consequência confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 09 de Janeiro de 2020
Eduardo Petersen Silva
Cristina Neves
Manuel Rodrigues