Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | PAULA CRISTINA BORGES GONÇALVES | ||
| Descritores: | JUIZ NATURAL INCIDENTE DE SUSPEIÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/06/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | SUSPEIÇÃO | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | Sumário (da responsabilidade da Relatora): I. Só se justifica que se arrede o princípio do juiz natural em situações limite, isto é, quando estejam em causa as garantias de imparcialidade, sendo a causa invocada grave, sob pena do uso indevido do instituto de recusa. II. Importa aferir essa imparcialidade de duas formas distintas: - no contexto subjectivo, averiguando se existe algum pré-juízo ou uma qualquer relação de interesse pessoal; - no nível objectivo (e independentemente da inexistência de uma qualquer relação de interesse que ligue o juiz à causa), importa aferir se existem factos concretos e relevantes, que levem o homem médio (informado e razoável), a suspeitar das garantias de imparcialidade do juiz (razões sérias, fortes e graves). III. Não é pelo facto de o colectivo de juízes colocar questões às testemunhas, sejam elas da acusação ou da defesa, que se pode pôr em causa a sua objectividade e imparcialidade. Na realidade, os juízes têm a obrigação de diligenciar pela descoberta da verdade material (isso mesmo se depreendendo, desde logo, do disposto no art. 340º do CPP) e, no caso de encontrarem disparidades entre os depoimentos das testemunhas, inquiri-las sobre essas matérias. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I- RELATÓRIO I.1. No âmbito do processo 46/21.5..., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo, J2, o arguido AA veio apresentar pedido de recusa (arguindo a suspeição sobre a imparcialidade) do Colectivo de Juízes que se encontra a realizar o julgamento, por entender que existe motivo sério, grave e adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. O requerente funda a sua pretensão, designadamente, ao abrigo do disposto no artigo 43º, n.º 1, do Código de Processo Penal. * I.2. Fundamentos do Incidente de Recusa (que se sintetizam) “No exórdio da audiência de [dia ... de ... de 2025], a Mm.ª Juíza Presidente omitiu a leitura integral da peça acusatória antes de proceder ao interrogatório do arguido. Tal formalismo, longe de ser um mero preciosismo, constitui uma garantia basilar de defesa. Apenas após a oportuna advertência de um dos Mm.os Juízes Vogais foi sanada a referida omissão, num primeiro sinal de que a tutela dos direitos do arguido não se encontrava, desde logo, plenamente acautelada. Subsequentemente, no decurso da produção de prova, instalou-se uma notória e reiterada atmosfera de constrangimento sobre as testemunhas arroladas pela defesa. Perante depoimentos que contrariavam a tese da acusação, os Mmos Juízes interromperam-nas assertivamente, arrogando-se de uma infalibilidade na imediata deteção da mentira, justificada pela persistente afirmação de um dos Mm.os Juízes do Coletivo de que "sou Juiz há 20 anos e já consigo ver quando uma testemunha mente". Tais asserções, para além de constituírem uma forma de pressão inadmissível sobre o depoente, exteriorizam um juízo de credibilidade formulado a priori, que subverte a dialética processual e o princípio da livre apreciação da prova, a qual só pode formar-se após a global e ponderada análise de todo o acervo probatório. Nessa mesma linha, o exercício do contraditório por parte do Tribunal sobre as testemunhas da defesa tem assumido, sistematicamente, a forma de um contrainterrogatório incisivo, cujo escopo aparente não é o de esclarecer factos, mas o de desconstruir a testemunha, visando reconduzir o seu depoimento a uma narrativa que se amolde à hipótese acusatória. Evidencia-se, assim, uma postura que não é de descoberta da verdade material, mas de confirmação de uma convicção de culpabilidade já firmada. Tal linha de atuação atingiu o seu clímax ste iter de contaminação da imparcialidade atingiu o seu paroxismo aquando do depoimento da testemunha BB. Nesse momento, assistiu-se a uma inaceitável subversão da produção de prova: através de perguntas ostensivamente sugestivas, o Tribunal não procurou extrair o conhecimento da testemunha; procurou, sim, implantar na sua boca afirmações que ela não proferira, num método que vicia a prova na sua génese. O juiz do coletivo imputou-lhe afirmações que esta não proferira, através de perguntas manifestamente sugestivas1. O protesto imediato da defesa, não preparado antecipadamente, consignado em ata, foi desvalorizado na sua substância, num derradeiro sinal de que o debate sobre as garantias processuais se tornara inócuo. Em suma, a concatenação dos factos supra descritos – desde a omissão inicial até à forma como os depoimentos são conduzidos e valorados em tempo real – não deixa margem para dúvida: o princípio da presunção de inocência cedeu lugar a uma presunção de culpabilidade, tornando a restante produção de prova um exercício meramente pro forma.”. * I.3. A Mma. Sra. Juíza Presidente do Colectivo visado apresentou resposta pugnando pela improcedência do pedido de recusa. * I.4. Nesta Relação o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da recusa. * I.5. A assistente, notificada para o efeito, não se pronunciou sobre o pedido de recusa. * I.6. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência. ** II- FUNDAMENTAÇÃO II.1. Com interesse para a apreciação do pedido importa ter presente os seguintes elementos factuais/ocorrências processuais que constam dos autos: 1) Aquando da identificação do arguido AA no início da audiência de julgamento, a Mm.ª Juíza Presidente questionou o arguido relativamente a matéria atinente à identificação das sociedades arguidas, antes da comunicação dos factos constantes da acusação. 2) O Colectivo de Juízes solicitou esclarecimentos às testemunhas inquiridas, como consta da gravação das sessões de audiência de julgamento. 3) A defesa do arguido ditou protesto para a acta em .../.../2025, de onde consta: “O Mandatário dos arguidos não pode deixar de protestar relativamente à questão que foi formulada à testemunha, a qual foi se a testemunha entendia ou chegou à conclusão de que os contratos de prestação de serviços celebrados com a ... relativamente às empresas arguidas nestes autos e todas as empresas que se relacionassem em termos de capital social ou relação direta com o Engenheiro, fossem as relações contratuais todas de fachada comparativamente com outros clientes da .... Entende o Mandatário que esta questão ultrapassa os limites aceitáveis de produção da prova dos autos, que de certa forma instrui a testemunha a chegar a uma conclusão que teria sempre que ser provada em termos objetivos, entendendo-se que tal não só consubstancia uma inexistência de prova ou factualidade que possa ser aqui discutida nestes autos, sendo tudo o que tem a reclamar.”. 4) Respondeu o MP em acta, com o seguinte teor: “O Ministério Público olhando para o Código de Processo Penal, desconhece a figura do protesto e, salvo melhor entendimento, a figura do protesto constante do art.º 80.º, da Ordem dos Advogados não está previsto para quando a defesa ou um qualquer mandatário ou patrono não concorda com alguma posição. No requerimento agora feito para a ata, que a defesa apelidou como protesto, para o Ministério Público não existe e em qualquer caso a defesa também não arguiu qualquer vício à alegada atuação do Tribunal Coletivo. Sem prejuízo da mesma ficar fixada em ata, dizemos que muito embora a opinião da testemunha que está, neste momento, a ser inquirida, não ser objeto da acusação, pode ter interesse para a decisão da causa, a fim de compreender a dinâmica e a forma de atuação entre as empresas arguidas, o arguido e a empresa de prestação de serviços de saúde e segurança no trabalho. E a resposta da testemunha é dada porque lhe foi perguntado diretamente pelo Tribunal qual a sua opinião, por se entender, na perspetiva do Ministério Público, que esta testemunha que, uma vez que laborou na empresa de prestação de serviços de saúde e segurança no trabalho ..., elaborou o tal relatório de auditoria interna e que recebeu ordens do Sr. AA, estará em melhores condições de dar ao Tribunal a sua perspetiva. O Tribunal depois, é isso que o Ministério Público espera e deseja, saberá extrair do depoimento o que são conceitos objetivos, subjetivos e também o que é que leva esta testemunha a responder como respondeu. Também dizemos agora, que entendemos que nem sequer se afigura qualquer responsabilidade criminal para esta testemunha, considerando que lhe foi perguntado diretamente e que a mesma expressa somente uma mera opinião.”. 5) Igualmente se pronunciou a assistente, da seguinte forma: “Salvo o devido respeito, a Assistente entende que não assiste razão aos arguidos, uma vez que as questões formuladas pelo Tribunal são consequência o que já havia sido perguntado à testemunha pelo próprio Tribunal, através do Mm.º Juiz Adjunto e no seguimento daquilo que o Mandatário da Assistente havia perguntado à testemunha, no sentido de saber se a mesma quando começou a prestar trabalho na sua área profissional encontrou os clientes da sua entidade empregadora ..., que não pertenciam ao grupo ... na mesma situação que havia encontrado as empresa que compõem o grupo .... A testemunha respondeu que havia uma diferença entre uma e outras empresas, ou melhor entre uns e outros clientes, na medida em que as empresas do grupo não tinham qualquer instrumento de gestão da área de higiene e segurança no trabalho e as empresas terceiras clientes da sua entidade empregadora tinham instrumentos de gestão na área de higiene e segurança no trabalho, daí a conclusão da diferença entre uma realidade e a outra era abismal. Nesse sentido, entendemos que não houve qualquer indução da testemunha no que diz respeito à resposta a dar, nem se trata de mera conclusão ou juízo conclusivo que não tenha uma ligação a perguntas factuais que tenham sido feitas à testemunha, razão pela qual entendemos que o ora requerido deverá ser indeferido.”. 6) A Mm.ª Juíza Presidente do Colectivo proferiu despacho do seguinte teor: “Antes de mais, cabe referir que a figura da “reclamação/protesto” como o Sr. Advogado a apresentou não tem aplicação, até porque não foi indicado nenhum artigo em concreto, nesta audiência de discussão e julgamento de um processo criminal. Isto é o que se diz em termos formais relativamente ao requerido pelo ilustre Mandatário dos arguidos. Por outro lado e em segundo lugar, cabe referir como foi gravado e como decorreu das intervenções de todos os intervenientes processuais, a testemunha explicou os seus comportamentos concretos e objetivos, não emitiu qualquer opinião, o que ela disse foi o que fazia no seu trabalho do dia-a-dia e claramente indicou dois tipos de procedimentos consoante as destinatárias empresas do seu trabalho. Por um lado, terceiras empresas que depois da ocorrência deste acidente fatídico começou a ter instruções dos seus diretos superiores, designadamente o Sr. CC, em como deveria ir ao local e ter condutas pertinentes e adequadas à sua formação, que era implementar e verificar os planos de segurança, formação e saúde no trabalho. Em segundo lugar, relativamente às empresas aqui arguidas, como o resto das empresas que pertencem ao grupo do arguido, Engenheiro AA, aquela explicou, não concluiu, os seus comportamentos, a vida do dia a dia, o dia de trabalho, onde é que fazia, como é que fazia antes do acidente, depois do acidente e verifica-se que relativamente a este grupo de empresas, que não foi ao terreno uma única vez implementar planos de formação, segurança, saúde e higiene no trabalho destas empresas. Isto são dados objetivos. O que eu acabei de perguntar foi relativamente a estes comportamentos objetivos que a testemunha é que disse, senão eu não faria esta pergunta, foi dizer então isso são trabalhos de fachada ou não era uma fachada, e a testemunha respondeu de acordo com os comportamentos do dia a dia que já tinha explicado e foram objetivos e concretos. Foi isto que o Tribunal fez. Notifique.”. * II.2. Apreciação do pedido Para analisarmos um pedido de recusa de um juiz ou colectivo de juízes num processo como o dos autos, importa atentarmos que as garantias de processo criminal estão definidas na Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 32º, da seguinte forma: “1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. 2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa. 3. O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória. 4. Toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos fundamentais. 5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório. 6. A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento. 7. O ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei. 8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. 9. Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior. 10. Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.” Como decorre do n.º 9 do aludido art. 32º da CRP, uma das garantias do processo penal é o princípio do juiz natural, no sentido de se proibir a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para decidir determinado caso (seja no início do processo, ou no seu decurso), pretendendo-se assegurar uma decisão absolutamente imparcial e isenta. Assim, o juiz que intervém em determinado processo penal, é aquele que resulta da aplicação da Lei, normas processuais e de organização judiciária sobre a repartição da competência entre os diversos tribunais e a respectiva composição. Do exposto resulta que esse juiz só pode ser afastado se a sua intervenção no processo for susceptível de pôr seriamente em causa os valores da imparcialidade e isenção. Esse controlo pelos respectivos interessados, está bem definido na lei, como decorre do artigo 43º do CPP (recusas e escusas), que prescreve o seguinte: “1 - A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. 2 - Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40.º 3 - A recusa pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis. 4 - O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos n.ºs 1 e 2. 5 - Os actos processuais praticados por juiz recusado ou escusado até ao momento em que a recusa ou a escusa forem solicitadas só são anulados quando se verificar que deles resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo; os praticados posteriormente só são válidos se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo.”. É, pois, fundamental garantir a imparcialidade do juiz, o que constitui uma garantia essencial da independência do tribunal e do processo equitativo. Importa aferir essa imparcialidade de duas formas distintas: - no contexto subjectivo, averiguando se existe algum pré-juízo ou uma qualquer relação de interesse pessoal (económico ou afectivo) entre o juiz e o objecto do processo ou os seus sujeitos processuais (mas esse interesse tem de ser de tal ordem, que coloque em causa a objectividade e a isenção a que o juiz está sujeito). Neste sede, presume-se a imparcialidade do julgador até prova em contrário, impondo-se, em regra, a demonstração da predisposição do julgador para favorecer ou desfavorecer um interessado na decisão. - no nível objectivo, e independentemente da inexistência de uma qualquer relação de interesse que ligue o juiz à causa, importa aferir se existem factos concretos e relevantes, que o homem médio (informado e razoável), possa suspeitar das garantias de imparcialidade do juiz. Têm, pois, de ser razões sérias, fortes e graves, susceptíveis de abalar a credibilidade da comunidade e que seja adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade dos juízes. Como se refere no Ac. da RP de 08/07/2015, processo n.º 218/12.3PASTS-A.P1, in www.dgsi.pt: “A imparcialidade do tribunal deve ser avaliada: - numa perspectiva subjectiva, ou seja relativa à posição pessoal do juiz e que possa representar motivo para favorecer ou desfavorecer um interessado na decisão; - numa perspectiva objectiva, ou seja relativa às aparências susceptíveis de serem avaliadas pelos destinatários da decisão como provocando o receio de risco da existência de algum prejuízo ou preconceito que posa ser negativamente considerado contra si;”. Só se justifica que se arrede o princípio do juiz natural em situações limite, isto é, quando estejam em causa as garantias de imparcialidade, sendo a causa invocada grave, sob pena do uso indevido desse instituto por forma a se afastar indevidamente o princípio constitucional do juiz natural. Segundo a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, todos têm direito a um processo equitativo, prevendo o seu artigo 6º que qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça (n.º 1). Mais se refere no citado normativo, que qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada (n.º 2), tendo o acusado, como mínimo, os seguintes direitos (n.º 3): a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada; b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa; c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem; d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação; e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo. Verifica-se que a garantia de um processo justo e equitativo e de um juiz imparcial é, não só constitucionalmente consagrada, como intrinsecamente subjacente aos direitos fundamentais de cada cidadão e, por isso, vertido na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Como se sabe, no entanto, não é qualquer invocação que pode pôr em causa precisamente essa liberdade de julgar com imparcialidade e o dever do juiz de prosseguir a verdade e a justiça. Volvidos à situação dos autos, o arguido funda a sua pretensão de recusa do Colectivo de Juízes que se encontra a realizar o julgamento, em circunstâncias que, no seu entender, são sérias e graves, adequadas a gerar fundada desconfiança sobre a sua imparcialidade. Analisemos. Relativamente à questão da falta de leitura da acusação em momento anterior à inquirição do arguido, ouvida a gravação em causa, verifica-se que as perguntas dirigidas ao arguido numa primeira fase se prenderam não só com a sua identificação, mas também para se tentar perceber por que forma é que o arguido AA se apresentava a representar as outras arguidas, sociedades comerciais, ... e ..., o que se mostrava essencial para a regularização da instância e, só depois se comunicou a acusação, em relação à qual o arguido prestou declarações. Diga-se, ainda, que também não seria pelo facto de haver um esquecimento da leitura/transmissão da acusação (o que não ocorreu), que poderia levar à conclusão sobre a existência de um pré-juízo em relação à causa. Por outro lado, não é por causa de o colectivo de juízes colocar questões às testemunhas, sejam elas da acusação ou da defesa, que se pode pôr em causa a sua objectividade e imparcialidade. Na realidade, os juízes têm a obrigação de diligenciar pela descoberta da verdade material (isso mesmo se depreendendo, desde logo, do disposto no art. 340º do CPP) e, no caso de encontrarem disparidades entre os depoimentos das testemunhas, inquiri-las sobre essas matérias. As perguntas realizadas e referidas pelo arguido, nomeadamente na inquirição da testemunha BB, apesar de incisivas, não podem ser consideradas sugestivas, quando a matéria abordada decorre da discussão realizada em julgamento. O colectivo de juízes deve actuar no cumprimento do seu dever funcional e, no âmbito do mesmo, os tribunais são independentes e obedecem exclusivamente à lei, nos termos do artigo 203º da Constituição da República Portuguesa, não se vislumbrando que dessa actividade tenha resultado qualquer animosidade para com o requerente de forma a formular-se o motivo sério, grave e adequado a colocar-se em causa, objectivamente, a imparcialidade do colectivo de juízes recusado. Em nada se vê, pois, que tenha sido violado o princípio da presunção de inocência dos arguidos, ou que haja falta de imparcialidade por parte do colectivo de juízes, que deve manter o dever de rigor, responsabilidade e comprometimento com a verdade e a justiça, inerente às funções jurisdicionais, para a final decidirem em conformidade com a lei. Não se vislumbra, assim, sinal de qualquer facto concreto e objectivo que constitua motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do colectivo de juízes, nem por qualquer motivo pessoal ou pré-juízo, nem que aos olhos do cidadão médio tal se suscite. Conforme se alude no Acórdão do STJ de 10/03/2024, processo n.º 208/22.8JELSB.L1-A.S1, in www.dgsi.pt: “I – O incidente de recusa, previsto no artigo 43º, nº 1, do Código de Processo Penal, tem por objetivo central obstar a que comunidade desconfie da imparcialidade do juiz, por existir motivo sério e grave que consubstancie o risco dessa perceção. (…) VI - O simples receio ou temor de que os juízes, no seu subconsciente, já tenham formulado um juízo sobre as questões não pode ser suficiente para o deferimento do pedido de recusa pois, para o seu deferimento, impõe-se uma especial exigência probatória quanto à objetiva gravidade e seriedade da invocada causa de suspeição.”. E igual entendimento de exigência de gravidade nas alegações de imparcialidade se pode retirar do Acórdão da RP de 09/04/2025, processo n.º 172/17.5T9AMT-A.P1, in www.dgsi.pt, onde se refere que: “I - A recusa de juiz e o afastamento do princípio fundamental do juiz natural só em situações extraordinárias pode proceder. II - Se os autos apenas revelam que o juiz recusado em determinada diligência aligeirou o formalismo legal, tendo em vista perceber que prova podia ser adequada ao cabal esclarecimento da verdade material, apesar dessa conduta ser criticável, não revela motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. III - É no âmbito da impugnação das decisões que se esgrimem os argumentos sobre o correcto ou incorrecto julgamento realizado. IV - No final do julgamento, não se conformando com a decisão que venha a ser proferida, caso lhe seja desfavorável, o requerente tem a possibilidade de impugná-la, mostrando-se gravada a prova produzida por forma a que possa ser avaliada em instância de recurso a correcção da avaliação realizada pelo Tribunal a quo.” Razão pela qual, pelos fundamentos já expendidos, se conclui que não estão verificados os pressupostos exigidos pelo artigo 43º do CPP para que o incidente de recusa seja deferido. ** III- DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 9ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o pedido de recusa de intervenção do colectivo composto pelos Exmos. Srs. Juízes DD, EE e FF, que continuarão a integrar o colectivo de juízes que se encontra a realizar o julgamento no âmbito do processo n.º 46/21.5T9AGH.L1. Custas a suportar pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC’s (artigo 524º do CPP e artigo 8º, n.º 9, do RCP, com referência à Tabela III). Comunique a presente decisão ao processo principal para conhecimento. Notifique. ** Lisboa, 06/11/2025 (Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários) Paula Cristina Borges Gonçalves Ana Paula Guedes Maria de Fátima R. Marques Bessa _______________________________________________________ 1. Remetendo, o requerente, para a gravação da audiência de julgamento, que parcialmente indica. |