Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6081/2006-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
PENHORA
ACTO ILÍCITO
FALTA DE CITAÇÃO
DANOS MORAIS
REVERSÃO
GERENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/09/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- Ordenada penhora em processo tributário sem ser precedida de citação do executado, como se impunha no caso face ao disposto no artigo 272.º do Código de Processo Tributário, penhora que se efectivou apesar de, na iminência da sua realização e com o objectivo de evitar a sua concretização, o autor ter alertado a administração fiscal da ilegalidade do acto a praticar, houve actuação ilícita susceptível de fazer incorrer o Estado em responsabilidade civil (artigo 22.º da Constituição da República)
II- No que respeita a danos morais, atenta a matéria de facto, justifica-se indemnização no montante de 12.500 euros

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. António […] instaurou contra o Estado Português a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, pedindo a condenação deste no pagamento de Esc.21.825 000$00, acrescidos de juros de mora, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, à taxa legal.

Para tanto alega que:

Correu contra si um processo de execução fiscal, por reversão fiscal, em virtude de ser gerente da sociedade “T.[…] Lda.”, no âmbito do qual foi efectuada a penhora de bens que lhe pertenciam.

Acontece que a dívida exequenda respeitava a IVA, relativo a transacções comerciais que, por terem sido simuladas, deram origem a um processo crime contra o outro gerente da sociedade, o qual efectivamente geria a empresa.

Sendo as transacções em causa fictícias, o autor deduziu oposição à execução, a qual foi julgada procedente por decisão, transitada em julgado.

Em todo o caso, a instauração do processo e a realização da penhora provocaram ao autor danos, de natureza patrimonial e não patrimonial, cujo ressarcimento não pode deixar de ter lugar.

2. A acção foi contestada e, realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, condenou o Estado Português a pagar ao autor António […], a título de indemnização, por danos morais, a quantia de 12.500 €, acrescida dos juros de mora vencidos desde a data da sentença e vincendos até efectivo pagamento, à taxa legal.

3. Inconformados, apelam o A. e o R..

3.1. Nas suas alegações, em conclusão, diz o A. António […]:

A sentença recorrida considerou como acto ilícito a realização da penhora, sem citação prévia do autor.

E concluiu erradamente que, tendo-se alheado da gestão societária, o autor contribui para a produção dos danos.

Acontece que o comportamento do autor em nada contribuiu para a produção dos danos, pelo que não devia ter sido levado em conta na fixação do quantum indemnizatório.

Consequentemente, deve o Estado ser condenado a pagar ao autor a totalidade do montante peticionado.

3.2. Nas suas alegações, em conclusão, diz o R. Estado:

A sentença recorrida fundamenta a condenação na preterição da citação prévia à penhora. Contudo, no processo de execução fiscal, o autor não arguiu a nulidade dessa penhora, por falta de citação prévia, pelo que essa irregularidade apenas conduziu a uma antecipação da penhora em 20 ou 30 dias.

Consequentemente, não se vislumbra a existência de nexo causal entre o acto supostamente lesivo (a falta de citação prévia) e os danos sofridos pelo autor.

4. O autor apresentou contra alegações, pugnando pela improcedência do recurso do Estado.

5. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

6. Está provado que:

A – Em 19/10/1995, foi instaurado na 2ª Repartição de Finanças […], o processo de execução fiscal n.º 3[…] por dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado e respectivos juros compensatórios, no montante total de 460.209.451$00, contra a T.[…] Lda. (al. AH).

B – Conforme informação dos Serviços de Fiscalização daquela repartição, lavrada em 10/2/98, não eram conhecidos quaisquer bens móveis ou imóveis, susceptíveis de penhora, à sociedade executada (al. AI).

C – De acordo com a certidão da Conservatória do Registo Comercial da Figueira da Foz, no período entre 22/01/90 e 07/11/90, o ora A. constava como gerente da sociedade executada, em conjunto com o outro sócio Carlos […], aí se referindo serem necessárias as assinaturas de ambos os sócios gerentes como forma de obrigar a sociedade (al. AJ).

D – Determinou o chefe da Repartição de Finanças, por despacho de 12/02/98, a reversão da execução contra o gerente, aqui autor, no que se referia às dívidas de Fevereiro a Novembro de 1990, para penhora imediata dos bens existentes em seu nome (al. AL).

E – Tendo tomado conhecimento da existência de bens na titularidade do sócio gerente, aqui autor, ordenou ainda o chefe da 2ª Repartição a expedição de carta precatória para penhora e demais termos, bem como para a citação pessoal do executado, à 1ª Repartição de Finanças do Concelho de Torres Vedras (al. AM).

F – O A., prevendo que a penhora dos seus bens lhe iria causar tremendos prejuízos e preocupações, ao tomar conhecimento, por informação particular, de que essa penhora iria ser efectuada previamente à própria citação, escreveu uma carta registada ao Chefe da 2ª Repartição de Finanças da Figueira da Foz, com conhecimento ao Director Distrital de Finanças de Coimbra, a qual foi recebida a 23/3/98, na qual alega nunca ter exercido a gerência de facto da sociedade executada, chamando ainda a atenção para o facto, conhecido da Administração Fiscal, da dívida exequenda se basear em facturas falsas, alertando para a circunstância de a penhora ordenada, a concretizar-se, lhe causar elevadíssimos prejuízos de ordem patrimonial e não patrimonial, conforme cópia que consta de fls. 50 do apenso A e cujo conteúdo se dá, quanto ao mais, por reproduzido. (al. AB).

G – À ordem do referido processo de execução fiscal n.º […] da […] Repartição de Finanças […], procedeu-se em 25/3/1998 à penhora dos seguintes bens do ora autor:

- Fracção autónoma […] correspondente ao 4º andar direito, para habitação, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Rua […] Torres Vedras […]

- Fracção autónoma designada pela letra “L”, correspondente ao 1º andar n.º 6, para escritório, do mesmo prédio urbano;

- Direito a 2/18 (dois/dezoito avos) indivisos da fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente à sub-cave para parqueamento, do mesmo prédio urbano;

- Direito a metade indivisa da fracção autónoma designada pela letra “J”, correspondente ao 1º andar n.º 6, para escritório, do mesmo prédio urbano (al. A).

H – O A. foi notificado das penhoras e esteve presente nos respectivos actos, tendo sido nomeado depositário dos bens em questão (al. AN).

I – No mesmo dia 25/3/1998 foi o ora A. notificado dessas penhoras (al. B).

J – Essas penhoras foram registadas na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras […] (al. C).

K – No dia 30/3/1998, por mandado emitido pela 1ª Repartição de Finanças de Torres Vedras e por ordem da referida 2ª Repartição de Finanças da Figueira da Foz, no mesmo processo de execução fiscal, foi o ora A. citado na qualidade de executado, por reversão, nos termos do art. 246ºdo Código do Processo Tributário, em virtude de ser gerente, subsidiário responsável, da devedora , T.[…] Lda.”, para os termos da referida execução, ou seja, para pagar a quantia de Esc. 358 780 886$00, deduzir oposição, requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento (al. D).

L – O montante de 358 785 836$00 reporta-se ao período de 22/1/90 a 7/11/90 (resposta ao art. 35º).

M – A dívida exequenda resultara da falta de pagamento de IVA respeitante a transacções comerciais inexistentes e sustentadas por facturas falsas (al. E).

N – Por tais factos foi instaurado processo crime contra o referido gerente […] da sociedade “T.[…] Lda.” e outros (al. F).

O – Contra esses arguidos encontrava-se a correr, no Tribunal Criminal do Porto, o processo n.º […] com acusação deduzida pela prática de crimes de fraude fiscal, falsificação de documentos e burla agravada (al. G).

P – Trata-se de um volumoso processo que tem por objecto a prática de actos delituosos vulgarmente por “facturas falsas” para obtenção ilícita de devolução de IVA (al. H).

Q – No aludido processo crime foi junto ao inquérito um relatório sobre a sociedade “T. […] Lda.”, elaborado pela Direcção Distrital de Finanças de Coimbra (controle e combate à fraude e evasão fiscais), o qual chegava à conclusão da prática dos mencionados actos delituosos por parte das pessoas que depois viriam a ser constituídas como arguidos no mesmo processo crime (resposta ao art. 6º).

R – Nesse processo o Estado Português, através do Ministério Público, denunciou, investigou e concluiu que as transacções comerciais que deram origem ao IVA objecto da supra mencionada execução fiscal não existiram por terem sido ficticiamente forjadas pelos arguidos (al. I).

S – Entre esses arguidos não se encontrava o ora A. (al. K).

T – O outro gerente da referida sociedade, Carlos […], desenvolveu durante vários anos actividade delituosa com base na contabilidade da empresa, realizando facturação fictícia na ordem das centenas de milhares de contos (resposta ao art. 1º).

U – O Carlos […] era o único gerente de facto da sociedade T.[…] Lda. (resposta ao art. 2º).

V – O ora A. nunca praticou qualquer acto concreto de gerência, sendo gerente apenas nominal (resposta ao art. 3º).

W – A Administração Fiscal taxou, liquidou e tentou liquidar esse imposto, instaurando mesmo a supra mencionada execução fiscal contra a sociedade “T.[…] Lda.” a qual, por falta de pagamento, viria a ser revertida contra o ora A (al. J).

X – As transacções comerciais que estiveram na origem do IVA em causa na execução revertida jamais existiram (resposta ao art. 4º).

Y – À data da reversão encontrava-se arquivado na […] Repartição de Finanças da Figueira da Foz um relatório elaborado pela Direcção Distrital de Finanças de Coimbra (al. L).

Z – A fls. 9 do relatório pede ler-se que o ora A. apenas esteve nomeado gerente entre 12/10/89 e 11/7/90 (al. M).

AA – A fls. 10 do relatório os relatores afirmam que “foi o Sr. Carlos […] que em todas as empresas exerceu a gerência desde a sua constituição” e mais abaixo: “em todas as empresas a gerência de facto foi sempre exercida pelo Sr. Carlos […]” (als. N) e O).

AB – A fls. 14 pode ler-se que “cerca de 90% das compras e vendas são fictícias” (al. P).

AC – A fls. 34 resumem-se as declarações prestadas pelo outro sócio da “T.[…] Lda.”, C.[…], que declarou “ser o único responsável pelos actos de gerência da empresa” (al. Q).

AD – A fls. 37 pode ler-se:

“4.3.3. – CONCLUSÕES DOS TESTES:

Podemos agora afirmar que as transacções suportadas por talões de pesagem e/ou movimentação nas fichas de armazém e que, de uma ou outra forma, têm reflexo na movimentação de Bancos, correspondem às transacções efectivamente realizadas pela empresa -transacções efectivas ou reais. As restantes transacções mencionadas em facturas mais não são do que negócios simulados, concretizados pela emissão e recepção de facturas falsas/fictícias, também conhecidas por facturas de favor ou venda de papel” (al. R).

AE – No quadro patente a fls. 48 pode ler-se que os investigadores da Direcção Distrital de Finanças de Coimbra de Combate à Fraude Fiscal consideram que, relativamente a 1990 (ano a que se reporta a reversão operada), a facturação fictícia referente a clientes atingiu uma percentagem de 88% (al. S)

AF – Um pouco acima desse quadro, pode ler-se: “Estamos em presença de documentos falsos, já que não titulam qualquer transacção comercial, i.e., facturas fictícias” (al. T).

AG – A fls. 108, sempre do mesmo relatório, os investigadores concluem que, no que respeita a facturação de fornecedores, também relativamente a 1990, ano a que se reporta a reversão, a percentagem de facturas falsas atinge os 96% (al. U).

AH – A fls. 161 do relatório, depois das correcções técnicas que entenderam realizar em função da facturação falsa que detectaram, os mesmos investigadores chegaram à conclusão de que não era possível precisar o IVA em dívida no que concerne às vendas omitidas nos registos propondo, por mera presunção, a quantia de Esc. 2 638 644$00 sempre relativamente a 1990 (al. V).

AI – O Estado Português, através do Ministério Público e da própria Administração Fiscal, tinha conhecimento de que as transacções comerciais que estavam na origem do IVA não tinham, efectivamente, sido realizadas (resposta ao art. 5º).

AJ – Na supra identificada execução fiscal o ora A. deduziu oposição à reversão contra si efectuada (al. X).

AK – Esta oposição veio a ser julgada procedente por sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Coimbra, que declarou, em consequência, extinta a execução revertida contra o ali executado, ora Autor (al. Z).

AL – Esta sentença transitou em julgado em 26/10/1999 (al. AA).

AM – Os bens imóveis penhorados eram todos fracções autónomas do prédio urbano sito em Torres Vedras […]  (al. AC).

AN – Deste condomínio fazem parte mais de vinte fracções autónomas (al. AD).

AO  […] (al. AE).

AP – A penhora sobre direitos indivisos (uma fracção de escritório e a fracção “A” destinada a garagem) foi pessoalmente notificada aos comproprietários dessas fracções, que só na dita fracção “A” são mais de dez (al. AF e resposta ao art. 14º).

AR – A notificação de um dos comproprietários da fracção autónoma de garagem, a dita fracção “A”, foi mesmo feita de forma edital (al. AG).

AS – O edital para notificação foi afixado no portão da garagem e na porta principal do prédio (resposta ao art. 15º).

AT – Uma fracção penhorada é o andar onde o A. habita com o seu agregado familiar, outras duas correspondem ao escritório onde exerce a sua profissão de advogado, a última corresponde a espaço de estacionamento (resposta ao art. 7º).

AU – O prédio atrás identificado tem mais de 20 proprietários, aí tendo casa, escritório de trabalho e parqueamento dezenas de pessoas que diariamente o utilizam para esses diversos fins (respostas aos arts. 8º e 9º).

AV – O A. é pessoa conhecida em Torres Vedras, onde reside há mais de vinte anos, tendo primeiro aqui exercido o cargo de […] e depois, desde há vinte anos, a profissão de […].

AW – É pessoa bem considerada no meio social em que vive, pelas suas qualidades de honestidade, trabalho e simpatia e advogado conhecido na comarca, além de ser dos mais antigos, como profissional sério e competente, dispondo de uma carteira de bons clientes antigos (respostas aos arts. 11º e 12º).

AX – É, além do mais, figura pública conhecida […] (resposta ao art. 13º).

AY – Rapidamente constou na cidade de Torres Vedras que o autor era devedor ao fisco de vários milhares de contos (resposta aos arts. 16º e 17º).

AZ – Nos cafés, nos locais públicos e privados, no meio forense comarcão, comentava-se a existência de uma penhora de valor avultadíssimo, não se sabendo a sua proveniência, mas especulando-se que provinha de dívidas ao Estado (resposta ao art. 18º).

BA – O A. viveu tempos de amargura, procurando junto dos seus amigos explicar a situação (resposta ao art. 19º).

BB – Começou a sofrer de insónias, resultantes das preocupações que toda a situação lhe estava a originar, passou a viver de uma forma triste e amargurada (resposta ao art. 20º).

BC – A própria existência de penhoras sobre os bens imóveis que ao longo da sua vida conseguira comprar com o suor do seu trabalho, era motivo de preocupação (resposta ao art. 21º).

BD – Muito embora sentisse que tinha razão o A. ficou imensamente preocupado com a realização das ditas penhoras, para mais numa execução fiscal de tão elevado valor (resposta ao art. 22º).

BE – Sofreu muito com a incerteza do desfecho da oposição que deduziu à reversão contra si operada na referida execução fiscal (resposta ao art. 23º).

BF – Esse sofrimento foi diário, com perturbações do sono, com uma constante inquietação, com a perda da alegria de viver, com a angústia de ver o seu nome sob suspeita perante a sociedade torreense (resposta ao art. 24º).

BG – E prolongou-se ao longo de um ano e quatro meses, desde a penhora dos seus bens até ser conhecida a sentença que lhe deu razão (resposta ao art. 25º).

BH – Contratou um advogado […] para o patrocinar no processo de oposição que deduziu, o qual, além do estudo jurídico do caso, elaborou e apresentou junto do Tribunal Tributário […] o articulado da mencionada Oposição, deduziu também, perante o Director Distrital de Finanças […], uma Reclamação Graciosa, acompanhou o dito processo de oposição, com várias deslocações à Figueira da Foz e Coimbra, assegurando por fim a sua defesa na audiência que veio a realizar-se no dito processo de Oposição “e produzindo alegações de direito” no referido Tribunal Tributário de 1ª Instância […] (resposta ao art. 26º).

BI – De honorários pagou o A. a esse seu Colega a quantia de Esc. 500.000$00 (quinhentos mil escudos), acrescida de IVA no montante de Esc. 85.0000$00 (resposta ao art. 27º).

BJ – O autor deslocou-se por diversas vezes à Repartição de Finanças […] e pelo menos uma vez a Coimbra, à Direcção Distrital de Finanças, no que despendeu montante não concretamente apurado (resposta ao art. 28º).

BK – No tempo que gastou em todas essas deslocações, o A. perdeu cinquenta horas em dias úteis, as quais normalmente dedicaria ao exercício da sua profissão (resposta ao art. 29º).

BL – A [actividade profissional) do A. é muito preenchida e atarefada, despendendo nela habitualmente mais de oito horas por dia (resposta ao art. 29º-A).

BM – À época o preço/hora indicado pela OA pela prestação de serviços pelos profissionais da advocacia era de 10 000$00 (resposta ao art. 29º-B).

BN – Pelas horas que perdeu nas referidas deslocações, o A. deixou de ganhar a quantia de Esc. 500.000$00 (resposta ao art. 30º).

BO – O A. reside com carácter de habitualidade em Torres Vedras (resposta ao art. 31º).

BP – Aqui tem a sua vida pessoal, social e profissional estabilizada (resposta ao art. 32º).

BR – O autor é reputado de honesto, pessoal e profissionalmente (resposta ao art. 33º).

BS – A sua residência […] (resposta ao art. 34º).

7. Improcedem ambos os recursos, como veremos.

7.1. O recurso do Estado

A administração fiscal ao ordenar a penhora, antes de ser efectuada a citação do executado, violou norma legal (cf. art. 272º do CPT que estabelece que, instaurada a execução, o chefe da repartição de finanças ordenará a citação do executado) e, com isso, praticou um acto ilícito. (1) 

O autor, notificado das penhoras, deduziu oposição que, julgada procedente, veio a determinar a extinção da execução.

É, assim, evidente que, se as penhoras tivessem sido precedidas de citação (como decorre da lei), a oposição deduzida teria tido a virtualidade de evitar a sua realização (cf. art. 273º que estipula que a citação deveria comunicar ao devedor o prazo para a oposição à execução e os arts. 255º, nºs 1, 2, 3 e 5, 282º e 294º, todos do CPT dos quais decorre que, deduzida e recebida a oposição, a execução fica suspensa, caso seja prestada garantia).

Não assume, pois, nesta sede, qualquer espécie de relevância, a circunstância de o autor não ter arguido, na execução fiscal, a nulidade decorrente da falta de citação.

Além disso, vem provado que, na iminência da realização da penhora e, com o objectivo de evitar a sua concretização – o autor alertou a administração fiscal para a ilegalidade do acto a praticar.

Nem assim a máquina fiscal suspendeu a marcha do processo.

Consequentemente, uma vez que os factos provados documentam a existência de danos de natureza não patrimonial, numa relação de indiscutível causalidade com o facto ilícito praticado, é patente a inconsistência da pretensão do recorrente.

7.2. O recurso do autor

Neste recurso está apenas em causa a questão da fixação do montante da indemnização, por danos não patrimoniais.

Pretende o recorrente a atribuição de uma indemnização no montante peticionado, ou seja, 99.759,58 €, enquanto a sentença recorrida julgou equilibrada a quantia de 12.500 €.

Vejamos:

No capítulo dos Direitos, Liberdades e Garantias Pessoais, a Constituição da República Portuguesa protege o direito à integridade pessoal – moral e física – (art. 25º) e o direito ao bom nome e reputação (art. 26º).

Sobre esta matéria, escreve Capelo de Sousa, in "O Direito Geral de Personalidade", 1995, pág. 117: "Poderemos definir positivamente o bem de personalidade humana juscivilisticamente tutelado como o real e potencial físico e espiritual de cada homem em concreto, ou seja, o conjunto autónomo, unificado, dinâmico e evolutivo dos bens integrantes da sua materialidade física e do seu espírito reflexivo, sócio-ambientalmente integrado".

E mais adiante, diz o mesmo autor:

"A honra abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente a todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância (…).

Em sentido amplo, inclui também o bom nome e reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político."  

Versando sobre os direitos de personalidade também o Código Civil protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita à sua personalidade física ou moral (arts. 70º e 80º, nº1).

No que respeita propriamente à fixação da indemnização há que ter em conta o disposto no art. 496º, nºs 1 e 3, do CC, onde se estabelece que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o respectivo montante fixado equitativamente tendo em conta o grau de culpabilidade do responsável, a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

Por seu turno, a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjectivos, resultantes de uma sensibilidade particular, cabendo ao tribunal dizer, em cada caso, se o dano, dada a sua gravidade, merece ou não tutela jurídica – cf. Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", vol. I, 7ª edição, pág. 600 e Almeida Costa, "Direito das obrigações", 5ª edição, pág. 484.

In casu, considerando a matéria de facto provada, é indubitável que os danos não patrimoniais merecem a tutela do direito, havendo, por isso, que compensá-los com uma indemnização.

E, assim, considerando o grau de culpa, a situação económica do lesante e do lesado, a grande publicidade dada aos factos e as demais circunstâncias do caso, surge como equilibrado o montante fixado pela sentença recorrida.

8. Nestes termos, negando provimento aos recursos, acorda-se em confirmar a sentença recorrida.

Custas pelos apelantes.

Lisboa, 9 de Janeiro de 2007

(Maria do Rosário Morgado)
(Rosa Maria Ribeiro Coelho)
(Arnaldo Silva)



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1.-Sobre os pressupostos de responsabilidade do Estado, cfr. arts. 22º, da CRP, no qual se consagra o princípio da responsabilidade do Estado e demais entidades públicas por danos causados por actos ou omissões dos seus funcionários ou agentes, praticadas no exercício das suas funções e por causa dele, bem como as disposições do D.L. 48051, designadamente o nº 1 do art. 2º (pressupostos da obrigação de indemnizar), art. 6º (sobre a ilicitude por violação de normas legais) e o art. 4º (que remete para as disposições do CC, no que respeita à apreciação da culpa).