Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
662/13.9T2AMD-A.L1-7
Relator: CARLA CÂMARA
Descritores: MENOR
MEDIDAS DE PROTECÇÃO DE MENORES
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: i) A medida de acolhimento residencial de menor de 13 anos, pelo período de 6 (seis) meses, não é a adequada para promover a aproximação entre a mãe com quem não reside e o menor. As vantagens pretendidas alcançar com a colocação do menor em instituição, como espaço neutro, em vez de permitir promover, de forma gradual, e facilitar os convívios com a mãe, acarretaria para o menor um vazio afectivo, indo ao desencontro da situação mais recente de aproximação protagonizada pelo menor e sua mãe.
ii) É possível, através do apoio junto do pai preconizado, com esforço e empenho dos técnicos, com agilização dos procedimentos, alcançar a pretendida aproximação e reconstrução dos laços afectivos, dentro do enquadramento familiar natural.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no artigo 663º, nº 7, do CPC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

O Ministério Público instaurou a presente acção de promoção e protecção a favor do menor Rui ..... ..... ..... ....., nascido a 13.07.2004 e filho de Orlando Mário ..... ..... ..... e de Ana Rita ..... ....., vindo a requerer que fosse aplicada a medida de acolhimento residencial alegando, em síntese, que o pai (com quem o menor reside) não permite os convívios com a mãe e família materna, importando propiciar ao menor um ambiente neutro (instituição) que promova de forma gradual e facilite os convívios com a mãe.

O progenitor deduziu oposição.

Declarada aberta a instrução e não sendo possível uma solução negociada procedeu-se à realização de debate judicial.


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            Foi proferida sentença final que decidiu aplicar a favor do jovem Rui ..... ..... ..... ..... a medida de acolhimento residencial, pelo período de 6 (seis) meses, sentença subscrita pelos Juízes Sociais, tendo sido lavrado pelo Juiz de Direito voto de vencido.


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            Não se conformando com a decisão, dela apelou o progénitor do menor, formulando as seguintes conclusões:

1. Decidiu ao douto Tribunal a quo, com o voto vencido do Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito, aplicar a favor do Menor Rui ..... ..... ..... ..... a medida de Acolhimento Residencial, pelo período de 6 (seis) meses.

2. Conforme supra deixou exposto, o Progenitor, ora Recorrente, entende que a medida aplicada revela-se, salvo melhor opinião, pouco criteriosa e inadequada na sua escolha.

3. Sendo que, contudo e no limite sempre concorda, bem como subscreve o explanado pelo Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito na sua declaração de voto vencido.

4. Pois, conforme o Progenitor, ora Recorrente, deixou bem demonstrado em sede de Debate Judicial, bem como anteriormente, em outras sedes, está disponível para qualquer plano que lhe seja estabelecido, inclusive a frequência de programas de formação de parental, e ainda eventual seguimento em apoio psicopedagógico.

5. Sendo que será de questionar, com o devido respeito que as mesmas merecem, se as Exmas. Sras. Juízes Sociais analisaram aprofundadamente o autos principais e os autos de Promoção e Protecção, e não fizeram “tábua rasa” e basearam a sua decisão apenas com o que assistiram nas audiências do Debate Judicial.

6. Pois, se o Tribunal a quo e/ou as Exmas. Sras. Juízes Sociais tivessem de facto analisado, exaustivamente, a prova constante nos autos (todos os relatórios) em conciliação com as Alegações do Progenitor tinham constando que efectivamente exista algumas discrepâncias a considerar.

7. Ou seja, conforme supra se deixou demonstrado, a existência de posições antagónicas das várias entidades, mormente no que aos vários relatórios existentes em ambos os autos diz respeito.

8. Sendo de observar que mesmo em sede de Debate Judicial a “opinião” divergente das testemunhas que depuseram.

9. Como o caso da Exma. Sra. Dra. Leonor ....., da Equipa Tutelar Cível de Sintra, que no seu depoimento (aos 00:20:19 da gravação com inicio às 10:07:38), em sumula, diz: “Eu não defendo às cegas a institucionalização, aliás nunca o defendi senão tinha-o escrito na mesma altura no mesmo relatório à par da Cláudia(…)”.

10. A qual ainda defende que pode existir outra alternativa (aos 00:20:55 da gravação com inicio às 10:07:38), mormente uma a intervenção sistémica em contexto familiar.

11. Ou seja – como a mesma define – uma mediação familiar mais integrada e com melhores resultados.

12. Sendo de salientar que as testemunhas inquiridas, mormente as Técnicas com funções nas ECJ, e que subscreveram o parecer de “acolhimento residencial”, conforme se pode inferir dos respectivos depoimentos, também não se mostram muito seguras quando lhe é solicitado a opinião pessoal com base na experiência profissional, limitando-se a remeter para o que os “livros dizem”.

13. Pelo que nessa senda será de questionar se as Sras. Técnicas que defendem a institucionalização do menor, com base no que os livros “dizem”, se têm conhecimento do que esses ou outros livros “dizem” acerca dos efeitos negativos de uma institucionalização.

14. Efeitos que se verificam a todos os níveis.

15. Como refere Helga Diana Ribeiro de Sousa in “Contextos de Desenvolvimento e Rendimento Escolar em Crianças Adoptadas – Estudo Exploratório, Dissertação de Mestrado em Temas de Psicologia do Desenvolvimento”, Julho de 2014, Universidade de Coimbra, página 61: “(…) Verifica-se uma enorme prevalência de casos de crianças/jovens institucionalizadas com uma percentagem elevada de insucesso escolar, sendo muito reduzido o número desta população que frequenta o ensino superior (M.T.S., 2000). Num estudo desenvolvido por Palácios e Sánchez (1996, in Schettini, 2007), onde são comparados três grupos, crianças adoptadas, não adoptadas e institucionalizadas, com vista a analisar problemas de comportamento, autoestima e rendimento escolar, estes autores verificaram que os resultados obtidos apontam para um elevado grau de semelhança entre as crianças adoptadas e não adoptadas. Quanto às institucionalizadas, estas revelam os piores resultados nos três indicadores comparados (…).”

16. Mais acrescenta: “(…) Considerando a investigação realizada por Johnson (2000, in Machado, 2002) verificou-se que algumas crianças/jovens colocados em instituição teriam atrasos no desenvolvimento físico, psicomotor e intelectual, bem como perturbações ao nível da vinculação, graves problemas emocionais e comportamentais. Contudo, tal não se verifica com outros menores que possuem uma boa estrutura que lhes permite segurança na prossecução das metas a alcançar. (…)”.

17. No Debate Judicial não ficou demonstrado ou provado de que a institucionalização do menor não trouxesse consequências negativas ao seu desenvolvimento.

18. Antes pelo contrário, ficou bem demonstrado e provado de que o menor já se sente emocionalmente perturbado só com a leve ideia de poder vir a ser institucionalizado.

19. Sendo que o Menor até demonstrou esse medo à sua Directora de Turma, a qual depôs sobre esse facto em sede de Debate Judicial.

20. Essa mesma testemunha nos diz que em sumula (aos 00:12:35 da gravação com inicio às 11:46:01) que devido à maneira de ser no menor não o vê numa instituição.

21. Ora, poderá estar assim, o Tribunal a quo ao decidir, com o voto vencido do Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito, pelo acolhimento residencial do menor a causar consequências muito negativas a este menor.

22. Pelo que, entende-se que o menor jamais deverá ser institucionalizado, ou ser aplicada outra medida diferente da que já se encontra, ou seja junto do pai, uma vez que, conforme largamente provado, o progenitor jamais o maltratou ou negligenciou, promovendo, antes, diligências no sentido de sanar as eventuais perturbações emocionais do menor, bem como de o apoiar em todas as suas tarefas.

23. Não se poderá ficar indiferente às consequências do afastamento do Menor Rui do seu Pai, que nos parece ser sobejamente doloroso e oscilador da condição emocional do menor.

24. Todo este abismo que se iria criar entre o menor e a família, não poderá deixar de prejudicar o são desenvolvimento desta criança, com consequências que poderão ser irreversíveis.

25. Tal como supra se demonstrou e ainda pelo depoimento do menor em sede de Debate Judicial, é claro o afecto que o menor tem para com o pai.

26. Ora, se em momento algum se provou que o Progenitor deixou de cumprir com os deveres fundamentais para com o Menor – bem pelo contrário -, a subversão desta norma é, per si, a aceitação de uma inconstitucionalidade, consubstanciada na gravíssima violação dos direitos, liberdades e garantias acautelados pela Lei Fundamental.

27. Como discorre Tomé d’Almeida Ramião, in “Organização Tutelar de Menores, Anotada e Comentada”, 10ª Edição, Quid Juris, página 114: “iguais princípios decorrem da Convenção sobre os Direitos da Criança […], nomeadamente no seu artigo 9.º/1, que considera que os Estados Partes garantem que a criança não é separada dos pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial, que essa separação é necessária no interesse superior da criança, nomeadamente se os pais maltratarem ou negligenciarem a criança.”

28. Concluindo o mesmo autor que “decorrentemente, o entendimento de que só excepcionalmente, e perante situações sérias devidamente comprovadas judicialmente, do tipo das referidas, é que o tribunal não deve entregar o filho aos pais, mas a terceira pessoa ou instituição.”.

29. No caso em crise nos autos, “não existe situação séria deviamente comprovada judicialmente”.

30. Ainda, Tomé d’Almeida Ramião, na obra citada, que, fazendo alusão ao n.º1 do artigo 18.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, sublinha que devem “[…] os Estados assegurar uma assistência adequada aos pais da criança no exercício dessa responsabilidade.”

31. Não sendo ainda despiciendo de voltar a referir que ao contrário do que nos presentes autos a ECJ e o Ministério Publico fazem crer, o início do processo de Regulação das Responsabilidades Parentais deu entrada em 30 de Maio de 2013, por iniciativa do Progenitor.

32. E nunca o Progenitor pensou que ao iniciar, ele próprio, um processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, pudesse o mesmo chegar ao ponto em que está actualmente e com todas as vicissitudes que já teve.

33. Apenas pretendia o Progenitor que as Responsabilidades Parentais ficassem devidamente reguladas no superior interesse do menor e não que o intentar da aludida acção se tornasse uma “saga” com todas as circunstâncias já observadas e desgastante para todos os sujeitos processuais e sobretudo para o menor.

34. Menor que foi submetido a um “episódio” de grande violência emocional a que o menor foi sujeito, quando foi abruptamente retirado da escola por dois agentes da PSP, colocado numa viatura policial e levado para Esquadra, onde seria entregue à mãe para cumprimento do regime de visitas fixado provisoriamente.

35. O menor que possui uma “inteligência normal superior” (conforme refere o Relatório do INML, página 7, a fls. 342, dos autos principais) viu-se como um criminoso ao ser retirado da escola como foi, sem sequer lhe ser dado a possibilidade de contactar o seu Pai que o iria buscar à escola aquando no términus das actividades escolares daquele dia.

36. Diga-se com tudo o que o Menor já passou e tendo em conta tudo o supra exposto, nomeadamente, entre outros, o mesmo não ser negligenciado, o Pai lhe prestar todos os cuidados de alimentação, saúde, educação e afectos, que sentido faz o mesmo ser sujeito a uma medida de acolhimento residencial?

37. Acolhimento que a realizar-se irá trazer com toda a certeza consequências negativas, e estas sim irreversíveis.

38. Será de questionar, com o devido respeito, se as Sras. Técnicas da ECJ, que propõem o acolhimento residencial só com base no que os livros “dizem”, têm, por mero acaso, no seu circulo social, mormente amigas/os ou conhecidos, e hoje sejam já adultos, que tivessem estado institucionalizados por situações semelhantes.

39. E se o têm, o que, com o devido respeito, desde já seriamente se duvida, que experimentem questioná-los do que é viver numa instituição.

40. Mais, nem precisam de já serem adultos, basta questionar os jovens adolescentes que saem das mesmas.

41. Como pode, com o devido respeito, o Tribunal a quo, “atirar” para uma instituição um jovem de quase 13 anos de idade, que possui uma “inteligência normal superior” (conforme refere o Relatório do INML), que não se encontra negligenciado e tem todo o carinho e dedicação de um pai?

42. Jovem, que demonstrou que não quer ser institucionalizado, e que daqui a 2 ou 3 anos, poderá decidir que quer ver e estar com a mãe.

43. Não viu e ouviu o Tribunal a quo que o menor tem um discurso e “postura” adequados?

44. Mais, como pode o douto Tribunal a quo decidir como decidiu, com base em relatórios divergentes?

45. Sendo ainda mais uma vez de salientar, mormente de repetir, que os relatórios juntos aos autos pecam na sua generalidade, por imprecisões e assumpções que levam à distorção da realidade que envolve o menor, revelando, acima de tudo, forte desresponsabilização institucional.

46. Constata-se que as entidades aqui envolvidas, mais concretamente as ECJ e as Equipas Tutelares Cíveis, mais não fizeram senão sacudir a água do capote, sendo estas, antes - e salvo merecido respeito - aquelas que se vitimizam, apontando o dedo, sem pudor, ao Progenitor, quando ignoraram as súplicas daquele.

47. Ora, o Decreto-Lei n.º 12/2008, de 17 de Janeiro, que aprova o Regime de Execução das Medidas de Promoção e Protecção das Crianças e Jovens em Perigo, vem, no seu preâmbulo, fazer uma análise escorreita da ratio que presidiu à criação de tal diploma.

48. Explica que este regime, que regula a “intervenção social do Estado e da comunidade nas situações em que aquelas [crianças e jovens] se encontrem em perigo, tem por pressuposto essencial uma intervenção que permita assegurar às famílias condições para garantirem um desenvolvimento pleno das crianças e dos jovens no âmbito do exercício de uma parentalidade responsável.”

49. E ainda se acrescenta que “a execução destas medidas, por terem por pressuposto essencial o direito da criança e do jovem a serem educados numa família, de preferência a sua, implica que sejam considerados os apoios a conceder àquela, bem como o suporte a proporcionar à família para que desempenhe o papel que lhe incumbe […], definindo apoios de natureza psicopedagógica, de natureza social e económica.”

50. No caso dos presentes autos não se verificou, que a ECJ tenha intervindo de forma a permitir assegurar ao progenitor condições para garantir um desenvolvimento pleno do menor no âmbito do exercício de uma parentalidade responsável.

51. O que se fez foi, pura e simplesmente, um relatório com decisão (de acolhimento residencial) cujos fundamentos não são, salvo melhor opinião, suficientes para se admitir tal decisão como justa e eficaz.

52. Apenas podemos cogitar, salvo melhor parecer, que tal decisão se fique a dever à falta de apoio preventivo por parte deste instituto que, julgando-se, então, incompetente, remete a criança para uma Instituição.

53. Pelo que mais uma vez se refere que a par disto, não foi concedido um reforço ou aquisição de competências do Progenitor por forma a permitir a manutenção do menor junto da sua família natural.

54. Que no presente caso, o apoio psico-social e o acesso ao programa de formação parental teriam sido vitais para evitar o conteúdo do parecer da ECJ.

55. Pelo que será de questionar: Onde estão os superiores interesses da criança, tão defendidos pela Jurisprudência e pela Doutrina?

56. Nos presentes autos em crise o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, não observou a opinião do menor, que demonstrou e ficou provado que é bem cuidado e não quer ir para uma instituição.

57. Ou seja, com o devido respeito, não foram observados os direitos fundamentais do menor, com quase 13 anos de idade, no que concerne à sua liberdade, desenvolvimento e continuidade da sua relação afectiva com a pessoa de referência.

Conclui do seguinte modo:

Nestes termos e sempre com o douto suprimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores, deve ser dado provimento ao presente Recurso sendo, a douta Sentença revogada e substituída por outra que não aplique medida de Acolhimento Residencial ao menor, mas que seja, no limite, conforme o voto vencido do Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito.


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Foram apresentadas contra-alegações pela progenitora e pelo Ministério Público.

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            Questões a decidir:

i) Suscitou o Ministério Público, como questão prévia, dever ser o recorrente convidado a aperfeiçoar as suas alegações de recurso, por não ter dado cumprimento ao disposto no artigo 639º, nº 2, do CPC; Mais suscitou a falta de cumprimento pelo recorrente do ónus de impugnação previsto no artigo 640º do CPC.

ii) Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, a questão a decidir consiste em aferir se estão verificados os fundamentos para a decisão recorrida que aplica a medida de acolhimento residencial, pelo período de seis meses ao menor Rui ..... ..... ..... ......

           


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            FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

            A SENTENÇA RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:

1. O menor Rui ..... ..... ..... ....., nasceu a 13.07.2004 e é filho de Orlando Mário ..... ..... ..... e de Ana Rita ..... ......

2. Os pais do menor viveram juntos durante 22 anos (1991 a 2013) e separaram-se em Maio de 2013.

3. O menor ficou a viver com o pai.

4. A mãe foi viver sozinha, na companhia do filho mais velho do casal, Orlando, já maior de idade.

5. De Maio a Julho de 2013 os convívios da mãe com o menor ocorriam na presença do pai, indo almoçar juntos ou ao jardim.

6. A partir de final de Julho de 2013, quer a mãe do menor, quer o irmão deste, deixaram de conseguir conviver ou sequer contactar com a criança, uma vez que o pai não lhes permite tal, não conseguindo obter quaisquer informações sobre o Rui uma vez que o contacto com o pai se tornou inviável e inexistem outras fontes familiares ou amigos que possam mediar informação com o pai da criança. O pai do Rui efectuou a mudança de escola deste nas férias de Verão de 2013 e devido a tal facto a mãe do menor perdeu também essa possibilidade de recorrer à escola para saber informações do filho.

7. No processo principal (RERP) o pai do Rui manifestou expressamente que não autorizava que a mãe e o irmão vissem a criança sem ser na sua presença, sendo que o menor Rui, ouvido nestes autos, também já opinava nesse mesmo sentido.

8. Em sede de conferência de pais, nesses autos, foi construído, com a colaboração dos Senhores Mandatários dos pais, um acordo quanto a um regime provisório de visitas (fls. 53/54) o qual ficou inviabilizado de ser homologado dada a única oposição do Requerido.

9. Face aos factos supra (em 27.03.2014 - fls. 80 a 85) foi em tais autos fixado judicialmente um regime provisório, no âmbito do qual:

a) O menor Rui ficou a residir na companhia do seu pai, competindo o exercício das responsabilidades parentais em comum aos seus progenitores no que respeita às questões de particular importância para a vida da criança, designadamente as atinentes à sua segurança, saúde, educação e eventuais deslocações ao estrangeiro;

b) A mãe do Rui poderia passar conviver e ter a criança consigo, gradualmente, nos seguintes termos:

bb) Durante o mês de Abril, o menor passaria alternadamente, Sábado ou Domingo, todos os fins-de-semana, na companhia da sua mãe e do seu irmão Orlando Manuel, indo este último buscar a criança a casa do pai, às 14:00 horas e entregá-la no mesmo local, às 19:00 horas, com início no primeiro Sábado de Abril (05.04.2014).

bc) No mês de Maio, manter-se-ia o mesmo regime de visitas supra indicado, mas alargado desde as 10:00 horas até às 19:00 horas.

10. De forma a iniciar tais convívios, o irmão do menor, Orlando, dirigiu-se todos os fins-de-semana a casa do pai na tentativa de ir buscar o irmão, contudo o pai nunca lhe abriu a porta.

11. Na sequência de tal incumprimento por dois fins-de-semana seguidos, em 16.04.2014 foi proferida decisão judicial ordenando ao pai a entrega do Rui à sua mãe, no fim-de-semana seguinte, de acordo com a decisão fixada, passando-se os competentes mandados à PSP para o efeito, os quais não foram executados pela PSP. e ficaram sem cumprimento, porquanto ninguém abriu a porta.

12. Nessa medida, em 15.05.2014 foram judicialmente emitidos mandados de condução - a executar nesse mesmo dia no estabelecimento de cafetaria que o progenitor explora ou na escola que a criança frequenta, alterando-se o regime provisório (cláusula 2.ª) estipulando-se que o menor passaria a sexta-feira e o sábado com a mãe todos os fins-de-semana, podendo ser recolhido directamente na escola que frequenta, ao fim das actividades escolares (ou no referido estabelecimento comercial) e ficaria com a mãe até às 19:00 horas de sábado, devendo ser entregue em casa do pai (fis. 152a 155).

13. A PSP foi à escola tentar executar tal mandado, mas a reacção do Rui à presença da mãe e do irmão foi completamente inesperada, mostrando uma total resistência ao contacto com qualquer um deles, gritando, esperneando e dando pontapés (fls. 167).

14. A mãe considerou que não estavam reunidas as condições necessárias para efectuar o convívio com o filho, receando que se forçasse a ida do Rui para sua casa agravasse ainda mais o estado emocional do mesmo.

15. A avaliação técnica é no sentido de que tal sentimento de rejeição da criança perante a mãe e o irmão é um indicador-de que o desenvolvimento da mesma se encontra em perigo, mormente no plano psicológico, sendo de extrema importância para o desenvolvimento do Rui retomar a relação com a mãe e com o irmão, com quem sempre viveu até à separação dos pais.

16. Em 14.07.2014 determinou-se a intervenção dos Serviços de Mediação Familiar (fls. 98/9) sem sucesso (fls. 278).

17. Iniciada a audiência de julgamento determinou-se a intervenção da Equipa Técnica Multidisciplinar (ISS) sem sucesso, porquanto o progenitor apenas manifestou disponibilidade para que as visitas decorressem em dia de descanso - Domingo - e ambos os progenitores reconhecem que a conflitualidade entre ambos é impeditiva de qualquer tipo de contacto ou diálogo o que impossibilita a audição técnica especializada (fls. 143/149 e 421/423 da RERP).

18. No último convívio com a mãe (Outubro de 2015) o menor reagiu muito mal à sua presença dizendo-lhe vai-te embora e cheiras mal.

19. O Rui é um aluno assíduo e pontual, está bem integrado na turma e regista um comportamento e atitudes correctas em sala de aula para com professores  e pares.

20. Em 7.04.2014 foi realizado um relatório social pela ECJ da Amadora que nos diz, além do mais, que o jovem Rui ..... é um aluno assíduo e pontual, é frequente não fazer os trabalhos de casa, o Encarregado de Educação (pai) comparece a quase todas as reuniões, tem cumprido o plano de consultas de saúde infantil e tem o plano nacional de vacinas actualizado, verifica-se a necessidade de o jovem beneficiar de acompanhamento psicológico, porquanto está em grande sofrimento, mostrando-se muito agressivo na escola, sugerindo-se a aplicação de uma medida de promoção e protecção de apoio junto do pai (fls, 41/48).

21. Em 6.06.2014 foi realizado um relatório social pela EC] de Sintra que nos diz, além do mais, que o jovem Rui ..... foi transferido de escola pelo pai sem dar conhecimento à mãe, quando se separou (10.05.2013) foi viver com o seu filho Orlando ficando o Rui ..... a residir com o pai, este foi irredutível quanto à possibilidade de a mãe ficar com o Rui ....., entre Maio e Junho via o Rui na presença do pai, indo almoçar juntos ou ao jardim. A rejeição do Rui ..... aos contactos com a mãe e irmão Orlando, representa um indicador que o seu desenvolvimento psicológico está a ser gravemente perigado, sendo fundamental dar continuidade ao relacionamento do Rui com a mãe e com o irmão, sendo necessário que seja garantido um espaço neutro e isento, sugerindo-se a aplicação de uma medida de promoção e protecção de acolhimento institucional/residencial (fls. 63/76).

22. A progenitora trabalha por turnos, na Clínica de Santo António, auferindo o salário no valor mensal de € 850,00 e vive actualmente com o seu companheiro, Pedro Carvalho (entretanto, o filho Orlando autonomizou-se).

23. O progenitor vive sozinho com o filho.

24. Em 23.03.2016 foi realizado um relatório social pela ECJ de Sintra que reitera a aplicação da medida de acolhimento residencial a favor jovem Rui ....., dizendo, além do mais, que a mãe, entre Setembro e Outubro de 2015 esteve com o Rui, na presença do pai, no Parque Central da Amadora, o pai teve uma atitude pouco colaborante, chegava quase sempre atrasado, recorria a estratégias pata que o filho evitasse a mãe, mandava o Rui brincar para fora do alcance da mãe, o pai só promovia o convívio do Rui com o irmão Orlando. O pai alega que o Rui não quer estar com a mãe, invocando maus tratos físicos durante relação. No que respeita às rotinas, o Rui ..... acorda pelas 7:30 horas, entra na escola às 8:15 horas, ajuda o filho a vestir-se e no banho, faz torradas e leite com chocolate para o pequeno-almoço, almoça na escola, tem aulas de apoio e termina as aulas pelas 18:30 horas. Regressam juntos a casa, jantam pelas 20:00 horas e às 21:00 horas o Rui vai dormir. Ao Domingo vai com o filho ao Estado Nacional jogar futebol. O Rui ..... teve acompanhamento psicológico na escola (fls. 143/149).

25. Em 24.03.2016 foi elaborada uma informação escolar, pela Directora de Turma do Rui ..... (6.º ano de escolaridade) que nos reporta: o aluno é assíduo e pontual, está bem integrado na turma e regista um comportamento e atitudes correctas em sala de aula pata com professores e pares, revela dificuldades ao nível da expressão escrita, na atenção e concentração e um ritmo de trabalho lento na execução das tarefas e nos registos de aula que prejudicam o seu aproveitamento, não realiza os trabalhos de casa, usufrui de apoio educativo à disciplina de Inglês e participa no núcleo do Desporto Escolar de Xadrez; O encarregado de educação (pai) compareceu na escola apenas uma vez, revelou interesse e preocupação, não compareceu a nenhuma reunião de encarregados de educação, alegando incompatibilidade de horário com o local de trabalho (fls. 150).

26. Solicitada a intervenção do MDV (Movimento de Defesa da Vida) a fim de regularizar as visitas da mãe ao seu filho Rui ....., em 14.11.2016 informou que na primeira intervenção, dia 12.11.2016, estava o jovem com a técnica, quando a mãe chegou, o jovem verbaliza "se ela entra eu saio", tentou correr a fim de sair da sala, e a técnica bloqueou a saída pedindo à mãe que aguardasse fora da sala. O Rui ficou muito ansioso e ligou ao pai a dizer que estava preso. Face ao crescente descontrolo do jovem a nível emocional deu-se por cancelada a visita sem que esta verdadeiramente ocorresse. Entretanto o pai chegou acompanhado da PSP tendo os agentes informado que o pai tinha ido à esquadra participando que o filho estava preso nesta instituição. Conclui o MDV que existe uma relação muito próxima entre o pai e o Rui, uma grande necessidade do jovem ir ao encontro das expectativas do pai, é difícil para o Rui ter outra atitude face ao comportamento do pai, é importante trabalhar com o pai para promover os contactos entre o filho e a mãe e acompanhamento psicológico para o Rui ..... (fls. 276/278).

27. Em 17.02.2014, nas instalações deste Tribunal, enquanto se aguardava a  realização da conferência de pais, o progenitor escondeu o Rui para que este não  visse nem fosse visto pela mãe e pelo irmão.

28. Na ausência de acordo entre os progenitores, o progenitor afirmou  preferir ser preso a consentir nas visitas da mãe ao filho, sem ser na sua presença.

29. Estabeleceu-se em Setembro de 2015 novo regime provisório fixando-se visitas da mãe ao menor na companhia do filho mais velho, nos primeiros quinze dias, na tarde de domingo em jardim público e, passado tal período, em local diverso. O pai teve uma atitude pouco colaborante, chegava quase sempre atrasado, recorria a estratégias para que o filho evitasse a mãe, mandava o Rui brincar para fora do alcance da mãe, o pai só promovia o convívio do Rui com o irmão Orlando (fls.389).

30. A mãe e o irmão Orlando manifestam um forte desejo em retomar os  convivios com o Rui ....., sem a presença do pai.

31. O progenitor não consegue ultrapassar o conflito conjugal, representando o filho como uma extensão da sua pessoa, e o Jovem Rui ..... culpabiliza a mãe pela separação dos pais.

32. Foi realizada pelo INML perícia psicológica à progenitora resultando,  além do mais, que revela um funcionamento intelectual global de nível médio-superior, com um discurso coerente e organizado embora pouco reativo, sobressai uma estrutura de personalidade de tipo Borderline (estado limite) com uma organização e personalidade pautada pela presença de traços ansiogénicos e impulsivos, verifica-se a presença de algumas perturbações ao nível da sua capacidade de elaboração e de contenção das suas expressões emocionais, revelando uma dinâmica pautada pelas carências afectivas e necessidades de apoio e suporte interpessoal. Em relação às competências parentais, a progenitora possui recursos internos suficientes para identificar e responder às necessidades básicas e psicoafectivas do filho, apresentando uma perspectiva da parentalidade flexível mas algo inconsistente ( ... ) experiencia dificuldades ao nível da sua capacidade para definir regras e limites, revelando-se algo imatura e manifestando algum distanciamento emocional em relação ao seu filho Rui, considerando que o mesmo coloca demasiadas exigências sobre si mesma o que dificulta o seu papel parental ( ... ) a progenitora revela dificuldades para estabelecer relações de vinculação seguras e estáveis, sentindo-se algo incómoda em relações e intimidade o que faz com que apresente atitudes de evitamento interpessoal, mais ou menos conscientes, mas que podem ter como consequência um afastamento por parte do seu filho (fls. 219/252 do PRERP).

33. Foi realizada pelo INML perícia psicológica ao progenitor resultando, além do mais, que revela um funcionamento intelectual global de nível médio-superior (...) sobressai uma organização de personalidade com alguns traços narcísicos e impulsivos no âmbito de uma estrutura de personalidade tipo Borderline, que não entra numa dinâmica que seja psicopatológica ( ... ) adequada capacidade cognitiva e gestão dos conteúdos mais impulsivos da sua personalidade, o que contribui para uma positiva adaptação psicossocial, apesar de se poder revelar intolerante face a situações que possam afectar as suas idealizações ( ... ) em relação às competências parentais possui recursos internos suficientes e adequados para que consiga captar, atender e responder às necessidades físicas e psicoafectivas de uma criança ( ... ) embora se possa assistir a algum distanciamento afectivo aquando do exercício da parentalidade, o progenitor revela uma capacidade adequada para se mostrar responsivo em situações relevantes e de maior dificuldade para a criança, o que é importante para o desenvolvimento psicológico saudável do menor. No que respeita às práticas educativas revela possuir um conhecimento adequado sobre as práticas educativas consideradas adequadas na educação de uma criança, valorizando as estratégias de negociação e comunicação, em detrimento da agressividade e da punição física (fls. 297/330 do PRERP).

34. Foi realizada pelo INML perícia psicológica ao jovem Rui ..... resultando, além do mais, que evidencia uma idade aparente correspondente à real, uma apresentação cuidada, discurso claro e organizado, embora vago, integrado do ponto de vista escolar, possível influência de factores emocionais nos resultados académicos, antes da separação dos pais tinha uma relação de maior proximidade com os pais, descreve o pai de uma forma totalmente boa, quase idealizada, ao contrário da mãe, a quem é imputada a total responsabilidade pela separação dos pais ( ... ) manifesta uma total resistência em estar com a mãe ( ... ) embora afirme que a mãe lhe batia, não consegue descrever qualquer situação em que tal tenha ocorrido, pelo que se considera muito pouco provável que o menor tenha, de facto, memórias sobre estes alegados comportamentos punitivos (fls. 336/344 do PRERP).

35. Na segunda sessão deste debate judicial (em 23.02.2017) em sede de audição do progenitor (estando presentes no Tribunal a mãe e o Rui .....) acordou-se que o filho estaria com a mãe, em sala do Tribunal reservada para o efeito, o que sucedeu estando juntos por alguns minutos a conversar.

36. O pai opõe-se ao acolhimento em instituição do filho.

37. O jovem Rui ..... não quer ser acolhido em instituição.

38. Embora lhe tenha sido explicado que não era assim, o Rui ..... culpa a mãe peIa possibilidade de ser acolhido em instituição.

39. Questionada a mãe se considerava benéfico para o filho o acolhimento em instituição do Rui ..... (pela dimensão humana da pergunta, previamente, informou-se a mãe que não era obrigada a responder, responderia apenas se quisesse) não respondeu e chorou.

40. Ouvido o Rui ....., referiu que está bem na escola, tem amigos, quer viver com o pai, gosta do irmão Orlando, culpa a mãe pela separação conjugal, concorda em estabelecer um regime gradual de visitas com a mãe, com o pai por perto porque se sente mais seguro, numa primeira fase, uma vez por mês e quando tiver 15/16 anos (nas suas próprias palavras, quando for mais inteligente) ter uma relação normal com a mãe.


*


            FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

i) A arguida falta de cumprimento pelo recorrente do estatuído nos artigos 639º, nº 2, e 640º do CPC.

            Alega o Ministério Público ter o recorrente interposto recurso de apelação sem que, ainda que de forma sumária, indique os fundamentos pelo qual pede a alteração da decisão a quo de acolhimento do menor Rui ..... e a sua substituição por outra que não determine tal acolhimento. Desrespeitou, assim, o estipulado no art.639° nº2 do Código de Processo Civil.

            Apreciemos.

            Dispõe tal preceito que:

«Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:

a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ser interpretadas e aplicadas;

c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ser aplicada.»

            Assim, na interposição do recurso, deve o Recorrente, nas suas alegações, concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, ónus de alegar e formular conclusões previsto naquele referido preceito legal.

O recorrente fundou o seu recurso na inadequada escolha da medida aplicada ao menor, subscrevendo o explanado no voto de vencido da sentença, o qual identifica à saciedade as normas jurídicas violadas e os princípios subjacentes às medidas a aplicar que foram desconsiderados.

Acresce que, ainda que por esta via não se considerasse cumprido tal ónus, sempre teria que atender-se a que o recorrente cumpriu tal desiderato na medida em que concretizou a discordância com a decisão recorrida nas consequências nefastas da aplicação de tal medida, propugnado outras passíveis de dar resposta cabal ao afastamento da menor à mãe, v.g., o acompanhamento psicológico.

            Ora, a exigência de conclusões nos termos enunciados visa identificar as questões controversas, por forma a que, definido o objecto do recurso, possa o recorrido conhecer os termos da impugnação que sobre si impende (ao invés de uma impugnação vaga, obstaculizando o contraditório), o que no caso se mostra cumprido, não tendo subsistido dúvidas aos recorridos no exercício de tal contraditório, nem advindo a este Tribunal qualquer dificuldade na identificação do objecto do recurso, que se encontra definido nas alegações.

            Não cabe, assim, qualquer convite ao aperfeiçoamento das conclusões de recurso.


*

            O recorrente nas suas alegações de recurso e nas conclusões que formula faz referência a depoimentos prestados em audiência sem que, todavia, deduza qualquer pretensão de impugnar a matéria de facto, com a qual se conformou.

            Nesta medida, não ficou por cumprir, como pretende o recorrido o ónus a que alude o artigo 640º do CPC.


***

ii) Importa aferir se estão verificados os fundamentos para a decisão recorrida determinativa da medida de acolhimento residencial, pelo período de seis meses, ao menor Rui ..... ..... ..... ......

            Dispõe o artigo 3.º Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo:

«1 - A intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.

2 - Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:

a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;

b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;

c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;

d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;

e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;

f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;

g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.»

A medida decretada na sentença impugnada encontra previsão no artigo 35.º f) da mencionada lei, que a define nos seguintes termos:


«Artigo 49.º

Definição e finalidade


1 - A medida de acolhimento residencial consiste na colocação da criança ou jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações, equipamento de acolhimento e recursos humanos permanentes, devidamente dimensionados e habilitados, que lhes garantam os cuidados adequados.

2 - O acolhimento residencial tem como finalidade contribuir para a criação de condições que garantam a adequada satisfação de necessidades físicas, psíquicas, emocionais e sociais das crianças e jovens e o efetivo exercício dos seus direitos, favorecendo a sua integração em contexto sociofamiliar seguro e promovendo a sua educação, bem-estar e desenvolvimento integral.»

Refira-se, ainda, que a aplicação das medidas de promoção e protecção deve obedecer aos princípios orientadores enunciados no Artigo 4º do mesmo diploma.

Dispõe este:

«A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios:

a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;

b) Privacidade - a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;

c) Intervenção precoce - a intervenção deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;

d) Intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo;

e) Proporcionalidade e atualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;

f) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem;

g) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;

h) Prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável;

i) Obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;

j) Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção;

k) Subsidiariedade - a intervenção deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais.»

Vejamos, então, como densificar o conceito de interesse superior da criança.

 «1. O superior interesse da criança e do jovem deve ser entendido como o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

2. O interesse da criança ou jovem, deve ser realizado na medida do possível no seio do seu grupo familiar. Porém, em caso de colisão, sempre sobrelevará o interesse em se alcançar a plena maturidade física e intelectual da criança/jovem, ainda que, o interesse de manter a criança/jovem no agregado familiar seja postergado.

3. Do reconhecimento de que é direito fundamental da criança «poder desenvolver-se numa família (art. 67 CRP) deriva que se a criança ou o jovem tem uma família que quer assumir as funções parentais, de forma satisfatória, ainda que com o apoio da comunidade, haverá que a respeitar e aplicar a medida de apoio junto dos pais ou de outro familiar.

4. A aplicação das medidas que provoquem o afastamento da criança ou do jovem da família e consequente institucionalização ou colocação familiar é, assim, o último recurso, apenas sendo possível quando é previsível o seu regresso à família, sendo subsidiárias daquelas que promovam a sua adopção.»[1]

Quanto à caracterização dos principais princípios:

«a) O «superior interesse da criança e do jovem», «deve ser entendido como o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade» (Almiro ..... – Interesse do Menor, Rev Infância e juventude 1-1985). Já vimos em que termos se lhe refere a Lei (art. 4º a) LPCJP). Como refere Maria Clara Sottomayor (Regulação do Exercício do Poder Paternal – 4ª edc. Pag. 37), trata-se de «um conceito indeterminado e que deve ser concretizado pelo juiz de acordo com as orientações legais...».

O mesmo princípio se mostra consagrado na Convenção sobre os Direitos da Criança (Resolução da Ass. Da República nº 20/90, DR. Nº 211/90). Com efeito, dispõe-se no art. 3º nº 1 da mesma que «todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança».

Como se refere em (Protecção de Crianças em Perigo (Beatriz Marques Borges, pag. 45) «Rigorosamente, os outros princípios constantes do art. 4º da LPCJP são desenvolvimento e concretização desse interesse superior da criança, colocado num plano superior e de hierarquia em relação a quaisquer interesses da própria criança ou jovem, ou quaisquer outras pessoas, sendo portadoras de interesses legalmente protegidos, conflituam com o interesse superior da criança».

b) Já se viu o âmbito do princípio da «Privacidade», tal como resulta da alínea b) do art. 4º da LPCJP. Conforme se refere em Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada por Tomé de Almeida (pag. 33) «como afloramento deste princípio, o processo é reservado (art. 88º), nele devem intervir o menor número de pessoas possível, no debate judicial apenas podem assistir as pessoas que o tribunal expressamente autorizar (art. 116/3), os órgãos de comunicação não podem identificar, transmitir elementos, sons ou imagens que permitam a sua identificação... (art. 90º), a consulta do processo para fins científicos depende de autorização e não podem ser divulgadas peças do processo que possibilite a identificação da criança ou jovem, seus familiares e restantes pessoas nelas envolvidos (art. 89º).

O mesmo princípio se mostra consagrado na Convenção sobre os Direitos da Criança, art. 16º.(…)

c) Violação do princípio da «proporcionalidade e actualidade». Já se viu em que termos se lhe refere a lei (alínea e) art. 4ºLPCJP). Também a Convenção Sobre os Direitos da Criança o contempla - (art. 9º).

«Este princípio subdivide-se e, três princípios seus corolários, que têm de se preencher cumulativamente (Estudo Luso-Hispânico – pag. 69): ... o princípio da adequação ou da conformidade; o princípio da exigibilidade ou da necessidade...; o princípio da proporcionalidade em sentido estrito». O primeiro, pressupõe a investigação e prova de que o acto de poder público (intervenção estadual) é apto para e conforme os fins justificativos da sua adopção. O segundo, exige a prova de que para a obtenção de determinados fins (a promoção de direitos e protecção da criança), não era possível adoptar outro meio a não ser a intervenção menos onerosa para o cidadão. O terceiro é o princípio da «justa medida». Meios e fins são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o objectivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado ... (Estudo Luso-Hispânico, pag. 69).

Este princípio tem subjacente o consagrado no art. 36 CRP e 1878 e 1885 CC, de que decorre, que: «os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos»; «os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial»; «é aos pais que incumbe velar pela segurança e saúde dos filhos, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, promover de acordo com as sua possibilidades, o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos».

Como refere Tomé d`Almeida (obra citada pag. 33), «na verdade, a intervenção estadual representa, normalmente, uma restrição dos direitos fundamentais da criança ou do jovem (nomeadamente o seu direito à liberdade e autodeterminação pessoal) e, direitos fundamentais dos seus progenitores (v.g. o direito à educação e manutenção dos filhos). Por isso, e atendendo ao disposto no art. 18º 2 da Constituição, não pode essa intervenção deixar de obedecer aos princípios da necessidade e proporcionalidade».

Delimitado que está o âmbito deste princípio, a final, e em função dos elementos constantes do processo, se apreciará se a decisão recorrida o violou.

d) Responsabilidade parental. De acordo com este princípio, a intervenção deve privilegiar o papel dos pais levando-os a assumir os seus deveres para com a criança ou jovem. Este princípio mostra-se igualmente consagrado na Convenção Sobre os Direitos das Crianças – art. 18º, onde se dispõe: «Os Estados Partes, diligenciam de forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais ... O interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental. (nº 2) Para garantir e promover os direitos enunciados na presente Convenção, os Estados Partes asseguram uma assistência adequada aos pais e representantes legais da criança no exercício da responsabilidade que lhes cabe de educar a criança e garantem o estabelecimento de instituições, instalações e serviços de assistência à infância».

Como se refere em «Direito de Menores – Estudo Luso.Hispânico sobre Menores em Perigo e Delinquência Juvenil) Manuel ..... Guedes Valente, pag. 72, «O legislador, vivendo numa sociedade baseada em valores de solidariedade e sociais, sabendo que a criança ou jovem em perigo pode ser uma consequência do ausente exercício do poder paternal, não quis que a responsabilidade de promoção de direitos e da protecção fosse apartada dos pais, que além de terem o direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos ... têm o dever de zelar pela segurança e saúde dos filhos (nº 1 do art. 1878 CC). o poder e dever de educá-los (nº 5 do art. 36 CRP, nº 1 do art. 1878 CC), o dever4 de sustentá-los (nº 1 do art. 1878 CC). (...) Mas a responsabilização parental, na nossa opinião, vai mais longe do que a chamada ao processo de promoção e de protecção dos pais, pois o termo parental engloba as relações familiares mais próximas da criança ou do jovem».

e) Princípio da prevalência da família.

A «prevalência da família», princípio referido na alínea g) (art. 4º), significa que «na promoção de direitos e protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adopção». Este mesmo princípio tem consagração constitucional (art. 67, 36 nº 6 CRP). Também a Convenção sobre os Direitos da Criança (art. 9º) (assinada em Nova Yorque a 26.01.1990 e aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90 de 12 de Setembro), consagrou que «nenhuma criança pode ser separada de seus pais contra a vontade destes, excepto se as entidades competentes considerarem que a separação se impõe pela necessidade de salvaguardar o interesse superior da criança».

Como se refere na obra que vimos citando, pag. 73) (Estudo Luso-Hispânico) «A convenção não deixou que cada Estado Parte definisse por si só o que preenchia o pressuposto da “necessidade”. Verifica-se que existe necessidade de separação sempre que os pais maltratem ou negligenciem a criança e que existe separação dos pais, ficando a criança a residir com um dos progenitores».

Já se viu que o interesse da criança ou jovem, deve ser realizado na medida do possível no seio do seu grupo familiar. Porém, «em caso de colisão, sempre sobrelevará o interesse em se alcançar a plena maturidade física e intelectual da criança/jovem, ainda que, o interesse de manter a criança/jovem no agregado familiar seja postergado» (Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Obra citada, pag.47).

Do reconhecimento de que é direito fundamental da criança «poder desenvolver-se numa família (art. 67 CRP) deriva que «se a criança ou o jovem tem uma família que quer assumir as funções parentais, de forma satisfatória, ainda que com o apoio da comunidade, haverá que a respeitar e aplicar a medida de apoio junto dos pais ou de outro familiar (art. 35/1) (...) «A aplicação das medidas que provoquem o afastamento da criança ou do jovem da família e consequente institucionalização ou colocação familiar é, assim, o último recurso, apenas sendo possível quando é previsível o seu regresso à família, sendo subsidiárias daquelas que promovam a sua adopção» (Tomé d`Almeida, obra citada pag. 35).

O princípio de «Intervenção mínima», vem referido na alínea d) art. 4º LPCJP, como exigência de a intervenção «ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja acção seja indispensável à efectiva promoção dos direitos e à protecção da criança e do jovem em perigo». Como se refere em (Direito de Menores – Estudo Luso-Hispânico ... pag.66/67) «Este princípio surge como contraponto da intervenção precoce e como corolário do princípio da privacidade e do princípio do interesse superior da criança, consagra-se dois limites à intervenção exterior: o da exclusividade das entidades e instituições com competência para a promoção efectiva dos direitos e para protecção da criança ou jovem em perigo; e a acção ou intervenção tem de ter como fundamento não só a sua indispensabilidade, mas também a efectiva promoção dos direitos e protecção da criança ou jovem em perigo ... O segundo limite ... exclui automaticamente quaisquer intervenções que não se enquadrem neste figurino (...) O legislador procurou preservar a criança ou jovem de modo que seja encarada como uma pessoa que necessita de protecção e que lhe sejam reconhecidos o promovidos os seus direitos e não como um caso de estudo e de análise puramente clínica «cobaia» evitando assim a sua estigmatização e etiquetagem social».

Atento o preceituado no art. 34 LPCJP (Lei 147/99), «As medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e dos jovens em perigo, ... visam: a) Afastar o perigo em que estes se encontram; b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso».

As medidas mostram-se taxativamente elencadas no art. 35 do mesmo diploma, por ordem de preferência e prevalência. Assim, como se refere em Tomé d´Almeida (obra citada pag. 61) «há que preferir as medidas a executar no meio natural de vida (apoio junto dos pais, apoio junto de outro familiar, confiança a pessoa idónea, apoio para autonomia de vida e confiança a pessoa seleccionada par adopção- pela ordem) sobre as medidas executadas em regime de colocação (acolhimento familiar, acolhimento em instituição e confiança a instituição com vista a futura adopção)».

A medida de «apoio junto dos pais» consiste em proporcionar à criança ou jovem apoio de natureza psicopedagógica e social, e, quando necessário, ajuda económica – art. 39 Lei 147/99.

O entendimento de que a criança ou jovem em perigo, são pessoas, com direitos, levou o legislador a consagrar como princípio a obrigatoriedade de serem ouvidos, quanto às medidas tomadas, sua duração e cessação, devendo na medida do possível ter-se em conta a sua opinião (art. 4º i), 84 Lei 147/99. este princípio mostra-se também consagrado na Convenção (art. 12º) que dispõe que «Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhes respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança de acordo com a sua idade e maturidade».[2]

      Analisemos o caso concreto, partindo da decisão recorrida que fundamentou a aplicação da medida nos seguintes termos, que aqui se reproduzem:

«Traçado de forma sumária o quadro conceitual que preside ao caso que ora nos é submetido a apreciação, e perante os factos provados, ou seja, o comportamento do pai que impede as visitas da mãe ao filho, a rejeição do Rui ..... aos contactos com a mãe e irmão Orlando, que representa um indicador que o seu desenvolvimento psicológico está a ser gravemente perigado, sendo fundamental dar continuidade ao relacionamento do Rui com a mãe e com o irmão, parece-nos necessário que seja garantido num espaço neutro e isento. Assim, atendendo às finalidades das medidas de protecção das crianças e jovens, entendemos ser de aplicar a medida de acolhimento residencial- artigos 35.°, n.º 1, alinea e) da LPCJP.»

      Estão verificados os pressupostos para a medida decretada?

      Os factos relevantes são:

- Depois de separação dos pais, ocorrida em Maio de 2013, o menor ficou a viver com o pai.

- De Maio a Julho de 2013 os convívios da mãe com o menor ocorriam na presença do pai, indo almoçar juntos ou ao jardim.

- A partir de final de Julho de 2013, quer a mãe do menor, quer o irmão deste, deixaram de conseguir conviver ou sequer contactar com a criança, uma vez que o pai não lhes permite tal, não conseguindo obter quaisquer informações sobre o Rui uma vez que o contacto com o pai se tornou inviável e inexistem outras fontes familiares ou amigos que possam mediar informação com o pai da criança. O pai do Rui efectuou a mudança de escola deste nas férias de Verão de 2013 e devido a tal facto a mãe do menor perdeu também essa possibilidade de recorrer à escola para saber informações do filho.

- No processo principal (RERP) o pai do Rui manifestou expressamente que não autorizava que a mãe e o irmão vissem a criança sem ser na sua presença, sendo que o menor Rui, ouvido nestes autos, também já opinava nesse mesmo sentido.

- Em sede de conferência de pais, nesses autos, foi construído, com a colaboração dos Senhores Mandatários dos pais, um acordo quanto a um regime provisório de visitas (fls. 53/54) o qual ficou inviabilizado de ser homologado dada a única oposição do Requerido.

- Face aos factos supra foi em tais autos fixado judicialmente um regime provisório.

- De forma a iniciar tais convívios, o irmão do menor, Orlando, dirigiu-se todos os fins-de-semana a casa do pai na tentativa de ir buscar o irmão, contudo o pai nunca lhe abriu a porta.

- Na sequência de tal incumprimento por dois fins-de-semana seguidos, em 16.04.2014 foi proferida decisão judicial ordenando ao pai a entrega do Rui à sua mãe, no fim-de-semana seguinte, de acordo com a decisão fixada, passando-se os competentes mandados à PSP para o efeito, os quais não foram executados pela PSP. e ficaram sem cumprimento, porquanto ninguém abriu a porta.

- Nessa medida, em 15.05.2014 foram judicialmente emitidos mandados de condução - a executar nesse mesmo dia no estabelecimento de cafetaria que o progenitor explora ou na escola que a criança frequenta, alterando-se o regime provisório (cláusula 2.ª) estipulando-se que o menor passaria a sexta-feira e o sábado com a mãe todos os fins-de-semana, podendo ser recolhido directamente na escola que frequenta, ao fim das actividades escolares (ou no referido estabelecimento comercial) e ficaria com a mãe até às 19:00 horas de sábado, devendo ser entregue em casa do pai (fis. 152a 155).

- A PSP foi à escola tentar executar tal mandado, mas a reacção do Rui à presença da mãe e do irmão foi completamente inesperada, mostrando uma total resistência ao contacto com qualquer um deles, gritando, esperneando e dando pontapés (fls. 167).

- A mãe considerou que não estavam reunidas as condições necessárias para efectuar o convívio com o filho, receando que se forçasse a ida do Rui para sua casa agravasse ainda mais o estado emocional do mesmo.

- A avaliação técnica é no sentido de que tal sentimento de rejeição da criança perante a mãe e o irmão é um indicador-de que o desenvolvimento da mesma se encontra em perigo, mormente no plano psicológico, sendo de extrema importância para o desenvolvimento do Rui retomar a relação com a mãe e com o irmão, com quem sempre viveu até à separação dos pais.

- Iniciada a audiência de julgamento determinou-se a intervenção da Equipa Técnica Multidisciplinar (ISS) sem sucesso, porquanto o progenitor apenas manifestou disponibilidade para que as visitas decorressem em dia de descanso - Domingo - e ambos os progenitores reconhecem que a conflitualidade entre ambos é impeditiva de qualquer tipo de contacto ou diálogo o que impossibilita a audição técnica especializada (fls. 143/149 e 421/423 da RERP).

- No último convívio com a mãe (Outubro de 2015) O menor reagiu muito mal à sua presença dizendo-lhe vai-te embora e cheiras mal.

- O Rui é um aluno assíduo e pontual, está bem integrado na turma e regista um comportamento e atitudes correctas em sala de aula para com professores e pares.

- Em 7.04.2014 foi realizado um relatório social pela ECJ da Amadora que nos diz, além do mais, que o jovem Rui ..... é um aluno assíduo e pontual, é frequente não fazer os trabalhos de casa, o Encarregado de Educação (pai) comparece a quase todas as reuniões, tem cumprido o plano de consultas de saúde infantil e tem o plano nacional de vacinas actualizado, verifica-se a necessidade de o jovem beneficiar de acompanhamento psicológico, porquanto está em grande sofrimento, mostrando-se muito agressivo na escola, sugerindo-se a aplicação de uma medida de promoção e protecção de apoio junto do pai (fls, 41/48).

- Em 6.06.2014 foi realizado um relatório social pela EC] de Sintra que nos diz, além do mais, que o jovem Rui ..... foi transferido de escola pelo pai sem dar conhecimento à mãe, quando se separou (10.05.2013) foi viver com o seu filho Orlando ficando o Rui ..... a residir com o pai, este foi irredutível quanto à possibilidade de a mãe ficar com o Rui ....., entre Maio e Junho via o Rui na presença do pai, indo almoçar juntos ou ao jardim. A rejeição do Rui ..... aos contactos com a mãe e irmão Orlando, representa um indicador que o seu desenvolvimento psicológico está a ser gravemente perigado, sendo fundamental dar continuidade ao relacionamento do Rui com a mãe e com o irmão, sendo necessário que seja garantido um espaço neutro e isento, sugerindo-se a aplicação de uma medida de promoção e protecção de acolhimento institucional/residencial (fls. 63/76).

- A progenitora trabalha por turnos, na Clínica de Santo António, auferindo o salário no valor mensal de € 850,00 e vive actualmente com o seu  companheiro, Pedro Carvalho (entretanto, o filho Orlando autonomizou-se).

- O progenitor vive sozinho com o filho.

- Em 23.03.2016 foi realizado um relatório social pela ECJ de Sintra que reitera a aplicação da medida de acolhimento residencial a favor jovem Rui ....., dizendo, além do mais, que a mãe, entre Setembro e Outubro de 2015 esteve com o Rui, na presença do pai, no Parque Central da Amadora, o pai teve uma atitude pouco colaborante, chegava quase sempre atrasado, recorria a estratégias pata que o filho evitasse a mãe, mandava o Rui brincar para fora do alcance da mãe, o pai só promovia o convívio do Rui com o irmão Orlando. O pai alega que o Rui não quer estar com a mãe, invocando maus tratos físicos durante relação. No que respeita às rotinas, o Rui ..... acorda pelas 7:30 horas, entra mi escola às 8:15 horas, ajuda o filho a vestir-se e no banho, faz torradas e leite com chocolate para o pequeno-almoço, almoça na escola, tem aulas de apoio e termina as aulas pelas 18:30 horas. Regressam juntos a casa, jantam pelas 20:00 horas e às 21:00 horas o Rui vai dormir. Ao Domingo vai com o filho ao Estado Nacional jogar futebol. O Rui ..... teve acompanhamento psicológico na escola (fls. 143/149).

- Em 24.03.2016 foi elaborada uma informação escolar, pela Directora de Turma do Rui ..... (6.º ano de escolaridade) que nos reporta: o aluno é assiduo e pontual, está bem integrado na turma e regista um comportamento e atitudes correctas em sala de aula pata com professores e pares, revela dificuldades ao nível da expressão escrita, na atenção e concentração e um ritmo de trabalho lento na execução das tarefas e nos registos de aula que prejudicam o seu aproveitamento, não realiza os trabalhos de casa, usufrui de apoio educativo à disciplina de Inglês e participa no núcleo do Desporto Escolar de Xadrez, O encarregado de educação (pai) compareceu na escola apenas uma vez, revelou interesse e preocupação, não compareceu a nenhuma reunião de encarregados de educação, alegando incompatibilidade de horário com o local de trabalho (fls. 150).

- Solicitada a intervenção do MDV (Movimento de Defesa da Vida) a fim de regularizar as visitas da mãe ao seu filho Rui ....., em 14.11.2016 informou que na primeira intervenção, dia 12.11.2016, estava o jovem com a técnica, quando a mãe chegou, o jovem verbaliza "se ela entra eu saio", tentou correr a fim de sair da sala, e a técnica bloqueou a saída pedindo à mãe que aguardasse fora da sala. O Rui ficou muito ansioso e ligou ao pai a dizer que estava preso. Face ao crescente descontrolo do jovem a nível emocional deu-se por cancelada a visita sem que esta verdadeiramente ocorresse. Entretanto o pai chegou acompanhado da PSP tendo os agentes informado que o pai tinha ido à esquadra participando que o filho estava preso nesta instituição. Conclui o MDV que existe uma relação muito próxima entre o pai e o Rui, uma grande necessidade do jovem ir ao encontro das expectativas do pai, é difícil para o Rui ter outra atitude face ao comportamento do pai, é importante trabalhar com o pai para promover os contactos entre o filho e a mãe e acompanhamento psicológico para o Rui ..... (fls. 276/278).

- Na ausência de acordo entre os progenitores, o progenitor afirmou preferir ser preso a consentir nas visitas da mãe ao filho, sem ser na sua presença.

- Estabeleceu-se em Setembro de 2015 novo regime provisório fixando-se visitas da mãe ao menor na companhia do filho mais velho, nos primeiros quinze dias, na tarde de domingo em jardim público e, passado tal período, em local diverso. O pai teve uma atitude pouco colaborante, chegava quase sempre atrasado, recorria a estratégias para que o filho evitasse a mãe, mandava o Rui brincar para fora do alcance da mãe, o pai só promovia o convívio do Rui com o irmão Orlando (fls.389).

- A mãe e o irmão Orlando manifestam um forte desejo em retomar os convívios com o Rui ....., sem a presença do pai.

- O progenitor não consegue ultrapassar o conflito conjugal, representando o filho como uma extensão da sua pessoa, e o Jovem Rui ..... culpabiliza a mãe pela separação dos pais.

- Foi realizada pelo INML perícia psicológica à progenitora resultando, além do mais, que revela um funcionamento intelectual global de nível médio-superior, com um discurso coerente e organizado embora pouco reativo, sobressai uma estrutura de personalidade de tipo Borderline (estado limite) com uma organização e personalidade pautada pela presença de traços ansiogénicos e impulsivos, verifica-se a presença de algumas perturbações ao nível da sua capacidade de elaboração e de contenção das suas expressões emocionais, revelando uma dinâmica pautada pelas carências afectivas e necessidades de apoio e suporte interpessoal. Em relação às competências parentais, a progenitora possui recursos internos suficientes para identificar e responder às necessidades básicas e psicoafectivas do filho, apresentando uma perspectiva da parentalidade flexível mas algo inconsistente ( ... ) experiencia dificuldades ao nível da sua capacidade para definir regras e limites, revelando-se algo imatura e manifestando algum distanciamento emocional em relação ao seu filho Rui, considerando que o mesmo coloca demasiadas exigências sobre si mesma o que dificulta o seu papel parental ( ... ) a progenitora revela dificuldades para estabelecer relações de vinculação seguras e estáveis, sentindo-se algo incómoda em relações e intimidade o que faz com que apresente atitudes de evitamento interpessoal, mais ou menos conscientes, mas que podem ter como consequência um afastamento por parte do seu filho (fls. 219/252 do PRERP).

- Foi realizada pelo INML perícia psicológica ao progenitor resultando, além do mais, que revela um funcionamento intelectual global de nível médio-superior ( ... ) sobressai uma organização de personalidade com alguns traços narcísicos e impulsivos no âmbito de uma estrutura de personalidade tipo Borderline, que não entra numa dinâmica que seja psicopatológica ( ... ) adequada capacidade cognitiva e gestão dos conteúdos mais impulsivos da sua personalidade, o que contribui para uma positiva adaptação psicossocial, apesar de se poder revelar intolerante face a situações que possam afectar as suas idealizações ( ... ) em relação às competências parentais possui recursos internos suficientes e adequados para que consiga captar, atender e responder às necessidades físicas e psicoafectivas de uma criança ( ... ) embora se possa assistir a algum distanciamento afectivo aquando do exercício da parentalidade, o progenitor revela uma capacidade adequada para se mostrar responsivo em situações relevantes e de maior dificuldade para a criança, o que é importante para o desenvolvimento psicológico saudável do menor. No que respeita às práticas educativas revela possuir um conhecimento adequado sobre as práticas educativas consideradas adequadas na educação de uma criança, valorizando as estratégias de negociação e comunicação, em detrimento da agressividade e da punição física (fls. 297/330 do PRERP).

- Foi realizada pelo INML perícia psicológica ao jovem Rui ..... resultando, além do mais, que evidencia uma idade aparente correspondente à real, uma apresentação cuidada, discurso claro e organizado, embora vago, integrado do ponto de vista escolar, possível influência de factores emocionais nos resultados académicos, antes da separação dos pais tinha uma relação de maior proximidade com os pais, descreve o pai de uma forma totalmente boa, quase idealizada, ao contrário da mãe, a quem é imputada a total responsabilidade pela separação dos pais ( ... ) manifesta uma total resistência em estar com a mãe ( ... ) embora afirme que a mãe lhe batia, não consegue descrever qualquer situação em que tal tenha ocorrido, pelo que se considera muito pouco provável que o menor tenha, de facto, memórias sobre estes alegados comportamentos punitivos (fls. 336/344 do PRERP).

- Na segunda sessão deste debate judicial (em 23.02.2017) em sede de audição do progenitor (estando presentes no Tribunal a mãe e o Rui .....) acordou-se que o filho estaria com a mãe, em sala do Tribunal reservada para o efeito, o que sucedeu estando juntos por alguns minutos a conversar.

- O pai opõe-se ao acolhimento em instituição do filho.

- O jovem Rui ..... não quer ser acolhido em instituição.

- Embora lhe tenha sido explicado que não era assim, o Rui ..... culpa a mãe peIa possibilidade de ser acolhido em instituição.

- Questionada a mãe se considerava benéfico para o filho o acolhimento em instituição do Rui ..... (pela dimensão humana da pergunta, previamente, informou-se a mãe que não era obrigada a responder, responderia apenas se guisesse) não respondeu e chorou.

- Ouvido o Rui ....., referiu que está bem na escola, tem amigos, quer viver com o pai, gosta do irmão Orlando, culpa a mãe pela separação conjugal, concorda em estabelecer um regime gradual de visitas com a mãe, com o pai por perto porque se sente mais seguro, numa primeira fase, uma vez por mês e quando tiver 15/16 anos (nas suas próprias palavras, quando for mais inteligente) ter uma relação normal com a mãe.

            Estes os factos apurados.

Deste quadro factual, analisado à luz dos princípios acima aludidos que presidem à aplicação das medidas de promoção e protecção, importa aferir da bondade da medida aplicada.

Ora, os princípios acima enunciados permitem concluir em sentido diverso daquele que faz a decisão recorrida.

O «superior interesse da criança e do jovem», ligado afectivamente a seu pai, com quem vive, será seriamente afectado se, privado que está da convivência com a mãe, reagindo agressivamente à sua presença, for privado da única referência afectiva que tem.

O acolhimento do menor em instituição significa deixá-lo num vazio afectivo, agravando o «fosso» nas relações com a mãe, que surgiu mais recentemente atenuado, com a sua presença junto dela em sala do Tribunal, no passado dia 23.02.2017 (contrariamente ao que ocorrera em situações anteriores em que recusou liminarmente estar na sua presença).

Atribuindo o menor a responsabilidade do seu acolhimento a instituição à mãe, de quem se aproximou recentemente, a retirada do mesmo do seio familiar que conhece, deslocalizá-lo do seu reduto, terá certamente o efeito oposto ao pretendido, pela culpabilização que o mesmo referiu atribuir à mãe em caso de institucionalização.

Desconhecem-se as razões objectivas que subjazem à resistência que o menor tem em estar na companhia da mãe. O menor apenas se sente seguro na presença do pai, que resiste a que o menor esteja com a mãe sem a sua presença.

Atenda-se a que o menor manifestou concordância num regime de visitas gradual com a mãe e configurou que esta relação se normalizasse aos 15/16 anos (tem 13 anos actualmente).

O mesmo está escolarmente inserido, pelo que a institucionalização cercearia, igualmente, esta pertença do mesmo ao universo escolar que conhece.

Aderimos integralmente aos fundamentos enunciados no voto de vencido.

« O caso é realmente complexo e de grande melindre humano para o jovem Rui ...... Trata-se, em síntese, de decidir se será do superior interesse do jovem Rui ..... (…) a sua institucionalização perante o comportamento do pai com quem reside (impeditiva) de a mãe conviver/visitar o seu filho.

Em nossa opinião a resposta é negativa (…).

Pelas seguintes razões:

1. Princípio da prevalência da família - artigo 4.º alínea h) a LPCJP


(…)

Atendendo às finalidades das medidas de protecção dos menores e sublinhando-se que as medidas são elencadas pela respectiva ordem de prevalência e preferência, havendo que preferir as medidas a executar no meio natural de vida, parece-nos não ser de aplicar, in casu, a medida de acolhimento residencial, mas sim o apoio junto do pai, com as obrigações que infra se irão elencar. Com efeito, o próprio ISS diverge na solução: A ECJ da Amadora sugere a aplicação de uma medida de promoção e protecção de apoio junto do pai (fk 41/48) e a ECJ de Sintra sugere a aplicação de urna medida de promoção e protecção de acolhimento institucional/residencial (fls. 63/76). O internamento do jovem em lar ou instituição constituiu o último recurso a utilizar, o  que não ocorre in casu - com efeito, na segunda secção deste debate judicial (cm 23.02.2017) em sede de audição do progenitor (estando presentes no Tribunal a mãe e o Rui .....) acordou-se que o filho estaria com a mãe, cm sala do Tribunal reservada para o efeito, o que sucedeu estando juntos por alguns minutos a conversar.

2. Princípio da proporcionalidade e actualidade - artigo 4,° alínea h) a LPCJP. A decidida institucionalização do Rui ..... é, em nosso entender, desproporcionada e inevitavelmente propiciadora de forte perturbação emocional do jovem, susceptível de graves consequências, para além de eventualmente desencadeadora de reactividade contrária ao objectivo prosseguido com os presentes  autos de protecção (o jovem imputa a responsabilidade do seu eventual acolhimento em instituição  à própria mãe). Assim, parece-nos que o seu eventual acolhimento não é medida adequada nem proporcional à situação de perigo que o jovem actual e efectivamente  se encontra.

3. Princípio da participação do jovem - artigo 4," alínea j) a LPCJP.


(…)

Assim, ouvido o jovem Rui ....., declarou não querer ser acolhido em instituição, está bem na escola, tem amigos, quer viver com o pai que o trata muito bem, gosta do irmão Orlando, culpa a mãe pela separação conjugal, concorda em estabelecer um regime gradual de visitas com a mãe, com o pai por perto porque se sente mais seguro, numa primeira fase, uma vez por mês e quando tiver 15/16 anos  (nas suas próprias palavras. quando for mais inteligente) ter uma relação normal com a mãe.  Assim, em nosso entender, ao abrigo de uma pretensa realização do interesse deste jovem, não se deverá impor uma medida (acolhimento) deslocada do interesse deste que o próprio aponta num sentido diferente (apoio junto do pai) para o seu integral desenvolvimento.

4. Progenitor - artigo 4.° alínea f) a LPCJP.

Foi realizada pelo IN11L perícia psicológica ao progenitor resultando, além do mais, que ( ... ) em relação às competências parentais possui recursos internos  suficientes e adequados para que consiga captar, atender e responder às necessidades  físicas e psicoafectivas de urna criança (. .. ) embora se possa assistir a algum distanciamento afectivo aquando do exercício da parentalidade, o progenitor revela uma capacidade adequada para se mostrar responsivo em situações relevantes e de maior dificuldade para a criança, o que é importante para o desenvolvimento psicológico saudável do menor. No que respeita às práticas educativas revela possuir um conhecimento adequado sobre as práticas educativas consideradas adequadas na educação de uma criança, valorizando as estratégias de negociaçâo e comunicação, em detrimento da agressividade e da punição física. Assim, e considerando que desde a separação dos progenitores, o menor sempre viveu com o pai, parece-nos existir ainda espaço para trabalhar com este no sentido de obter a sua colaboração, disponibilidade e empenho, prestando-lhe a ajuda necessária (de natureza psicopedagógica) para que assuma a sua função parental de forma adulta e responsável, e afaste a situação de risco em que a criança se encontra (apenas imputável ao pai) que efectivamente impede a criança de estar com a sua mãe (…).

5. Progenitora - artigo 4º alínea f) a LPCJP.

Questionada a mãe se considerava benéfico para o filho o acolhimento em  instituição do Rui ..... (pela dimensão humana da pergunta, previamente, informou-se a mãe que não era obrigada a responder, responderia apenas se quisesse) não respondeu e chorou. Sem  prejuízo de se admitir outra interpretação, pareceu-nos, pela proximidade comunicante e imediação, que a mãe ao reagir deste modo, não concorda com o acolhimento do filho. No entanto, repete-se (as declarações estão gravadas) admite-se interpretação diversa. Igualmente importante é a futura reacção do jovem porquanto, pese embora lhe tenha sido explicado que não era assim, o Rui ..... culpa a mãe pela possibilidade de ser acolhido em instituição (parece-nos importante  para a futura normalização da relação do jovem com a sua mãe, que fique expressamente escrito que a iniciativa do acolhimento em instituição/residencial é do Instituto da Segurança Social e do Ministério Público e não da sua mãe).

6. Decísão vencida

Atendendo às finalidades das medidas de protecção das crianças e jovens e sublinhando-se que as medidas são elencadas pela respectiva ordem de prevalência e preferência, havendo que preferir as medidas a executar no meio natural de vida (em família) a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que o jovem se encontra no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua familia na medida em que for estritamente necessário a essa finalidade, aplicaríamos a medida de apoio junto do pai - artigos 35.°, n." 1, alínea a), 39.0 e 41.D, todos do LPeJ - vinculado às seguintes obrigações:

a) O pai prestará os cuidados de alimentação, saúde e educação ao seu filho;

b) O pai e o jovem colaborarão com a equipa técnica que acompanhará a execução da medida (ECJ da Amadora/Sintra) seguindo as directrizes que lhe forem fixadas, visando, principalmente, a regularização do regime de visitas à sua mãe e família materna (irmão Orlando e avó materna).

c) O retomar das visitas implica um grande esforço e empenhamento dos técnicos, na ajuda e apoio em carências fundamentais, havendo que trabalhar com o pai no sentido de obter a sua colaboração, disponibilidade e empenhamento, prestando-lhes a ajuda necessária (de natureza psicopedagógica) para que este assuma a sua função parental e afaste a situação de risco em que o jovem Rui ..... se encontra e lhe proporcione condições adequadas ao seu desenvolvimento normal e promover e desenvolver o seu bem-estar emocional.

d) A formação/orientação do progenitor, visando o melhor exercício das funções parentais, fundamentalmente ao nível do respeito pelo bem-estar psicológico do filho e a realização de um trabalho de sensibilização e de educação parental tendo em vista a apontada regularização do regime de visitas à sua mãe e família materna.»

Efectivamente, a intervenção pelo acolhimento do menor, não é apta para alcançar o desiderato pretendido. Ao invés, deixaria o menor num vazio afectivo, sendo desproporcionada e iria ao desencontro da situação mais recente de aproximação protagonizada pelo menor e sua mãe, privilegiando-se a família em detrimento da institucionalização e inerente desenraizamento do menor das suas referências.

É possível, através do apoio junto do pai preconizado, com esforço e empenho dos técnicos, com agilização dos procedimentos, alcançar a pretendida aproximação e reconstrução dos laços afectivos.

Afigura-se-nos ser viável – com empenho e esforço da família e dos técnicos - a realização do superior interesse da criança dentro do enquadramento familiar natural.

           


*

DECISÃO

Em face do exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, em consequência do que se revoga a decisão recorrida que aplicou a favor do menor Rui ..... ..... a medida de «acolhimento residencial» e, em sua substituição, decide-se que a medida que melhor se adequa à situação é a de «apoio junto do pai», prevista no art. 35 nº 1 a) e 39º LPCJP, vinculado às seguintes obrigações:

a) O pai prestará os cuidados de alimentação, saúde e educação ao seu filho;

b) O pai e o jovem colaborarão com a equipa técnica que acompanhará a execução da medida (ECJ da Amadora/Sintra) seguindo as directrizes que lhe forem fixadas, visando, principalmente, a regularização do regime de visitas à sua mãe e família materna (irmão Orlando e avó materna).

c) O retomar das visitas implica um grande esforço e empenhamento dos técnicos, na ajuda e apoio em carências fundamentais, havendo que trabalhar com o pai no sentido de obter a sua colaboração, disponibilidade e empenhamento, prestando-lhes a ajuda necessária (de natureza psicopedagógica) para que este assuma a sua função parental e afaste a situação de risco em que o jovem Rui ..... se encontra e lhe proporcione condições adequadas ao seu desenvolvimento normal e promover e desenvolver o seu bem-estar emocional.

d) A formação/orientação do progenitor, visando o melhor exercício das funções parentais, fundamentalmente ao nível do respeito pelo bem-estar psicológico do filho e a realização de um trabalho de sensibilização e de educação parental tendo em vista a apontada regularização do regime de visitas à sua mãe e família materna.

Custas pela recorrida.


*

    Lisboa, 23/05/2017

(Carla Câmara)

(Maria do Rosário Morgado)


(Rosa Ribeiro Coelho)

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[1] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 11162.03.5TMSNT.A.L1-1, Relator MANUEL GONÇALVES
23-04-2009 http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/fa82c641dedd971a802575c50053246a?OpenDocument


[2] Acórdão citado na nota 1.