Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1878/07.2GCALM.L1-5
Relator: VIEIRA LAMIM
Descritores: RECURSO
PRAZO
MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/17/2009
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Sumário: I – O prazo trinta dias para recurso, previsto no nº4, do art.411, do CPP, só é aplicável se aquele tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, em relação a uma decisão proferida sobre a matéria de facto (nº3, do art.412), o que só acontece na sentença (daí a referência do nº4, do art.412, ao art.364, nº2).
II- Compreende-se o alargamento do prazo de recurso em caso de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, constante de sentença, pois em relação a esta, e não a qualquer despacho, ocorrem as exigências do art.374, nº2, do CPP (enumeração dos factos provados e não provados, com indicação e exame crítico das provas), susceptíveis de justificar impugnação com as especificações previstas nos nºs3 e 4, do art.412.
III- Ao recurso do despacho de não pronúncia, não é aplicável o alargamento de prazo previsto no nº4, do art.411, pois neste despacho não existe uma decisão sobre matéria de facto, mas sobre indícios, não estando o recorrente onerado com aquelas exigências dos nºs3 e 4, do art.412.

(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral: Decisão sumária, nos termos do art.417, nº6, al.b, do CPP.


Iº 1. No Processo nº1878/07.2GCALM, do 2º Juízo Criminal de Almada, em que é arguido, (A), na sequência de instrução requerida pelo assistente, (B), o Mmo. JIC, em 29Out.08, proferiu despacho de não pronúncia.

2. Deste despacho de não pronúncia recorre o assistente, (B) (por requerimento apresentado em 4Dez.08), motivando o recurso com as seguintes conclusões:

2.1 O arguido cerca das 13h., dirigiu-se à E.B. de Vale Figueira;

2.2 O arguido entrou na referida escola sem para tal estar autorizada e dirigiu-se ao menor (C), tendo agarrado pelo braço e pelos colarinhos amedrontando-o;

2.3 Enquanto agarrava o menor (C), dizia-lhe em tom ameaçador “Se o teu pai não te dá educação dou-ta eu”;

2.4 A conduta do arguido foi isolada e desesperada;

2.5 O ora arguido, pretendia amedrontar o menor (C) com a sua postura e acção;

2.6 Algumas testemunhas referiram que o menor (C) ficou com medo de sair da escola sozinho;

2.7 Pelo explanado, entendemos que os factos supra expostos, relacionados e conjugados, são suficientes para, a manterem-se em julgamento, conduzirem à condenação do arguido pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. no art.145, nº1, al.a, do Código Penal.

3. O Ministério Público em 1ª instância e o arguido responderam, ambos concluindo pelo não provimento do recurso.

4. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

5. Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-geral Adjunto, teve vista.

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IIº O assistente recorre da decisão de não pronúncia proferida, lida e notificada em 29Out.08 (em acto a que o assistente e sua Ex.ma mandatária estiveram presentes - cfr. fls.172), a partir daquela data se contando o prazo para interposição do recurso (art.411, nº1, al.a, do CPP).

Sendo o prazo para interposição do recurso de 20 dias (citado art.411), o mesmo terminava em 18Nov.08, ou nos três primeiros dias úteis subsequentes (19,20 ou 21Nov.), com a sanção a que se refere o art.145, nº5, do CPC.

O recurso, porém, só foi apresentado em 4Dez.08.

O prazo de recurso pode ser de 30 dias, caso seja impugnada decisão relativa à matéria de facto e tenha por objecto a reapreciação da prova gravada (nº4, daquele art.411).

Na hipótese de ser esse o caso dos autos, o prazo de interposição do recurso terminaria em 28Nov.08, ou nos três dias úteis subsequentes (2,3 ou 4Dez.), com a sanção a que se refere o art.145, nº5, do CPC., que o recorrente pagou.

Contudo, não é por versar matéria de facto que o prazo de recurso é alargado para 30 dias, mas por a reapreciação da prova gravada fazer parte do seu objecto, como resulta do nº4, do citado art.411.

É necessário, ainda, que esteja em causa uma decisão proferida sobre a matéria de facto (nº3, do art.412), o que só acontece na sentença (daí a referência do nº4, do art.412, ao art.364, nº2).

No caso, está em causa impugnação do despacho de não pronúncia, através do qual o Mmo. JIC decidiu não se terem apurado indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento.

De acordo com o art. 283, nº2, do CPP consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança. No juízo de quem pronuncia, não se exige a prova, entendida esta como sinónimo da demonstração da existência dos factos integradores dos elementos típicos do crime, bastam indícios da sua ocorrência, donde se possa formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido.

Assim, através do despacho de não pronúncia não existe uma decisão sobre matéria de facto, mas sobre indícios.

Só em relação à decisão proferida sobre a matéria de facto, constante da sentença, pode ser aproveitado o alargamento do prazo de recurso previsto no nº4, do art.411, do CPP.

Compreende-se que assim seja, pois só quanto à sentença, e não a qualquer despacho, ocorrem as exigências do art.374, nº2, do CPP (enumeração dos factos provados e não provados, com indicação e exame crítico das provas), susceptíveis de justificar impugnação com as especificações previstas nos nºs3 e 4, do art.412 e alargamento do prazo de recurso.

Em relação a recurso interposto de decisão sobre a matéria de facto, em que o recorrente a pretende impugnar, são-lhe impostas particulares exigências (nºs3 e 4, do art.412), que obrigam a trabalho cuidado e moroso, muitas vezes não possível no prazo normal de recurso.

Em caso de recurso do despacho de não pronúncia, tal alargamento do prazo não se justifica, pois o que está em causa é a apreciação de indícios, não estando o recorrente onerado com aquelas exigências.

Deste modo, não tendo o recurso por objecto decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da prova gravada, era de 20 dias o prazo de recurso, já ultrapassado quando o recorrente o apresentou, razão por que não devia ter sido admitido (art.414, nº2, do CPP).

A admissão do recurso pelo tribunal recorrido, não vincula o tribunal superior (art.414, nº3, do CPP).

Verificando-se causa que devia ter determinado a não admissão do recurso, impõe-se a sua rejeição (art.420, nº1, al.b, do CPP).

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IIIº DECISÃO:

Pelo exposto, o Tribunal da Relação de Lisboa, por intermédio do relator e em decisão sumária (arts.417, nº6, al.b, e 420, nº1, al.b, do CPP), decide rejeitar o recurso, por intempestividade.

Condena-se o recorrente em 3UCs de taxa de justiça, a que acresce condenação no pagamento de importância equivalente a 3UCs, nos termos do nº3, do art.420, do CPP.

Tribunal da Relação de Lisboa, 17 de Abril de 2009

O Desembargador Relator,

(Vieira Lamim)