Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
905/05.2TTLSB.L1-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO DO ACORDO
INTERPRETAÇÃO DO ACORDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: No âmbito do processo por acidentes de trabalho, estando em causa saber se a decisão recorrida é contraditória com a que julgou válido o acordo lavrado no âmbito da tentativa de conciliação, deve proceder-se à interpretação dos termos desse acordo (judicialmente validado), em conformidade com o resultante da lei que tem natureza imperativa.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa .


Relatório:

           
Nos presentes autos emergentes de acidente de trabalho relativos ao acidente mortal (queda em altura) sofrido AAA, no dia 13/12/2004, quando trabalhava sob a autoridade, direcção e fiscalização de BBB, Ldª, cuja responsabilidade por acidentes de trabalho estava transferida para CCC- Cª de Seguros, S.A., deixando o sinistrado dois filhos, então menores, DDD, nascida em 2/9/94 e EEE, nascido em 13/10/96, frustrada a tentativa de conciliação realizada na fase administrativa do processo (fls. 263/269), vieram os mencionados filhos do sinistrado, patrocinados pelo M.P., demandar as citadas CCC e BBB, e o Fundo de Acidentes de Trabalho, devido à situação de insolvência da 2ª, entretanto declarada, deduzindo os pedidos constantes de fls. 183 a 187.

Contestaram  os RR. FAT e CCC, nos termos que constam de fls. 296/300 e 310/313.

Em 28/11/2012 teve lugar uma tentativa de conciliação na qual, após aceitarem a fixação de um elenco de factos, as partes acordaram no seguinte:
“As partes aceitam os termos da conciliação expressa no auto de conciliação com a rectificação que a responsabilidade emergente do acidente de trabalho estava transferida pela totalidade da retribuição anual para a companhia de seguros (€6.868,08), bem como a sua responsabilidade a título subsidiário e com a rectificação do valor da pensão anual e temporária a seu cargo cujo valor é de € 2.747,23 aos filhos do sinistrado.
Consideram deste modo prejudicado os montantes da prestação mensal de € 507,23 a cargo da entidade empregadora.
A Cª de Seguros aceita pagar como decorre da lei o subsídio por morte aos filhos do sinistrado no valor de € 4.387,20 e no âmbito da sua responsabilidade subsidiária.
A Cª  de Seguros aceita pagar a quantia de € 20,00 de transportes.
O F.A.T. assumirá futuramente eventual responsabilidade nos termos legais decorrendo destes a não assunção do pagamento de prestações por responsabilidade agravada.”

Foi de imediato proferido despacho a considerar válido o acordo.

Junta a fls. 379/385 certidão da sentença que, em 28/10/2010, declarou a insolvência da 2ª R., foi, sob promoção do M.P., ordenada a notificação do FAT para dizer o que tivesse por conveniente face aos termos de fls. 374 (isto é, do que ficou lavrado no auto de tentativa de conciliação), vindo o mesmo alegar, a fls. 390, que não é responsável pelo pagamento de prestações por responsabilidade agravada e que a Cª de Seguros assumiu a responsabilidade a título subsidiário pela totalidade da retribuição auferida pelo sinistrado, informando que nenhuma responsabilidade deverá assumir no âmbito dos presentes autos de acidente de trabalho.

Notificada a seguradora para comprovar o pagamento das quantias determinadas na decisão de fls. 374, veio a mesma informar que apenas liquidou a verba referente ao subsídio por morte e transportes aos herdeiros (juntando documentos comprovativos), por considerar que, no que concerne ao pagamento de pensões temporárias aos filhos do sinistrado, o seu pagamento é da responsabilidade do FAT  (fls. 437).

Ouvido de novo, o FAT reiterou o entendimento que “não é devida qualquer quantia pelo FAT nos presentes autos, atendendo a que as pensões devidas aos filhos do sinistrado ficaram a cargo da seguradora, na qualidade de responsável subsidiária (face à insolvência da entidade empregadora).” (fls. 443).

O M.P. pronunciou-se a fls 452, nada opondo ao requerido pelo FAT e requerendo “em conformidade com o acordo de fls. 370 e segs. a condenação da Cª de Seguros nos pagamentos que ali expressamente assumiu, a incluir os pagamentos das pensões anuais e temporárias aos beneficiários legais do sinistrado” (fls. 452).

E em novo requerimento apresentado na mesma data, veio requerer:
“1-Se considere a não oposição ao requerido pelo FAT a fls. 443 formulada no anterior requerimento como referente à responsabilidade subsidiária da Cª de Seguros.
2-Assim e na sequência do já requerido a fls. 439, deverá o FAT considerar-se responsável pela diferença entre as prestações normais e as agravadas, face ao acordo de fls. 370 e segs. e ao que ficou exarado nos autos de tentativa de conciliação de fls. 263 e segs (cfr. ac. STJ de 17/6/2010 in www.dgs..pt)” (fls. 454).
A fls. 460 o FAT vem de novo afirmar “não é devida qualquer quantia a título de pensões agravadas pelo FAT nos presentes autos.”.

Foi então proferido o seguintes despacho:

“Veio o Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) dizer que não deve qualquer quantia nos presentes autos aos filhos do sinistrado que ficaram a cargo da Companhia de Seguros.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser aquele responsável pela diferença entre as prestações normais e as agravadas em face do que ficou exarado no acordo de fls. 370 e ss..
Notificado reitera o FAT que do acordo resulta a não assunção por este pelo pagamento das prestações por responsabilidade agravada.

Cumpre decidir.

Resulta da acta de tentativa de conciliação (fls. 370-375) que as partes aceitaram “os termos da conciliação expressa no auto de conciliação com a rectificação que a responsabilidade emergente do acidente de trabalho estava transferida pela totalidade da retribuição anual para a companhia de seguros (€ 6.868,08), bem como a sua responsabilidade a título subsidiário e com a rectificação do valor da pensão anual e temporária a seu cargo cujo valor é de € 2.747,23 aos filhos do sinistrado”.

Os termos do acordo, que terá sempre de respeitar as regras legais imperativas, remete assim para os termos do auto de conciliação da fase conciliatória que se encontra a fls. 263-269, desta decorrendo expressamente o pagamento apenas a título subsidiário das prestações aos filhos do sinistrado.

No caso, o acidente de trabalho ocorreu em 13 de Dezembro de 2004, ou seja, ainda na vigência da redacção original do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, em que pacificamente se entendia que o Fundo de Acidentes de Trabalho assumia a responsabilidade pelo pagamento das prestações agravadas ou, existindo responsabilidade subsidiária da seguradora, pelo respectivo diferencial.

O Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio, veio conferir nova redacção ao artigo 1º, n.º 5 daquele diploma legal, vindo a afastar a responsabilidade do Fundo de Acidentes de Trabalho pelo pagamento das denominadas “prestações agravadas”.

Com efeito, ali se dispõe que “(V)erificando-se alguma das situações referidas no n.º 1 do artigo 295º, e sem prejuízo do n.º 3 do artigo 303º, todos da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, o FAT responde apenas pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa”. Como se sumariou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.06.2010, domiciliado em www.dgsi.pt “(…).III – Todavia intui-se do modo como o legislador se exprimiu que a norma, na lei nova, limita a responsabilidade do FAT, ao mesmo tempo que não tem por objecto regular directamente situações jurídicas constituídas antes da sua entrada em vigor, ou seja, situações emergentes de acidentes de trabalho anteriormente ocorridos.
IV–Por isso, em caso de acidente de trabalho ocorrido em data anterior à da entrada em vigor do DL n.º 185/2007, de 30 de Maio, e verificada a situação de impossibilidade de a entidade primitivamente responsável pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho proceder ao pagamento das prestações agravadas, mantém-se a obrigação do FAT de assegurar este pagamento ou o seu diferencial, caso haja responsável solidário”.

Assim, tendo o acidente dos autos ocorrido em data anterior à alteração do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10.05., não existem dúvidas que Fundo de Acidentes de Trabalho é responsável pelo pagamento das prestações agravadas ou pelo seu diferencial no caso de existir responsável subsidiário.

As regras que acabámos de enunciar são imperativas, tal como aquelas que regulam os acidentes de trabalho.

O Fundo de Acidentes de Trabalho invoca que terá sido acordado coisa diferente, o que se mostra irrelevante em face do regime legal imperativo.

Contudo, entendemos que, pese embora os termos contraditórios que constam da declaração que aí consta, deverá entender-se que prevalece a primeira parte quando refere “O FAT assumirá futuramente eventual responsabilidade nos termos legais”.

Com efeito, com a segunda parte – “decorrendo destes a não assunção do pagamento de prestações por responsabilidade agravada” – reporta-se seguramente à lei vigente à data da conciliação. Contudo verificando-se que à data do acidente era vigente lei que tal contraria, é esta necessariamente a aplicável.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos deve o Fundo de Acidentes de Trabalho, considerando a data em que o acidente ocorreu, pagar as prestações aos beneficiários nos termos que decorrem do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 142/99 de 30 de Abril, antes da redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10.05..”

O FAT, não conformado, interpôs recurso, formulando nas respectivas alegações as seguintes conclusões:

1–O FAT foi citado em 19-09-2011 para contestar a acção proposta pelos beneficiários DDD e EEE, representadas pela curadora FFF.
2–Os Autores demandaram o FAT face à situação de insolvência da entidade patronal.
3–Por despacho proferido em 11-10-2016, foi determinada a realização de uma tentativa de conciliação (já na fase contenciosa do processo), atenta a posição assumida pelas partes nas respectivas contestações.
4–A diligência em causa realizou-se em 28-11-2012 e foi presidida pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, tendo estado presentes todas as partes do processo.
5–Aberta a audiência pela Mma. Juiz, as partes chegaram a acordo quanto a toda a factualidade relativa ao acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado, quanto à transferência da responsabilidade para seguradora da totalidade da retribuição auferida pelo sinistrado no montante de anual de 6.868,08€ e quanto ao facto de o acidente de trabalho em causa se ter devido à omissão por parte da entidade patronal das regras de segurança no trabalho.
6–Atenta a transferência da responsabilidade para a seguradora, esta última aceitou proceder ao pagamento aos beneficiários filhos do sinistrado de uma pensão anual e temporária no montante de 2.747,23€, bem como do subsídio por morte no montante de 4.387,20€ e a quantia de 20,00€ a título de despesas de transportes.
7–Relativamente à responsabilidade do FAT, ficou a constar que este último assumiria futuramente eventual responsabilidade nos termos legais decorrendo destes a não assunção do pagamento de prestações por responsabilidade agravada (sublinhado nosso).
8–Entendeu assim a Mma. Juiz do Tribunal a quo que o FAT não era responsável pelo pagamento das prestações devidas aos beneficiários correspondentes ao agravamento das pensões, entendimento esse que não mereceu qualquer contestação por parte do Digno Magistrado do Ministério Público que patrocina os beneficiários.
9–Face ao acordo alcançado, foi proferido despacho, nos termos do qual o acordo foi considerado válido e conforme as regras imperativas da Lei dos Acidentes de Trabalho.
10–Por despacho proferido em 24-11-2016, entendeu agora o Tribunal a quo que o FAT é responsável pelo pagamento aos beneficiários do sinistrado das prestações agravadas.
11–Ainda nos termos do referido despacho, o acordo celebrado entre as partes em 28-11-2012 foi classificado como “irrelevante” face ao regime legal imperativo, o qual estabelece que o FAT é
responsável pelo pagamento de prestações agravadas em relação a acidentes de trabalho ocorridos antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio, como é o caso dos autos.
12–A validade do acordo celebrado em 28-11-2012 foi verificada pela Mma. Juiz, conforme decorre do despacho proferido na mesma data e imediatamente notificado às partes.
13–Tendo o acordo sido celebrado por todos os intervenientes processuais, é forçoso concluir que se formou caso julgado relativamente ao acordado, vinculando-se as partes nos seus estritos termos.
14–Encontrando-se as partes abrangidas pelo caso julgado que se formou quanto à desresponsabilização do FAT no pagamento das prestações agravadas, tal matéria consolidou-se no ordenamento jurídico, não podendo, por isso, ser agora objeto de outra decisão.
15–Muito menos se poderá considerar “irrelevante” um acordo judicial celebrado entre as partes, cuja validade e legalidade foram verificadas pela Mma. Juiz do Tribunal a quo.
16–Nestes termos, deverá manter-se o acordado pelas partes em 28-11-2012, bem como o teor do despacho proferido na mesma data, nos temos do qual resulta a não assunção por parte do FAT do pagamento de prestações por responsabilidade agravada.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido e, em consequência, ser substituído por outro que defira a pretensão do Recorrente.

O Ministério Público contra-alegou pugnando pela confirmação do despacho recorrido.

A R. CCC não contra-alegou

O objecto do recurso consiste essencialmente em ajuizar se o despacho recorrido viola o caso julgado formado pelo despacho judicial que declarou válido o acordo lavrado em 28/11/2012.

Para além dos factos mencionados no relatório, que nos dispensamos de repetir e aqui damos por reproduzidos, importa ainda ter em conta os que foram aceites por acordo das partes na tentativa de conciliação que teve lugar em 28/11/2012 e que são os seguintes:
1.-O sinistrado AAA, foi vitima de um acidente de trabalho em 13 de Dezembro de 2004, no período temporal compreendido entre as 14:00 e as 15:30 horas, em Lisboa, e no Hospital de Santa Maria, sito na Avenida Prof. Egas Moniz.
2.-Tal acidente verificou-se quando o sinistrado prestava o seu trabalho de servente à sociedade "BBB”,, com sede na Rua -Lisboa, em execução de contrato de trabalho com esta celebrado e sob as suas ordens direcção e fiscalização.
3.-A entidade empregadora supra-referida tinha a sua responsabilidade emergente do acidente de trabalho transferida para a Ca. de Seguros CCC, S. A. em função da retribuição de € 400,00 X 14 meses e € 5,24 X 22 X 11 a perfazer o montante global de € 6.868,08.
4.-O sinistrado, na ocasião do acidente, tinha a categoria de servente.
5.-Na data do acidente o sinistrado auferia, em contrapartida do seu trabalho e como retribuição da sua entidade empregadora € 400,00 X 14 meses, a título de retribuição base, acrescida de um subsidio de alimentação de € 5,24 X 22 X 11 meses (fls. 98), a perfazer o montante anual de € 6.868,08.
6.-O sinistrado na manhã do dia do acidente, dia 13-12-2004, encontrava-se no terraço do 8.° piso do Hospital de Sta. Maria, a serrar chapas metálicas que faziam parte da platibanda de cobertura que estava a ser substituída.
7.-Logo a seguir ao almoço daquele dia, e entre as 14:00 e as 15:30 horas, o sinistrado dirigiu-se à cobertura do 9.° piso porque precisava de um barrote para o auxiliar no trabalho que estava a executar.
8.-E ao serviço da sua entidade empregadora.
9.-O sinistrado pegou então num barrote a ao proceder ao transporte do mesmo na cobertura do 9.° piso, caiu da cobertura daquele 9.° piso para o patamar do piso 6.° do serviço de cirurgia experimental do Hospital de St.ª Maria. (cfr. a fotografia de fls. 42, com o n.° 10).
10.-Queda que ocorreu do local referido nas fotografias de fls. 40 a 41,cujo teor aqui se dá por reproduzido.
11.-A queda em altura do sinistrado foi cerca de 12 metros.
12.-Queda que foi devida ao facto de o sinistrado trabalhar na cobertura do aludido 9.° piso nas circunstâncias descritas no relatório de fls. 30 a 36 da Inspecção-Geral do Trabalho, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
13.-Em consequência necessária de tal queda, o sinistrado sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 83 a 86, que lhe determinaram, como consequência necessária e directa, a morte em 13 de Dezembro de 2004. (cfr. fls.178.)
14.-A entidade empregadora do sinistrado não tomou as providências necessárias a evitar a queda do sinistrado da aludida cobertura.
15.-A entidade patronal não identificou os riscos previsíveis por forma a eliminá-los ou reduzi-los.
16.-A entidade patronal alheou-se do modo como funcionavam os trabalhos onde o sinistrado exercia as suas funções e bem assim das suas condições de segurança.
17.-A entidade patronal não forneceu ao sinistrado a preparação e os conhecimentos necessários para poder operar com segurança naquele local.
18.-A entidade patronal também não tomou medidas eficazes e com regras de forma a que a circulação das pessoas e do sinistrado em cima da mencionada cobertura e a sua movimentação nos postos de trabalho se efectuasse com segurança.
19.-A actuação do sinistrado foi sempre desenvolvida segundo as ordens e com o conhecimento e consentimento da sua entidade empregadora.
20.-Entidade empregadora que omitiu o cumprimento das normas de segurança no trabalho desenvolvido pelo sinistrado no dia do acidente e na aludida cobertura, o que foi determinante na produção do acidente que veio a vitimar o sinistrado.
21.-O sinistrado tinha à data da sua morte dois filhos, DDD, nascida a 2 de Setembro de 1994 e EEE, nascido em 13 de Outubro de 1996.

E porque no acordo lavrado em 28/11/2011 as partes começaram por dizer que aceitavam os termos da conciliação expressa no auto de conciliação - querendo certamente referir-se aos termos da proposta apresentada pelo M.P., sobre a qual não chegou a haver  acordo – para melhor compreensão do caso, atentemos também nos termos dessa proposta:

“A Companhia de Seguros pagará, a título subsidiário, com início em 14-12-2004, as seguintes prestações normais  (ART° 49°.,N° 7,do Decreto-Lei n.° 143/99,de 30/04 e art° 37°, n° 2,da Lei n° 100/97,de 13/09):

1-Aos filhos do sinistrado a pensão anual e temporária no valor de € 2.240,00 até perfazerem 18, 22 ou 25 anos de idade, enquanto frequentarem respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior. -artso 20° n. 1o al c) da Lei 100/97 de 13-9 e 49°.,n° 1,do Decreto-Lei n° 143/99,de 30-4-;
As referidas pensões serão pagas nos termos do art.° 51° n.° 1 e n.° 2 do Decreto-Lei 143/99, de 30/04, mensalmente até ao 3o dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual.
Os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada, da pensão anual são respectivamente pagos os meses de Maio e Novembro de cada ano.
3-A entidade seguradora pagará ainda nos termos do art.° 22° n.° 1 al. b) da Lei 100/97, de 13/09, um subsídio por morte aos filhos do sinistrado no valor de € 4387,20.
O salário do dia do acidente já foi pago bem como as despesas de funeral, daí não se reclamar o pagamento de tais quantias.
A entidade empregadora pagará também aos filhos do sinistrado a título de prestação normal, a pensão anual e temporária no valor de € 507,23 até perfazerem 18, 22 ou 25 anos de idade, enquanto frequentarem respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior. - art.s0 20° n.° 1 alínea c), e 37°, n° 3, da Lei 100/97 de 13-9 e 49°.,n° 1 do Decreto-Lei n.° 143/99,de 30/04;
Pensão correspondente à quota-parte da responsabilidade da retribuição não transferida de € 1268,08 correspondente ao subsídio de alimentação.
As referidas pensões serão pagas nos termos do art.° 51° n° 1o e n° 2o do Decreto-Lei 143/99, de 30/04, mensalmente até ao 3.° dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual.
Os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada, da pensão anual são respectivamente pagos os meses de Maio e Novembro de cada ano.

A entidade empregadora pagará, a título principal, com início em 14/02/2004, aos filhos do sinistrado, o seguinte:
a)-Aos filhos do sinistrado a pensão anual e temporária no valor de € 6.868,08, sendo € 3.434,04 para cada filho, até perfazerem 18, 22 ou 25 anos de idade, enquanto frequentarem respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior. - arts0 20° n. 1 alínea c) da Lei 100/97 de 13/09 e 49°.,n.° 1, do Decreto-Lei n° 143/99,de 30/04;
A entidade empregadora pagará ainda nos termos do art.° 22° n° 1 al. b) da Lei 100/97, de 13/09, um subsídio por morte aos filhos do sinistrado no valor de € 4.387,20.

As referidas pensões serão pagas nos termos do art.° 51° n° 1 e n° 2 do Decreto-Lei 143/99, de 30/04, adiantadas e mensalmente até ao 3.° dia de cada mês, correspondendo, cada prestação, a 1/14 da pensão anual.

Os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada, da pensão anual são, respectivamente pagos, nos meses de Maio e Novembro de cada ano.

Apreciação.

Sendo a questão colocada no recurso a de saber se a decisão recorrida é contraditória com a que julgou válido o acordo lavrado no âmbito da tentativa de conciliação realizada em 28/11/2012, cuja validação judicial transitou em julgado (e que por isso, em caso de contradição, deve prevalecer), reconduz-se, ao fim e ao cabo à interpretação dos termos em que ficou consignado o referido acordo e que foi judicialmente validado.

Foi isso, aliás, que o despacho recorrido procurou fazer, atento os termos manifestamente  equívocos e obscuros da declaração final do FAT consignada no auto,  tendo procedido à respectiva  interpretação em conformidade com o que entende resultar da lei, que, como é sabido, tem natureza imperativa.

Vejamos então se a interpretação dos termos do acordo efectuada pelo tribunal no despacho ora recorrido é merecedora de censura.
Atente-se que, além de terem acordado no elenco dos factos (dos quais resulta que a eclosão do acidente de que resultou a morte do sinistrado se deveu à circunstância de a empregadora não ter implementado as medidas de segurança necessárias para evitar quedas em altura, nem ter fornecido ao sinistrado os conhecimentos necessários para operar em segurança no local onde se desenrolava a respectiva actividade, omitindo o cumprimento das normas de segurança no trabalho, do que resulta que a responsabilidade pela reparação do acidente seja agravada nos termos do art. 18º nº 1, recaindo sobre a empregadora e só subsidariamente sobre a seguradora a responsabilidade pelas prestações normais, isto é, com base apenas na responsabilidade pelo risco, conforme dispõe o art. 37º nº 2, ambos da L. 100/97 de 13/9, então vigente) as partes aceitaram expressamente os termos da proposta de conciliação (embora designando-a conciliação) apresentada às partes pelo M.P. e que não logrou acordo, com uma única rectificação decorrente de a transferência da responsabilidade por acidentes de trabalho para a seguradora abranger a totalidade da retribuição (ou seja, € 6.868,08) e não apenas a retribuição base, como fora inicialmente declarado pela seguradora.

Ora, a proposta em causa era precisamente que a seguradora assumisse a responsabilidade a título subsidiário, pelo pagamento, com início a partir de 14/12/2004, de pensão normal (ou seja, não agravada) anual e temporária aos filhos do sinistrado (além das demais prestações que, para o que ora está em discussão, são irrelevantes)  e, por outro lado, que a entidade empregadora assumisse a responsabilidade,  a título principal,  pelo pagamento desde a mencionada data, das pensões anuais e temporárias agravadas nos termos do art. 18º da LAT.

Houve, pois, acordo quanto ao agravamento das prestações.

Porque a empregadora foi declarada insolvente,  cabe ao FAT,  nos termos do art. 39º da L. 100/97 e art. 1º nº 1 al. a) do DL 142/99 de 30/4 garantir o pagamento das prestações que não podem ser pagas pela responsável principal, não estando, até à entrada em vigor do DL 185/2007 de 10/5 (11/5/2007, cfr. respectivo art. 5º) excluído que essa substituição abranja as prestações agravadas nos termos do art. 18º da LAT. Com efeito, só com o nº 5 do art. 1º do DL 142/99, aditado pelo aludido DL 185/2007, que, como bem se refere no ac. do STJ de 17/6/2010, citado na decisão recorrida, não tem natureza interpretativa, o legislador veio afastar a garantia do FAT quanto ao pagamento das denominadas pensões agravadas. Porque aquele diploma apenas dispõe para o futuro, não pode obviamente ter aplicação no caso dos autos, uma vez que o acidente ocorreu antes da respectiva entrada em vigor. Neste sentido decidiu o STJ além de no ac. referido, também em ac. de 10/9/2008 e 10/12/2008, naquele citados.

A parte final da declaração efectuada  pelo FAT no tentativa de conciliação de 28/11/2012, depois de, na parte inicial, declarar assumir futuramente a eventual responsabilidade nos termos legais, torna e declaração manifestamente equívoca  e, de algum modo, contraditória.  Sibi imputet a obscuridade de tal proposição. Assumida que estava pela seguradora que a responsabilidade por acidentes de trabalho  fora para si transferida pela totalidade da retribuição do sinistrado (retribuição base e subsídio de refeição), a assunção da responsabilidade do FAT feita na parte inicial da declaração (ainda que qualificada de eventual) só podia referir-se ao agravamento das prestações da responsabilidade do empregador uma vez que fora excluída  a a sua intervenção para garantir a responsabilidade da empregadora pela não transferência ao subsídio de refeição.

Não obstante a falta de clareza e aparente contradição daquela declaração  integrada no acordo, tendo o acordo sido validado por despacho judicial que não foi impugnado, não pode deixar de ser interpretado em conformidade com  a lei. Porque o legislador não conferiu retroactividade ao nº 5 do art. 1º do DL 142/99 introduzido pelo DL 185/2007, bem andou a Srª Juíza ao interpretar o acordo, mormente na parte atinente à aludida declaração do recorrente, no sentido de que prevaleça a 1ª parte - ou seja a assunção da responsabilidade pelo pagamento das pensões agravadas, daí não resultando violação do caso julgado.

Entendemos, todavia (o que não é explícito no despacho recorrido), que ao FAT apenas incumbe garantir o diferencial  entre a pensão agravada e a pensão normal, devendo esta ser paga pela seguradora no âmbito da responsabilidade subsidiária, que assumiu no acordo julgado válido.

Nesse medida, é de julgar parcialmente procedente o recurso.

Decisão:

Pelo exposto se acorda em julgar parcialmente procedente o recurso, alterando o despacho recorrido no sentido de determinar que o FAT pague aos beneficiários o diferencial entre a pensão agravada  e a  pensão normal, sendo esta (a pensão normal) paga pela R. CCC, Cª de Seguros, S.A.
Custas pelo FAT e pela CCC, na proporção das respectivas responsabilidades.



Lisboa, 22 de Fevereiro de 2017



Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Feteira