Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1254/2007-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: DIREITOS DO TRABALHADOR
OCUPAÇÃO EFECTIVA
COACÇÃO PSICOLÓGICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/09/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I. Actualmente previsto como garantia do trabalhador no art. 122º al. b) do CT, já antes da entrada em vigor deste diploma, apesar de não estar expressamente previsto em nenhuma disposição legal, o direito à ocupação efectiva era, de um modo geral, reconhecido na nossa ordem jurídico-laboral, de certo modo por imposição da jurisprudência formada nas últimas décadas.
II. Tal direito só deverá ceder quando a desocupação se mostre objectivamente fundada, em situações pontuais em que pode ser do interesse do empregador deixar o trabalhador temporariamente inactivo, sem que isso seja ilegítimo.
III. -A ilicitude de uma situação prolongada de indefinição e de não ocupação efectiva – a que acresce o facto de o gerente da R. ter deixado progressivamente de falar com o A., limitando-se a cumprimentá-lo, de o A. não ter visto actualizada a respectiva retribuição, ao contrário do que sucedeu com os demais trabalhadores, de ter sido retirada da recepção a cadeira que o A. ocupava e este proibido de ali permanecer - é apta a criar no trabalhador (com 27 anos de casa e que até 2002 vira reconhecido pela R. a sua abnegação, competência e mérito) sofrimento moral, angústia, perda da auto-estima, ferindo a sua dignidade como trabalhador e mesmo como pessoa.
IV. Aquilo que caracteriza o mobbing ou assédio moral são “três facetas: a prática de determinados comportamentos hostis - nomeadamente qualquer conduta abusiva manifestada por palavras (designadamente graçolas), gestos ou escritos - , a sua duração – carácter repetitivo desses comportamentos - e as consequências destes, nomeadamente sobre a saúde física e psíquica da vítima e sobre o seu emprego.
V. A decisão da R. de 20/10/2003 (reafirmada em 28/10/2003), de atribuir ao A. como local de trabalho o gabinete no 6º piso e de lhe atribuir como tarefas a realização dos estudos que formalmente se enquadram no descritivo funcional da categoria de assistente de direcção, mas que, por o A. não possuir qualificações académicas e profissionais para efectuar pelo menos parte dos mencionados estudos, não poderiam, em rigor, ser-lhe exigidas, é precisamente daquelas medidas que isoladamente apreciadas até poderiam parecer lícitas ou pouco significantes, mas inseridas no procedimento global que se arrastava havia meses, integra o assédio moral através do qual a R. visava levar o trabalhador a fazer cessar o contrato de trabalho, como acabou por suceder.
Decisão Texto Integral: Acordam na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A… propôs no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção declarativa de condenação, com processo comum laboral contra a P…, pedindo, em síntese, que seja reconhecida e declarada a ilegalidade da actuação da empresa Ré (impedimento injustificado da prestação efectiva de trabalho por parte do Autor e transferência ilegal), sendo a R. condenada a pagar ao Autor uma indemnização pelos prejuízos emergentes daquela actuação, no montante global de 7.454,03 euros, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento
A R. contestou nos termos de fls. 34/43, concluindo pela improcedência.
Após audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou procedente por provada a acção decidindo, em síntese, reconhecer e declarar a ilegalidade da actuação da empresa Ré (impedimento injustificado da prestação efectiva de trabalho por parte do Autor e transferência ilegal), condenando a mesma a pagar ao Autor uma indemnização pelos prejuízos emergentes daquela actuação, no montante global de 7.454,03 euros, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
Inconformada, apelou a R. que formula nas respectivas alegações as seguintes conclusões:
(…)
O A. contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença.
Subidos os autos a este tribunal, foi emitido pelo digno PGA o parecer de fls. 445.

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das respectivas alegações, constata-se que no caso vem suscitada a questão de saber se a sentença incorreu em erro na interpretação e aplicação do direito aos factos, nomeadamente quanto à valoração da conduta da recorrente como ilícita (a fim de determinar se a mesma deve indemnizar o recorrido) bem como no que concerne ao apuramento dos danos, maxime, patrimoniais.

É a seguinte a matéria de facto dada como assente na sentença recorrida:
1) A empresa Ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à indústria hoteleira, concretamente à "exploração do negócio de pensão".
2) No exercício da sua actividade, a empresa Ré explora um estabelecimento hoteleiro denominado "P… ", que está instalado numa parte do edifício situado na Rua…, em Lisboa;
3) Esse edifício, que é propriedade da empresa Ré, é composto por rés-do-chão e seis pisos;
4) A "P… " funciona, oficial e formalmente, no rés-do-chão, lado esquerdo, no segundo andar, lados direito e esquerdo, no terceiro andar, lados direito e esquerdo, no quarto andar, lados direito e esquerdo, e no quinto andar, lado esquerdo, conforme cópia do Alvará junto a fls. 45 dos autos, como Documento n.° 1 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
5) A "recepção" da "P… " situa-se no rés-do-chão, lado esquerdo, do edifício, logo no "hall" de entrada;
6) O quinto andar direito do referido edifício, embora não licenciado, funcionava também com quartos pertencentes à referida "P… ";
7) No rés-do-chão, lado direito, e no primeiro andar, lados direito e esquerdo, do mesmo edifício, funciona, com base num contrato de arrendamento, um outro estabelecimento hoteleiro, denominado "Pensão… ", conforme cópia junta a fls. 203 e seguintes dos autos, como Documento n.° 1 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
8) O sexto andar do edifício, à data dos factos, vinha sendo utilizado, de forma precária, para lavandaria, vestiário de algum pessoal da "P…. " e arrecadação de diversos materiais e equipamento, apesar de a Ré não se achar licenciada junto das entidades competentes para ali exercer a sua actividade hoteleira;
9) O referido 6° piso do edifício tem condições de habitabilidade ou utilização muito deficientes, pois, além de se encontrar bastante degradado, com partes do tecto escoradas e entrada de chuva através do telhado, só tem uma escada principal de acesso e não possui, por exemplo, detectores de incêndio;
10) O edifício em questão, pelo menos desde 1990 e ao longo dos anos seguintes, tem sido sujeito a meras obras de manutenção e conservação correntes, sem qualquer intervenção profunda, estrutural e de recuperação do prédio, que por tal motivo se tem vindo a degradar, com especial reflexo no 6.° andar;
11) A Ré, antes da cessão de quotas a que se refere a alínea seguinte, funcionava sem recurso a quaisquer meios informáticos, com a emissão de documentos manuscritos, possuindo funcionários com poucas ou nenhumas habilitações e alguns com idade superior a 55 anos;
12) A totalidade das quotas representativas do capital social da empresa Ré foi cedida, em 29 de Novembro de 2002, às sociedades "E… e "Pg…, Lda.", conforme consta da competente certidão do registo comercial junta a fls. 58 e seguintes aos autos de procedimento cautelar comum acima identificados, como Documento n.° 1 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
13) A mencionada cessão total das quotas da Ré foi objecto, inicialmente do "Contrato promessa de cessão de quotas" junto a fls. 70 e seguintes do procedimento cautelar comum apenso, como documento n.° 6 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, podendo ler-se, a dado passo do mesmo o seguinte: "O quinto andar direito está na posse da sociedade P… e o sexto andar direito e esquerdo encontram-se livres e devolutos de pessoas e bens. (...) A sexta contraente declara ter conhecimento da situação jurídica e do actual estado físico do prédio urbano propriedade da sociedade A…, Lda, em conformidade com o disposto nas duas cláusulas anteriores e de que não existe actualmente projecto de segurança contra incêndios aprovado pelos competentes serviços de bombeiros";
14) Por força dessa cessão, a gerência da empresa Ré foi totalmente alterada, passando a ser exercida por três novos gerentes, a saber: S…, G… e V…;
15) Na prática e no dia a dia da empresa Ré, é o Dr. V… que exerce efectivamente a sua gerência;
16) O referido Dr. V… assumiu funções com a incumbência, entre outras, de reduzir os custos com o pessoal e, bem assim, de substituir pelo menos parte dos anteriores empregados por novos trabalhadores, mais novos, com melhores habilitações e da sua confiança;
17) Foi nesse contexto que vieram a deixar de prestar serviço à empresa Ré, nomeadamente, os seguintes trabalhadores da mesma, nos termos dos documentos juntos a fls. 117 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido:
(…)
18) A Ré, após os factos descritos na alínea 12), desencadeou os procedimentos necessários, nomeadamente de natureza administrativa, com vista à reclassificação do mencionado estabelecimento hoteleiro como Hotel, de 3 estrelas e à realização de obras profundas e estruturais de recuperação do edifício em causa, conforme documentos juntos a fls. 70 a 73 e 260 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
19) Na sequência de acordo verbal celebrado entre ambos, o Autor foi admitido ao serviço da empresa Ré em Abril de 1976;
20) Desde então, o Autor desempenhou funções sob as ordens, orientações e disciplina da Ré, mediante o recebimento de uma contrapartida em dinheiro;
21) A "categoria profissional" do Autor era de "Primeiro Assistente de Direcção", auferindo o "vencimento base" mensal de 981,30 euros (novecentos e oitenta e um euros e trinta cêntimos);
22) Em todos os dias em que prestava o seu serviço, o Autor tinha direito a almoçar nas instalações da Ré, inteiramente à custa desta;
23) As funções especificamente desempenhadas pelo Autor consistiam, pelo menos, no seguinte:
- Dirigir a actividade da recepção;
- Controlar a emissão de facturas, o envio das facturas dos pagamentos a crédito e, bem assim, a emissão e envio dos subsequentes recibos;
- Controlar e conferir a caixa, entregando diariamente o respectivo produto ao gerente/director;
- Aceitar reservas e tratar do respectivo expediente;
- Elaborar cartas para os fornecedores/credores e tratar do respectivo expediente;
- Em geral, tratar de todas as compras e reparação de mercadorias, com excepção das de grande vulto;
- Coadjuvar a gerência em tudo quanto lhe for solicitado;
- Chefiar o pessoal, nomeadamente, controlando as suas entradas e saídas, tratando da parte administrativa, dos contratos, dos vencimentos, etc.,
- Substituir o gerente/director nas suas ausências e impedimentos.
24) Por inerência das funções em causa, que exigiam a sua presença física no local, as mesmas sempre foram desempenhadas pelo Autor na zona da "recepção" da empresa Ré, num gabinete envidraçado contíguo à mesma, com uma área de cerca de 6 metros quadrados;
25) O Autor sempre exerceu as suas funções com dedicação e profissionalismo, sendo reconhecida, ao longo do tempo e até Novembro de 2002, pela empresa Ré, a sua abnegação, competência e mérito;
26) O Autor, que nasceu em 1/03/938, tem o 5.° ano dos liceus, não tem formação na área dos computadores, fala com alguma fluência o espanhol, "arranha" o francês, compreendendo, minimamente, o inglês básico;
27) Em Dezembro de 2002, o Dr. V… chamou o Autor e apresentou-lhe a Dr.a M…, de nacionalidade brasileira, que era uma colaboradora do Grupo adquirente das quotas da empresa Ré, o "G… ", dizendo-lhe que a orientasse o melhor possível e a inteirasse acerca do modo de funcionamento da "P… ", pois iria exercer funções nesse espaço hoteleiro;
28) Essas instruções foram acatadas pelo Autor, que a apresentou ao restante pessoal e acompanhou e informou a Dr.a M… dos diversos aspectos referentes à actividade, organização e funcionamento do estabelecimento, bem como das funções desempenhadas por ele próprio e pelos demais empregados, durante um período de tempo que mediou entre 15 a 30 dias;
29) Posteriormente mas ainda em Dezembro de 2002, o Dr. V… chamou novamente o Autor, dizendo-lhe que a Dr.a M… (que tinha assinado, em 1/6/2001, com a empresa E…, Lda. o contrato de trabalho que se mostra junto a fls. 114 a 116) iria passar a chefiar a "recepção", substituindo o Autor nas correspondentes funções, o que foi comunicado, também e de imediato, aos restantes trabalhadores da empresa Ré, vindo a Dr.a M…, para o efeito, a assinar o acordo escrito que se mostra junto a fls. 112 e 113, como Documento n.° 2 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Acordo/Comissão de Serviço);
30) O Autor e o Dr. V…, durante a conversa havida por altura da comunicação descrita na alínea anterior, admitiram a possibilidade de colocar termo à relação profissional existente entre o primeiro e a Ré, por mútuo acordo entre ambos, mediante o pagamento de todas as quantias a que o Autor legalmente tinha direito, incluindo, naturalmente, uma indemnização que tivesse em conta a sua antiguidade ao serviço da empresa Ré;
31) Na altura, essa conversa não foi conclusiva, tendo-lhe o Dr. V… referido que o assunto iria ser analisado pela Ré e que depois lhe comunicaria o que tinha sido resolvido pela empresa;
32) Nesse pressuposto, o Autor continuou a prestar à referida Dr.a M… a colaboração que lhe era solicitada, embora com esta última a exercer já as funções de chefe de recepção;
33) O tempo foi-se passando sem que o Autor e a Ré chegassem a um entendimento quanto à saída do primeiro, ao mesmo tempo que, progressivamente, foi este deixando de exercer todas as suas funções que anteriormente executava e que se mostram descritas na alínea 23), as quais passaram a ser executadas com recurso aos meios informáticos entretanto instalados, pela própria gerência ou pela Dr.a M…, bem como no exterior, por empresas contratadas para o efeito (contabilidade, nomeadamente);
34) O Autor já não tratou do processamento dos vencimentos do mês de Dezembro de 2002, tendo tal procedimento sido encaminhado para um contabilista externo à empresa Ré;
35) Em Janeiro de 2003, foi colocado, na "recepção", um computador, com dois terminais, bem como um programa informático de gestão hoteleira;
36) A Ré não criou condições para o Autor poder aceder e utilizar o referido computador, não lhe atribuindo, para o efeito, qualquer "palavra-passe" e sem lhe dar a correspondente formação, embora o tenha feito relativamente aos funcionários da "recepção" e a outros, com o fim de estes aprenderem a trabalhar com o programa informático de gestão hoteleira inserido naquele computador;
37) O Autor deixou também de atender o telefone da "recepção", deixando de contactar com clientes e fornecedores;
38) O Autor deixou de receber, abrir e contactar com a correspondência remetida para a Ré;
39) Em Janeiro de 2003, foram efectuados aumentos generalizados dos vencimentos, mas o do Autor manteve-se inalterado;
40) A situação de indefinição relativamente à cessação, por mútuo acordo, da relação profissional que existia entre as partes manteve-se pelo menos até Março ou Abril de 2003, dado as mesmas não conseguirem chegar a um consenso relativamente aos valores envolvidos, com especial incidência no montante indemnizatório que a Ré teria de pagar aquele;
41) O Dr. V… chegou a propor ao Autor que este aguardasse em casa a definição da sua situação profissional, proposta essa que o Autor não aceitou, continuando a apresentar-se no mencionado estabelecimento hoteleiro;
42) Durante esses primeiros meses do ano de 2003, não foram atribuídas ao Autor quaisquer tarefas ou funções ou permitido o desempenho de qualquer actividade, excepção feita à substituição limitada da Dr.a M… e apenas nos períodos em que esta tomava as suas refeições;
43) O Dr. V… foi, ao longo do tempo, "esfriando" o seu relacionamento com o Autor, deixando progressivamente de conversar com ele, acabando por limitar-se a cumprimentá-lo;
44) A partir de data não apurada mas que poderá ter sido em Setembro de 2003, o Dr. V… deixou mesmo de cumprimentar o Autor;
45) Em data não concretamente apurada, mas que poderá ter sido no final do Verão de 2003 e após o seu regresso de férias, o Autor deixou de dispor, na área da recepção, onde geralmente estava, de uma cadeira para se sentar, uma vez que a mesma lhe havia sido retirada pela empresa Ré, mantendo-se, contudo, a situação de não atribuição de quaisquer tarefas ou funções ou desempenho de nenhuma actividade, nos moldes descritos na alínea 42);
46) A Dr.a M…, por incumbência expressa da gerência da empresa Ré, entregou ao Autor, em 20 de Outubro de 2003, a comunicação escrita junta, por fotocópia, a fls. 19 do procedimento cautelar comum apenso, como Documento n.° 1, do seguinte teor:
"Incumbe-me a Administração de informar V. Exa. de que a partir do dia 20 de Outubro de 2003 (segunda-feira) é distribuído a V. Exa. um gabinete no 6° piso da P…, para o exercício das funções de Assistente de Direcção.
Solicita-se a V. Exa. a apresentação, até ao dia 1 de Dezembro de 2003, dos estudos discriminados no Memo em anexo.";
47) O Autor, nesse mesmo documento e com data de 20/10/2003, apôs a seguinte declaração manuscrita: "Recuso-me a ir para o Gabinete do 6.° Andar por não ter condições para seres humanos. Além disso, durante 27 anos o meu trabalho foi sempre no rés-do-chão (recepção)";
48) Em simultâneo com a comunicação a que alude a alínea 46), o Autor foi formalmente incumbido de apresentar, até ao dia 1 de Dezembro de 2003, os seguintes estudos, discriminados no "Memo" que lhe havia sido fornecido e que se acha junto a fls. 32 do procedimento cautelar apenso, como Documento n.° 14:
"1 - Elaboração dos segmentos de mercado com maior potencial para a estrutura existente;
2 - Proposta para o desenvolvimento de acções comerciais;
3 - Análise à produção e custos dos serviços de lavandaria.";
49) O espaço no 6.° andar encontrava-se no estado de conservação que consta das fotografias juntas a fls. 20 e seguintes do procedimento cautelar comum apenso e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
50) Esse espaço no 6.° andar, que foi expressamente arranjado para o Autor, dado não ser utilizado anteriormente, pelo menos, com a finalidade de gabinete/escritório, não dispunha, pelo menos, de telefone e computador para acesso à rede informática;
51) O Autor não possuía qualificações académicas e profissionais para efectuar, pelo menos, parte dos mencionados "estudos", o que era do conhecimento da Ré;
52) A Ré endereçou ao Autor, com data de 28 de Outubro de 2003, a comunicação assinada pela Dr.a M…, na sua qualidade de Front Desk Manager, junta, por fotocópia, a fls. 33 do procedimento cautelar comum apenso, como Doc. n.° 15, do seguinte teor: "Determina-se que o local de trabalho do 1.° Assistente de Direcção, Sr. A…., é no Gabinete atribuído para o efeito, situado no 6.° piso. Deste modo, deverá o Sr. A… abster-se de permanecer no serviço de Recepção ou no Hall de entrada da P… ";
53) O Autor, face a tal comunicação, deslocou-se para o 6° piso do edifício em questão, onde permanecia;
54) Os factos acima descritos e iniciados em Dezembro de 2002, causaram ao Autor perturbações continuadas do ponto de vista psíquico e nervoso, com dificuldades em dormir, ansiedade e angústia;
55) O Autor, devido a tais perturbações continuadas, foi assistido por uma médica psiquiatra;
56) Essa médica psiquiatra redigiu os documentos que se mostram juntos a fls. 66 e seguintes, como Documentos n.°s 2, 3, 4 e 5 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde se pode ler o seguinte:"sugiro um período de pelo menos um mês, por quadro ansioso - depressivo reactivo à situação de natureza profissional do Sr. A…. Iniciar psicoterapia " (Doc. n.° 2);
57) O Autor entrou de baixa por doença natural no dia 4 de Novembro de 2003 e que se manteve, pelo menos, até ao dia 9 de Maio de 2004;
58) Durante todo o período da sua incapacidade temporária para o trabalho, o Autor apenas recebeu e recebe um subsídio da Segurança Social correspondente a 65% (sessenta e cinco por cento) do montante do seu salário;
59) O Autor teve de suportar o custo dos almoços que, caso se tivesse mantido ao serviço da Ré, teria tomado nas instalações desta e à sua inteira custa;
60) O custo de cada almoço custeado pela Ré seria, pelo menos, de 5,00 Euros;
61) O Autor veio instaurar o procedimento cautelar comum apenso, com o número 503/04, deste 2.° Juízo, 2.a Secção, contra a aqui Ré, pedindo, em síntese, o seguinte: "...reconhecendo-se e declarando-se a ilegalidade das actuações da empresa requerida (não atribuição de tarefas no âmbito das funções do requerente e transferência ilegal), intimidando-se a mesma a atribuir tarefas e a permitir ao requerente o exercício das funções correspondentes à sua categoria profissional e, bem assim, a facultar-lhe um local de trabalho na "recepção" da "P… ", no rés-do-chão do edifício, e a abster-se de praticar quaisquer actos em sentido contrário à intimação";
62) Após ouvida a aqui Ré e realizada a Audiência Final, foi proferida, com data de 26/2/2004, a decisão final constante de fls. 94 e seguintes dos autos de Providência cautelar apensos, do seguinte teor:"...julgando ilegal o procedimento da Requerida, ao retirar ao Requerente todas as funções que este efectivamente exercia, nos termos descritos nos autos, intimando-o a permanecer no 6.° andar do edifício, e proibindo-o de permanecer na Recepção da P…, determino que a Requerida:
a) Atribua ao Requerente reais tarefas no âmbito da sua categoria profissional de primeiro assistente de direcção;
b) Atribua ao Requerente um local de trabalho (com pelo menos uma secretária, uma cadeira, uma linha telefónica e acesso à rede informática da Requerida) no gabinete envidraçado anexo à recepção da P…, ou no gabinete da gerência;
c) Se abstenha de praticar quaisquer actos que por qualquer forma limitem o exercício de funções do Requerente, nomeadamente, a proibição de frequentar ou permanecer em qualquer dos espaços onde funciona a P… ou, a posteriori, alterar o local de trabalho que atribuir ao Requerente nos termos descritos em b)";
63) O Autor remeteu à Ré a carta, datada de 6/4/2004, junta a fls. 46 e 47 dos autos, como Documento n.° 2 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde, em síntese, informa da sua situação de baixa até 18/4/2004 e da possibilidade de regresso ao serviço, com a sua plena reinserção na estrutura funcional da Ré, quer no que toca ao seu local de trabalho como à real atribuição de tarefas, em cumprimento da decisão judicial referida na alínea anterior;
64) O Autor remeteu à Ré a carta, datada de 5/5/2004, junta a fls. 48 e 49 dos autos, como Documento n.° 3 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde, em síntese, informa da sua situação de baixa até 09/5/2004 e da possibilidade de regresso ao serviço, com a tomada antecipada das medidas indispensáveis ao adequado e integral cumprimento da decisão judicial referida na alínea 57), nomeadamente no que toca ao seu local de trabalho e à real atribuição de tarefas;
65) A Ré decidiu, em cumprimento da decisão judicial referida na alínea 57), preparar o quarto situado no 4.° Andar, com o número 410 para servir de gabinete do Autor, tendo o mesmo o aspecto constante das fotografias juntas a fls. 74 e seguintes, como Documentos n°s 2 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
66) O gabinete da gerência, situado por cima da recepção e gabinete contíguo, tem uma área de cerca de 12 m2, sendo difícil a instalação de uma outra pessoa em tal espaço, para além do próprio gerente, não existindo no rés do chão ou no andar intermédio outro espaço apto e disponível para gabinete ou escritório, para além daquele gabinete de gerência ou do existente ao lado do balcão da recepção;
67) A Ré, com data de 10/05/2004, elaborou o Documento junto a fls. 50 dos autos, como número 4, cujo teor aqui se dá por reproduzido, onde se pode ler o seguinte: "LOCAL DE TRABALHO - Gabinete instalado no 4.° Piso, número de porta 410. Deverá indicar os equipamentos e consumíveis que necessitar.
FUNÇÕES DE 1.° ASSISTENTE DE DIRECÇÃO
a) Reportar à Gerência através da Sr.ª D.ª M…;
b) Coadjuvar a Gerência, no que lhe for solicitado;
c) Proceder ao inventário dos móveis existentes no estabelecimento, tendo em atenção o processo de remodelação da unidade já apresentado às entidades oficiais; propor aquisição de bens e equipamentos para os quartos do hotel;
d) Proceder a levantamento das necessidades da lavandaria com vista à sua remodelação, propondo a aquisição de bens e equipamentos para a remodelação em curso.
Para qualquer esclarecimento ou necessidades de apoio deverá dirigir-se à Sr.ª D.ª M…, que lhe prestará toda a ajuda.
Poderá, desde que previamente comunicado, deslocar-se a estabelecimentos comerciais para obter preços e condições de pagamento, que apresentará à consideração da Gerência";
68) O Autor, no dia 10/5/2004, compareceu nas instalações da P…, na companhia de 3 outras pessoas, onde, pelo menos, tomou contacto com o gabinete que lhe foi destinado pela Ré (alínea 60) e recebeu o Documento a que alude a alínea anterior, tendo-se retirado depois;
69) O Autor remeteu à Ré a carta, datada de 11/5/2004, junta a fls. 53 a 56 dos autos, como Documento n.° 1 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde, em síntese, veio resolver o seu contrato de trabalho com justa causa, nos termos do artigo 441.°, alíneas b) e f) do Código do Trabalho;
70) O quadro do pessoal da P… (depois, H…), à data da cessão de quotas referida na alínea 11) era constituído pelas pessoas identificadas nos documentos juntos a fls. 292 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo, desde essa altura, sofrido as alterações constantes de tais listagens;
71) A Ré emitiu os "recibos de vencimento", bem como pagou ao Autor e demais trabalhadores as quantias deles constantes, recibos esses que se mostram juntos a fls. 133 e seguintes e cujo teor aqui se dão por integralmente reproduzidos;
72) As partes aceitam que a relação profissional entre elas era regulada pelo CCT para a Indústria Hoteleira - Zona Sul;
73) A Dr.a M… possui, actualmente, a categoria profissional de 1.° assistente de direcção.

Apreciação
A recorrente manifesta a sua discordância da apreciação efectuada na sentença, sustentando, em síntese, que a sua conduta para com o A. e recorrido foi plenamente lícita, por a alteração das tarefas atribuídas ao A. caber no seu legítimo poder de direcção, visto respeitarem o conteúdo funcional da categoria profissional de 1º assistente de direcção, que lhe estava atribuída e a alteração do gabinete de trabalho do A., dentro do mesmo edifício (do r/c para o 6º andar) não constituir transferência do posto de trabalho. Mais sustenta que o A. não sofreu qualquer dano patrimonial, por o rendimento líquido efectivo (após os descontos para efeitos de IRS, Segurança Social e deduzidas também as despesas de deslocação casa – trabalho – casa) corresponder ao valor recebido a título de subsídio de doença, não sendo indemnizável a não tomada da refeição em espécie durante o período de baixa por doença, por se tratar de benefício inerente à prestação efectiva de trabalho. Também entende não haver lugar a indemnização pelos danos não patrimoniais, por não decorrerem de qualquer acto ilícito.
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão, mostrando-se no essencial correcta a análise do caso efectuada na sentença recorrida.
A situação subjacente ao caso dos autos - que configura um verdadeiro caso de “mobbing” ou assédio moral (1) - teve início após a alteração na titularidade do capital social e na gerência da R. que, logo desencadeou os procedimentos necessários à reclassificação do estabelecimento hoteleiro onde o A. trabalhava, de pensão em hotel de 3 estrelas, com a introdução, por um lado, de equipamento informático para a realização das tarefas até então desempenhadas, manualmente, pelo A. e, por outro, a externalização de parte das funções que lhe estavam atribuídas (caso, nomeadamente, da contabilidade).
Sendo indiscutivelmente legítimo que a nova gerência procurasse melhorar o serviço prestado pela empresa e torná-la mais competitiva, designadamente, através de pessoal mais novo e mais qualificado, o direito não permite que as reestruturações e remodelações a efectuar sacrifiquem direitos fundamentais e ponham em causa a dignidade dos trabalhadores, que não podem ser tratados como meros números ou objectos. E no caso afigura-se-nos que foi isso que sucedeu, como evidencia, desde logo, o progressivo esvaziamento funcional do A..
Com efeito revelam os factos assentes que o A. foi sendo esvaziado de funções, a partir do início de 2003, deixando de exercer, por imposição da R., as que anteriormente executava, as quais passaram a ser executadas, com recurso aos meios informáticos, pela gerência da R. e pela drª M…, que passou a chefiar a recepção (nºs 29 e 33). Se bem que durante um período de tempo, que mediou entre 15 a 30 dias a contar de Dezembro de 2002, o A. tivesse passado o serviço à Drª M…, que o substituiu (nºs 27 e 28) e, mesmo após esse período, continuasse a prestar-lhe colaboração, quando solicitada (nº 32), durante os primeiros meses do ano de 2003, não foram atribuídas ao Autor quaisquer tarefas ou funções ou permitido o desempenho de qualquer actividade, excepção feita à substituição, limitada, da Dr.a M… e apenas nos períodos em que esta tomava as suas refeições (nº 42).
Não tem pois razão a recorrente quando afirma que o A. nunca esteve desocupado (cl. 6ª), pretendendo contrariar que tivesse violado o direito do A. à ocupação efectiva.
Actualmente previsto como garantia do trabalhador no art. 122º al. b) do CT, já antes da entrada em vigor deste diploma, apesar de não estar expressamente previsto em nenhuma disposição legal, tal direito era, de um modo geral, reconhecido na nossa ordem jurídico-laboral, de certo modo por imposição da jurisprudência formada nas últimas décadas, com fundamento, por um lado, nas normas constitucionais (art. 53º, 58º nº 1 e 59º nº 1 b) que acolhem uma visão do trabalho que, como refere Monteiro Fernandes (2) “ultrapassa os paradigmas da fonte de rendimento e dos meios de subsistência”, reconhecendo-o explicitamente como meio de realização pessoal e de dignificação social e, por outro, em algumas normas (tais como os art. 18º, 19º, nº 1 c) e d), 22º, 42º e 43º) do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo DL 49.408 (LCT) que, no dizer do mesmo autor, constituem “afloramentos normativos da posição básica de valorização autónoma do efectivo exercício da actividade contratada como suporte de interesses relevantes do trabalhador”.
A questão não pode, todavia, deixar de ser equacionada também na óptica das necessidades da empresa e dos interesses do empregador, que, por vezes, justificam situações de inactividade temporária de trabalhadores. Se bem que, em princípio, o interesse do empregador seja o de manter o trabalhador ocupado na actividade para que foi contratado, há situações pontuais em que pode ser do seu interesse deixá-lo temporariamente inactivo, sem que isso seja ilegítimo. Basta pensar em situações de suspensão disciplinar do trabalhador, de necessidade de reduzir a produção, em actividades sazonais, de reestruturação da empresa, etc..
O que o direito não pode de forma alguma permitir é a desocupação que não se mostre objectivamente fundada.
A questão coloca-se no plano da exigibilidade: em princípio deve entender-se que o contrato de trabalho envolve o compromisso da ocupação efectiva, mas não podemos deixar de reconhecer como atendíveis situações em que o empregador esteja objectivamente impedido de oferecer ocupação ao trabalhador (3). Como ensina Menezes Cordeiro (4) “pode falar-se num dever de diligência a cargo da entidade empregadora, de conservar o trabalhador condignamente ocupado. E no cumprimento desse dever, o empregador deverá actuar com o esforço exigível ao bom empregador, em face das concepções socialmente dominantes colocado na posição do empregador concreto.”
Na perspectiva do credor da prestação de trabalho a questão da ocupação efectiva do trabalhador configura um dever acessório de conduta que decorre do princípio geral da boa-fé na execução dos contratos, consignado no art. 762º nº 2 do CC. Como expende Pedro Furtado Martins (5) “De uma forma geral, indicam-se dois vectores primordiais na concretização da boa-fé, constituídos por dois princípios básicos por ela comunicados: o princípio da tutela da confiança e o princípio da primazia da materialidade subjacente. Ora, a intervenção dos valores subjacentes ao sistema juslaboral português, que apontam para a tutela do trabalho como factor de desenvolvimento pessoal do trabalhador, permitem dar corpo à ideia de materialidade que aqui importa: o escopo da relação jurídica de trabalho não se resume a uma mera troca de prestações trabalho-salário, vai para além disso... Às partes interessa terem isso presente, não actuando de forma a comprometer os interesses da contraparte, escudando-se por detrás da alegação de que já asseguraram o cumprimento do dever principal de prestação a seu cargo, isto é, do dever de pagar a retribuição ou do dever de prestar o trabalho.
Assim, quando o empregador não recebe o trabalho que lhe é regularmente oferecido, sem para tal ter qualquer justificação, poder-se-á dizer que atenta contra o prosseguimento dos fins envolvidos na situação jurídica de trabalho, violando um dever acessório de conduta derivado do princípio geral da boa-fé.”
Poder-se-á, no caso vertente, considerar que o R. violou esse dever acessório de conduta derivado do princípio geral da boa-fé?
Face à introdução, em Janeiro de 2003, do equipamento informático com o programa de gestão hoteleira e ao facto de o A. não ter formação nessa área, por um lado, e à (legítima) opção de gestão da R. de atribuir a realização da contabilidade a uma outra empresa, no exterior, numa primeira fase, afigura-se-nos poder-se considerar justificada a manutenção do A., temporariamente, sem actividade, tanto mais quanto se equacionara a hipótese de fazer cessar por acordo a relação laboral, mediante o pagamento de uma indemnização, arrastando-se a indefinição sobre essa questão até Março ou Abril de 2003 (nº 40).
Mas a partir desse momento, em que se verificou não haver acordo das partes quanto ao montante indemnizatório - o que inviabilizava a cessação por acordo – deixou objectivamente de ter justificação a manutenção da situação de desocupação do A. (a ocupação pontual em substituição da Drª M… nos períodos em que esta tomava as suas refeições, não basta para contrariar esta conclusão) lesiva do direito deste à prestação de trabalho como meio de realização pessoal e de dignificação social.
Perante a constatação da impossibilidade de pôr termo ao contrato por acordo e face às alterações tecnológicas introduzidas na empresa e no posto de trabalho, cabia à R. facultar ao trabalhador formação profissional para que o mesmo aprendesse a trabalhar com o programa informático de gestão hoteleira, de forma a poder cumprir a sua prestação contratual, desenvolvendo a actividade profissional própria da categoria que lhe estava atribuída, mercê da dinâmica do contrato (independentemente de saber qual a que lhe fora atribuída aquando da admissão, por ser totalmente irrelevante para o caso).
Ora a R. não deu ao A. essa formação (cfr. nº 36). Provavelmente por esperar, atenta a respectiva idade, que o A. passasse à situação de reforma. Com efeito, o A. tinha, aquando da alteração na titularidade do capital e na gerência da R., 64 anos, atingindo em Março de 2003 a idade de reforma por velhice. Mas a passagem à situação de reforma carece de ser requerida pelo beneficiário, não pode ser imposta, sendo perfeitamente legítimo que um trabalhador que se encontre em condições de poder beneficiar dessa situação, opte por continuar a trabalhar. Ao que tudo indica, o A. não pretenderia passar à situação de reforma (que implicaria a caducidade do contrato de trabalho – cfr. art. 4º nº 1 al. c) da LCCT aprovada pelo DL 64-A/89 de 27/2 e art. 387º al. c) do CT).
Ainda que à R. pudesse não interessar a manutenção do A. ao seu serviço, não tendo obtido acordo para a cessação do contrato restava-lhe, se efectivamente pretendia dispensar a prestação deste, recorrer ao despedimento por inadaptação (se porventura fosse essa a razão da não utilização da força de trabalho do mesmo, o que não podemos afirmar) – sendo certo que tinha havido a introdução de alterações no posto de trabalho resultante de introdução de equipamentos com nova tecnologia: o computador. Mas até mesmo para despedir o trabalhador por inadaptação a R. sempre teria que previamente lhe ter dado formação profissional adequada às modificações introduzidas no posto de trabalho e facultado um período de adaptação (além dos outros requisitos para poder usar esse mecanismo: não dispor o empregador de outro posto de trabalho compatível com a qualificação profissional do trabalhador, ou existindo esse posto de trabalho, que o trabalhador o recusasse, e a colocação à disposição do trabalhador de compensação correspondente à indemnização por antiguidade - cfr. art. 3º e 7º do DL 400/91 conjugado com o art. 23º nº 1 e 13º nº 3 da LCCT).
Face à factualidade apurada nos autos, não vislumbramos razão que, a partir de Maio de 2003, justificasse o arrastamento da situação de inocupação do A.. Designadamente, e ao contrário do que afirma a apelante, nada permite considerar que tal arrastamento se devesse, de algum modo, ao período de Verão, com as férias do pessoal e da gerência, até porque nada se encontra assente sobre a questão, a não ser que o A. gozou férias no Verão (nº 45). Embora o Verão seja, em regra, período de férias, é sabido que no sector de hotelaria, porque esse é precisamente o período de maior ocupação, em geral, as férias do pessoal (e pelas mesmas razões, dos respectivos responsáveis, designadamente gerentes) até são gozadas na chamada “época baixa”. O período de Verão e a maior ocupação hoteleira que em regra lhe corresponde seria até um motivo para contrariar a manutenção do A. em situação de desocupação. No entanto essa situação arrastou-se até 20/10/2003, pois só então a R. decidiu atribuir ao A. “um novo posto de trabalho”, no 6º piso (cfr. nº 46), incumbindo-o da realização dos estudos discriminados no nº 48, apesar de o A. não possuir qualificações académicas e profissionais para efectuar pelo menos parte dos mencionados estudos (cfr. nº 51). Tendo o A. recusado ir para o gabinete “expressamente arranjado para ele” no 6º andar alegando falta de condições (nº 47 e 50) – e atente-se no teor do ponto 9, que confirma essa falta de condições – foi-lhe de novo comunicado, em 28/10/2003, por determinação da gerência, ser aquele o seu local de trabalho e que se abstivesse de permanecer na recepção ou no hall de entrada, pelo que o A. para lá se deslocou (nº 52 e 53), entrando na situação de baixa, uma semana depois, mais precisamente em 4/11/2003 (nº 57).
Em nosso entender não se mostra objectivamente justificada a manutenção do A. desocupado a partir de Maio de 2003 (admitindo embora, como atrás admitimos, que até Março ou Abril essa desocupação pudesse considerar-se razoável, pelas razões referidas) pelo que não pode a actuação da R. deixar de considerar-se ilícita, ao contrário do que pretende a apelante.
A ilicitude dessa situação prolongada de indefinição e de não ocupação efectiva – a que acresce o facto de o gerente da R. ter deixado progressivamente de falar com o A., limitando-se a cumprimentá-lo (40 e 43), de o A. não ter visto actualizada a respectiva retribuição, ao contrário do que sucedeu com os demais trabalhadores (nº39), de ter sido retirada da recepção a cadeira que o A. ocupava e este proibido de ali permanecer (nºs 45 e 52) - é apta a criar no trabalhador (com 27 anos de casa e que até 2002 vira reconhecido pela R. a sua abnegação, competência e mérito – cfr. nºs 19 e 25) sofrimento moral, angústia, perda da auto-estima, ferindo a sua dignidade como trabalhador e mesmo como pessoa. E foi o que sucedeu: a repercussão da situação na saúde psíquica do A. traduziu-se em perturbações nervosas, angústia, ansiedade, dificuldade em dormir, a ponto de ter de recorrer a assistência de uma médica psiquiatra que lhe diagnosticou um “quadro ansioso-depressivo reactivo a situação de natureza laboral”, o que veio a determinar a atribuição de baixa por doença (nºs . 54 a 57).
Como começámos por referir, afigura-se-nos inequívoco estarmos perante um autêntico caso de mobbing ou assédio moral, conceito que não sendo de natureza jurídica, mas sociológica, permite “apreender como comportamentos que isoladamente seriam lícitos e poderiam até parecer insignificantes, podem ganhar relevo muito distinto quando inseridos num determinado procedimento e reiterados ao longo do tempo. (…) O principal mérito da figura consiste em que ela permite ampliar a tutela da vítima, ligando entre si factos e circunstâncias que, isoladamente considerados pareceriam de pouca monta, mas que devem ser reconduzidos a uma unidade, a um projecto ou procedimento …” (6).
De acordo com o ensinamento deste autor (obra citada, pag. 428 a 430), aquilo que caracteriza o mobbing são “três facetas: a prática de determinados comportamentos, a sua duração e as consequências destes. Quanto aos comportamentos em causa, para Leymann tratar-se-ia de qualquer comportamento hostil. Para Hirigoyen, por seu turno, tratava-se de qualquer conduta abusiva manifestada por palavras (designadamente graçolas), gestos ou escritos e muitos outros comportamentos humilhantes ou vexatórios. Daí a referência a uma polimorfia do assédio e, por vezes, a dificuldade em distingui-lo dos conflitos normais em qualquer relação de trabalho. (…) tais comportamentos são, frequentemente, ilícitos, mesmo quando isoladamente considerados; mas sucede frequentemente que a sua ilicitude só se compreende, ou só se compreende na sua plena dimensão atendendo ao seu carácter repetitivo. E esta é a segunda faceta que tradicionalmente se aponta no mobbing… é normalmente o carácter repetitivo dos comportamentos, a permanência de uma hostilidade, que transforma um mero conflito pontual num assédio moral. A terceira nota característica do assédio, pelo menos para um sector da doutrina, consiste nas consequências deste designadamente sobre a saúde física e psíquica da vítima e sobre o seu emprego. O assédio pode produzir um amplo leque de efeitos negativos sobre a vítima que é lesada na sua dignidade e personalidade, mas que pode também ser objecto de um processo de exclusão profissional, destruindo-se a sua carreira e mesmo acabando por pôr-se em causa o seu emprego…” E mais adiante, a pag. 431/433, acrescenta Júlio Gomes “O assédio converte-se em meio para contornar as proibições de despedimento sem justa causa, transformando-se num mecanismo mais expedito e económico da empresa para se desembaraçar de trabalhadores que, por qualquer razão, não deseja conservar. (…). As práticas e os procedimentos para o fazer são praticamente inumeráveis; a título de exemplo, refira-se apenas a mudança de funções do trabalhador, por exemplo, para funções muito superiores à sua experiência e competência para levá-lo à prática de erros graves, a atribuição de tarefas excessivas, mas também, e frequentemente, o seu inverso, como seja a atribuição de tarefas inúteis ou o esvaziamento completo de funções. Como se disse, os meios empregues podem ser os mais diversos: frequentemente adoptam-se medidas para impor o isolamento social do trabalhador, que podem consistir em proibir aos outros trabalhadores que lhe dirijam a palavra, em reduzir-lhe os contactos com os clientes ou mesmo em impor-lhe um isolamento físico….”
Perdoe-se-nos a extensão das transcrições, mas a clareza da exposição põe em evidência até que ponto o caso vertente se encaixa nas hipóteses referidas pelo autor.
Ora a decisão da R. de 20/10/2003 (reafirmada em 28/10/2003), de atribuir ao A. como local de trabalho o gabinete no 6º piso e de lhe atribuir como tarefas a realização dos estudos referidos no ponto 48, que formalmente se enquadram no descritivo funcional da categoria de assistente de direcção, mas que, por o A. não possuir qualificações académicas e profissionais para efectuar pelo menos parte dos mencionados estudos (cfr. nº 51), não poderiam, em rigor, ser-lhe exigidas, é precisamente daquelas medidas que, como refere Júlio Gomes, isoladamente apreciadas até poderiam parecer lícitas ou pouco significantes, mas inseridas no procedimento global que se arrastava havia meses, integra o assédio moral através do qual a R. visava levar o trabalhador a fazer cessar o contrato de trabalho, como acabou por suceder (embora não faça parte do objecto destes autos a apreciação da justa causa para a resolução pelo trabalhador, correndo termos outra acção com esse objecto). Tais medidas representaram como que a gota de água que fez transbordar o copo, que fora enchido ao longo dos meses antecedentes, criando no A. um sofrimento psíquico determinante da situação de baixa por doença a partir da qual se estrutura o pedido.
Em suma, não tem razão a apelante quando pretende que se considere lícita a sua actuação.
E sendo tal actuação ilícita, bem como culposa (já que a R. não ilidiu a culpa que se presume nos termos do art. 799º nº 1 do CC), responde pelos danos causados ao A..
Os danos invocados pelo A. e reconhecidos pela sentença recorrida foram, em termos patrimoniais, a diferença entre o valor da retribuição e o subsídio de doença e o valor correspondente à refeição a que o A. tinha direito em espécie, à razão de € 5 por dia e os danos não patrimoniais, pelos quais reclamou € 5.000.
Quanto a estes a apelante apenas impugnava a decisão por em seu entender os mesmos não corresponderem à prática de qualquer ilícito.
Ora, improcedendo o recurso na parte em que sustentava que a sua actuação fora lícita, face à matéria dos nºs 54 a 57, não poderá deixar de se confirmar a decisão no que concerne à indemnização por danos não patrimoniais.
No que concerne aos danos patrimoniais já se nos afigura-se que em parte assiste razão à apelante, mais precisamente no que se refere à diferença entre a retribuição que deixou de auferir e o subsídio de doença, uma vez que o dano efectivamente sofrido pelo A. a esse título não corresponde à diferença entre a retribuição ilíquida e o subsídio de doença, mas antes entre a retribuição líquida (após os descontos da contribuição para a Segurança Social e do IRS) e o subsídio de doença. O A. formulou esse pedido considerando a diferença mensal de € 343,36 e um período de cinco meses e meio, perfazendo o valor de € 1.889,03.
Ora sendo o valor líquido da retribuição auferida pelo A., como se vê dos doc. de fls. 149 e 152, € 789,95 e o valor auferido mensalmente a título de subsídio de doença 65% da retribuição ilíquida, ou seja € 637,84, a diferença perfaz por mês € 152,11, pelo que pelo período considerado no pedido (cinco meses e meio) é devida a diferença global de € 836,6.
Não tem, salvo o devido respeito, qualquer fundamento a afirmação de que, descontadas as despesas de deslocação casa – local de trabalho - casa e outras despesas inerentes ao exercício da actividade profissional, o rendimento líquido efectivo do A. correspondesse ao valor do subsídio de doença, pois que nenhuns dados de facto nos permitem considerar quaisquer que sejam tais despesas.
Também na medida em que durante a prestação de trabalho tinha direito a uma refeição em espécie, no valor de €5 por dia e ao ver-se na situação de baixa por doença causada pela actuação ilícita da R., que configura assédio moral, passou a ter de suportar os custos dessa refeição, sofreu o A. um prejuízo por cuja reparação a R. é responsável, pelo que nenhum reparo nos merece a sentença nessa parte.
Em suma, o recurso procede apenas na parte relativa à indemnização por danos patrimoniais que deve ser reduzida a € 1.401,6, fixando-se consequentemente o valor global da indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais em 6.101,6.

Decisão
Pelo exposto se acorda em julgar parcialmente procedente a apelação reduzindo o valor da indemnização que a R. foi condenada a pagar ao A. a € 6.401,6, confirmando no demais a sentença recorrida.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.
Lisboa, 9 de Maio de 2007

Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Feteira



_________________________________________
1.-Cfr. Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, vol, I, Relações Individuais de Trabalho, 2007, Coimbra Editora, pag. 425 e seg.

2.-Direito do Trabalho, 10ª ed., pag. 266.

3.-Monteiro Fernandes, obra citada, pag. 267.

4.-Manual de Direito do Trabalho, 1991, pag. 658.

5.-Despedimento Ilícito, Reintegração na Empresa e Dever de Ocupação Efectiva, 1992, pag. 191.

6.-Júlio Gomes, obra citada, pag. 426 e 437.