Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1121/21.1T8ALM.L1-4
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: SOCIEDADE ANÓNIMA DESPORTIVA (SAD)
TREINADOR ADJUNTO
PRÉMIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: Constando de contrato de trabalho celebrado entre uma sociedade anónima desportiva e um treinador adjunto que aquela pagaria a este um prémio, em função dos resultados / manutenção na II Liga, no prazo de 30 dias após a homologação da classificação pela Federação, é de entender que o prémio não é devido se o clube em causa foi despromovido ao Campeonato de Portugal e posteriormente a Liga Portuguesa de Futebol admitiu a sua candidatura à II Liga em virtude da exclusão doutro clube da participação nas competições profissionais, por falta de requisitos legais ou regulamentares.


(Elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


1.–Relatório:


AAA e BBB intentaram acções declarativas de condenação, com processo comum, contra CCC, pedindo a condenação da ré a pagar-lhes as quantias de 8.243,92 € e 7.811,43 €, respectivamente, acrescidas de juros de mora.

Para tanto alegaram, em síntese, que: (i)-cada um dos autores celebrou com a ré um contrato de trabalho com início no dia 10 de Janeiro de 2020 e termo no dia 30 de Junho de 2020, a fim de, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercerem as funções de treinador adjunto de futebol 11, da equipa sénior masculina; (ii)- auferiam, em contrapartida das suas funções, a retribuição mensal de 2.000,00 € e 1.200,00 €, respectivamente, na qual se incluíam os valores atinentes a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal; (iii)-foi acordado, igualmente, o pagamento de um prémio de manutenção no valor de € 7.000,00, condicionado à verificação da manutenção da equipa sénior da ré na II Liga, com vencimento 30 dias após a homologação da classificação pela Federação Portuguesa de Futebol; (iv)-no dia 12 de Março de 2020, a Liga Portuguesa de Futebol decidiu a suspensão imediata e por tempo indeterminado das competições profissionais a seu cargo, sendo que, no mesmo dia, a Federação Portuguesa de Futebol decidiu suspender, a partir de 13 de Março de 2020, todas as competições nacionais de futebol por si organizadas e reguladas; (v)-em 22 de Março de 2020, a ré comunicou a decisão de recurso ao lay off, tendo celebrado com treinador, equipa técnica e jogadores um acordo específico no tocante a férias, remunerações e prémios, sendo que, ao arrepio desse acordo, a ré não procedeu ao pagamento das quantias de 1.091,32 € e 666,66 €, respectivamente; (vi)-a Federação Portuguesa de Futebol deliberou a despromoção da ré da II Liga para o Campeonato de Portugal, facto com o qual a ré não se conformou; (vii)-no dia 29 de Julho de 2020, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional deliberou convidar a ré a apresentar a sua candidatura à participação na competição da II Liga para a época desportiva 2020/2021, cujo início ocorreria em 3 de Agosto de 2020; (viii)- a candidatura da ré viria a ser aprovada no dia 20 de Agosto de 2020, culminando com a sua inscrição da II Liga; (ix)- por mor do exposto, interpelaram a ré ao pagamento do prémio de manutenção, no valor de 7.000,00 €, que a ré não pagou.

A ré contestou as acções, alegando, em síntese, que: (i)-à data da cessação dos contratos de trabalho dos autores, ocorrida no dia 30 de Junho de 2020, encontrava-se na situação de despromoção do Campeonato de Portugal (II Liga), razão pela qual se não verificou o condicionalismo contratualmente exigido para a atribuição do prémio reclamado pelos autores; (ii)-o prémio seria devido 30 dias após a homologação da classificação pela Federação, o que nunca chegou a suceder; (iii)-o ingresso na II Liga para a época 2020/2021 ocorreu por convite datado de 29 de Julho de 2020, isto é, já após a caducidade dos contratos de trabalho dos autores, não tendo derivado da anulação/revogação da decisão de despromoção anteriormente produzida; (iv)-a manutenção do clube na II Liga não foi fruto do resultado da prestação dos autores, sendo que a cláusula que prevê a atribuição do prémio estabelece, inequivocamente, que o prémio seria atribuído em função dos resultados; (v)-procedeu ao pagamento do que era devido no âmbito do regime de lay off, não sendo obrigada a pagar mais do que o que desse regime resulta.

Conclui a ré pela improcedência das acções, devendo, em conformidade, ser absolvida dos respectivos pedidos.

Foi determinada a apensação das acções.

Realizou-se audiência prévia, após o que foi proferido despacho saneador-sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Por tudo quanto se deixou exposto, o tribunal julga as acções parcialmente procedentes e, em consequência:
(i)- condena a ré a pagar ao autor AAA o valor líquido de € 1.091,32 (mil e noventa e um euros e trinta e dois cêntimos), acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, desde 20 de Agosto de 2020 até efectivo e integral pagamento;
(ii)- condena a ré a pagar ao autor BBB o valor líquido de € 666,66 (seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, desde 20 de Agosto de 2020 até efectivo e integral pagamento;
(iii)- no mais, absolve a ré dos pedidos formulados pelos autores.
*
As custas da acção 1121/21.1T8ALM são a cargo do autor e da ré, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 80% para o primeiro e em 20% para a segunda (art. 527.º, ns. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
As custas da acção 1160/21.2T8ALM são a cargo do autor e da ré, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 80% para o primeiro e em 20% para a segunda (art. 527.º, ns. 1 e 2, do Código de Processo Civil).»

Os autores interpuseram recurso do despacho saneador-sentença, formulando as seguintes conclusões:
(…)
O réu apresentou resposta ao recurso dos autores, pugnando pela sua improcedência.
Observou-se o disposto no art. 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumprido o previsto no art. 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.

2.–Questões a resolver

Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, as questões que se colocam a este Tribunal são as seguintes:
- alteração da decisão sobre a matéria de facto;
- direito de cada um dos autores ao pagamento do prémio de 7.000,00 € previsto nos respectivos contratos de trabalho.

3.–Fundamentação

3.1.–Os factos considerados provados são os seguintes:
1.–Com data de 10 de Janeiro de 2020, o autor AAA e a ré subscreveram o convénio denominado “Contrato de Trabalho entre Sociedade Desportiva e Treinador”, sendo o seguinte o seu teor (com aditamentos, nos termos do ponto 3.2.):
«(…)
Entre:
Primeira Outorgante: CCC, (…).
Segundo Outorgante: AAA (…).
é celebrado contrato individual de trabalho, que se regerá pelas cláusulas seguintes:
Cláusula 1.ª
1.- Pelo presente contrato, o segundo outorgante é contratado pela primeira outorgante para exercer as funções de Treinador Adjunto de Futebol 11, da equipa sénior masculina da primeira outorgante, sob autoridade e direcção da primeira outorgante e mediante retribuição e sob forma exclusiva.
(…).
Cláusula 2.ª
1.- A primeira outorgante compromete-se a pagar ao segundo outorgante, a quantia total de líquida de € 10.000,00 (…), a qual inclui o valor dos subsídios legais a receber, que será liquidada em 5 prestações mensais de € 2.000,00 (…) cada.
2.- Os pagamentos das prestações mensais de € 2.000,00 (…) serão efectuados no dia 10 de Fevereiro a Junho de 2020.
Cláusula 3.ª
A primeira outorgante, em função dos resultados, pagará em valor líquido, ao segundo outorgante o seguinte prémio, 30 dias após a homologação da classificação pela Federação: a) Assegurando a manutenção da 2.ª Liga - € 7.000,00.
Cláusula 4.ª
1.- O presente contrato tem duração determinada, tendo início em 10 de Janeiro de dois mil e vinte e termo em 30 de Junho de dois mil e vinte, caducando, sem necessidade de qualquer outra declaração ou formalidade, uma vez expirado o prazo estipulado.
(…)
Cláusula 5.ª
(…)
2.- Caso a primeira outorgante tenha a manutenção garantida e rescindir o presente contrato antes da data prevista para o seu termo, terá de liquidar o prémio de manutenção, assim como, os demais prémios aplicáveis.
Cláusula 6.ª
1.-Se a primeira outorgante promover indevidamente o despedimento do segundo outorgante, por ausência de processo disciplinar ou falta de justa causa, ou incorrer em comportamento que constitua o segundo outorgante no direito de rescindir o contrato com justa causa, fica obrigado a pagar-lhe uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, deduzidas das que eventualmente o treinador venha a auferir pela mesma actividade durante o período em causa.
2.-As retribuições vincendas referidas no número anterior abrangem, para além da remuneração base, apenas os prémios devidos em função dos resultados obtidos até o final da época em que foi promovida a rescisão do contrato.» - documento de fls. 21v. a 24v. dos autos.

2.-Com data de 16 de Janeiro de 2020, o autor BBB e a ré subscreveram o convénio denominado “Contrato de Trabalho entre Sociedade Desportiva e Treinador”, sendo o seguinte o seu teor (com aditamentos, nos termos do ponto 3.2.):
«(…)
Entre:
Primeira Outorgante: CCC
Segundo Outorgante: BBB (…).
é celebrado contrato individual de trabalho, que se regerá pelas cláusulas seguintes:
Cláusula 1.ª
1.- Pelo presente contrato, o segundo outorgante é contratado pela primeira outorgante para exercer as funções de Treinador Adjunto de Futebol 11, da equipa sénior masculina da primeira outorgante, sob autoridade e direcção da primeira outorgante e mediante retribuição e sob forma exclusiva.
(…).
Cláusula 2.ª
1.- A primeira outorgante compromete-se a pagar ao segundo outorgante, a quantia total de líquida de € 6.000,00 (…), a qual inclui o valor dos subsídios legais a receber, que será liquidada em 5 prestações mensais de € 1.200,00 (…) cada.
2.- Os pagamentos das prestações mensais de € 1.200,00 (…) serão efectuados no dia 10 de Fevereiro a Junho de 2020.
Cláusula 3.ª
A primeira outorgante, em função dos resultados, pagará em valor líquido, ao segundo outorgante em função da manutenção na 2.ª Liga o prémio de 7.000 € (…), 30 dias após a homologação da classificação pela Federação.
Cláusula 4.ª
1.- O presente contrato tem duração determinada, tendo início em 16 de Janeiro de dois mil e vinte e termo em 30 de Junho de dois mil e vinte, caducando, sem necessidade de qualquer outra declaração ou formalidade, uma vez expirado o prazo estipulado.
(…)
Cláusula 5.ª
(…)
2.- Caso a primeira outorgante tenha a manutenção garantida e rescindir o presente contrato antes da data prevista para o seu termo, terá de liquidar o prémio de manutenção, assim como, os demais prémios aplicáveis.
Cláusula 6.ª
1.- Se a primeira outorgante promover indevidamente o despedimento do segundo outorgante, por ausência de processo disciplinar ou falta de justa causa, ou incorrer em comportamento que constitua o segundo outorgante no direito de rescindir o contrato com justa causa, fica obrigado a pagar-lhe uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, deduzidas das que eventualmente o treinador venha a auferir pela mesma actividade durante o período em causa.
2.- As retribuições vincendas referidas no número anterior abrangem, para além da remuneração base, apenas os prémios devidos em função dos resultados obtidos até o final da época em que foi promovida a rescisão do contrato.» - documento de fls. 21v. a 24v., dos autos apensos.

3.–À data da celebração dos convénios referidos em 1. e 2., a equipa sénior da ré disputava o campeonato da II Liga (LigaPro), sendo que, então, estava classificada no último lugar da classificação geral, então com 8 pontos em 16 jornadas. (acordo das partes, atenta a não impugnação, pela ré, da matéria de facto alegada pelos autores no artigo 7.º, da respectiva petição inicial).
4.–À 24.ª jornada do Campeonato Nacional da II Liga (LigaPro), ocorrida no dia 8 de Março de 2020, a equipa sénior da ré estava classificada no 17.º lugar da classificação geral, em penúltimo lugar, com 17 pontos. (acordo das partes, atenta a não impugnação, pela ré, da matéria de facto alegada pelos autores no artigo 18.º, da respectiva petição inicial).

5.–No dia 12 de Março de 2020, através do Comunicado Oficial n.º 193, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, comunicou como segue:
«(…)
Exmos.(as) Senhores(as),
No seguimento da reunião extraordinária realizada esta quinta-feira, entre a Comissão Permanente de Calendários com a Direcção Executiva da Liga Portugal, e que contou com a presença da AMEF e dos médicos representantes dos clubes que compõem a referida Comissão, a Liga Portugal deliberou:
- Suspensão imediata das competições profissionais de futebol da Liga NOS e da LigaPro por tempo indeterminado;

(…)». – documento de fls. 35, também junto na acção apensa a fls. 33, e que não mereceu impugnação.

6.–No mesmo dia 12 de Março de 2020, a Federação Portuguesa de Futebol, por Comunicado Oficial, decidiu como segue:
«(…)
Para conhecimento dos Sócios Ordinários e demais interessados, informa-se que o grupo de emergência, criado pelo Presidente da FPF, para monitorizar o impacto do Covid-19, constituído pelo próprio, o Presidente da Liga Portugal, o Presidente da Comissão Delegada das Associações, o Presidente do Sindicato de Jogadores, o Presidente da Associação de Árbitros de Futebol e o Presidente da Associação Nacional de Médicos de Futebol, decidiu hoje, face à necessidade de toda a população seguir medidas eficazes de higiene e etiqueta respiratória e à limitação crescente de acesso a instalações desportivas, suspender todas as competições nacionais de futebol e futsal organizadas pela FPF, com efeitos a partir do dia 13 de Março de 2020.

(…)». - documento de fls. 35v., também junto na acção apensa a fls. 33v., e que não mereceu impugnação.

7.–Por deliberação de 8 de Abril de 2020, a Federação Portuguesa de Futebol deu por concluídas todas as provas nacionais não profissionais. (acordo das partes, decorrente da não impugnação, pela ré, da matéria de facto alegada pelos autores no artigo 23.º, da respectiva petição inicial).
8.–Por decisão de 30 de Abril de 2020, o Conselho de Ministros autorizou a continuação da época desportiva de 2019/2020, mas apenas das competições da I Liga (Liga NOS) e da final da Taça de Portugal. (acordo das partes, decorrente da não impugnação, pela ré, da matéria de facto alegada pelos autores no artigo 32.º, da respectiva petição inicial).

9.–No dia 2 de Maio de 2020, a Federação Portuguesa de Futebol, através de Comunicado Oficial, deliberou como segue:
«(…)
Na época 2019/2020 serão indicados para ascender à II Liga o Futebol Clube de …, Futebol SAD (Série A) e o Futebol Clube … (Série B).» - documento de fls. 36, também junto na acção apensa a fls. 34, e que não mereceu impugnação.
10.–No dia 22 de Março de 2020, a ré comunicou a todos os trabalhadores, inclusive aos autores, a decisão de recurso ao Lay-Off.
11.–E celebrou com os autores um acordo específico no tocante a férias, remunerações e prémios, cujos termos eram os seguintes:
- no tocante a férias, a ré acordou equiparar a férias gozadas o período entre 12 de Março e 22 de Março de 2020, ficando as restantes a vencerem-se e a serem gozadas no dia seguinte ao último jogo oficial da época de 2019/2020 ou no dia seguinte àquele que viesse a ser declarado o terminus da época desportiva de 2019/2020;
- no que concerne à retribuição, acordou a ré com os autores o pagamento integral da remuneração do mês de Março de 2020 e a suspensão dos contratos de trabalho por um mês, renovável, a partir de 22 de Março de 2020, devendo a retribuição do mês de Abril ser fixada em 2/3 da retribuição normal líquida com os limites mínimos e máximos legais;
12.–Ainda por via do mesmo acordo e para o pagamento do remanescente da retribuição (1/3) correspondente aos meses em que o regime do Lay-Off simplificado viesse a vigorar, a ré fixou para o seu vencimento um mês a contar da verificação de qualquer uma das seguintes ocorrências:
- retoma da competição profissional na época desportiva de 2019/2020;
- ser conseguida a manutenção da Ré na II Liga (Liga PRO);
- não ser conseguida a manutenção da Ré na II Liga (PRO);

13.– Autores e ré obrigaram-se, ainda, a aceitar como aplicáveis todos os regulamentos desportivos aprovados pela FPF, LPFP e FIFA, bem como a legislação portuguesa, sendo que, no mais, se mantinha o clausulado nos convénios referidos em 1. e 2. (os factos provados constantes dos pontos 10. a 13. decorrem da não impugnação, pela ré, da matéria de facto alegada pelos autores nos artigos 24.º a 30.º, da respectiva petição inicial).

14.–No dia 4 de Maio de 2020, a Federação Portuguesa de Futebol, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol assinaram um memorando, sendo o seguinte o seu teor:
«(…)
Considerando que:
A epidemia SRS-CoV-2 causou uma emergência de saúde pública de âmbito internacional, tendo a Organização Mundial de Saúde, no dia 11 de Março de 2020, classificado a doença COVID-19 como uma pandemia. Esta situação – absolutamente atípica e excepcional – conduziu, naturalmente, a uma necessidade de reorganização da sociedade, quer na forma como todos os cidadãos interagem uns com os outros, quer no que respeita ao funcionamento das organizações, à qual o desporto não ficou alheio;
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, que declara a situação de calamidade em Portugal, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, tendo o Governo anuído na possibilidade de se ver concluída a Liga NOS e a final da Taça de Portugal referentes à época desportiva 2019/2020;
A salvaguarda das competições referidas, nomeadamente com a observação do princípio da estabilidade competitiva e do princípio do mérito desportivo, princípios estes elencados nas directivas Regulamentares da FIFA, publicada através da Circular n.º 1714 e nas linhas orientadoras emitidas pela UEFA quanto à aplicação dos princípios de elegibilidade para as Competições de Clubes da UEFA 2020/2021-COVID 19;
A Federação Portuguesa vais deliberar no sentido de alterar a CO n.º 1 no que diz respeito ao termo da época desportiva, fixando-se o seu término no dia seguinte ao último jogo oficial das competições desportivas da época 2019/2020.

A Federação Portuguesa de Futebol, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol definem como segue:
1.º-O termo da época desportiva 2019/2020 ocorre no dia seguinte ao último jogo oficial das competições desta época.
2.º-Os contratos de trabalho desportivo ou de formação desportiva, celebrados entre clubes participantes da Liga NOS e treinadores e jogadores, e respectivos vínculos desportivos cujo termo ocorra na época desportiva em curso, tal como definida regulamentarmente, consideram-se automaticamente prorrogados até termo da época tal como definido no número anterior.
3.º-De igual forma, os contratos de cedência temporária e respectivos vínculos desportivos em que sejam cessionários clubes participantes na Liga NOS cujo termo ocorra na época desportiva e curso, tal como definida regulamentarmente, consideram-se automaticamente prorrogados nos termos do n.º 1.

(…)». – documento de fls. 44v., também junto na acção apensa a fls. 42v., e que não mereceu impugnação.

15.–Por Comunicado datado de 18 de Junho de 2020, com o n.º 447, a Federação Portuguesa de Futebol deliberou como segue:
«(…)
Para conhecimento dos sócios ordinários, clubes, sociedades desportivas e demais interessados, informa-se que a Federação Portuguesa de Futebol deliberou alterar o Comunicado Oficial n.º 1 da época 2019/20 nos termos e com os fundamentos que seguem:
1.Através do Comunicado Oficial n.º 1 para a época 2019/2020, aprovado em 28 de Junho de 2019, foi determinado pela Direcção da Federação Portuguesa de Futebol que a mesma ocorreria entre 1 de Julho de 2019 e 30 de Junho de 2020.
2.Em 12 de Março, a Federação Portuguesa de Futebol determinou a suspensão de todas as provas nacionais seniores de futebol e futsal, com efeitos a partir do dia 13 de Março, dada a evolução da pandemia COVID -19 no nosso país e a necessidade de proteger todos os intervenientes em tais competições.
3.Foi determinado pela UEFA, em 1 de Abril de 2020, que cada federação poderia indicar os clubes participantes nas competições europeias até ao dia 3 de Agosto.
4.De igual forma a FIFA na sua circular n.º 1714, de 7 de Abril de 2020, que publicou o documento sobre questões regulamentares do Futebol devido à COVID -19, determinou a necessidade da extensão da época desportiva 2019/20.
5.Neste enquadramento e com o desiderato de prorrogar o período da actual época desportiva 2019/20, por forma a acomodar a realização das provas desportivas cuja retoma foi autorizada pelo Governo da República Portuguesa, LigaNOS e Taça de Portugal, foi celebrado em 4 de Maio de 2020 o Memorado de Entendimento entre a Federação Portuguesa de Futebol, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol e a Associação Nacional de Treinadores de Futebol.
6.Na circular n.º 1720 da FIFA, de 11 de Junho de 2020, veio esta entidade estabelecer o prazo de dez dias, antes da data do termo da época inicialmente prevista, para as federações nacionais efectuarem a respectiva comunicação de extensão da época desportiva em curso em face dos constrangimentos provocados pela COVID-19.
Em face do exposto deliberou a Federação Portuguesa de Futebol, a título excepcional e com os fundamentos acima mencionados, aprovar (…) a seguinte alteração ao COMUNICDO OFICIAL N.º 1 DA ÉPOCA 2019/2020:
“Aprovado nas (…) para vigorar na época desportiva 2019/2020, com início a 1 de Julho de 2019 e termo a 2 de Agosto de 2020.”
Em consonância, e considerando que, em regra, nos termos da lei e dos regulamentos em vigor, os registos cessam com o termo da época desportiva, os registos desportivos dos jogadores profissionais e amadores, efectuados na época desportiva 2019/2020, cessam a 2 de Agosto de 2020.

(…)». – documento de fls. 45 e 46, também junto no apenso a fls. 43 e 44, e que não mereceu impugnação.

16.–No dia 5 de Maio de 2020, a Direcção da Liga Portuguesa de Futebol deliberou a suspensão definitiva da Liga Pro na época desportiva 2019-20, com a consequente estabilização da sua classificação final tendo por referência a classificação que se verificava na data de 12 de Março de 2012, mais tendo deliberado a despromoção ao Campeonato de Portugal das Sociedades Desportivas CCC e …. - documento de fls. 46v. a 47v., também junto no apenso a fls. 44v. a 45v., e que não mereceu impugnação; cfr.. também o documento de fls. 454-456, dos autos, também junto no apenso a fls. 445-447.
17.–À deliberação referida em 16., reagiu a ré através de comunicado datado de 5 de Maio de 2020, constante de fls. 48, dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido. – documento de fls. 48, dos autos, também junto a fls. 46, do apenso, e que não mereceu impugnação.
18.–No dia 11 de Maio de 2020, a ré deduziu impugnação graciosa por via de reclamação administrativa contra a deliberação referida em 16..
19.–E, no dia 22 de Maio de 2020, a ré interpôs recurso para o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, com efeito suspensivo, da deliberação referida em 16. e do indeferimento tácito da reclamação referida em 18..
20.–O Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol declarou-se materialmente incompetente para conhecer do recurso interposto pela ré, mais determinando o envio do processo ao Tribunal Arbitral do Desporto.
21.–Por decisão de 10 de Setembro de 2020, o Tribunal Arbitral do Desporto homologou o pedido de inutilidade superveniente da lide decorrente do facto de a ré ter sido convidada a apresentar candidatura à participação na LigaPro na época desportiva 2020/2021, candidatura essa que apresentou e que foi admitida pela Liga Portuguesa de Futebol.
22.–No dia 8 de Julho de 2020, a ré intentou procedimento cautelar com vista à suspensão da deliberação da Direção da LPFP de 5 de Maio de 2020 e da deliberação de 25 de Maio de 2020, aprovadas na reunião extraordinária da Assembleia Geral da LPFP de 8 de Junho de 2020 até à decisão com transito em julgado do recurso que tramitava nos autos principais.
23.–Por Acórdão de 20 de Julho de 2020, do Tribunal Arbitral do Desporto, o procedimento cautelar referido em 22. foi indeferido, por extemporaneidade.
24.–A ré, no dia 23 de Julho de 2020, interpôs recurso da decisão referida em 23. para o Tribunal Central Administrativo Sul.
(os factos constantes dos pontos 18. a 24. decorrem do teor da certidão junta aos autos a fls. 52-358; junta também no apenso, a fls. 54-351v.).

25.–Por Comunicado Oficial datado de 29 de Julho de 2020, com o número 318, a Liga Portuguesa de Futebol deliberou:
«(…)
4.Não admitir a candidatura da sociedade desportiva … a participar nas Competições Profissionais na época 2020-21, com os fundamentos aduzidos no Parecer da Comissão de Auditoria, por incumprimento dos critérios legais e financeiros (…).
5.Consequentemente, excluir a …, da participação nas competições profissionais na época desportiva 2020-21, e nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art. 23.º do RC convidar a CCC, e …., a apresentar candidatura à participação na competição da LigaPro, no prazo que vier a ser fixado.

(…)». – documento de fls. 428-429, dos autos, também junto no apenso a fls. 418 e 419.

26.–Por decisão datada de 20 de Agosto de 2020, a Liga Portuguesa de Futebol admitiu a candidatura da ora ré a participar nas competições profissionais (no caso, a LigaPro). – documento de fls. 431, dos autos, também junto no processo apenso a fls. 421.

27.–Por missiva datada de 22 de Setembro de 2020, o autor AAA comunicou à ré como segue:
«(…)
Exmos. Senhores:
Reportando-me ao Contrato de Trabalho celebrado com V. Excias. em 10 de Janeiro de 2020, com início naquela mesma data e términus em 30 de Junho de 2020, mediante o qual exerci as funções de Treinador Adjunto de Futebol 11 da equipa sénior masculina do “Clube Desportivo Cova da Piedade – Futebol, S.A.D”, venho pela presente solicitar a V. Excias. o pagamento imediato das seguintes retribuições e prémios vencidos e não pagos:
- o valor líquido de 545,66 Euros, correspondente a parte da remuneração do mês de Abril de 2020;
- o valor líquido de 545,66 Euros, correspondente a parte da remuneração do mês de Maio de 2020;
- o valor líquido de 7.000,00 Euros, correspondente ao prémio de manutenção da equipa na II Liga,
no montante total de 8.091,32 Euros, sem prejuízo dos juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento.
Pelo exposto e ao abrigo da cláusula 17.ª, n.º 2 do Contrato de Trabalho supra referenciado, interpelo V. Excias. no sentido de no prazo de 20 dias contados desta interpelação, procederem ao pagamento da quantia de 8.091,32 Euros.

(…)». – documento de fls. 432, dos autos, não impugnado.

28.–Por missiva datada de 16 de Outubro de 2020, a ré comunicou ao autor AAA como segue:
«(…)
Exmo. Senhor,
Vimos em resposta à V. missiva esclarecer o seguinte:
No dia 7 de Maio de 2020 ocorre a descida de divisão do Clube Desportivo da Cova da Piedade.
À data da cessação do contrato de trabalho, a qual se verificou a 30 de Junho de 2020, o CDCP encontrava-se inequivocamente na situação de despromoção do Campeonato de Portugal (II Liga), e por tal razão não se verificou o condicionalismo exigido contratualmente para a atribuição do prémio reclamado.
Nos termos da cláusula 3.ª do contrato de trabalho, o prémio seria devido 30 dias após a homologação da classificação da Federação, o que não chegou a suceder.
O clube volta a ingressar na II liga, não por efeito de impugnação, ou de qualquer outra reacção despoletada pelo clube à decisão de despromoção, mas outrossim, por convite da Liga a 29 de Julho, já após a caducidade do contrato.
Sendo que este convite surge exclusivamente por uma razão: dois clubes que haviam sido promovidos à Liga Nos não cumpriram os requisitos de inscrição, ficando por preencher os respectivos lugares, que por sua vez levaram automaticamente à criação do lugar dos dois clubes despromovidos à II Liga, entre eles o CDCP.
Assim, esta inscrição, posterior à caducidade do contrato não deriva da anulação/revogação da decisão de despromoção, e por conseguinte, não retira os efeitos da despromoção na pendência do contrato.
No que diz respeito às remunerações de Abril e Maio, esclarece-se que nestes meses o V. contrato de trabalho esteve suspenso no âmbito do regime de Lay off simplificado, tendo V. Exa. legalmente direito a receber uma compensação no valor de 2/3 da retribuição, a qual lhe foi paga.
Face a todo o exposto, demonstra-se que nada há a pagar a V. Exa.

(...)» - documento de fls. 434v. e 435, dos autos, não impugnado.

29.–Por missiva datada de 21 de Outubro de 2020, o autor AAA reiterou, junto da ré, a interpelação descrita no ponto 28., nos termos constantes do documento de fls. 436 e 437, cujo teor aqui se dá por reproduzido. – documento de fls. 436 e 437, não impugnado.

30.–Por missiva datada de 22 de Setembro de 2020, o autor BBB comunicou à ré como segue:
«(…)
Exmos. Senhores:
Reportando-me ao Contrato de Trabalho celebrado com V. Excias. em 16 de Janeiro de 2020, com início naquela mesma data e términus em 30 de Junho de 2020, mediante o qual exerci as funções de Treinador Adjunto de Futebol 11 da equipa sénior masculina do “CCC”,
venho pela presente solicitar a V. Excias. o pagamento imediato das seguintes retribuições e prémios vencidos e não pagos:
- o valor líquido de 333,33 Euros, correspondente a parte da remuneração do mês de Abril de 2020;
- o valor líquido de 333,33 Euros, correspondente a parte da remuneração do mês de Maio de 2020;
- o valor líquido de 7.000,00 Euros, correspondente ao prémio de manutenção da equipa na II Liga, tudo no montante total de 7.666,66 Euros, sem prejuízo dos juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento.
Pelo exposto e ao abrigo da cláusula 17.ª, n.º 2 do Contrato de Trabalho supra referenciado, interpelo V. Excias. no sentido de no prazo de 20 dias contados desta interpelação, procederem ao pagamento da quantia de 7.666,66 Euros.

(…)». – documento de fls. 422, dos autos apensos, não impugnado.
31. Por missiva datada de 16 de Outubro de 2020, a ré comunicou ao autor BBB como segue:
«(…)
Exmo. Senhor,
Vimos em resposta à V. missiva esclarecer o seguinte:
No dia 7 de Maio de 2020 ocorre a descida de divisão do CCC
À data da cessação do contrato de trabalho, a qual se verificou a 30 de Junho de 2020, o CDCP encontrava-se inequivocamente na situação de despromoção do Campeonato de Portugal (II Liga), e por tal razão não se verificou o condicionalismo exigido contratualmente para a atribuição do prémio reclamado.
Nos termos da cláusula 3.ª do contrato de trabalho, o prémio seria devido 30 dias após a homologação da classificação da Federação, o que não chegou a suceder.
O clube volta a ingressar na II liga, não por efeito de impugnação, ou de qualquer outra reacção despoletada pelo clube à decisão de despromoção, mas outrossim, por convite da Liga a 29 de Julho, já após a caducidade do contrato.
Sendo que este convite surge exclusivamente por uma razão: dois clubes que haviam sido promovidos à Liga Nos não cumpriram os requisitos de inscrição, ficando por preencher os respectivos lugares, que por sua vez levaram automaticamente à criação do lugar dos dois clubes despromovidos à II Liga, entre eles o CDCP.
Assim, esta inscrição, posterior à caducidade do contrato não deriva da anulação/revogação da decisão de despromoção, e por conseguinte, não retira os efeitos da despromoção na pendência do contrato.
No que diz respeito às remunerações de Abril e Maio, esclarece-se que nestes meses o V. contrato de trabalho esteve suspenso no âmbito do regime de Lay off simplificado, tendo V. Exa. legalmente direito a receber uma compensação no valor de 2/3 da retribuição, a qual lhe foi paga.
Face a todo o exposto, demonstra-se que nada há a pagar a V. Exa.

(...)» - documento de fls. 424v. e 425, dos autos apensos, não impugnado.

32.–Por missiva datada de 21 de Outubro de 2020, o autor BBB reiterou, junto da ré, a interpelação descrita no ponto 30.., nos termos constantes do documento de fls. 426 e 427, dos autos apensos, cujo teor aqui se dá por reproduzido. – documento de fls. 426 e 427, do apenso, não impugnado.
3.2.-Estabelece o art. 662.º, n.º 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Os Apelantes pretendem o aditamento dos seguintes factos constantes das petições iniciais e admitidos por acordo, para além de demonstrados pelos documentos referenciados:
- A 21 de Maio de 2020, a ré emitiu novo comunicado, desta feita colocando cirurgicamente em causa a conduta e os actos do Presidente da LPFP, responsabilizando-o pessoalmente por factos ocorridos naquela reunião de 5 de Maio e que, no entender da ré, haviam condicionado a decisão tomada, reiterando ad nauseam que iria lutar pela reposição da legalidade, doesse a quem doesse e “até às mais últimas consequências”, nos termos do Doc. 23;
- A 3 de Junho de 2020, a ré emite novo comunicado dando conta aos sócios, trabalhadores e simpatizantes, da decisão da remessa do recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto (doravante TAD), congratulando-se com a celeridade e oportunidade de tal decisão, nos termos do Doc. 25;
- A Ré não procedeu ao pagamento aos Autores do prémio de manutenção previsto nos contratos.
Ora, a norma acima transcrita pressupõe a necessidade da alteração, o que não ocorre in casu. Os 1.º e 2.º factos referem meros comentários ou informações dirigidos a terceiros, por reporte aos factos provados sob os pontos 18. e 20., respectivamente, não apresentando qualquer utilidade adicional. Quanto ao 3.º facto, é também despiciendo, na medida em que o pagamento é que tinha de ser alegado e provado pela ré, na eventualidade de os autores lograrem demonstrar os pressupostos do seu direito ao recebimento do prémio de 7.000,00 € previsto nos respectivos contratos de trabalho.
Improcede, pois, a pretensão dos Recorrentes.

Sem prejuízo, constata-se que, para apreciação de tal direito dos autores – que, como é pacificamente aceite, passa pela interpretação do que a tal respeito se estipulou nos contratos de trabalho outorgados entre aqueles e a ré –, mostra-se necessário aditar nos pontos 1. e 2. da factualidade provada o teor das cláusulas 5.ª, n.º 2 e 6.ª dos contratos, a saber:
Cláusula 5.ª
(…)
2.–Caso a primeira outorgante tenha a manutenção garantida e rescindir o presente contrato antes da data prevista para o seu termo, terá de liquidar o prémio de manutenção, assim como, os demais prémios aplicáveis.
Cláusula 6.ª
1.–Se a primeira outorgante promover indevidamente o despedimento do segundo outorgante, por ausência de processo disciplinar ou falta de justa causa, ou incorrer em comportamento que constitua o segundo outorgante no direito de rescindir o contrato com justa causa, fica obrigado a pagar-lhe uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, deduzidas das que eventualmente o treinador venha a auferir pela mesma actividade durante o período em causa.
2.–As retribuições vincendas referidas no número anterior abrangem, para além da remuneração base, apenas os prémios devidos em função dos resultados obtidos até o final da época em que foi promovida a rescisão do contrato.
Estes aditamentos, oficiosamente determinados, ficam a constar no local próprio do ponto 3.1..
3.3.-Vejamos, então, se aos autores assiste o direito a receberem da ré o prémio de 7.000,00 € previsto na Cláusula 3.ª dos respectivos contratos de trabalho.

No contrato celebrado em 10 de Janeiro de 2020 com o autor AAA, essa cláusula tem a seguinte redacção:
«A primeira outorgante, em função dos resultados, pagará em valor líquido, ao segundo outorgante o seguinte prémio, 30 dias após a homologação da classificação pela Federação: a) Assegurando a manutenção da 2.ª Liga - € 7.000,00.»

No contrato celebrado em 16 de Janeiro de 2020 com o autor BBB, tem o seguinte teor:
«A primeira outorgante, em função dos resultados, pagará em valor líquido, ao segundo outorgante em função da manutenção na 2.ª Liga o prémio de 7.000 € (…), 30 dias após a homologação da classificação pela Federação.»

Estabelece o Código Civil, na parte que interessa:
Artigo 236.º
(Sentido normal da declaração)
1.–A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2.–Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.
Artigo 237.º
(Casos duvidosos)
Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.
Artigo 238.º
(Negócios formais)
1.–Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
2.–Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.
Consagrou-se, pois, em matéria de interpretação da declaração negocial, a chamada teoria objectivista da impressão do destinatário[1], por ser a que melhor tutela a confiança que a este é devida, sem prejuízo de se atender à vontade real do declarante, se for conhecida do declaratário.

Como se diz na decisão recorrida, não destacando a lei quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação, deverão ser tidas em conta todas aquelas que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz teria efectivamente considerado, nomeadamente, citando Vaz Serra, “os termos do negócio, os interesses nele compreendidos, o seu mais razoável tratamento, o objectivo do declarante, as negociações preliminares e os usos” [2], sendo certo que, em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.

Ora, o sentido objectivo da estipulação contratual em causa nos presentes autos é de que o prémio de 7.000,00 € seria pago aos autores em função dos resultados alcançados pelos mesmos, que, em concreto, consistiam em assegurar a manutenção da equipa que treinavam na II Liga, e daí que o mesmo se vencesse no prazo de 30 dias após a homologação da classificação pela Federação, que era o acto que tornaria definitiva a manutenção ou despromoção da equipa em função dos resultados. Estava em causa uma atribuição patrimonial que, ao contrário da retribuição base e demais prestações pecuniárias devidas pela mera prestação do trabalho, visava incentivar e reconhecer o mérito e contribuição activa dos autores na prossecução e atingimento do objectivo proposto.

É esse o sentido comum, corrente, usual, da estipulação de prémios em função dos resultados no âmbito das relações laborais, e, muito em especial, das relações laborais entre titulares de clubes futebolísticos e respectivos jogadores, treinadores e eventualmente outros elementos da equipa técnica. Não é razoável supor que um empregador, maxime uma sociedade anónima desportiva, se disporia a desembolsar a favor dum treinador – necessariamente admitido mediante contrato a prazo, compreendido na época desportiva – uma quantia superior à retribuição base, na condição de o seu clube alcançar uma vantagem desportiva dependente da vontade de terceiro e alcançada sem o concurso do mérito daquele profissional, ou melhor, apesar da falta dele.

Ademais, resulta da factualidade provada que os autores foram contratados já no decurso da época desportiva 2019-20 por causa dos maus resultados que a equipa da ré estava a ter e com a finalidade de inverterem a situação e assegurarem a manutenção daquela na II Liga, sendo inequivocamente nessa perspectiva de incentivo e reconhecimento do resultado proposto que se previu a atribuição do prémio.

Isso mesmo resulta do teor das Cláusulas 5.ª, n.º 2 e 6.ª dos contratos, cujo aditamento à factualidade provada se determinou.
De acordo com a Cláusula 5.ª, n.º 2, caso a ré rescindisse os contratos antes da data prevista para o seu termo, tendo a manutenção garantida, teria na mesma de pagar o prémio de manutenção aos autores, o que, a contrario, não teria de fazer caso não tivesse a manutenção garantida, deste modo se evidenciando bem a conexão estabelecida entre o contributo dos autores na concretização do resultado proposto e a obrigação de pagamento do prémio. Na verdade, tanto seria contrário à finalidade da estipulação e aos ditames da boa fé que a ré pudesse furtar-se ao pagamento dum prémio previsto para um resultado já alcançado, através da mera rescisão do contrato em data anterior ao termo estabelecido, como que tivesse de pagá-lo numa situação em que esta rescisão ocorresse em virtude de resultados insatisfatórios e com a intenção de proceder à contratação doutros treinadores, a quem, seguramente, teria de pagar prémios semelhantes no caso de conseguirem a almejada manutenção na II Liga.

Por seu turno, na Cláusula 6.ª previu-se que, em caso de despedimento ilícito dos autores pela ré, ou de resolução do contrato com justa causa por parte daqueles, na indemnização correspondente ao valor das retribuições que seriam devidas se os contratos cessassem no seu termo, deduzidas das que eventualmente os autores viessem a auferir pela mesma actividade durante o período em causa, seriam considerados os prémios devidos em função dos resultados obtidos até ao final da época em curso à data daqueles actos. Com efeito, também nesta situação seria contrário à finalidade da estipulação e aos ditames da boa fé que a ré se eximisse ao pagamento do prémio, sendo ela que ilicitamente impossibilitara os autores de alcançar a manutenção na II Liga. Trata-se, bem vistas as coisas, de aplicar a solução prevista no art. 795.º, n.º 2 do Código Civil, nos termos do qual, nos contratos bilaterais, se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, este não fica desobrigado da contraprestação, embora, se o devedor tiver algum benefício com a exoneração, o valor do benefício deva ser descontado na contraprestação.

No caso dos autos, porém, não só os resultados obtidos pelos autores não garantiam o propósito estabelecido na data em que a Liga Portuguesa de Futebol decidiu suspender as provas da II Liga, em virtude da crise da pandemia Covid-19, como aquela entidade, por se manter tal circunstancialismo, veio a considerar aquela situação definitiva e despromoveu a equipa sénior da ré ao Campeonato de Portugal. É certo que os autores viram-se impossibilitados de continuar os seus esforços para alcançar o resultado que proporcionaria o recebimento do prémio, mas por motivo não imputável aos próprios ou à ré, reconduzindo-se a situação ao previsto no n.º 1 do citado art. 795.º do Código Civil, segundo o qual, quando no contrato bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa.

Não releva o argumento dos autores de que a ré se insurgiu firme e repetidamente contra a decisão da Liga Portuguesa de Futebol e veio a conseguir a sua reversão.

Em 1.º lugar, por tudo quanto se disse no que toca ao sentido da estipulação constante da Cláusula 3.ª dos contratos, não nos parece que a eventual manutenção da equipa da ré na II Liga, por revogação da decisão da Liga Portuguesa de Futebol, sendo alheia ao mérito profissional dos autores,  lhes conferisse o direito ao recebimento do prémio.

Por outro lado, a deliberação da Liga Portuguesa de Futebol de «(…) excluir a …, da participação nas competições profissionais na época desportiva 2020-21, e nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art. 23.º do RC convidar a CCC, e …., a apresentar candidatura à participação na competição da LigaPro (…)», não constitui qualquer revogação da decisão de despromoção da equipa da ré, antes pelo contrário, o convite em causa pressupõe a sua despromoção. Não se tratou duma verdadeira “manutenção” da equipa da ré na II Liga, mas dum re-ingresso que ocorreu em virtude da exclusão doutro clube da participação nas competições profissionais, por falta de requisitos legais ou regulamentares. Por outras palavras: a ré não conseguiu a “manutenção” na II Liga por causa dos bons resultados; conseguiu a “manutenção” na II Liga apesar dos maus resultados, por verificação dum facto estranho a si.

Ademais, qualquer que seja a época desportiva, este procedimento pressupõe a definitividade das classificações obtidas pelos clubes e a sua tradução em manutenção na II Liga ou despromoção ao Campeonato de Portugal, ou seja, a sua tramitação teria lugar em momento necessariamente posterior ao da verificação dos pressupostos do direito dos autores ao prémio, tendo em conta a finalidade e prazo de vencimento de acordo com a Cláusula 3.ª dos contratos, pelo que nada poderia acrescentar quanto à constituição de tal direito.

Pelo exposto, atento o sentido com que deve ser aplicada a estipulação contratual em apreço, improcede o recurso dos autores.

4.–Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e confirmar o despacho saneador-sentença recorrido.
Custas pelos Apelantes.



Lisboa, 26 de Outubro de 2022



Alda Martins
Sérgio Almeida
Francisca Mendes



[1]Cfr., v.g., Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição, em anotação ao art. 236.º.
[2]In “Revista de Legislação e Jurisprudência”, Ano 111.º, p. 120.