Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | SOARES CURADO | ||
| Descritores: | NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA DEPÓSITO BANCÁRIO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 06/06/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO | ||
| Sumário: | i. O art. 810º, CPC, nos seus nºs 3 e 5, diz que, sempre que possível e tanto quanto possível, o exequente deve incluir no requerimento inicial a indicação, designadamente – al. d), das contas bancárias de que o executado seja titular e, na enumeração dos bens a penhorar – al. c), a identidade do devedor, o montante, a natureza e a origem da dívida, o título de que constam, as garantias existentes e a data do vencimento. Fá-lo em ambos os casos, sob pena de coarctar o acesso do credor ao património que a lei estabeleceu como garantia comum dos credores. ii. Na realidade, não podia o legislador ignorar a vigência do DL 2/78 de 09.01, que instituiu o segredo bancário, nem – tornando-o extensivo a todos os intermediários financeiros – o art. 304º do Código dos Valores Mobiliários, e que por via de regra a informação de que o exequente carecia para dar cabal preenchimento à directiva da lei processual não está ao seu alcance, razão pela qual a nomeação de eventuais saldos positivos de eventuais contas bancárias apenas pode ser exigida na modalidade de referencia geral ao possível direito, ainda assim suficientemente específica por os direitos de crédito nomeados versarem sobre instituições de crédito. iii. Se a o exequente solicita ao tribunal a penhora nos termos do art. 861º-A, CPC, tem que depreender-se que não dispunha de outros elementos de identificação do crédito e fornecer-lhe o meio ajustado, que corresponde de há muito à prática dos tribunais. iv. A nuance introduzida na actual redacção do preceito através do DL 38/2003, de 08.03, tem nulo efeito prático na perspectiva do interesse do credor, que pouco lhe interessa saber se o executado tem contas bancárias e respectivos saldos (o que ofenderia a regra do segredo) quando o que visa é tão simplesmente penhorar o que exista, se existir, bastando-lhe poder pagar-se por aí. (JLSC | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I II RELATÓRIO i Na execução para pagamento de quantia certa e processo ordinário, que “I.[…] SA” instaurou contra “C. […]LDA”, S. […] e Z.[…], entre outros bens a exequente nomeou à penhora “todas as contas bancárias (...) de que as executadas (...) sejam titulares”, requerendo para a sua efectivação a notificação das instituições onde elas fossem encontradas com a colaboração do Banco de Portugal, a solicitar pelo tribunal, observando-se oportunamente os termos do art. 860º, 1, Código de Processo Civil (CPC). ii O Exmo. Juiz, por despacho de 23.02.2005, não acolheu a nomeação desses direitos, sob invocação da inaplicabilidade do preceituado no nº 6 do art. 861º-A, CPC, (solicitação de informação ao Banco de Portugal) quando não tenha sido feita a nomeação sobre saldos de contas que o exequente não tivesse conseguido identificar adequadamente, nomeação que entendeu não ocorrer no caso por o transcrito requerimento se limitar a indicar o tipo de bens a penhorar. Acrescentou que o pedido de informação ao Banco de Portugal não se confundia com “a averiguação oficiosa prevista no art. 837º-A nº 1 do C.P.C.”. iii É deste despacho que a exequente traz agravo, para o ver revogado e substituído por outro que defira a diligência requerida ao abrigo do art. 861º-A, CPC na redacção aplicável. Culminando a sua alegação, formulou ela as seguintes conclusões: (a) O dever de identificação do exequente na nomeação de bens à penhora tem que ser interpretado habilmente, já que não se pode impor ao mesmo exequente o ónus processual a partir de uma situação jurídica cujo conhecimento lhe escapa e a favor do executado que - por dominar essa situação - irá beneficiar dos autos provocada pelo indeferimento impugnado; (b) A nomeação à penhora de saldos bancários não está sujeita aos rigores do nº5 do art. 837º do CPC; (c) O art. 861º-A do CPC foi criado pela necessidade de ultrapassar certos deveres de sigilo bancário injustamente impeditivos da realização da penhora de saldos de contas bancárias; (d) A lei processual civil admite a penhora de saldos bancários mesmo sem serem concretamente identificados os estabelecimentos bancários nem as respectivas contas. iv Não ouve contra-alegações e o Exmo. Juiz proferiu despacho de sustentação. v Corridos os vistos, cabe conhecer. III FUNDAMENTOS vi O âmbito dos poderes de cognição desta instância é definido pelas conclusões de quem recorre (arts. 684º e 690º, CPC) e delimitado pelo quadro factual que não deva alterar por apelo aos mecanismos previstos no art. 712º, id.. Enumeradas as conclusões e as incidências fácticas que interessam o processamento do recurso, cumpre agora enunciar a questão a decidir, que é singelamente a de saber se, ao contrário do decidido pelo despacho recorrido, a nomeação à penhora de créditos bancários da titularidade do executado se basta com a sua indicação genérica, sem especificação concreta dos estabelecimentos bancários nem das contas que neles tenha o executado. vii Sem hesitação alguma se impõe a resposta afirmativa a esta questão. A questão enunciada versa em última análise o problema da amplitude com que é consentida ao credor titulado o acesso ao património do devedor em sede de excussão, i.e., de execução judicial, e cuja regulamentação é genericamente devolvida pelo art. 817º, Código Civil (CC), à lei processual civil (arts. 821º e segs., CPC). Esta, consagrando um regime de exequibilidade muito amplo – excepcionalmente vasto em termos europeus (cfr. Estudos Sobre Direito Civil E Processo Civil, LEBRE DE FREITAS, Coimbra Editora, 2002, 79o e segs.), não pode deixar de ser enquadrada pelas garantias dadas pelo art. 20º da Constituição da República (CR) em termos de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva. Uma e outra garantias, sem as quais o aludido direito do credor à excussão da garantia patrimonial do seu crédito resultaria desprovido de tutela e, assim, esvaziado do seu conteúdo, impõem que se faça das normas processuais uma leitura (sistemática) que, sem descurar a contraditoriedade exigida (mais ainda pela ampla variedade de títulos executivos extrajudiciais), empreste eficácia à acção destinada a reintegrar efectivamente o credor no seu direito – designadamente, como acontece no caso, de obrigações pecuniárias. Deixando de lado – por exorbitarem do âmbito do recurso – variadas manifestações legais do propósito de assegurar aqueles direitos a dar corpo a mecanismos restritivos do apontado acesso judicial ao património do devedor, convém notar que o direito de nomeação de bens à penhora se subordina aos princípios da necessidade e da proporcionalidade: depois de, no art. 821º, 3, a lei processual explicitar que a penhora se limita aos bens necessários, e de, nos subsequentes, enumerar variadas restrições à penhora, ela indica no seu art. 834º a ordem a seguir na efectivação da penhora, dando primazia aos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre adequado ao montante do crédito do exequente. É, pois, livre o exequente de indicar a sua preferência pela apreensão judicial dos direitos de crédito (art. 851º, CPC), sem outras restrições para lá das que aí se enumeram nas disposições subsequentes. Como, no entanto, dar expressão à sua nomeação? O art. 810º, CPC, nos seus nºs 3 e 5, usando uma aliás questionável redundância, diz que o exequente deve incluir no requerimento inicial a indicação, designadamente – al. d), das contas bancárias de que o executado seja titular e, na enumeração dos bens a penhorar – al. c), a identidade do devedor, o montante, a natureza e a origem da dívida, o título de que constam, as garantias existentes e a data do vencimento. Mas em ambos os casos, acrescenta, sempre que possível e tanto quanto possível. Como não podia deixar de ser, sob pena de coarctar o acesso do credor a esse importante componente do património que a lei estabeleceu como sua garantia, em comum com os demais. Demais que não podia o legislador ignorar a vigência do DL 2/78 de 09.01, que instituiu o segredo bancário, nem – tornando-o extensivo a todos os intermediários financeiros – o art. 304º do Código dos Valores Mobiliários. Como assim, não podia ignorar que por via de regra a informação com que o exequente poderia dar cabal preenchimento à directiva da lei processual não está ao seu alcance, razão pela qual a nomeação de eventuais saldos positivos de eventuais contas bancárias apenas pode ser exigida na modalidade de referencia geral ao possível direito. E diz-se geral por oposição a genérica porquanto esta, cobrindo o género (penhora de direitos de crédito), é muito menos específica do que a referencia a direitos de crédito versando sobre instituições de crédito, demais a mais quando o exequente não sabe mais do que da singela possibilidade de existirem e indica logo ao tribunal a modalidade de colaboração que se lhe torna indispensável obter para alcançar o seu desiderato de excluir esse elemento do património do devedor. Se a solicita ao tribunal, tem que depreender-se que não dispunha de outros elementos de identificação do crédito e fornecer-lhe o meio ajustado, mediante a solicitação que o art. 861º-A, CPC, sempre contemplou e que corresponde de há muito à prática dos tribunais: a nuance introduzida na actual redacção do preceito através do DL 38/2003, de 08.03, tem nulo efeito prático na perspectiva do interesse do credor, que pouco lhe interessa saber se o executado tem contas bancárias e respectivos saldos (o que ofenderia a regra do segredo) quando o que visa é tão simplesmente penhorar o que exista, se existir, bastando-lhe poder pagar-se por aí. A clara conformidade da actual redacção ao sentido que se harmoniza com a regra do segredo bancário, se não basta para a tornar aplicável em detrimento da anterior, inculca todavia que na aplicação desta se faça a interpretação que se harmonize com aquela. viii Não ficando de modo algum excluído que se venha a demonstrar que o exequente abusou da sua faculdade de pedir a colaboração do tribunal pelo meio previsto no mencionado preceito, igualmente não poderá descartar-se que deva o tribunal socorrer-se dos meios previstos nos arts. 456º e segs, CPC, se a conduta da parte for passível de censura a título de litigância maliciosa. Não se vê, todavia, porque se há-de presumir abuso, tão só porque se solicita o procedimento, ou se solicita sem se fazer uma expressa declaração de que se recorre a esse expediente por se não dispor de outro!
(J.M. Roque Nogueira) ______________________________________________ (J.D. Pimentel Marcos) |