Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4279/12.7TBFUN.L1-7
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: FUSÃO DE SOCIEDADES
OPOSIÇÃO
NATUREZA CAUTELAR
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROVIMENTO
Sumário: A oposição judicial à fusão por parte dos credores das sociedades participantes reveste natureza cautelar. Isto é, tais credores gozam do direito de oposição quando, além de terem razões fundadas para temerem a insuficiente solvabilidade do novo devedor, tenham justo receio de perderem a garantia patrimonial dos seus créditos.

II - Para o efeito, o credor terá que oferecer prova da sua legitimidade e que especificar qual o prejuízo que do projecto de fusão deriva para a realização do seu direito.

III – A circunstância de a opoente ter consentido na inscrição definitiva da fusão no registo comercial não implica a impossibilidade superveniente da lide, pois continua a interessar-lhe o reembolso do seu crédito ou a prestação de caução.

IV - Só depois de conhecido o concreto projecto de fusão é que, por um lado, o credor estará em condições de decidir se é contra a fusão e, em caso afirmativo, de interpelar a sociedade para pagar ou prestar garantia, e, por outro lado, só então esta poderá evitar, querendo, o efeito suspensivo da fusão definitiva decorrente da oposição deduzida.

V - Após a publicação do registo da fusão, em 4/9/2012, a credora, ora recorrente, dispunha de 15 dias para pedir o cumprimento ou a prestação de garantia do seu crédito e de um mês para o exercício do direito de oposição judicial.

VI - É certo que a recorrente exerceu este seu direito dentro de um mês, já que deduziu oposição judicial à fusão em 2/10/2012, mas é igualmente certo que não provou ter solicitado à recorrida a satisfação ou a garantia adequada do seu crédito há pelo menos 15 dias a contar da publicação do registo do projecto.

VII - Razão pela qual não podia deixar de se considerar caducado, como se considerou, o direito de oposição (cfr. o art.298º, nº2, do C.Civil).

(Sumário do Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – Relatório.

No … Juízo Cível do Tribunal Judicial …, L. – Sociedade de Serviços e Investimentos e Comércio de Imobiliário, Ld.ª, instaurou, em…, acção com processo especial de oposição à fusão e cisão de sociedades, contra B., S.A., e C., S.A., pedindo que a primeira requerida seja condenada a pagar à requerente o valor do seu crédito no montante de € 112.222.080,79, acrescido de juros de mora até efectivo e integral pagamento, e, subsidiariamente, que a mesma seja condenada a prestar caução a favor da requerente, no montante de € 118.204.679,10.

Para o efeito, alegou, além do mais, que se opõe à fusão entre o B. e o C., por a mesma prejudicar a realização do seu referido direito de crédito.

Tal acção foi julgada totalmente improcedente, por decisão datada de 11/12/12 (cfr. fls.2430 e segs., do processo principal).

Entretanto, em 12/11/12, as aqui requeridas haviam instaurado incidente de prestação de caução contra a L., Ld.ª, por apenso à presente acção, alegando a urgência que tinham no registo definitivo da fusão, pelo que pretendiam prestar caução a favor desta, de modo a poderem proceder, de imediato, ao referido registo.

Por decisão de 11/12/12, ou seja, na mesma data em que a acção foi julgada improcedente, foi, no apenso, admitida a prestação de caução pelas aí requerentes e fixado o respectivo valor em € 112.222.080,79 (cfr. fls.252 e segs., do apenso A).

No entanto, em 17/12/12, as requerentes B. e C. desistiram do incidente de prestação de caução, alegando que, nessa mesma data, a requerida – oponente, L., Ld.ª, havia consentido na inscrição definitiva da fusão entre aquelas sociedades, nos termos e para os efeitos do disposto no art.101º-B, nº1, al.d), do Código das Sociedades Comerciais, pelo que, tendo a fusão sido já definitivamente inscrita no registo comercial, aquele incidente tornara-se inútil (cfr. fls.278 do apenso A).

Nessa mesma data, 17/12/12, L., Ld.ª, B., SA e C., , SA, requereram, no processo principal, a suspensão da instância, pelo prazo de 45 dias, tendo em vista a negociação de um acordo para pôr fim aos litígios existentes entre si (cfr. fls.2458, do processo principal).

Assim, no apenso A, foi proferida decisão, em 18/12/12, declarando extinta a instância, por desistência do pedido (cfr. fls.289).

No processo principal, foi proferida decisão, igualmente em 18/12/12, suspendendo a instância pelo período de 45 dias (cfr. fls.2466).

A instância, porém, continuou suspensa até Junho de 2013, face aos sucessivos requerimentos de prorrogação do prazo de suspensão (cfr. fls.2476, 2484, 2492 e 2500).

Todavia, as partes não chegaram a acordo e, em 1/9/13, a oponente L., Ld.ª, interpôs recurso da decisão proferida em 11/12/12, que havia julgado a acção improcedente.

Foi, então, proferido despacho, em 14/11/13, ordenando a notificação das partes para se pronunciarem, querendo, quanto à viabilidade do prosseguimento dos autos.

Após pronúncia das partes, foi proferido despacho, datado de 5/12/13, julgando extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide e considerando prejudicada a apreciação do requerimento de interposição do recurso.

Inconformada, a oponente L., Ld.ª, interpôs recurso daquele despacho.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos.

2.1. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:

l.ª

O presente recurso é interposto da douta decisão de 5.12.2013 que julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide. E, em consequência, considerou prejudicada a apreciação do requerimento de interposição de recurso da sentença proferida em 10.12.2012, bem como as alegações e a resposta apresentadas.

2.ª Em 10.12.2012, fora proferida sentença nos presentes autos, no sentido de julgar improcedente a presente ação, absolvendo-se, consequentemente, as Requeridas do pedido.

3.a Ora, após a prolação da douta sentença de 10.12.2012, extinguira-se já o poder jurisdicional do Juiz a quo quanto à matéria da causa,

4.ª Determina o art. 613°, n.° l, do Código de Processo Civil que, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

5.aNos termos do n.° 2 do mesmo preceito, proferida a sentença, apenas é licito ao juiz retifícar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença.

6.ª O poder jurisdicional do Juiz estava, assim, esgotado quando foi proferida a douta decisão de 5.12.2013, pelo que a mesma é nula, nos termos do art. 195° do Código de Processo Civil, por violação do disposto no art. 613°, n.° l, do Código de Processo Civil.

7.a Acresce que o Tribunal a quo não tem materialmente razão quando julga a instância extinta, por impossibilidade superveniente da lide.

8.ª Apesar de, por regra, terem esse efeito, os processos de oposição judicial à fusão não têm por finalidade impedir o registo da fusão, mas sim satisfazer ou garantir os direitos dos credores que possam ser prejudicados com tal fusão.

9.a O legislador português adotou um sistema misto de oposição e garantia para proteção dos credores prejudicados com a fusão, pelo que consagrou um efeito impeditivo da fusão ope legis - apresentada a oposição judicial à fusão, esta não pode ser, por força da lei, inscrita definitivamente no registo comercial -, mas não pretendeu adotar um sistema em que a proteção dos credores levasse a uma suspensão indefinida da fusão.

10.ªPor isso, o art. 101°-B do Código das Sociedades Comerciais prevê que a oposição judicial deduzida por qualquer credor impede a inscrição definitiva da fusão no registo comercial apenas até que se verifique algum dos factos enumerados no n.° l daquele preceito.

11.a   No caso de consentimento no registo, como no caso de consignação em depósito das importâncias devidas, cessa o impedimento ao registo definitivo da fusão, mas o processo de oposição judicial à fusão prossegue, para que a final se decida se o crédito existe, se a fusão diminui a garantia patrimonial do crédito e se deve haver condenação no pagamento ou em prestação de garantia ao credor.

12.a O consentimento do oponente na inscrição da fusão no registo, não determina a impossibilidade do prosseguimento da oposição deduzida.

13.ª O consentimento da Oponente, ora Apelante, na inscrição definitiva da fusão entre o B., S.A. e a C., S.A. no registo comercial não tem, portanto, qualquer implicação na possibilidade de apreciação dos pedidos formulados nos presentes autos.

14.ª Existem, aliás, países, como a França, cujo regime jurídico da oposição judicial à fusão não tem o efeito de impedir o seu registo, de onde resulta não ser o impedimento do registo inerente à oposição judicial à fusão, de acordo com a natureza ou com os fins deste instituto jurídico.

15.a Considerando a Oponente, ora Apelante, que a fusão entre o B., S.A. e a C., S.A. a prejudica, enquanto credora daquele, por diminuir a sua garantia patrimonial, os presentes autos devem manter-se, pois neles se decidirá se o B. deve pagar-lhe o valor do seu crédito no montante de € 112.222.080,79 (acrescido de juros de mora até efetivo e integral pagamento) ou prestar caução a seu favor, no montante de € 118.204.679,10, até que, sendo proferida decisão judicial transitada em julgado sobre a titularidade e valor do crédito da Oponente sobre o B., este proceda ao efetivo e integral pagamento de tal crédito.

Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida.

Subsequentemente, deve esse Alto Tribunal, nos termos do art. 665°, n.° 2, do Código de Processo Civil, admitir e conhecer do recurso de apelação interposto em 1.09.2013, que teve por objeto a douta sentença de 10.12.2012.

2.2. As recorridas contra-alegaram, concluindo pela confirmação da decisão recorrida.

2.3. Na decisão recorrida considerou-se resultar dos documentos juntos aos autos que a fusão a que a requerente se opôs foi entretanto realizada, isto é, definitivamente inscrita no registo comercial, já que a oponente consentiu nessa inscrição.

Mais se considerou que, de tal circunstância, resulta inevitavelmente a impossibilidade de assegurar a satisfação ou garantia do crédito da oponente antes de efectivada a fusão, sendo que está em causa uma acção especial para o exercício de direitos sociais e não uma acção de cobrança de créditos.

Considerou-se, pois, impor-se a conclusão de que com o registo definitivo da fusão no registo comercial, entretanto efectivada, eliminado ficou o obstáculo que a pendência e procedência da acção de oposição à fusão constituíam para tal registo, tornando-se impossível assegurar a satisfação ou garantia do crédito da oponente antes de efectivada a fusão.

Por isso que se decidiu, a final, ao abrigo do disposto no art.277º, al.e), do C.P.C., julgar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, ficando prejudicada a apreciação do requerimento de interposição de recurso apresentado em 1/9/13.

E é desta decisão que vem interposto o presente recurso, onde se invocam, fundamentalmente, duas ordens de razões:

1ª - quando tal decisão foi proferida, o poder jurisdicional do juiz já estava esgotado, pelo que a mesma é nula;

2ª - não se verifica uma situação de impossibilidade superveniente da lide.

Quanto à 1ª, entende a recorrente que, após a prolação da sentença de 11/12/12, que julgou a acção totalmente improcedente, se extinguiu o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, nos termos do art.613º, nº1, do C.P.C., pelo que, quando foi proferida a decisão recorrida, em 5/12/13, julgando extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, aquele poder jurisdicional já estava esgotado, sendo, pois, nula aquela decisão.

É certo que, nos termos do citado artigo, proferida a sentença, ou o despacho (cfr. o nº3, do mesmo artigo), fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

Todavia, como explica Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, vol.V, pág.126, o alcance daquele princípio é o seguinte: o juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu, relativamente à questão ou questões sobre que incidiu a sentença ou despacho, mas continua a exercer no processo o seu poder jurisdicional para tudo o que não tenda a alterar ou modificar a decisão proferida.

Por conseguinte, o juiz pode e deve resolver as questões e incidentes que surjam posteriormente e não exerçam influência na sentença ou despacho que emitiu.

O que vale por dizer que nada impedia que, no caso, a verificarem-se os respectivos pressupostos, o juiz julgasse extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, não obstante ter proferido, anteriormente, sentença julgando a acção totalmente improcedente.

Questão é que os aludidos pressupostos se verifiquem. O que nos reconduz à 2ª ordem de razões invocada pela recorrente.

Segundo esta, apesar de, por regra, os processos de oposição judicial à fusão terem o efeito de impedir o registo desta, não têm por finalidade impedir esse registo, mas sim satisfazer ou garantir os direitos dos credores que possam ser prejudicados com tal fusão.

Mais alega que, quer no caso de consentimento no registo, quer no caso de consignação em depósito das importâncias devidas, cessa o impedimento ao registo definitivo da fusão, mas o processo de oposição judicial à fusão prossegue, para que, a final, se decida se o crédito existe, se a fusão diminui a garantia patrimonial do crédito e se deve haver condenação no pagamento ou em prestação de garantia ao credor.

Conclui, assim, que o consentimento da oponente na inscrição da fusão no registo, não determina a impossibilidade do prosseguimento da oposição deduzida.

Vejamos.

Antes do mais, haverá que atentar, ainda que de forma breve e sintética, na problemática da fusão de sociedades e da oposição dos credores das sociedades participantes na fusão.

Assim, nos termos do art.97º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais (serão deste Código as demais disposições citadas sem menção de origem): «Duas ou mais sociedades, ainda que de tipo diverso, podem fundir-se mediante a sua reunião numa só».

Por outro lado, de harmonia com o disposto no nº4, do mesmo artigo, a fusão pode realizar-se:

a) mediante a transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra e a atribuição aos sócios daquelas de partes, acções ou quotas desta;

b) mediante a constituição de uma nova sociedade, para a qual se transferem globalmente os patrimónios das sociedades fundidas, sendo aos sócios desta atribuídas partes, acções ou quotas da nova sociedade.

Por força do nº1, do art.98º, as administrações das sociedades que pretendam fundir-se elaboram, em conjunto, um projecto de fusão donde constem os elementos constantes do mesmo artigo.

O projecto de fusão deve ser registado e publicado, bem como deve ser submetido a deliberação dos sócios de cada uma das sociedades participantes (cfr. o art.100º).

No entanto, como é bom de ver, os credores das sociedades, incorporante e incorporada ou fundidas na nova sociedade, podem ter fundadas razões para temerem a insuficiente solvabilidade da sociedade devedora colocada no lugar da originária. Na verdade, a mudança do devedor, que, aliás, não pode ter lugar sem o consentimento do credor (cfr. os arts.424º, 595º e 596º, do C.Civil), pode implicar um justo receio de perda da garantia patrimonial dos créditos deste.

Daí que o art.101º-A determine:

«No prazo de um mês após a publicação do registo do projecto, os credores das sociedades participantes cujos créditos sejam anteriores a essa publicação podem deduzir oposição judicial à fusão, com fundamento no prejuízo que dela derive para a realização dos seus direitos, desde que tenham solicitado à sociedade a satisfação do seu crédito ou a prestação de garantia adequada, há pelo menos 15 dias, sem que o seu pedido tenha sido atendido».

O Código de Processo Civil criou um processo especial de jurisdição voluntária para esta oposição dos credores, inserido no âmbito do «Exercício de direitos sociais», previsto no art.1059º, nos termos do qual:

«1 – O credor que pretenda deduzir oposição judicial à fusão ou cisão de sociedades, nos termos previstos no Código das Sociedades Comerciais, oferece prova da sua legitimidade e especifica qual o prejuízo que do projecto de fusão ou cisão deriva para a realização do seu direito.

2 – É citada para contestar a sociedade devedora.

3 – Na própria decisão em que julgue procedente a oposição, o tribunal determina, sendo caso disso, o reembolso do crédito do opoente ou, não podendo este exigi-lo, a prestação de caução.»

Note-se que o art.101º-B prevê os efeitos da oposição nos seguintes termos:      

«1 – A oposição judicial deduzida por qualquer credor impede a inscrição definitiva da fusão no registo comercial até que se verifique algum dos seguintes factos:

a) Haver sido julgada improcedente, por decisão com trânsito em julgado, ou, no caso de absolvição da instância, não ter o oponente intentado nova acção no prazo de 30 dias;

b) Ter havido desistência do oponente;

c) Ter a sociedade satisfeito o oponente ou prestado caução fixada por acordo ou por decisão judicial;

d) Haver o oponente consentido na inscrição;

e) Ter sido consignada em depósito a importância devida ao oponente.

2 – Se julgar procedente a oposição, o tribunal determina o reembolso do crédito do oponente ou, não podendo este exigi-lo, a prestação de caução.

3 – O disposto no artigo anterior e nos nºs 1 e 2 do presente artigo não obsta à aplicação das cláusulas contratuais que atribuam ao credor o direito à imediata satisfação do seu crédito, se a sociedade devedora se fundir».

Dúvidas não restam, pois, que a oposição judicial à fusão por parte dos referidos credores das sociedades participantes reveste natureza cautelar. Isto é, tais credores gozam do direito de oposição quando, além de terem razões fundadas para temerem a insuficiente solvabilidade do novo devedor, tenham justo receio de perderem a garantia patrimonial dos seus créditos.

Trata-se, assim, como refere Calvão da Silva, in RLJ, Ano 142º, Nº3976, pág.31, de impedir ex ante a consumação de um acto que envolva diminuição da garantia patrimonial do pagamento, sem esperar pelo remédio geral da sua impugnação a posteriori, nos termos dos arts.610º e sgs., do C.Civil (impugnação pauliana).

Para o efeito, o credor terá que oferecer prova da sua legitimidade e que especificar qual o prejuízo que do projecto de fusão deriva para a realização do seu direito.

Repare-se que, como já vimos, a oposição judicial deduzida por qualquer credor impede a inscrição definitiva da fusão no registo comercial, até que se verifique algum dos factos mencionados nas als.a) a e), do nº1, do art.101º-B.

Isto é, o impedimento surge automaticamente pela dedução da oposição, não havendo qualquer despacho do juiz nesse sentido (cfr. Raul Ventura, in Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, págs.198 e 199).

Mas será que a circunstância de, no caso, a oponente ter consentido na inscrição, além de ter o efeito de deixar de impedir a inscrição definitiva da fusão no registo comercial (art.101º-B, al.d)), e de, por isso, se ter procedido a esse registo definitivo, implica a impossibilidade superveniente da lide?

Entendemos que não.

Como refere Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil, Anotado, vol.1º, 2ª ed., pág.555, «A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontre satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio».

Ora, não se vê que, no caso, ocorra qualquer uma dessas circunstâncias. Na verdade, a oponente não pretendia, apenas, que se impedisse a inscrição definitiva da fusão no registo comercial, mas, sobretudo, o que lhe interessava era o reembolso do seu crédito ou a prestação de caução. O que, aliás, está expressamente previsto no art.1059º, nº3, do C.P.C., e no art.101º-B, nº2.

Deste modo, tendo ela consentido na inscrição, isso significa, tão só, que prescindiu do impedimento dessa inscrição, ligado automaticamente à dedução da oposição. Mas não significa, ou não implica, que tenha prescindido, pelo menos, da prestação de garantia idónea.

Assim, se a oponente fizer prova da sua legitimidade e demonstrar o risco concreto de não lhe ser pago o devido, por força da diminuição da sua garantia patrimonial em consequência do acto de fusão, a oposição poderá ser julgada procedente. Caso em que o tribunal determina o reembolso do crédito da oponente ou, não podendo esta exigi-lo, a prestação de caução.

Se a oponente não fizer aquela prova, o tribunal concluirá pela improcedência da oposição e pela correspondente absolvição do pedido.

Dir-se-á que, no caso dos autos, a oponente decidiu suportar a fusão, consentindo na sua inscrição definitiva no registo comercial, mas pretende ficar, pelo menos, protegida pela concessão de uma garantia.

Como refere Diogo Costa Gonçalves, in Código das Sociedades Comerciais, Anotado, sob a coordenação de António Menezes Cordeiro, 2ª ed., 2011, pág.378, citado pela recorrente, «Se é verdade que o efeito impeditivo da fusão ocorre ope legis, também não deixa de ser verdade que este se encontra na disponibilidade do credor oponente. Com efeito, é concebível a consagração de um direito de oposição sem efeito impeditivo da fusão. Tal é o que ocorre em França, onde o L. 236-14 do Code de Commerce esclarece que a oposição não impede o processo de fusão.

Sempre que o oponente consentir na inscrição, nos termos do 101º-B/1, d), o efeito da oposição consistirá apenas na obtenção do cumprimento da obrigação ou na prestação de caução, nos termos do nº2».

No mesmo sentido, pode ver-se, ainda, Elda Marques, in Código das Sociedades Comerciais, em Comentário, sob a coordenação de Coutinho de Abreu, vol.II, 2011, pág.219, igualmente citada pela recorrente, quando refere: «O próprio oponente pode cessar o impedimento, se depois de ter deduzido oposição, vier a desistir do processo (art.101º-B, 1, b)) ou a consentir na inscrição da fusão no registo, não obstante o prosseguimento da oposição deduzida (art.101º-B, 1, d))».

Tem, assim, razão a recorrente, quando alega que não se verifica, no caso, uma situação de impossibilidade superveniente da lide.

Procede, pois, a apelação, pelo que haverá que revogar a decisão recorrida, nada obstando a que se aprecie o requerimento de interposição de recurso apresentado em 1/9/13.

Este recurso foi interposto dentro do prazo e por quem tem legitimidade, nada se vendo que obste ao seu conhecimento, já que se dispõe dos elementos necessários para o efeito (art.655º, nº2, do C.P.C.).

Nestes termos, ao abrigo desta disposição legal, passar-se-á a conhecer de tal recurso, neste mesmo acórdão.

2.4. Na decisão recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:

l. Em 4.09.2012 foi registado um projeto de fusão entre as requeridas B., S.A. e C., S.A. (cfr. certidão de registo comercial junta aos autos).

2. Em 7.6.2012 a requerente intentou contra a requerida B., S.A. acção declarativa de condenação, na forma comum, com processo ordinário, que corre termos sob o n.° 1215/12. 4TVLSB, na 1ª Vara Cível de Lisboa, pedindo que: a) o B. seja condenado a pagar à aqui requerente o montante de 63.445 euros (deduzido do valor dos sinais que a L. venha a conservar, o que, dada a sua impossibilidade de cumprir os respetivos contratos-promessa de compra e venda, se estima em zero), acrescido de juros de mora legais comerciais, contados desde 01/01/2011 até à data do integral pagamento, os quais até 31/05/2012, perfazem 7.227.080,79 euros; b) seja o B., S .A. condenado a pagar à aqui requerente quantia não totalmente apurada, mas de montante não inferior a 32.000.000 euros, acrescida de juros de mora vincendos desde a citação até integral pagamento; c) seja o B., SA condenado a pagar à aqui requerente o valor que esta poderá ser obrigada a pagar aos promitentes-compradores das frações do Empreendimento S., valor ainda a liquidar na pendência desta ação, ou mais não seja, em execução de sentença, mas que provavelmente ascenderá a 10.000.000 euros (além da devolução dos sinais prestados), acrescido de juros de mora vincendos contados desde a data em que a L. venha a interpelar o B. para lhe pagar a parte que este deva suportar do valor que os promitentes-compradores exijam á LISP; d) seja declarado que a L. não incumpriu culposamente as suas obrigações para com o B., emergentes do financiamento por este concedido à 1a autora para financiamento da construção do Empreendimento S., por Contrato de Abertura de Crédito Para Fomento à Construção, de 03/07/2007, antes estando temporariamente impossibilitada de cumprir por culpa do próprio B.; e) seja declarado que só será exigível à L. e aos 2ºs autores o cumprimento das respetivas obrigações para com o B. de pagamento de capital, juros e demais encargos, depois de a L. ser efetivamente indemnizada nos termos dos pedidos a), b) e c); f) seja julgada extinta, por compensação, a obrigação da L. de reembolso ao B. dos financiamentos concedidos em 2010 e 2011, no montante de capital de 9.873.689,88 euros, com a obrigação do B. de a indemnizar por montante igual, decorrente dos custos adicionais de construção do Empreendimento S. e das necessidades adicionais de fundo de maneio da 1a autora, culposamente causados pelo B.; g) subsidiariamente em relação aos pedidos deduzidos em a), b) e c) supra, seja condenado o B. a indemnizar a L. de todos os prejuízos descritos, em valor que vier a liquidar no âmbito da presente ação ou, se isso não for possível, em execução de sentença; h) subsidiariamente em relação ao pedido deduzido em d) supra, seja declarada válida a compensação dos créditos do B. sobre a L., mencionados nesse pedido (capital, juros e demais encargos decorrentes do financiamento concedido pelo B. à L.), com o crédito da L. sobre o B. constante do pedido deduzido em a), nos termos que constam do documento pelo qual tal compensação foi subsidiariamente efetivada (cfr. documento de fls. 118 a 247).

3. A requerida B., S.A. foi citada para a ação referida em 3. em 14.06.2012 (cfr. documento de fls. 1585).

4. A aqui requerente apresentou na ação referida em 2., em 14 de Setembro de 2012, via eletrónica "Citius", a réplica constante de fls. 1586 a 1603, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

5. Por despacho datado de 19.10.2012 proferido no âmbito do processo referido em 2., foi considerada ferida de nulidade a réplica referida em 4. e ordenado o respetivo desentranhamento dos autos e entrega ao apresentante (cfr. fls. 1174 a 1194).

6. A petição inicial da presente ação especial de oposição à fusão de sociedades deu entrada no tribunal em 2 de Outubro de 2012 (cfr. fls. 113).

2.5. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões.

l.ª A questão fundamental a apreciar nos presentes autos é a de saber se o prazo de 15 dias previsto no art. 101°-A do Código das Sociedades Comerciais só pode ser contado a partir do registo do projeto de fusão ou se esse mesmo preceito não prevê nenhum termo inicial para a prática do ato de solicitação do pagamento do crédito ou prestação de garantia adequada.

2.ª O elemento gramatical ou literal, aponta para a inexistência de um termo inicial no que respeita aos 15 dias previstos no artigo 101°-A do Código das Sociedades Comerciais.

3.ª Atendendo ao elemento literal da interpretação, a parte final do art. 101°-A do CSC determina, com toda a clareza, que os credores devem ter exigido a satisfação do seu crédito "há pelo menos 15 dias", sem qualquer limite de antiguidade, que não seja, naturalmente, o decorrente de eventual prescrição.

4.ª Interpretado literalmente, o art. 101°-A do Código das Sociedades Comerciais não exige que a interpelação à sociedade seja efetuada após o registo do projeto de fusão.

5.ª Contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, o legislador, com a alteração de 2007, não pretendeu impor aos credores, que já tivessem demandado judicialmente a sociedade de cuja fusão se trata, uma segunda interpelação recentíssima da sociedade (pois que, nesse sentido, ter-se-ia mantido a redação anterior do art. 101º-A do Código das Sociedades Comerciais, no sentido de a interpelação ter de ser realizada nos 15 dias anteriores à dedução de oposição judicial à fusão), mas sim que a sociedade dispusesse de um prazo mínimo razoável para ponderar e responder às interpelações dos seus credores.

6.ª Tendo, assim, em consideração o elemento histórico-teleológico da interpretação não se chega a uma interpretação do art. 101°-A do Código das Sociedades Comerciais diversa da que resulta da letra da lei.

7a Por força das alterações introduzidas ao Código das Sociedades Comerciais pelo Decreto-Lei n.° 8/2007, de 17 de janeiro, no que à proteção dos credores sociais diz respeito, o regime da fusão e da redução de capital passaram a ter a mesma formulação, constituindo o regime da redução do capital social um verdadeiro lugar paralelo relativamente ao regime da fusão.

8.ª As razões que levaram o legislador a estabelecer o prazo de pelo menos 15 dias para os credores interpelarem a sociedade em caso de redução do capital social são as mesmas que o levaram a estabelecer esse mesmo prazo no regime da fusão.

9.ª No caso de redução do capital social, o credor que já tenha interpelado a sociedade em momento anterior ao da publicação do registo da redução do capital social, não necessita de realizar uma nova interpelação, podendo opor-se judicialmente à redução do capital social nos 30 dias seguintes ao seu registo, pois já tinha interpelado a sociedade há mais de 15 dias.

10.ª Atendendo ao elemento sistemático da interpretação também não se alcança uma interpretação do art. 101°-A do Código das Sociedades Comerciais diversa da que resulta da letra da lei.

11a O elemento atualista da interpretação rejeita a adoção de uma interpretação pro fusione, como aquela que é feita pelo Tribunal a quo.

12a Com efeito, se é certo que o legislador quis acelerar as fusões e simplificar o processo de fusão, a verdade é que o legislador português manteve um regime de forte e prévia proteção aos credores sociais, que não pode deixar de ser considerado na interpretação do art. 101°-A do Código das Sociedades Comerciais.

13.ª E tal interpretação não se compagina com a imposição a todos os credores sociais, incluindo aos que tenham ações judiciais em curso contra a empresa em causa, de um prazo apertadíssimo para interpelarem, outra vez, a sociedade, sob pena de não se poderem opor à projetada fusão.

14a Em 7.6.2012, a ora Apelante intentou contra a Apelada B., S.A. ação declarativa de condenação, na forma comum, com processo ordinário, pedindo a condenação desta no pagamento do montante de € 112.222.080,79.

15a A Apelada B., S.A. foi citada para a ação em 14.06.2012.

16.ªQuando a Apelante apresentou a presente oposição judicial à fusão - em 2.10.2012 -, já interpelara o Banco B. SA à satisfação do seu crédito há pelo menos 15 dias (contados da data da propositura da ação de oposição à fusão para trás), sem que o seu pedido tivesse sido atendido.

17.ª A Apelante cumpriu pois todos os requisitos previstos no art. 101°-A do Código das Sociedades Comerciais, tendo intentado a ação de oposição judicial à fusão nos 30 dias seguintes ao do registo da fusão e tendo interpelado a sociedade à satisfação do seu crédito há mais de 15 dias.

18.ª Caso, esse Alto Tribunal venha a considerar, no que não se concede, que o art. 101°-A do Código das Sociedades Comerciais deve ser interpretado no sentido defendido na douta decisão recorrida (ou seja, no sentido que a prévia interpelação à sociedade da satisfação do crédito ou prestação de garantia, tem de ser feita após a publicação do registo do projeto de fusão), verifica-se que a Apelante, além de ter interpelado o Banco B. a lhe pagar o crédito petícionado na ação que corre na 1a Vara Cível de Lisboa em 14.06.2012, através da respetiva citação judicial, interpelou-o novamente para esse efeito em 14.09.2012 através da réplica em que concluiu reiterando o pedido deduzido na petição inicial (10 dias após a publicação do projeto de fusão), tendo apresentado a presente oposição judicial à fusão em 2.10.2012, isto é, 18 dias depois de tal segunda interpelação.

19a Se se considerar, como o faz a douta decisão recorrida, que o Banco B. foi notificado da réplica apenas no dia 17.09.2012 (de acordo com a presunção estabelecida no art. 21°-A, n.° 5, da Portaria n.° 114/2008, de 6 de fevereiro, de que a expedição da peça foi feita no terceiro dia após a sua elaboração), ter-se-á de considerar igualmente que a oposição à fusão foi apresentada em tempo.

20a Com efeito, o art. 279°, al. d), do Código Civil determina que é havido,
como prazo de duas semanas o designado por quinze dias.

21.a A presente oposição judicial à fusão foi apresentada duas semanas e um dia depois do dia l7.09.2012.

22a Se, duplamente contra legem, se considerasse irrelevante a letra quer do art. 101°-A do CSC, quer do art. 279°, al. d), do Código Civil, ainda assim a interpelação de 17.09.2012, teria sido feita há 15 dias contados de 2.10.2012, data do requerimento inicial, sendo portanto a oposição ainda tempestiva.

23a A douta decisão recorrida violou, assim, o art. 101°-A do Código das Sociedades Comerciais e os arts. 9° e 279º, al. d), ambos do Código Civil.

Por todo o exposto, deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra, que julgue improcedente a exceção de caducidade, ordenando ao Tribunal recorrido a prossecução dos ulteriores termos dos autos.

2.6. As recorridas contra-alegaram, concluindo nos seguintes termos:

1. O artigo 101.º-A do CSC estabelece as condições em que os credores podem deduzir oposição judicial à fusão entre empresas.

2. Entre essas condições contam-se dois prazos que deverão ser observados pelos credores: o prazo de um mês para deduzir a oposição e o prazo de 15 dias, que serve de limite ou baliza decorrido o qual o credor poderá avançar com a oposição, não tendo visto satisfeito o seu crédito após solicitação nem obtido a prestação de garantia adequada.

3. Ambos estes prazos têm de ser contados dentro do quadro temporal da operação de fusão, ou seja, quer a solicitação dirigida pelo credor às sociedades participantes para que lhe seja pago o crédito ou prestada garantia quer a oposição judicial à fusão.

4. Não pode assim valer como equivalente à interpelação a que se refere o artigo 101.°-A uma ação judicial intentada em momento anterior ao do registo do projeto de fusão contra uma das sociedades participantes, como a que a ora apelante intentou contra a primeira das apeladas.

5. A interpretação da norma do artigo 101.°-A, conjugando-se o seu elemento literal com os elementos lógicos de interpretação (sistemático, histórico e teleológico) levam a concluir que o prazo de 15 dias ali referido tem de se contar dentro do espaço temporal da operação de fusão e não em momento anterior a esta.

6. Se assim não fosse entendido, poderiam as sociedades participantes ver-se confrontadas com oposições à fusão com base em créditos reclamados há muito tempo atrás, vendo assim fortemente em perigo o sucesso da operação de fusão, com todas as consequências danosas que daí poderiam resultar.

7. A ratio legis do artigo 101.°-A leva a concluir que os credores deverão conhecer o projeto de fusão para só depois poderem agir em função da tutela dos seus interesses.

  8. A faculdade conferida pelo artigo 1O1º-A aos credores de poderem solicitar a prestação de uma garantia adequada como alternativa à satisfação do seu crédito só faz sentido no quadro da operação de fusão, pelo que constitui mais um argumento a favor da interpretação sufragada pela douta sentença recorrida.

9. Também reforça este entendimento o facto de a Diretiva 2011/35/EU, de 5 de Abril de 2011, apenas prever a possibilidade de os credores poderem exigir garantias adequadas para a tutela dos seus créditos.

10. Seria inaceitável considerar que os requisitos previstos no artigo 101.°-A tivessem prazos temporais diferentes, até porque nada decorre da lei que autorize a uma tal conclusão.

11. As operações de fusão assentam em princípios de segurança e estabilidade, sendo que na atualidade decorrem, como sucede no caso vertente, da necessidade de cumprimento de imperativos legais vigentes resultantes da crise do sistema financeiro.

12. Não podem assim encontrar-se vulneráveis a atos imprevisíveis ou muito antigos, como por exemplo, a reclamação de pagamento de créditos ocorrida em momento muito anterior ao da publicidade da fusão.

13. As razões invocadas para justificar o entendimento das ora apeladas perante o artigo 101.°-A valem, mutatis mutandis para o regime da redução do capital social previsto no artigo 96.°.

14. A resposta à contestação apresentada pela apelante no âmbito da ação judicial por si intentada contra a primeira apelada não pode ser considerada como equivalente à interpelação a que se refere o artigo 101.º-A, por carecer dos requisitos que a lei prevê para esta.

2.7. Na decisão recorrida considerou-se que a questão essencial reside na interpretação da expressão «há pelo menos 15 dias», contida no art.101º-A.

Mais se considerou que o elemento histórico-actualista aponta no sentido de que tal prazo terá que se contar a partir da publicação do registo do projecto de fusão.

Considerou-se, também, que no mesmo sentido apontam os elementos sistemático, racional e teleológico, que impõem a obrigatoriedade de se fazer valer o crédito recentemente e de se conceder à sociedade um período de tempo razoável para cumprir a dívida.

Considerou-se, ainda, que a acção judicial comum pendente sobre a existência do crédito não pode valer como interpelação feita nos termos do citado art.101º-A.

Para, depois, se concluir que dos autos não resulta ter sido feita nem demonstrada a interpelação por parte da requerente à requerida, alegada devedora, nos 15 dias seguintes à publicação do registo da fusão, para a satisfação do crédito invocado ou para a prestação de garantia adequada, pelo que se verifica a caducidade do direito de oposição à fusão.

Por isso que, a final, se decidiu julgar totalmente improcedente a acção.

Entende a recorrente que cumpriu todos os requisitos previstos no art.101º-A, tendo intentado a acção de oposição judicial à fusão nos 30 dias seguintes ao do registo da fusão e tendo interpelado a sociedade à satisfação do seu crédito há mais de 15 dias.

Mais entende que esta interpelação ocorreu no âmbito da acção declarativa de condenação que, em 7/6/12, intentou contra a aqui recorrida B., SA, pedindo a condenação desta no pagamento do montante de € 112.222.080,79, já que esta foi aí citada em 14/6/12, pelo que, quando apresentou a oposição judicial à fusão, em 2/10/12, já havia interpelado a devedora há pelo menos 15 dias, sem que o seu pedido tivesse sido satisfeito.

Conclui, assim, que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a excepção de caducidade e que ordene ao tribunal recorrido a prossecução dos ulteriores termos dos autos.

Vejamos.

Na verdade, no caso dos autos, tudo está em saber como deve interpretar-se a expressão «há pelo menos 15 dias», utilizada no art.101º-A.

Antes do mais, haverá que ter em consideração a evolução da redacção do preceito legal em causa.

Assim, estabelecia o art.107º, nº2, do Código das Sociedades Comerciais, na sua primitiva redacção:

«Dentro dos 30 dias seguintes à última das publicações ordenadas no número anterior, os credores das sociedades participantes cujos créditos sejam anteriores a essa publicação podem deduzir oposição judicial à fusão, com fundamento no prejuízo que dela derive para a realização dos seus direitos».

Previa-se, pois, apenas o prazo de 30 dias, a partir da publicação da operação, para a dedução de oposição judicial à fusão.

Aquele art.107º foi revogado pelo art.61º, al.b), do DL nº76-A/2006, de 20/3, que em seu lugar aditou o art.101º-A (cfr. o seu art.3º), com a seguinte redacção:

«No prazo de um mês após a publicação da convocatória, os credores (…) podem deduzir oposição judicial à fusão (…), desde que tenham solicitado à sociedade a satisfação do seu crédito ou a prestação de garantia adequada, nos 15 dias anteriores, sem que o seu pedido tenha sido atendido».

A interpretação literal da expressão «nos 15 dias anteriores», inculcava a ideia de que se tratava dos 15 dias anteriores à dedução da oposição judicial, pelo que bastaria a interpelação da sociedade ao cumprimento ou prestação da garantia no dia anterior àquela dedução.

De tal interpretação resultava que a sociedade não dispunha de tempo suficiente para evitar o impedimento da inscrição definitiva da fusão no registo comercial, que era consequência necessária da dedução de oposição judicial por qualquer credor, nos termos do art.101º-B, nº1.

Por isso que a redacção do art.101º-A foi alterada pelo art.11º, do DL nº8/2007, de 17/1, que substituiu a expressão «nos 15 dias anteriores» pela expressão «há pelo menos 15 dias». Expressão  esta que foi mantida na redacção introduzida pelo art.3º, do DL nº185/2009, de 12/8.   

 Deste modo, tornou-se inequívoco que a sociedade passou a dispor de, pelo menos, 15 dias para ponderar a satisfação do solicitado pagamento do crédito ou da solicitada prestação de garantia. O que, como já vimos, não lhe era garantido pela redacção anterior.

Mas será que, ao dizer-se «há pelo menos 15 dias», isso significa que aí se pretende abranger qualquer pedido de pagamento ou de prestação de garantia, sem qualquer limite de antiguidade que não seja o decorrente de eventual prescrição, como pretende a recorrente, com base, designadamente, no elemento literal?

Entendemos que não.

A nosso ver, aqueles pedidos só fazem sentido se apresentados no âmbito do processo de fusão e em termos que permitam à sociedade ponderar a satisfação de tais pedidos.

Na verdade, o que está, fundamentalmente, em causa é o prejuízo decorrente da fusão para a realização do crédito. Isto é, o credor terá que demonstrar que a fusão compromete o exercício dos seus direitos e que a sociedade não lhe forneceu, nomeadamente, garantias adequadas. Mas, para isso, tem que conhecer o projecto de fusão.

Daí que, nos termos da lei, ele disponha do prazo de um mês, após a publicação do registo do projecto de fusão, para deduzir oposição judicial a esta, invocando o prejuízo que dela deriva para a realização dos seus direitos.

Todavia, exige, ainda, a lei que tenha solicitado à sociedade a satisfação do seu crédito ou a prestação de garantia adequada, há pelo menos 15 dias, sem que o seu pedido tenha sido atendido.

Ou seja, é face ao registo do projecto de fusão e à publicidade que lhe é dada (cfr. o art.100º, nº1), que o credor toma conhecimento dos termos em que a mesma está projectada, só então podendo avaliar se dela deriva ou não prejuízo para a realização dos seus direitos e, consequentemente, se deve solicitar ou não à sociedade a satisfação do seu crédito ou a prestação de garantia adequada.

Antes do início do prazo de um mês após a publicação do registo do projecto, qualquer pretensão do credor deduzida contra a sociedade não pode ter a virtualidade de significar seja o que for relativamente ao seu desejo de aceitar ou recusar a fusão da sociedade devedora. Pela simples razão de que, nessa altura, o credor nem sequer tem conhecimento da existência do projecto de fusão.

Por isso que, segundo cremos, só a partir da publicidade do registo do projecto é que se contam os prazos estabelecidos no art.101º-A, seja o prazo de um mês para a dedução de oposição judicial à fusão, seja o prazo de 15 dias para o exercício do direito de exigir o pagamento do crédito ou a prestação de garantia adequada.

Aliás, a ponderação destes pedidos por parte da sociedade participante só tem razão de ser no quadro do processo de fusão, pois é nesse âmbito que ela vai ter que avaliar os prós e os contras resultantes da satisfação ou não de tais pedidos, tendo em vista a inscrição definitiva da fusão no registo comercial.

Tratando-se de pedidos anteriores ao início do prazo de oposição, isto é, feitos fora do processo de fusão e do respectivo quadro legislativo, não se vê que os memos possam equivaler à pretensão a que alude o art.101º-A, apenas porque, do ponto de vista literal, foram formulados há mais de 15 dias.

Consideramos, deste modo, que a interpretação literal propugnada pela recorrente conduziria a resultados absurdos, na medida em que se retirariam consequências de certos actos, não previstas nem previsíveis, no momento em que foram praticados. E, por outro lado, implicaria um entrave à fusão, quanto é certo que, conforme refere Raul Ventura, ob.cit., pág.172, «os legisladores regularam a fusão para praticamente a permitir e a facilitar».

Assim, só depois de conhecido o concreto projecto de fusão é que, por um lado, o credor estará em condições de decidir se é contra a fusão e, em caso afirmativo, de interpelar a sociedade para pagar ou prestar garantia, e, por outro lado, só então esta poderá evitar, querendo, o efeito suspensivo da fusão definitiva decorrente da oposição deduzida.

Note-se que, nos termos do art.9º, nº1, do C.Civil, «A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

Acrescentando o nº3, do mesmo artigo, que «Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».

Refira-se, a propósito, que seria algo incompreensível que o legislador, ao alterar a redacção do art.101º-A, retirando a expressão «nos 15 dias anteriores» e passando a utilizar a expressão «há pelo menos 15 dias», tivesse querido passar de um prazo tão próximo para um prazo tão distante da fusão, considerando que «pelo menos 15 dias» poderiam ser meses ou anos.

Não se invoque, pois, a pendência da acção declarativa de condenação intentada, em 7/6/12, pela aqui recorrente contra a recorrida B., SA, bem como a citação desta nessa acção, ocorrida em 14/6/12, para depois se concluir que a recorrente, quando apresentou a oposição judicial à fusão, em 2/10/12, já havia interpelado a sociedade à satisfação do seu crédito há pelo menos 15 dias, pelo que cumpriu todos os requisitos previstos no art.101º-A.

Tal acção é anterior ao início do prazo de oposição à fusão, pelo que dela não pode extrair-se uma vontade de a autora (pretensa credora) rejeitar a fusão da ré (alegada devedora). Como já se escreveu atrás, só depois de conhecido o concreto projecto de fusão é que se poderá estar contra ela ou a favor dela.

Como refere Raul Ventura, ob.cit., pág.191, «Nos sistemas de direito de oposição à fusão, a existência do litígio não pode ser tomada como exercício do direito de oposição, não só porque a demanda é anterior ao início do respectivo prazo, mas também porque, mesmo sendo procedente a pretensão do credor e demonstrada a existência do seu crédito, nada daí pode concluir-se quanto ao seu desejo de aceitar ou recusar a fusão da sociedade devedora».

A nosso ver, tendo em conta a pendência do aludido processo de jurisdição contenciosa, onde se discute o crédito e a qualidade de credora da aqui recorrente, a única decisão possível no presente processo de oposição à fusão, a ser julgada procedente a oposição, seria a de prestação de garantia idónea.

Na verdade, como refere Calvão da Silva, ob.cit., pág.36, o tribunal não pode determinar o reembolso de crédito litigioso, contestado em processo de jurisdição contenciosa, em virtude de não estar provado que esse crédito exista ou que o oponente seja o seu verdadeiro e real titular (cfr. o art.1059º, nº3, do C.P.C., e o art.101º-B, nº2).

E não se alegue que a sociedade devedora foi novamente interpelada para pagar em 14/9/2012, já depois da publicação do registo do projecto de fusão (4/9/2012), através da réplica apresentada, nessa data, na aludida acção declarativa de condenação, onde os autores concluíram reiterando o pedido deduzido na petição inicial.

É que, por um lado, não se vê que a apresentação da réplica naquele processo possa funcionar como interpelação para os efeitos do disposto no art.101º-A. Por outro lado, tal réplica foi apresentada via electrónica «Citius» (cfr. o ponto 4º da matéria de facto assente), pelo que a sua notificação à parte contrária terá ocorrido em 17/9/2012, como se refere na decisão recorrida. Onde também se refere não resultar dos autos qualquer elemento que permita concluir que o mandatário a quem foi notificada a réplica tenha poderes para, em representação da sociedade, receber interpelação como a prevista no art.101º-A.

Acresce que, de todo o modo, em 2/10/2012, data em que deu entrada a oposição à fusão, ainda não tinham decorrido 15 dias completos desde a notificação da réplica (17/9/2012).

E não se invoque o disposto no art.279º, al.d), do C.Civil, na parte em que se prevê que é havido, respectivamente, como prazo de uma ou duas semanas o designado por oito ou quinze dias, já que se trata de regra aplicável apenas em caso de dúvida, sendo certo que não pode haver dúvidas que, se os prazos de 8 ou 15 dias tiverem sido fixados pelo legislador, são mesmo de 8 ou 15 dias e não de uma ou duas semanas, ou seja, 7 e 14 dias, respectivamente (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, vol.I, 2ª ed., págs.238, 239 e 250).

Refira-se, ainda, que, por despacho de 19/10/2012, a aludida réplica foi considerada ferida de nulidade, tendo-se ordenado o seu desentranhamento e entrega ao apresentante (cfr. o ponto 6º da matéria de facto assente).

Dir-se-á, por último, que a invocação do disposto no art.96º não  serve de argumento a favor da tese da recorrente, só porque contém disposições semelhantes às previstas no art.101º-A.

Ambas as citadas disposições dizem respeito à tutela dos credores, no 1º caso em virtude da redução do capital e no 2º em virtude da fusão de sociedades.

Ora, tal como na oposição à fusão, também defendemos que a oposição à distribuição de reservas disponíveis ou dos lucros de exercício tem de ser requerida no processo especial de jurisdição voluntária (art.1058º, do C.P.C.), no âmbito de uma concreta redução do capital, no prazo de um mês após a publicação do registo dessa redução e apenas se o credor tiver solicitado à sociedade a satisfação do seu crédito ou a prestação de garantia adequada há pelo menos 15 dias a contar do mesmo termo inicial, sem que o pedido tenha sido satisfeito.

Haverá, assim, que concluir que, após a publicação do registo da fusão, em 4/9/2012, a credora, ora recorrente, dispunha de 15 dias para pedir o cumprimento ou a prestação de garantia do seu crédito e de um mês para o exercício do direito de oposição judicial.

E se é certo que a recorrente exerceu este seu direito dentro de um mês, já que deduziu oposição judicial à fusão em 2/10/2012, é igualmente certo que não provou ter solicitado à recorrida a satisfação ou a garantia adequada do seu crédito há pelo menos 15 dias a contar da publicação do registo do projecto.

Razão pela qual não podia deixar de se considerar caducado, como se considerou, o direito de oposição (cfr. o art.298º, nº2, do C.Civil).

No sentido do que ora se defende, podem ver-se, além de Calvão da Silva e Raul Ventura, obs. e locs.cits., Paulo Olavo Cunha, in Direito das Sociedades Comerciais, 4ª ed., pág.853, e Armando Manuel Triunfante, in Código das Sociedades Comerciais, Anotado, 2007, pág.116. Em sentido contrário, pode ver-se Elda Marques, in Código das Sociedades Comerciais, em Comentário, coordenado por Coutinho de Abreu, vol.II, 2011, pág.216.

Improcedem, destarte, as conclusões da alegação da recorrente, pelo que deverá manter-se a decisão recorrida.

3 – Decisão.

Pelo exposto:

- concede-se provimento ao recurso interposto do despacho que julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, revogando-se o despacho apelado e condenando-se as apeladas B., S.A., e C., S.A. nas respectivas custas;

- nega-se provimento ao recurso interposto da decisão que julgou totalmente improcedente a oposição judicial deduzida, confirmando-se a decisão apelada e condenando-se a apelante L. – Sociedade de Serviços e Investimentos e Comércio de Imobiliário, Ld.ª nas respectivas custas.   

Lisboa, 17 de Junho de 2014

Roque Nogueira
Pimentel Marcos
Tomé Gomes