Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3187/17.0T8BRR.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
COMPENSAÇÃO
RECONHECIMENTO DA DÍVIDA
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: Não equivale ao reconhecimento da dívida, para efeitos interruptivos da prescrição (art.º 325º, nº 1 do CC), a fixação de uma compensação pela cessação do contrato com a menção da sua quitação.

(Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


AAA instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra “BBB, Lda”, pedindo que a R. seja condenada a pagar à A. a quantia de €16 770 (dezasseis mil setecentos e setenta euros), a título de danos patrimoniais e créditos laborais vencidos e a título de danos não patrimoniais, sendo declarada nula e nenhum efeito a cláusula abdicativa e direitos indisponíveis, porque leonina.

Para tanto, alegou em síntese:
- Em 1994, a  A. celebrou com a R. um contrato de trabalho para o exercício das funções de vigilante;
- Em 30.09.2016 as partes acordaram na rescisão do contrato, com efeitos a 09.09.2016, tendo sido acordada uma indemnização no montante de €6360;
- No período entre 2012 e 2015, a R. deve à A. quantias, a título de subsídio de férias e de Natal, que perfazem o montante de €3710;
- A título de complemento de retribuição pelo exercício de funções que extravasaram o conteúdo funcional da A., esta reclama da R. a quantia de € 4200;
- Devido a promessas de pagamentos que foram adiados, a chantagem e coacção moral, a A. sentiu angústia e ansiedade que conduziram a uma depressão; 
- A título de danos não patrimoniais, a R. deve pagar à A. uma indemnização no montante de € 2500;
- A A. requereu em 08.09.2017 a notificação judicial avulsa da R. para interromper a prescrição.

Em 11.09.2017 foi determinada a citação urgente da R..

A R. foi citada em 14.09.2017 ( documento de fls. 27).

A R. contestou, invocando a excepção de prescrição, em virtude de já ter decorrido o prazo previsto no nº1 do art. 337º do CT.

Para tanto, alegou que a A. em 08.09.2017 requereu a notificação judicial avulsa para interromper a prescrição, mas só logrou tal desiderato em 13.09.2017.

Invocou ainda a emissão de uma declaração abdicativa pela A..

A A. respondeu, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pela R..

Em 28.12.2017, o Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão:
«Em sede de contestação, excepcionou a ré BBB, Ldª. a prescrição dos créditos peticionados pela autora. Afirma, para o que ora interessa, que tendo cessado o contrato de trabalho que uniu as partes em 09.09.2016 e tendo sido apenas notificada em 13.09.2016, encontra-se prescrito o direito da autora.
Conclui a Ré pela procedência da excepção invocada, com a sua consequente absolvição do pedido.
Notificada a autora, a mesma respondeu, afirmando que o contrato de trabalho que a uniu à ré apenas cessou em 30.09.2016 data em que assinou a declaração junta a fls. 32 dos autos. Porquanto, esse contrato é nulo por simulação absoluta, por reserva mental ou violação das mais elementares regras da responsabilidade civil pré-contratual. Contrariamente ao que consta do contrato nada recebeu da ré. Assim e porque a resolução do contrato e seus efeitos estavam dependentes do pagamento pela ré da importância dele constante, nada tendo pago a ré à autora verifica-se a nulidade do contrato. Não podendo, assim, a ré aproveitar os efeitos da resolução do contrato. Assim, na data da assinatura do contrato em 30.09.2016 ainda as partes mantinham relações laborais.    Razão pela qual à data da citação da ré, ainda, não estavam prescritos os créditos reclamados pela autora.
Pugna, a final pela improcedência da excepção.
Tendo em consideração os articulados apresentados pelas partes e a excepção deduzida pela Ré, importa considerar por assente com relevo para a questão decidenda que a relação de trabalho que uniu as partes cessou em 09.09.2016.
É o que, a nosso ver, emerge claramente da alegação da autora na sua petição inicial, nomeadamente, no seu artigo 4º e na declaração de fls. 32.
Quando é certo que foi com base em tal data, assumida pela autora como de cessação do contrato, que a mesma pediu a citação urgente da ré e promoveu, também, a sua notificação judicial avulsa.
Não alterando, a nosso ver, o invocado pela autora aquando da sua resposta à contestação e timidamente já aduzido na sua petição inicial (cfr. o seu artigo 20º) quanto às condições em que assinou a referida declaração, porquanto, tal não contende com a data invocada pela mesma como sendo a da cessação do contrato. Em concreto, o dia 09.09.2016.
A este respeito, refira-se que mal se entende a argumentação da autora na sua resposta, porquanto, afirma que o contrato a final ainda estaria em vigor em 30.09.2016, não explicando, contudo, em que data cessou e de que forma.
Cumpre decidir:
Estatui o art.º 337º/1, do Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02 (em vigor à data da cessação do contrato), que “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato”.
Como já se viu, temos por certo que a relação de trabalho que uniu as partes cessou em 09.09.2016.
Assim, todos os eventuais créditos emergentes da relação laboral havida entre Autora e Ré estariam extintos, por efeito da prescrição, no dia 10 de Setembro de 2017, data em que se consumou o prazo de um ano a que alude o citado preceito.
Por outro lado, estão as partes de acordo em como a ré foi notificada no âmbito da notificação judicial requerida pela ré em 08.09.2017, no dia 13.09.2017.
Como é sabido, a prescrição apenas pode ser interrompida pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (cfr., art.º 323º/1, do Código Civil).
A presente acção foi intentada no dia 08 de Setembro de 2017, tendo a autora, desde logo, requerido a citação urgente da Ré, de forma a valer-se do disposto no artigo º 323º/2, do Código Civil. Contudo, tendo-o feito apenas dois dias antes do decurso do prazo de prescrição, sem que antes do mesmo se esgotar se tivesse verificado a citação da ré, no 5º dia posterior àquela data já havia decorrido o prazo de prescrição.
O mesmo se diga no tocante à requerida notificação judicial avulsa, tendo sido nesse âmbito a ré notificada em 13.09.2017. Ou seja, num momento em que se mostravam já extintos, por efeito da prescrição, os créditos que aqui são reclamados pela Autora.
A excepção de prescrição consubstancia, atento o disposto no art.º 493º/1 e 3, do Código de Processo Civil, excepção peremptória que importa a absolvição do pedido.
Resta-nos concluir, assim, que procede a invocada excepção de prescrição.A excepção de prescrição consubstancia, atento o disposto no art.º 493º/1 e 3, do Código de Processo Civil, excepção peremptória que importa a absolvição do pedido.       
Decisão:
Face a todo o exposto, decido julgar procedente a excepção de prescrição invocada pela Ré BBB, Ldª., em consequência do que a absolvo dos pedidos formulados pela Autora.»

A A. recorreu desta decisão e formulou as seguintes conclusões:
I As causas interruptivas da prescrição podem provir do titular do direito ou do reconhecimento, pela outra parte, desse direito.
II Reconhecimento como acto jurídico, declaração de ciência, verbal ou escrita, expressa ou resultante de factos concludentes, que inequivocamente o exprimem.
III A presunção da vontade do reconhecimento por parte do sujeito passivo da relação jurídica, dispensando da prática de actos interruptivos o titular do direito, estriba-se em factos que revelem de forma inequívoca o conhecimento de tal vínculo ou a consciência da consistência jurídica dessa pretensão, ali se compreendendo claramente uma confissão de dívida por esta assinada e respectivas condições de pagamento.
IV– Se uma parte celebra uma remissão abdicativa, mediante naturalmente o pagamento de uma contraprestação e tal não sucedeu, aquele documento é nulo e não poderá produzir nenhuns efeitos. Com efeito, tal documento constitui uma simulação absoluta, ou seja, a Recorrida declarou uma coisa essencial, mas não tinha a mínima intenção de a cumprir, 240.º, n.º 2 do CC. Seja por ser simulação absoluta, 240.º a 242.º do CC, seja porque a Recorrida assinou o documento com reserva mental, 244.º do CC, seja porque violou as mais elementares regras da responsabilidade civil pré-contratual 227.º do CC e contratual, a consequência é a mesma o contrato assinado é nulo e de nenhum efeito, artigos 286.º e 289.º do CC, pelo que a vigência das relações laborais se devem reportar ao momento temporal mais favorável à trabalhadora.
V Para os efeitos do artigo 639.º, n.º 2, al. c), a Mm.ª Juíza a quo deveria, salvo o devido respeito que é muito, ter aplicado os artigos 227.º, 240.º, 242.º, 244.º, 286.º, 289.º, 325.º e 326.º do CC.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve a Sentença ser revogada e substituída por outra, que julgue a excepção de prescrição improcedente por não provada, seguindo o processo a sua ulterior tramitação até final, com as legais consequências.

A R. contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
A)- Aquando a elaboração da petição inicial, a Recorrente não colocou em causa a data de cessação do contrato em 09/09/2016.
B)- A Recorrente aceitou que o contrato de trabalho cessou naquela data, motivo pelo qual requereu a citação urgente da Recorrida.
C)- Confrontada com a exceção de prescrição invocada pela Recorrida na sua
Contestação, é que a Recorrente, em sede de Resposta, vem “dar o dito pelo não dito”, alegando outra data de cessação do CT.
D)- Em sede de Recurso, a Recorrente inicia as suas conclusões atribuindo eficácia ao doc. de fls. 32, mas termina retirando validade ao mesmo.
E)- A Recorrente alega o reconhecimento da dívida pela Recorrida, porém,
F)- este instituto não tem aplicação no caso sub judice . Isto porque,
G)- A Recorrida não se confessou devedora das quantias que a Recorrente peticionou.
H)- A Recorrida apenas reconheceu a dívida da quantia de 1.778,41€, e não outra, e se comprometeu a pagá-la em prestações, o que resulta, de forma clara e inequívoca, do documento de fls. 32, no qual se vem apoiar a Recorrente.
Mais, e embora não se verifique o pretendido pela Recorrente,
I)- Esta ao invocar a Interrupção da Prescrição, reconhece, mais uma vez, que aceitou a data de 09/09/2016, como cessação do vínculo contratual,
J)- Pois, de outro modo, não faria sentido vir alegar a interrupção da excecionada prescrição.
K)- A Recorrente acena mesmo com o art. 326.º do CC, preceito que determina que fica inutilizado todo o tempo decorrido anteriormente, ou seja, a Recorrente teve em conta, no seu raciocínio, o tempo decorrido entre 09/09/2016 e 30/09/2016.
Ora,
L)- Dúvidas não restam que, de facto, o CT cessou a sua vigência em 09/09/2016, facto aceite pela Recorrente.
M)- Verificou-se, assim, a Prescrição dos alegados direitos invocados pela Recorrente, exceção perentória que importa a absolvição do pedido.
Nestes Termos, deverá concluir-se pela improcedência das Conclusões da Recorrente, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
*

II Importa solucionar no âmbito do presente recurso se procede a excepção de prescrição.
*

IIIApreciação.
Os factos com interesse para a apreciação da questão acima indicada são os “supra” relatados.
Importa ainda atender ao documento de fls. doc. de fls. 32 ( declaração assinada por ambas as partes em 30.09.2016).
No referido documento consta :
« (…) 4º- Na sequência deste circunstancialismo, ambas as partes declaram que a pretendida resolução do contrato de trabalho tem efeitos em 09.09.2016, sendo que a Empregadora, nos termos do art. 366º, ex vi, do nº 4 do art. 194º do Código do Trabalho, pagará à Trabalhadora a quantia de € 6360 ( seis mil, trezentos e sessenta euros)- que esta aceita- , a título de compensação.
5º- Declara a Trabalhadora, que recebeu aquela quantia na data de assinatura da presente declaração, dando-lhe completa quitação.
6º- Declara, ainda, a Empregadora que deve à Trabalhadora a quantia líquida de 1778,41 ( mil setecentos e setenta e oito euros e quarenta e um cêntimos), a título de proporcionais de férias, subsídio de férias, subsídio de natal, retribuição do mês de agosto de 2016, e retribuição de 9 dias de Setembro de 2016.
7º- Nesta quantia se incluem os créditos vencidos à data de cessação do contrato e exigíveis em virtude desta, o que ambas as declarantes aceitam. »

Resulta ainda do referido documento que foi acordado o pagamento da quantia referida sob 6 em prestações e foi consignado que a referida declaração produziria « uma verdadeira declaração extintiva (abdicativa ou renunciativa) de qualquer dívida da Empregadora para com a Trabalhadora.»

Não obstante a ora recorrente invocar em sede de resposta à contestação e no âmbito do presente recurso a nulidade deste acordo, verificamos que na petição inicial, a mesma admitiu, sob o art. 4º que a “ rescisão retroagiu os seus efeitos a 9.9.2016” e peticiona crédito emergente da cessação do contrato.

Esta deverá ser a data da cessação do contrato de trabalho.

Apurar se ocorreu ou não pagamento do montante cuja quitação foi data é uma questão diversa que não se confunde com a questão ora apreço : verificar se os direitos de crédito da recorrente invocados na petição inicial prescreveram, pelas razões indicadas na decisão recorrida e com fundamento no preceituado no art. 337º do CT.

Invoca ainda a recorrente o reconhecimento da dívida.

De acordo com o disposto no art. 325º, nº1 do Código Civil, a prescrição é interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.

O documento de fls. 32, acima citado, não equivale ao reconhecimento da dívida para efeitos interruptivos da prescrição.
Apenas é reconhecida a dívida no montante de €1778,41 que não foi peticionada. 

No que concerne à quantia de € 6360 não se verifica o reconhecimento desta dívida, uma vez que é mencionada a quitação de tal importância.

Apurar se tal montante foi efectivamente pago é, conforme já referimos, questão diversa que não se confunde com a prescrição que se verifica, conforme decidiu o Tribunal a quo.

Improcede, desta forma, o recurso de apelação.
*

IVDecisão.
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, levando em atenção a decisão quanto ao benefício do apoio judiciário.


Lisboa, 11 de Julho de 2018

     
Francisca Mendes
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos