Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1771/2007-4
Relator: HERMÍNIA MARQUES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
NULIDADE DA DECISÃO
TRABALHO SUPLEMENTAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/16/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – O Inspector Regional do Trabalho tem competência para decidir os processos de contra-ordenação.

II – Apenas a total ausência de fundamentação da decisão que aplica uma coima (e não uma fundamentação menos completa), integra nulidade dessa decisão.

III – O art. 162º do Código do Trabalho impõe à entidade patronal a elaboração de um registo próprio e autónomo do trabalho diário e semanal de cada trabalhador, que não pode ser substituído por outros registos, com outras finalidades, como sejam: mapas de horário de trabalho, de férias, de trabalho suplementar, ou de comunicação de ausências.
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social deste Tribunal da Relação de Lisboa
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I – RELATÓRIO
(A), S. A. interpôs, no Tribunal de Trabalho de Ponta Delgada, recurso da decisão administrativa, do Sr. Inspector da (T) que a condenou na coima de € 1 500,00, pela prática de uma contra-ordenação prevista no art. 162º do Código do Trabalho.
Tal recurso foi julgado improcedente, por sentença daquele T. T. de Ponta Delgada, proferida a fls. 132 e segs. destes autos, que manteve a decisão administrativa.
Dessa sentença vem a arguida agora recorrer para esta Relação, concluindo a respectiva motivação do seguinte modo:
1 – Retiramos do art. 3º, nº 2, al. c) do Decreto Regulamentar Regional 14/2001/A, as competências do Inspector Regional de Trabalho:
2 – Resulta claro da lei, que não cabe nas competências do Inspector Regional do Trabalho a decisão de processos de contra-ordenação;
3 – Não devemos recorrer a uma interpretação extensiva dos preceitos do diploma, para conferir poderes de decisão ao Inspector Regional de Trabalho;
4 – A decisão deve ser anulada nos termos do art. 125º do Código do procedimento Administrativo;
5 – Decidiu a IRT, sem qualquer fundamento, aplicar uma coima ao arguido, no valor de € 1 500,00, por violação do art. 162º do Cód. do Trabalho;
6 – O valor das coimas encontra-se balizado entre valores mínimos e máximos;
7 – Sob pena das garantias de defesa do arguido serem violadas, devem ser especificadas as razões que levaram a aplicar uma coima num valor intermédio;
8 – Na data da visita inspectiva o arguido possuía um registo que permite apurar a hora de início e do termo do trabalho;
9 – O arguido não contesta a obrigatoriedade de existência de “um registo” de trabalho diário e semanal de cada trabalhador;
10 – O resultado que o legislador tentou alcançar com esta norma (art. 162º do C. T.), consiste em determinar o efectivo tempo de trabalho prestado por cada trabalhador;
11 – O arguido, recorrendo a um cruzamento de dados (mapas de horário de trabalho, mapa de férias, registo de trabalho suplementar e comunicações de ausências), consegue alcançar este objectivo.
12 – Tendo em conta que o legislador não fixou de maneira peremptória, a forma como deve ser efectuado o registo, deve a actuação do arguido ser considerada lícita, tanto mais que o bem jurídico protegido está salvaguardado;
13 – Não tendo, nestes termos, o Banco arguido cometido qualquer infracção.

O M. P., na primeira instância, respondeu ao recurso da arguida nos termos de fls. 160.
Neste Tribunal da Relação, o M. P. pronunciou-se nos termos de fls. 168, relegando para a audiência as suas alegações.
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Colhidos os vistos legais, cabe agora apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a factualidade dado como provada na sentença recorrida, não impugnada, que aqui se acolhe:

1- No dia 6 de Abril de 2006, pelas 17h15m, foi constatado pela IRT, em inspecção realizada, que a recorrente nessa data, que mantinha ao seu serviço, na sua filial em Ponta Delgada, os trabalhadores (JF), admitido em Setembro de 1998, (DF), admitido em Agosto de 1998, (ST), admitida em Junho de 2002, (NS), admitida em Junho de 2002, (H), admitido em Abril de 2005, e (MA), admitido em Março de 2005, em relação aos quais não possuía um registo que permitisse apurar o número de horas de trabalho prestadas pelos trabalhadores, por dia e por semana, com indicação da hora de início e termo do trabalho.
2- A recorrente não tem este tipo de registo.
3 - A recorrente tem, nas suas instalações, mapas de horário de trabalho, registo do trabalho suplementar, registo das ausências dos trabalhadores e mapa de férias.
4- O registo de ausências apenas abrange as faltas dos trabalhadores que se prolonguem por uma tarde ou manhã ou um ou mais dias inteiros.
5- A recorrente teve um volume de negócios de €3.082.726.911.41.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Face ás conclusões do recurso, as questões suscitadas, que cumpre analisar e decidir consistem em saber:
- Se o Sr. Inspector da IRT tinha competência para proferir a decisão administrativa;
- Se a decisão é nula por falta de fundamentação da medida concreta da coima aplicada à recorrente;
- Se a arguida cometeu a infracção que lhe é imputada;
Vejamos:

PRIMEIRA QUESTÃO
Invocou a recorrente já na primeira instância e vem, de novo, invocar agora o que chama de “anulabilidade da decisão condenatória – falta de competência do Inspector do Trabalho para proferir a decisão”.
E fundamenta o seu entendimento na alegação de que, de acordo com o disposto no art. 3º, nº 2 al. c) do Dec. Regulamentar Regional nº 14/2001/A, a (T) tem competência para “proceder à organização, instrução e decisão dos processos por contra-ordenações laborais;” Competindo ao Inspector Regional do Trabalho, de acordo com o art. 9º nº 1, al. f), do mesmo diploma, a promoção de processos de contra-ordenação ou contravenção, levantando autos de notícia, elaborando participação ou procedendo a inquérito prévio.
Na sentença recorrida entendeu-se que improcede aquele fundamento da recorrente porquanto, por um lado não fazia sentido que a lei conferisse à IRT competência para decidir os processos de contra-ordenação [art. 3º, nº 2, al. c) do Dec. Regulamentar Regional nº 14/2001/A] e não atribuísse a alguém a competência para prosseguir esse fim, o que constituiria uma incongruência absoluta e inaceitável, que teria de ser ultrapassada com recurso à analogia, pois haveria uma lacuna na lei; por outro lado, no caso concreto tal lacuna não existe porque o poder de decidir os processos em causa há-de caber àquele que já tem o poder jurídico de “promover processos de contra-ordenação ou contravenção, levantando autos de notícia, elaborando participação ou procedendo a inquérito prévio” – art. 9º, nº 1, al. f) do citado DRR. – havendo ainda que ter em conta que o Dec. Regulamentar Regional nº 28-B/98/A de 26 de Novembro, no seu art. 3º, al. d), atribuiu ao Inspector Regional do Trabalho a competência para decidir os processos de contra-ordenação no âmbito do direito do trabalho, sendo que este diploma não foi revogado pelo Dec. Regulamentar Regional nº 14/2001/A

Ora a recorrente não vem rebater os argumentos vazados naquela sentença recorrida, ou invocar argumentos em sentido contrário daqueles, limitando-se a dizer que “Resulta claro da lei (qual lei, perguntamos nós?) que não cabe nas competências do Inspector Regional do Trabalho a decisão de processos de contra-ordenação”
E acrescentando nas suas alegações a fls. 145: “Não se podendo, nestes termos, fazer uma interpretação extensiva da norma legal (qual norma?) de forma a conferir ao Inspector Regional do Trabalho poderes de decisão”.

Seja como for, entendemos que na sentença recorrida se decidiu bem esta questão e dispensamo-nos de repetir aqui o que nela se diz, precisando apenas o seguinte:
Não há qualquer dúvida (a própria recorrente o refere) que, nos termos do art. 3º nº 2, al. c) do já citado D.R.R. nº 14/2001/A, a (T) tem competência para proceder á organização, instrução e decisão dos processos por contra-ordenações laborais, como é o caso.
Ora, o Decreto Regulamentar Regional nº 28-B/98/A de 26 de Novembro, que aprovou a orgânica da (T) na Região Autónoma dos Açores e que não foi revogado por aquele Decreto Regulamentar Regional nº 14/2001/A de 9 de Novembro, dispõe:
No seu art. 3º, que “Compete ao inspector regional do trabalho [al. d)] Decidir os processos de contra-ordenação no âmbito do direito laboral e da disciplina jurídica sobre higiene, segurança e saúde no trabalho;”.
No art. 4º nº 3 estabelece que “O serviço sediado em Ponta Delgada é dirigido por um inspector do trabalho, equiparado para todos os efeitos, a director de serviços.”
E, no art. 5º, al. d) estipula que “Compete ao inspector do trabalho: [al. d)] Decidir os processos de contra-ordenações no âmbito do direito laboral e da disciplina jurídica sobre higiene, segurança e saúde no trabalho”.
Verificamos, pois, que, a competência do inspector do trabalho em Ponta Delgada (em cuja área ocorreram os factos em causa nestes autos), para decidir os processos de contra-ordenação (como é o caso), foi expressa e claramente estabelecida por aquele Decreto Regulamentar Regional nº 28-B/98/A de 26 de Novembro.
E não tendo o mesmo sido revogado pelo posterior Decreto Regulamentar Regional nº 14/2001/A, que não regulou expressamente essa matéria, temos de concluir que se mantêm em vigor aqueles preceitos dos arts. 3º, al. d), 4º, nº 3 e 5º, al. d) do D. R. R. nº 28-B/98/A.
Não se verifica, pois, a invocada incompetência do Sr. Inspector que subscreveu a decisão administrativa, improcedendo a pretensão da recorrente quanto a esta questão.
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SEGUNDA QUESTÃO
Vem a recorrente alegar a “… nulidade da decisão - falta de fundamentação do valor da coima aplicada”.
Esta alegação é feita nos mesmos moldes e com o mesmo “título” da efectuada na primeira instância (fls. 89), ficando-se sem perceber bem se a recorrente se refere a nulidade da decisão administrativa ou a nulidade da sentença recorrida. De qualquer modo, se fosse este o caso, teria que esclarecer que tipo de nulidade estaria em causa atento o elenco de nulidades da sentença previsto no art. 379º nº 1 do CPP e teria que arguí-la nos termos do nº 2 do mesmo artigo, o que não aconteceu, pelo que se entende estar em causa a invocação da nulidade da decisão administrativa.
Nesta fase de recurso em 2ª instância, a recorrente é muito mais sucinta na sua fundamentação quanto a esta questão, do que foi na primeira instância.
Na sentença recorrida (fls.135) decidiu-se que a decisão administrativa é seca no que respeita à fundamentação da escolha da medida da coima mas não deixa, ainda assim, de referir critérios gerais como a culpa, a gravidade da infracção e a situação económica da recorrente, tudo justificando a medida da coima aplicada, situada próximo do seu limite mínimo, não existindo, falta de fundamentação.
A recorrente não rebate, fundamentadamente, este entendimento daquela sentença sendo, como já referimos, ainda mais sucinta nas suas alegações deste recurso para a Relação.
A única coisa que vem alegar de novo é que entende que a decisão administrativa, por ser omissa quanto à fundamentação na escolha do valor da coima, viola as suas garantias de defesa consagradas no nº 1 do art. 32º da CRP, na medida em que não tem conhecimento nem pode adivinhar quais os fundamentos que levaram á aplicação daquela coima, não os podendo contrapor.
Acontece que isto é uma afirmação conclusiva da recorrente, pois a mesma não especifica e muito menos fundamenta, de facto e de direito, de que forma entende tirem sido violadas as suas garantias de defesa, em termos de poder considerar-se preenchida a previsão do citado nº 1 do art. 32º da CRP.
Seja como for, entendemos que não se verifica “in casu” qualquer forma de violação daquele preceito constitucional, ou outro.
Até porque a recorrente confunde falta absoluta, ou seja total ausência de fundamentação com fundamentação eventualmente menos completa, sendo que só a primeira situação integraria nulidade da decisão.
O Ac. do STJ de 16/04/1997 citado pela própria recorrente a fls. 91, no âmbito das alegações do recurso interposto no tribunal recorrido, fala, precisamente em omissão absoluta (realce nosso) de fundamentação: “Se a decisão que aplica a coima é absolutamente omissa …”.
E, no caso “sub judice”, tal como se refere na sentença recorrida, a decisão administrativa não é absolutamente omissa quanto à fundamentação da aplicação daquele coima concreta.
Efectivamente, naquele decisão consta: “… termos em que, considerando os critérios legais de determinação da medida da coima, nomeadamente a gravidade da infracção, a culpa, a situação económica do agente, o benefício económico retirado da prática da contra-ordenação, …”.
Aliás, a recorrente não diz que outros factos ou circunstância se verificavam neste caso concreto, ou que a entidade administrativa pudesse e devesse ter apurado para justificar a aplicação daquela ou outra qualquer coima concreta.
Mais uma vez a recorrente limita-se a fazer afirmações conclusivas, despidas de fundamentação de facto e de direito, que as suportem.
Como também meramente conclusiva é a afirmação da recorrente vazada nas suas alegações a fls. 147, no sentido de que “… qualquer coima superior ao valor mínimo é injusta e desproporcionada aos factos provados”.
Cabe perguntar como é que tal conclusão se pode retirar dos factos provados?
Nós não entendemos e a recorrente não explica.
Não basta alegar (apenas para fazer seguir mais um recurso e, eventualmente, protelar por mais um tempo o pagamento que se impõe), é necessário fundamentar de facto e de direito, o que se alega.
“In casu” a coima aplicada foi de € 1 500,00, situando-se próximo do mínimo da respectiva moldura legal, que vai de € 1335,00 a € 3 560,00 - art. 620º nº 3, al. e) do Cód. do trabalho.
Não vislumbramos qualquer razão para alterar aquela coima concreta aplicada, nem a recorrente vem fornecer quaisquer elementos de facto ou razões de direito fundamentadas, que justifiquem alteração da mesma.
Não se verifica, pois, a invocada nulidade da decisão administrativa.
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TERCEIRA QUESTÃO
A recorrente foi condenada pela entidade administrativa, em decisão mantida pelo tribunal recorrido, pela prática de uma contra-ordenação prevista no art. 162º do Código do Trabalho.
Dispõe este preceito legal que:
“O empregador deve manter um registo que permita apurar o número de horas de trabalho prestadas pelo trabalhador, por dia e por semana, com indicação da hora de início e de termo do trabalho”.
Atento o volume de negócios da arguida em 2005 (€ 3 082 726 911,41 – facto 5), tal contra-ordenação integra uma infracção grave, punível nos termos da alinea e) do nº 3 do art. 620º do mesmo C. T., com coima de 15 a 40 UC em caso de negligência, como é o destes autos (pois a arguida foi punida a título de negligência).
A recorrente (como expressamente diz na conclusão 9), não contesta a obrigatoriedade de existência de um registo de trabalho diário e semanal de cada trabalhador.
O que vem dizer, (tal como já disse em sede de recurso para o tribunal recorrido) é que, na data da visita inspectiva, possuía um registo que permitia apurar a hora de início e de termo do trabalho, alcançando o resultado pretendido pelo legislador com o art. 162º do CT (no entendimento da recorrente), ou seja, determinar o efectivo tempo de trabalho prestado por cada trabalhador, recorrendo a um cruzamento de dados (mapas de horário de trabalho, de férias, registo de trabalho suplementar e comunicação de ausências). E acrescenta que a sua posição é corroborada na plenitude pela sentença do tribunal de Trabalho de Santa Maria da Feira, processo nº 848/05 de 01/03/2006, de que juntou fotocópia a fls. 26 e segs. destes autos.
Quanto a este último aspecto, cabe referir que uma sentença, mesmo que já transitada, vale o que vale e, sem qualquer desprimor para quem a proferiu, poderá não ter a força que a recorrente parece atribuir-lhe e que muito mais provavelmente terá, por exemplo, um acórdão do STJ, pois este integra, geralmente, já uma terceira apreciação sobre a mesma questão ou questões e representa o pensar e decidir de sete magistrados judiciais – um na primeira instância, três na Relação e três no STJ.
Feito este parêntesis para relativizar o ênfase com que a recorrente vem citando, ao longo de todo este processo, aquela sentença do Tribunal de Trabalho de Santa Maria da Feira, vejamos o caso concreto.
Na sentença recorrida o Mmº Juiz concordou inteiramente com a IRT e decidiu que se verifica a infracção imputada á recorrente.
Entendemos que andou bem e também nós concordamos com a fundamentação vazada na decisão administrativa sobre esta questão (fls. 65 e segs. destes autos), que se mostra bastante completa, clara e adequada, pelo que nos permitimos passar a seguir de muito perto e no essencial.
Assim:
O art. 162º do Cód. do Trabalho impõe ao empregador a manutenção de um registo que permita apurar o número de horas de trabalho prestadas pelo trabalhador, por dia e por semana, com indicação da hora de início e de termo do trabalho.
Uma coisa é a forma e outra é a substância do cumprimento daquela imposição legal.
Quanto à forma o legislador não se pronunciou, deixando ao empregador uma margem de opção sobre o suporte a utilizar no registo: papel, meio informático ou mecânico.
Mas quanto à substância já o legislador não deixou tal margem, não permitindo que o empregador adopte o tipo de registo que entenda, ou que aproveite os registos que já utiliza para outros fins.
Efectivamente, aquele art. 162º do CT impõe ao empregador a manutenção de um registo que permita apurar o número de horas de trabalho prestadas, por dia e por semana, com indicação da hora de início e de termo do trabalho (realce nosso).
O legislador estabeleceu, pois, expressa e claramente, o tipo de registo que o empregador tem de adoptar, não se percebendo como possa entender-se que esse registo pode ser substituído pela conjugação e cruzamento de dados de outros tipos de registo, efectuados com outras finalidades e contextos, como sejam os mapas de horário de trabalho, mapa de férias, registo do trabalho complementar e comunicação de ausências.
Salvo o devido respeito por quem defende tal opinião, entendemos que a mesma não faz qualquer sentido, nem tem qualquer suporte, mesmo á luz dos princípios legislativos, pois que, a ser assim, não tinha qualquer razão, justificação ou utilidade a criação daquela norma, pelo que o legislador teria praticado um acto perfeitamente inútil e descabido.
O que o legislador impôs naquele art. 162º do C. T., que é uma disposição nova, foi a criação e manutenção de um registo próprio, único e autónomo, com um conteúdo e finalidade específicos, o que não se compadece com o mero aproveitamento de uma série de registos e cruzamento de dados já anteriormente existentes, criados por outras normas, com outros conteúdos e finalidades.
Com aquele novo preceito, cuja violação integra uma nova contra-ordenação laboral, o legislador visou a criação e manutenção de um registo que permita controlar, em geral, a conformidade da organização da actividade da entidade empregadora com a disciplina do tempo de trabalho, nomeadamente a nível de prestação de trabalho suplementar e limites legais de isenção de horário de trabalho.
É que um sistema de controlo efectivo de prestação de trabalho baseado nos diversos registos referidos pela recorrente pode levantar um conjunto de problemas, nomeadamente quanto ao tipo de informação que é introduzida no sistema e quanto ao acesso ao mesmo, que podem impedir o apuramento imediato das horas efectivamente prestadas pelo trabalhador no seu dia a dia laboral.
Assim, quis o legislador com esta medida inovadora, nomeadamente, dotar a Inspecção do Trabalho de um instrumento claro, rapidamente acessível e eficaz de controlo efectivo da prestação de trabalho, por forma a melhor fiscalizar o cumprimento dos deveres envolvidos, por parte do empregador.
Tanto mais que os “registos” que já existiam e que recorrente refere, não permitem controlar realidades como situações de tolerância (de 15 minutos prevista no nº 2 do art. 163º do CT), ou as situações de isenção de horário de trabalho previstas no art. 178º do mesmo código e, também estas realidades têm, sem dúvida, de ser registadas no âmbito da previsão do art. 162º, com indicação da hora do seu início e do seu termo.
Realmente, na teoria defendida pela recorrente, ficava sem resposta, nomeadamente, o registo do trabalho das pessoas com isenção de horário (que são bastantes no sector bancário), pois quanto a elas não há mapas de horário de trabalho, nem de registo de trabalho extraordinário.
Relativamente a este tipo de trabalhadores nunca podiam apurar-se os tempos de trabalho e a verdade é que o art. 162º do CT não faz qualquer excepção quanto á obrigatoriedade de registo, pelo que o mesmo tem que existir, também quanto àqueles trabalhadores, com menção do numero de horas de trabalho, por dia e por semana e com indicação da hora de início e de termo do trabalho.
Isso mesmo se entendeu no Ac. da R. E. de 31/01/2006 – Col. Jur. De 2006, Tomo I, pag. 268, de cujo sumário consta:
“I – O art. 162º do Código do Trabalho impõe às entidades patronais a obrigação do registo do trabalho prestado por todos os seus trabalhadores, incluindo o daqueles que se encontram em regime de isenção de horário de trabalho, seja qual for a sua modalidade.
II – Assim, comete a infracção, sujeita a coima, a entidade patronal que não procede ao registo do trabalho dos trabalhadores que laboram em regime de isenção de horário de trabalho”.
Como também se diz no mesmo acórdão trata-se de uma obrigação de registo completamente inovadora em relação ao regime legal anterior, que não pode confundir-se com a obrigação de registo do trabalho suplementar, nem com a organização do horário de trabalho.
Concluímos, pois que se verifica efectivamente a prática, pela arguida, aqui recorrente, da contra-ordenação que lhe é imputada, nenhuma censura merecendo, quer a decisão administrativa, quer a sentença recorrida.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

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Lisboa, 16/05/2007

Hermínia Marques
Leopoldo Soares (com dispensa de visto)
Natalino Bolas