Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1787/13.6TBVFX-A.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
MONTANTE DE COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: I - Interposto recurso que não tem por objeto a reapreciação da prova gravada (apenas tendo sido invocados, para fundamentar a pretendida modificação da decisão da matéria de facto, os documentos juntos aos autos e o relatório da perícia), não pode a Apelada beneficiar do acréscimo de 10 dias (ao prazo de 30 dias) para apresentar a sua alegação de resposta, ainda que nesta tenha requerido a ampliação do âmbito do recurso, impugnando a decisão recorrida sobre determinados pontos da matéria de facto, com invocação de meios probatórios gravados – artigos 636.º e 638.º, ambos do CPC.
II - Tendo o recurso por objeto a apreciação do montante da compensação devida pela atribuição à Apelada do uso exclusivo da casa de morada de família até à partilha ou venda deste imóvel, a circunstância de, após a prolação da sentença e interposição do recurso, ter sido efetuada a partilha não conduz à extinção da instância de recurso por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277.º, al. e), do CPC.
III - Estando estipulado no acordo, cuja alteração é pedida, que “quanto ao destino da casa de morada de família, propriedade de ambos requerentes, sita (..), fica desde já atribuída ao cônjuge mulher, até à partilha ou venda, competindo à mesma pagar a respectiva prestação relativa ao crédito hipotecário, até essa data”, tudo indica que a vontade das partes foi a de fazer coincidir o valor atribuído ao uso da casa com o da prestação devida ao banco pela amortização do empréstimo hipotecário, não tendo sido considerado nenhum acréscimo de valor relativo ao recheio.
IV - Vindo a ser considerado justificado um aumento do valor da compensação devida, atendendo-se, além do mais, ao valor locatício do imóvel vazio (1.000 €), não há que aumentar aquela compensação apenas pelo facto de o valor locatício com os móveis nele existentes ser superior, tanto mais que não resulta sequer dos factos provados que estes últimos sejam bens comuns.
V - No circunstancialismo fáctico apurado, sendo a casa de morada de família um bem comum, não há que atribuir à Requerida o arrendamento do imóvel, como se este fosse bem próprio do Requerente, antes sendo de considerar que aquela fica obrigada a pagar (até à partilha) uma compensação monetária, no valor de 264 €, pelo uso exclusivo do imóvel, continuando a suportar na íntegra a prestação bancária (incluindo os 236 € que eram da responsabilidade do Requerente).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
AAA interpôs o presente recurso de apelação da sentença que atendeu parcialmente o pedido de alteração do acordo sobre o destino da casa de morada da família que o mesmo deduziu por apenso à ação de divórcio contra si intentada por BBB.
Nesta última ação, as partes, no decurso da audiência realizada em 06-01-2015, acordaram no seu divórcio por mútuo consentimento, tendo sido então proferida sentença que homologou os acordos obtidos, designadamente: “quanto ao destino da casa de morada de família, propriedade de ambos requerentes, sita em …, Samora Correia, freguesia de Samora Correia, concelho de Benavente, fica desde já atribuída ao cônjuge mulher, até à partilha ou venda, competindo à mesma pagar a respectiva prestação relativa ao crédito hipotecário, até essa data”.
No presente apenso, o Requerente, no seu requerimento inicial, apresentado em 28-12-2017, pediu a alteração do referido acordo, no sentido de ser:
a) imposto à Requerida o pagamento ao Requerente da quantia de 464 € por mês, a partir da entrada do seu requerimento;
b) mantido na esfera da Requerida o pagamento (integral) das prestações mensais devidas ao Banco, devendo o valor da responsabilidade do Requerente, à data de 236 €, acrescer ao valor indicado em a), tendo assim a Requerida que lhe pagar o valor global de 700 €/mês até à partilha ou venda do imóvel.
 Alegou, para tanto e em síntese, que:
- Nos autos principais de divórcio, acordou com a Requerida que a casa de morada de família fosse atribuída a esta, até venda ou partilha do imóvel (competindo à mesma pagar a respetiva prestação relativa ao crédito hipotecário), na convicção de que esta promoveria a venda do imóvel, num curto espaço de tempo, ou que, também em curto espaço de tempo, desencadearia o processo de inventário e partilha;
- A Requerida, não só não promoveu a venda do imóvel em causa, como também tem contribuído para a demora na resolução definitiva do processo de inventário;
- As condições económicas da Requerida também se alteraram uma vez que contraiu novo matrimónio e o atual marido, que reside no imóvel em causa, tem um rendimento anual superior a 50.000,00 €;
-  O Requerente teve de arrendar nova casa, pagando por mês a renda de 500,00 €;
- O valor da prestação do crédito bancário relativo ao imóvel do ex-casal é de 472.13 €;
- A casa habitada pela Requerida é uma moradia que, colocada no mercado de arrendamento, renderia entre 1.300 a 1.400 €/mês, conforme doc. que junta;
- Existe um desequilíbrio manifesto entre o esforço financeiro que está obrigado a suportar, comparativamente com o esforço financeiro da Requerida, que é apenas de 236,00 € (50% da prestação em vigor); e uma deslocação patrimonial do Requerente em proveito da Requerida e do seu atual marido, que urge reparar.
Juntou documentos e arrolou uma testemunha.
A Requerida deduziu oposição à pretensão do Requerente, pugnando pelo indeferimento do pedido, mantendo-se aquela, até à partilha ou venda da casa, a residir na mesma, competindo-lhe, tão-só, pagar a respetiva prestação de 472,13 € relativa ao crédito hipotecário.
Alegou, para tanto e em resumo, que:
- A casa foi-lhe atribuída porque o Requerente se recusou a ficar com ela, tendo a Requerida ficado a suportar sozinha todas as despesas relativas à mesma por imposição do Requerente;
- Inexiste um desequilíbrio financeiro, tendo em atenção as despesas que a Requerida tem;
- A existir desequilíbrio financeiro, é em desfavor da Requerida, que paga ao Banco uma casa que também pertence ao Requerente, o qual nunca contribuiu com nada para arcar com tal despesa;
- A renda que poderia ser obtida pela casa, se fosse arrendada, seria na ordem dos 750 a 850 €/mês, conforme documento que junta.
Juntou documentos e arrolou quatro testemunhas.
Foi determinada a realização de perícia sobre o valor locatício da casa, a qual também incidiu sobre os valores de mercado dos bens móveis nela existentes (cf. relatórios juntos aos autos em 07-09-2018).
Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelas partes.
De seguida, em 02-05-2019, foi proferida a sentença recorrida, cujo dispositivo tem o seguinte teor (sublinhado nosso):
“Atribui-se a BBB o arrendamento da casa de morada de família: prédio urbano, cuja morada é …  freguesia de Samora Correia, concelho de Benavente, fracção “D”, inscrito na Conservatória do Registo Predial de Benavente n.º ... e descrito na matriz sob o artigo ....
Fixa-se o valor da renda, a suportar por BBB, em € 264,00.
O arrendamento terá o regime supletivo dos arrendamentos para habitação. Custas pelo requerente e requerida, na proporção do decaimento (cf. artº 527º nº 2 do CPC).
Registe e notifique.”
Notificadas as partes (notificação elaborada em 27-05-2019), veio o Requerente, em 26-06-2019, interpor recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1.ª) Nos termos do art. 662º/1 do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2.ª) Existem nos autos documentos, especificamente o documento 13 junto com o requerimento inicial que constitui cópia da relação de bens comuns, assinada pelo requerente e pela requerida no processo de divórcio e o RELATÓRIO DE PERÍCIA, ordenada oficiosamente, donde resulta que tais bens, para além de serem comuns, estão no imóvel onde a requerida tem a sua residência e a da sua família actual.
3.ª) Por força das conclusões antecedentes, deverão ser acrescentados aos factos dados como provados os seguintes:
r) Requerente e requerida descreveram na relação de bens comuns junta ao pedido de divórcio, o recheio da casa de morada da família, composto por móveis e diversas utilidades domésticas, a que atribuíram o valor de €10.000,00.
s) O imóvel que constituiu a casa de morada de família e que, por acordo no processo de divórcio, ficou a ser utilizada exclusivamente pela requerida está devidamente mobilado e equipada com os móveis e equipamentos comuns;
t) No acordo sobre a atribuição da casa de morada de família ficou estipulado que ficaria atribuída à ora requerida, “até à partilha ou venda, competindo à mesma pagar a respectiva prestação relativa ao crédito hipotecário”.
4.ª) No Relatório da Perícia, o Sr. Perito atribuiu como valor da renda mensal do imóvel vazio, € 1.000,00 e ao imóvel com mobília e electrodomésticos, €1.250.00.
5.ª) O M.mo Juiz “a quo” quantificou o valor da renda, tomando por base os €1.000,00, não considerando, sem fundamentar, o valor atribuído ao arrendamento do imóvel arrendado com mobílias e equipamentos, que são bens comuns.
6.ª) O valor da renda foi fixado na sentença agora posta em crise em € 264,00, assim justificado: € 500,00, (metade da renda) a que será deduzida metade da prestação devida ao banco que a requerida vem suportando em nome e por conta do requerente, no montante de € 236,00, que a requerente tem direito a exigir na partilha.
7.º) A tese que suportou os valores fixados pelo M.mo Juiz “a quo” não tem qualquer suporte no pedido do requerente que quantificou e pediu que a renda fosse actualizada e fixada em €700,00 mês.
8.º) A tese perfilhada pelo M.mo Juiz teria para o requerente consequências altamente prejudicais, uma vez que o valor com que ficaria seria apenas de € 9.00 (€ 264,00 - € 236,00), tendo de pagar à requerente, em sede de partilhas, no mínimo €14.256,00, em função dos 50% dos valores suportados pela requerida ao banco financiador, se a sentença agora posta em crise não fosse revogada.
9.ª) Sendo que na perícia foi apurado como valor de renda mensal do imóvel mobilado e equipado em € 1.250,00, o requerente terá direito a € 625.00 a pagar pela requerida da seguinte forma:
a) €236,00, por compensação, com o valor suportado e a suportar pela requerida, correspondente a 50% da prestação vencidas e vincendas no empréstimo bancário;
b) €389,00, a pagar mensalmente e até ao dia 8 pela requerida, através de transferência bancária para a conta do requerente a indicar.
10.ª) A decisão do Tribunal “a quo”, se não revogada, levaria a um enriquecimento sem causa da requerida ao longo destes 4 anos e meio em que está a usufruir o bem comum em cerca de €14.256,00, resultante dos 50% do valor das prestações bancárias, já que, na tese do M.mo Juiz, aquele valor será exigível na partilha pela requerida.
11.ª) O empobrecimento do requerente agrava-se ainda mais pelo facto de se ter obrigado a arrendar uma casa para a sua habitação própria e para os dos filhos, para dar cumprimento ao estipulado quanto ao acordo sobre a guarda dos menores que ficou a ser partilhada, obrigando-o a pagar € 500.00 mensais.
Termina o Apelante a sua alegação recursória, afirmando que a sentença violou os artigos 1730.º e 1793.º, ambos do CC e agravou a sua situação de empobrecimento, o que o art. 473.º do CC não admite, pelo que deve ser alterado o acordo sobre a casa de morada de família, com a fixação de uma renda mensal a favor do Requerente em 625 € para ser paga nos termos descritos, desde a data da entrada em juízo do presente incidente e até à data da partilha ou venda do imóvel, com custas integrais a cargo da Requerida.
No dia 26-07-2019, o Apelante apresentou requerimento com o seguinte teor:
“1. Na conferência de interessados realizada no dia 28 de Junho findo, requerente e requerida acordaram na partilha dos bens.
2. Na sequência, foi o processo remetido a este Tribunal para homologação, correndo termos no Juiz 2, como o número de Processo 2143/19.8T8VFX.
3. O presente apenso deverá ser julgado extinto por inutilidade superveniente, face ao acordo referido, acordando ainda as partes em:
c) Custas em partes iguais;
d) Prescindir mutuamente das custas de parte:
O presente requerimento é de subscrição múltipla”.
Não tendo ocorrido a subscrição do requerimento pelo mandatário da Requerida, foi, em 30-09-2019, proferido despacho determinando a notificação do Apelante para “informar se com o requerimento de 26.07.2019 (Refª. 33093003) pretende desistir do recurso interposto em 26.06.2019, sendo certo que se nada for dito será entendido como afirmativo.”
No dia 11-10-2019, o Apelante apresentou requerimento, referindo designadamente que:
1º O requerimento em causa foi levado aos autos na sequência da conferência de interessados realizada no dia 28 de Junho último, no Notário da Drª …, com cartório em Alverca, onde (…) foi possível chegar ao acordo sobre a partilha.
2º Na sequência, foi o processo remetido a este Tribunal para homologação, a que coube o número 2143/19.8T8VFX do Juiz 2.
3º O acordo foi homologado, averbando a Srª Notária, em 05-09-2019, na respectiva plataforma:… “estado do Processo em Tribunal para "Despachado."
3º Na data da realização da conferência de interessados foi igualmente acordado que seria posto termo ao presente processo, configurando-se como plausível a modalidade da extinção por inutilidade superveniente face ao dito acordo de partilha.
(…) 9º Mais grave: a requerida não marcou até à data a escritura de partilha e não pagou, como é óbvio, as tornas acordadas ao aqui requerente, invocando motivos evasivos.
12º Porém, no caso, apenas uma das partes, o requerente, cumpriu o que se obrigou, não havendo até à data, quaisquer indícios de que a outra parte pretenda cumprir, ou, pelo menos cumpri-lo, em tempo razoável, decorrido que estão mais de 3 meses após a conferência.
11º Face ao exposto, vem o requerente dizer a V. Exa, de harmonia com o douto despacho a que se responde, que não pretende desistir do recurso interposto em 26.06.2019, devendo os autos aguardar que as partes venham confirmar, em requerimento conjunto, o mesmo, logo que a escritura de partilha seja formalizada no notário.
12º Por outras palavras: o requerente mantém-se fiel aos compromissos assumidos, desde que a requerida pratique os actos necessários ao cumprimento do acordo que engloba a partilha e a presente acção judicial.
13º Autorizando V. Exa a suspensão da instância, por um prazo de 30 dias, nos termos do art. 269º/1 d) primeira parte do CPC, sem prejuízo do direito ao contraditório da requerida de todos os actos que poderia praticar depois da data da entrada em Juízo das alegações de recurso.”
Em 29-10-2019, foi determinada a notificação da Requerida para se pronunciar acerca do exposto neste último requerimento, mas nada veio dizer.
Em 16-12-2019, foi ordenada nova notificação do Requerente para informar se pretendia desistir do recurso interposto ou o prosseguimento dos autos.
Nada tendo sido respondido, foi, em 26-02-2020, determinada a notificação pessoal do Requerente nos termos do despacho anterior, vindo este informar, mediante requerimento apresentado em 19-05-2020, que pretendia o prosseguimento dos autos, uma vez que a Requerida não cumprira até à data as condições inseridas no primeiro dos referidos requerimentos, nem com as obrigações assumidas na conferência preparatória.
Em 10-09-2020 foi proferido despacho determinando que, face ao recurso interposto em 26-09-2019 e aos requerimentos de 26-07-2019 e 11-10-2019, se notificasse a Requerida, informando-a que se reiniciava o prazo para, querendo, contra-alegar.
Elaborada essa notificação em 17-09-2020, foi apresentada alegação de resposta pela Apelada em 05-11-2020, em que começa por referir que, “para além de se propor responder às alegações do recorrente, pretende, também, ampliar o âmbito do recurso e suscitar a reapreciação da matéria de facto”, acrescentando que, “face à prova existente nos autos, à prova produzida em audiência de discussão e julgamento e ao Direito aplicável, a decisão proferida pelo Tribunal a quo é, manifestamente, merecedora de censura, porquanto enferma de vários vícios. A saber,
- Quanto à reapreciação da matéria de facto”.
Formulou extensas “conclusões”, designadamente, no que ora importa, as seguintes:
(…) e) Assim sendo, o facto 16 dado como provado deverá ser dado como não provado.
(…) j) O referido facto nº 15 dado como provado deverá passar a ter a seguinte redação:
“15 - O requerente habitou na dita fração, que tinha uma renda de € 500,00, até Junho de 2018, (…).”
(…) k) Deu o Mmº Juiz a quo como não provado que a requerida tenha de realizar todos os dias úteis cerca de 100 km e pagar ainda portagens para ir levar os filhos à escola.
(…) o) Assim sendo, deve ser dado como provado o facto de que a requerida tenha de realizar todos os dias úteis cerca de 100 km e pagar ainda portagens para ir levar os filhos à escola, facto este que o Mmº juiz a quo considerou como não provado.
(…) t) A responsabilidade por toda a morosidade quer do processo de divórcio, quer do processo de inventário, num total de cerca de seis anos, não pode ser assacada, de forma nenhuma, à recorrida pelo que, tal facto, entende a recorrida, não pode ser invocado pelo Mmº Juiz a quo para considerar “que a demora da venda ou da partilha do imóvel em causa (…) constitua um dos factos superveniente relevantes que deve motivar uma alteração dos termos do acordo de atribuição da casa de morada de família.” e, por essa razão, “castigar” a recorrida condenando-a no pagamento de uma renda mensal no valor de € 264,00.
u) Não consta dos factos dados como provados, nem em qualquer outra parte do aresto ora posto em crise, que tenha havido uma “alteração favorável dos rendimentos da requerida”.
(…) y) Não existe termo de comparação para que o Tribunal a quo tenha decidido, como decidiu, que, naquele ano de 2017 tivesse existido uma alteração favorável dos rendimentos da recorrida.
z) O recorrente requer a alteração do acordo sobre a casa de morada de família desde a data da entrada em juízo do presente incidente, em 28.12.2017, o que na prática aponta para o ano de 2018.
aa) Entende a recorrida que curial seria o apuramento dos seus rendimentos no ano de 2018 e não no ano de 2017.
bb) E diz-se curial porque, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo condenou a recorrida no pagamento de uma quantia, a partir de janeiro de 2018, sem efetivamente saber se nesse ano esta teria capacidade financeira para o fazer.
cc) Outro tanto se diga relativamente ao recorrente. De facto, o Tribunal a quo apurou, somente, o rendimento anual global do recorrente e do seu agregado familiar no ano de 2017, nada se sabendo relativamente aos anos de 2016, 2015 e 2014.
dd) Não procedendo de culpa da recorrida a demora da venda ou da partilha do imóvel em causa, nem se verificando a alteração favorável dos rendimentos da requerida, por falta de termo de comparação, não estão reunidos os pressupostos (factos supervenientes relevantes) que devem motivar uma alteração dos termos do acordo de atribuição da casa de morada de família.
ee) Pelo exposto de p) a dd), entende a recorrida que o Tribunal a quo deveria ter mantido os termos do acordo de atribuição da casa morada de família e não ter decidido pela sua alteração como efetivamente fez.
ff) Em 26.07.2019 o recorrente alega que o processo de partilha, cuja conferência de interessados ocorrera um mês antes, foi remetido ao Tribunal para homologação, pelo que o presente apenso, e bem dizemos nós, deverá ser julgado extinto por inutilidade superveniente, face ao acordo referido.
(…) kk) Como é consabido, a escritura de partilha só pode ser feita após o trânsito em julgado da sentença homologatória do Processo de Inventário.
ll) Tendo ocorrido em 05.12.2019 o trânsito em julgado da sentença homologatória do Processo de Inventário nº 2681/15, que correu os seus termos junto do Cartório Notarial de ..., a Recorrida, 15 (quinze) dias depois, no dia 20.12.2019, pagou ao recorrente a quantia de 60.000,00 (sessenta mil euros) a título de tornas.
mm) No dia 6 de Fevereiro de 2020, a Recorrida procedeu ao registo da casa morada de família em seu nome, como consequência da partilha subsequente ao divórcio, e como se constata através da competente certidão permanente com o código de acesso GP2058-29465-140502-00....
nn) No dia 19 de Maio de 2020, o Recorrente veio comunicar aos autos que manteria o recurso, se não fossem cumpridas as condições descritas.
(…)  pp) O Recorrente bem sabia que, à data de 19.05.2020, já tinha recebido, em Dezembro de 2019, a quantia de € 60.000,00 a título de tornas e que, desde Fevereiro de 2020, a antiga casa morada de família deixou de o ser porquanto a aqui recorrida procedeu ao registo do referido imóvel em seu nome, como consequência da partilha subsequente ao divórcio.
qq) O alegado no requerimento que se acaba de citar é, não só uma enorme falta de respeito para com o Tribunal, como também configura, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 2 al. b) do Artº 542º do CPC, uma manifesta litigância de má fé, na medida em que o recorrente, dolosamente, altera a verdade dos factos e omite factos relevantes para a decisão da causa.
rr) Uma vez que o recorrente invoca como razões para requerer o prosseguimento dos autos o facto de, em 19.05.2020, a Requerida não ter cumprido com as obrigações por ela assumidas na conferência da partilha e tal não corresponder à verdade, então, e a contrario, uma vez que essas obrigações já estavam cumpridas, e tal como o próprio requerente já assumira no seu requerimento de 26.07.2019, o presente apenso deverá ser julgado extinto por inutilidade superveniente, face ao acordo referido (negrito e sublinhado nossos).
Termina a Apelada, requerendo que seja “dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-a por decisão que decida em conformidade com as conclusões alinhadas e a fundamentação das mesmas contidas nestas alegações”.
Juntou três documentos (certidão do processo de inventário, documento de operação bancária e certidão da Conservatória do Registo Predial).
O Apelante apresentou, em 18-11-2020, requerimento em que se pronunciou a respeito do pedido de condenação como litigante de má-fé (no sentido da não verificação dos respetivos pressupostos). Juntou três documentos.
No seguimento do despacho da ora Relatora que assim o determinou, as partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a intempestividade da alegação de resposta e sobre a questão da extinção da instância de recurso aí suscitada, esclarecendo se aquando da partilha, no cálculo do valor das tornas, tiveram (ou não) em vista as prestações relativas ao empréstimo bancário acima referidas e/ou as demais quantias peticionadas nos presentes autos.
As partes pronunciaram-se, conforme consta dos requerimentos de 27 e 28 de janeiro, o Apelante, e 29 de janeiro, a Apelada.
O Apelante referiu que:
“1. As prestações mensais vencidas no empréstimo bancário após a homologação do acordo sobre a casa de morada de família foram assumidas no mesmo pela apelada, a título de compensação pelo uso exclusivo do imóvel enquanto se mantivesse indiviso;
2. Do mesmo modo, não foram abrangidas também as demais quantias peticionadas nos presentes autos;
3. Nem antes, nem na própria conferência de partilha, qualquer das partes chamou à colação tais valores, sendo que os mesmos e a pendência dos presentes autos eram apenas do seu conhecimento e não da Senhora Notária onde correu o respectivo processo de partilha.
4. Daí que, de forma inequívoca, o valor das tornas acordado se tivesse baseado apenas no valor do capital em divida aquela data, comunicado pelo banco ao Cartório Notarial.
5. Pretendendo o apelante reunir urgentemente as condições para obter novo financiamento bancário para aquisição da habitação própria (receber as tornas e ter capacidade de endividamento, com a assunção das responsabilidades do empréstimo pela apelada) admitiu, após a conferência da partilha, prescindir dos valores peticionados nestes autos, sujeitos às condições insertas no requerimento de 26-07-2020.
6. Condições que nunca foram aceites pela recorrida, alheando-se totalmente do processo até 05-11-2020, como resulta dos autos, mantendo-se, por isso, válida a instância”.
A Apelada respondeu, no que ora releva, que:
“I. Da intempestividade da apresentação da alegação de resposta em 05.11.2020
1º No 2º parágrafo da pág. 4 do despacho a que ora se responde lê-se: (…)
2º Efectivamente, o recurso interposto pelo Apelante não tem por objeto a reapreciação da prova gravada (apenas tendo sido invocados, para fundamentar a pretendida ampliação/modificação da decisão da matéria de facto, os documentos juntos aos autos e o relatório da perícia).
Contudo, essa foi uma opção que o Apelante tomou, qual seja a de não recorrer á prova testemunhal para fundamentar as posições por si assumidas em sede recursória.
3º Mas, essa opção não invalida que, ab initio e em abstrato, o Apelante não tivesse ao seu dispor o prazo previsto no nº 7 do artº 638º do CPC.
Por outras palavras,
4º Se o apelante, por hipótese, tivesse apresentado as suas alegações de recurso no prazo de cinco dias, isso não significa que a Apelada tivesse só cinco dias para a sua alegação de resposta.
(…) 9º O Apelante aceita o facto j) dado como provado.
A Apelada insurge-se contra tal, tendo recorrido à apreciação da prova gravada para fundamentar a sua posição, tendo alegado, a páginas 2 e 3 das suas alegações de resposta que: (…)
Ou seja,
10º Sobre o mesmo facto alegado pelo Apelante, a Apelada teve de recorrer à prova gravada para modificar a decisão da matéria de facto.
11º Assim sendo, e pelo exposto de 2º a 10º do presente articulado, entende a Apelada, salvo melhor e douto entendimento por opinião divergente, que a apresentação das suas alegações de resposta foi tempestiva, na medida em que ao prazo dos trinta dias devem acrescer mais dez, nos termos do disposto no nº 7 do art. 638.º do CPC, com as legais consequências daí resultantes, o que, com a devida vénia, se requer.
II. Da extinção da instância de recurso, por inutilidade superveniente da lide
12º Em 26.07.2019 o recorrente alega, e bem dizemos nós, que o processo de partilha, cuja conferência de interessados ocorrera um mês antes, foi remetido ao Tribunal para homologação, pelo que o presente apenso, deverá ser julgado extinto por inutilidade superveniente, face ao acordo referido.
(…) 14º Como é consabido, a escritura de partilha só pode ser feita após o trânsito em julgado da sentença homologatória do Processo de Inventário.
15º Tendo ocorrido em 05.12.2019 o trânsito em julgado da sentença homologatória do Processo de Inventário nº 2681/15, que correu os seus termos junto do Cartório Notarial de ..., a Apelada, 15 (quinze) dias depois, no dia 20.12.2019, pagou ao recorrente a quantia de 60.000,00 (sessenta mil euros) a título de tornas.
16º No dia 6 de Fevereiro de 2020, a Recorrida procedeu ao registo da casa morada de família em seu nome, como consequência da partilha subsequente ao divórcio, e como se constata através da competente certidão permanente com o código de acesso GP-2058-29465-140502-00....
(…) 19º Uma vez que o Apelante invoca como razões para requerer o prosseguimento dos autos o facto de, em 19.05.2020, a Requerida não ter cumprido com as obrigações por ela assumidas na conferência da partilha e tal não corresponder à verdade, então, e a contrario, uma vez que essas obrigações já estavam cumpridas, e tal como o próprio requerente já assumira no seu requerimento de 26.07.2019, o presente apenso deverá ser julgado extinto por inutilidade superveniente, face ao acordo referido, o que, com a devida vénia, desde já se requer.
III. Das competentes compensações entre os cônjuges previstas no artº 1697º do C. C.
20º Conforme se constata da ata da Conferência Preparatória realizada em 28.06.2019, o total do ativo era no valor de € 250.306,89 e o passivo no valor de € 153.664,64.
Tendo a Apelada ficado com todo o ativo e com o passivo, resultou um saldo a seu favor no valor de € 94.642,25, pelo que, teoricamente, deveria ter de pagar ao Apelante, a título de tornas, a quantia de € 47.321,12. Contudo,
21º A Apelada pagou, a título de tornas, a quantia de € 60.000,00, ou seja, mais € 12.678,88.
22º Ora, é bem evidente que as tornas efetivamente pagas abrangeram as aludidas prestações bancárias e as demais quantias peticionadas nos presentes autos.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
Face ao teor das conclusões da alegação de recurso, identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Questão prévia – Tempestividade da alegação de resposta (em que foi requerida a ampliação do âmbito do recurso);
2.ª) Questão prévia – Extinção da instância de recurso por inutilidade superveniente da lide (em face do recebimento pelo Requerente, em dezembro de 2019, da quantia de 60.000,00 € a título de tornas e da efetivação da partilha, com a aquisição pela Requerida do direito de propriedade exclusiva sobre o imóvel que foi casa de morada de família) e da litigância de má-fé, questões suscitadas na alegação da Requerida (e que sempre seriam de conhecimento oficioso);
3.ª) Da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente do aditamento dos factos indicados pelo Apelante (cf. conclusão 3.º); e, se for admitida a alegação da resposta, do mais aí requerido pela Apelada;
4.ª) A ser admitida a alegação de resposta, saber se, em face dos factos considerados provados, (in)existem circunstâncias supervenientes justificativas da alteração do acordo sobre a atribuição da casa de morada de família;
5.ª) Apreciar se o valor devido como contrapartida pela atribuição do direito a habitar a casa de morada de família deve ser fixado em 625 € mensais, a pagar pela Requerida nos termos indicados pelo Apelante.
1.ª) Questão prévia – Da tempestividade da alegação de resposta, com ampliação do âmbito do recurso (ou recurso subordinado)
Pese embora não se descortine fundamento legal para o despacho de 10-09-2020 que determinou que a Apelada fosse notificada do reinício do prazo para contra-alegar (veja-se que, em momento algum, foi sequer determinada a suspensão da instância), certo é que tal decisão se impõe, também nesta Relação, não apenas por força do caso julgado formal, mas desde logo pelo princípio da confiança legítima e da segurança jurídica ínsitos no Estado de direito democrático (cf. art. 2.º da CRP).
A notificação desse despacho foi elaborada em 17-09-2020.
Preceitua o artigo 248.º, n.º 1, do CPC que: “Os mandatários são notificados por via eletrónica nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, devendo o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.”
Logo, tal notificação presume-se feita no dia 21-09-2020 (já que o dia 20 foi domingo).
A alegação de resposta foi apresentada no dia 05-11-2020.
Contrariamente ao entendimento da Requerida-Apelada, o prazo de que esta dispunha para apresentar a sua alegação de resposta era de 30 dias (e terminava no dia 21-10-2020), nos termos conjugados dos artigos 636.º e 638.º, todos do CPC. Isto porque o recurso interposto pelo Apelante não tem por objeto a reapreciação da prova gravada (apenas tendo sido invocados, para fundamentar a pretendida ampliação/modificação da decisão da matéria de facto, os documentos juntos aos autos e o relatório da perícia), não havendo lugar ao acréscimo de 10 dias ao prazo previsto no n.º 7 do art. 638.º do CPC. Atente-se no que dispõe o n.º 5 do art. 638.º do CPC: Em prazo idêntico ao da interposição, pode o recorrido responder à alegação do recorrente.”
A Apelada até reconhece - se bem percebemos a sua posição - que o prazo de que o Apelante dispunha para apresentar a respetiva alegação de recurso era de 30 dias, já que não foi aí - embora pudesse tê-lo sido - suscitada a reapreciação da prova gravada. Porém, a interpretação que aquela faz do n.º 7 do art. 638.º é, do ponto de vista literal, teleológico e sistemático, incorreta, não tendo em linha de conta o citado n.º 5, nem sequer o subsequente n.º 8 do mesmo artigo. Atente-se no teor destes preceitos:
“7 - Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias.
8 - Sendo requerida pelo recorrido a ampliação do objeto do recurso, nos termos do artigo 636.º, pode o recorrente responder à matéria da ampliação, nos 15 dias posteriores à notificação do requerimento”.
O objeto do recurso a que se refere o n.º 7 não é obviamente o decorrente da ampliação do objeto do recurso a requerimento do recorrido, pois, nesse caso, aplica-se o n.º 8, prevendo, aliás, um prazo de resposta à matéria da ampliação de 15 dias, sem qualquer acréscimo.
A este respeito, veja-se a explicação de Abrantes Geraldes, in “Recursos no novo Código de Processo Civil”, 5.ª edição, Almedina, pág. 150 (sublinhado nosso): “Repare-se que a extensão do prazo por mais 10 dias (de que também beneficiará o recorrido nas contra-alegações, nos termos do n.º 5) apenas está prevista para os casos em que o recorrente introduz nas alegações a impugnação da decisão da matéria de facto a partir da reapreciação de meios de prova que tenham sido gravados (n.º 7). Não abarca os casos em que a impugnação da decisão da matéria de facto é suscitada, a título subsidiário, pelo recorrido, nos termos do art. 636.º, n.º 2, ou seja, a título de mera ampliação do objeto do recurso interposto pela parte contrária.
Por conseguinte, pretendendo ampliar o objeto do recurso nesses termos, o recorrido deve fazê-lo nas contra-alegações apresentadas em prazo idêntico ao que vigorou para o recorrente. Notificado este das contra-alegações em que seja ampliado o objeto da apelação, o recorrente responderá no prazo de 15 dias, sem qualquer adicional.”
Pelo exposto, atenta a intempestividade da alegação de resposta em 05-11-2020, a mesma não será considerada enquanto tal, incluindo no tocante à ampliação do âmbito do recurso, o que se decide, sem prejuízo de poder ser tida em consideração no que concerne às questões, de conhecimento oficioso (da extinção da instância de recurso, por inutilidade superveniente da lide, e da litigância de má-fé).
2.ª) Questão prévia – Da extinção da instância de recurso por inutilidade superveniente da lide e da litigância de má-fé
O presente recurso foi interposto em 26-06-2019.
Conforme resulta do relatório supra, ocorreram após essa data determinados factos cuja possível repercussão no objeto do recurso importa apreciar, em ordem a decidir se implicam a inutilidade superveniente da lide conducente à extinção da instância de recurso.
Conforme já referimos, a alegação de resposta, atenta a sua intempestividade, não pode ser considerada, enquanto tal, mas poderá ser apreciada estritamente na parte em que se suscitam as questões, que são de conhecimento oficioso, da extinção da instância de recurso, por inutilidade superveniente da lide, e da litigância de má-fé (intrinsecamente relacionadas) em face do aí alegado pelas partes e do teor dos documentos que juntaram aos autos, dos quais resulta designadamente que:
1. No processo de inventário notarial n.º 2681/15, requerido pelo ora Apelante e em que foi nomeada cabeça de casal a ora Apelada, as partes, na conferência preparatória realizada no dia 28-06-2019, chegaram “a acordo nos termos do art. 48.º, n.º 1, al. a), do RJPI pela forma seguinte:
1.º À interessada BBB(…), são adjudicados os seguintes bens:
- O imóvel identificado na verba n.º 1 da relação de bens pelo valor de 240.306,89 €;
- A quota identificada na verba n.º 2 pelo valor nominal de 2.500,00 €;
- A quota identificada na verba n.º 3 pelo valor nominal de 2.500,00 €;
- A verba n.º 4 [recheio da casa de morada da família] da Relação de bens é adjudicado pelo valor de 5.000,00 €.
2.º Pelos interessados foi dito que o passivo devido ao credor Novo Banco, S.A. é pago pela interessada BBB, atualmente no valor de 153.664,64 €, a qual se compromete a fazer todas as diligências necessárias no sentido de exonerar o interessado AAA, do crédito contraído junto daquela entidade bancária.
3.º O interessado AAA recebe a título de tornas, depois de abatido o passivo e feitas as competentes compensações entre os cônjuges previstas no art.º 1697.º do C. Civil, a título de tornas, a quantia de 60.000,00 € que a interessada BBB, pagará por cheque e/ou transferência bancária, no prazo de 10 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença homologatória.
4.º Acordam também eliminar da relação de bens os bens identificados nas verbas n.º 5 e 6 [depósito PPR, no valor de 10.713,86 €, e crédito no valor de 10.000 €] da mesma.
5.º Mais acordaram que as custas do processo são pagas em partes iguais pelos interessados prescindindo mutuamente das custas de parte e que já se encontram prestadas e encerradas as contas do cabecelato, nada mais tendo a receber um do outro.”
2. Em 04-09-2019, foi proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo de Família e Menores de Vila Franca de Xira - Juiz 2 a sentença, transitada em julgado no dia 05-12-2019, que julgou válido o acordo alcançado na partilha.
3. As tornas foram pagas pela Apelada ao Apelante no dia 20-12-2019.
4. Mediante ap. 4, datada de 06-02-2020, foi inscrita a aquisição a favor da ora Apelada, por partilha subsequente a divórcio, da fração autónoma designada pela letra D, correspondente a moradia unifamiliar, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Benavente sob o n.º ... da freguesia de Samora Correia.
5. Em 15-07-2020, o Novo Banco, S.A. declarou expressamente, nos termos do artigo 595.º do CC, “que aceita a transmissão da dívida efetuada entre BBB e AAA conforme Escritura de Partilha, celebrada em quatro de junho de dois mil e vinte no(a) Conservatória do Registo Predial de Lisboa, processo Casa Pronta n,º (…) resultante do empréstimo concedido pelo Banco (…) cujo montante em dívida é, na presente data, de 148.859,60 € (…) Que o Banco declara, e de acordo com o solicitado pelo(a) mutuário(a) BBB , e na sequência da transmissão da dívida ora efetuada que o/a mesmo(a) ficará como único(a) devedor(a) do já identificado contrato de mútuo com hipoteca.
Que o Banco, com efeitos a partir da presente data, exonera AAA, do pagamento da dívida e demais encargos emergentes do supra identificado contrato de mútuo com hipoteca.”
Defende a Apelada que se verifica a inutilidade superveniente da lide em face do recebimento pelo Requerente, em dezembro de 2019, da quantia de 60.000,00 € a título de tornas e da efetivação da partilha, com a aquisição pela Requerida do direito de propriedade exclusiva sobre o imóvel que foi casa de morada de família.
Desde já adiantamos que, apesar do amplo contraditório e das junções documentais efetuadas, subsiste a controvérsia quanto a factos relevantes, tornando indispensável uma interpretação da vontade da partes face às declarações vertidas no acordo firmado na conferência preparatória do processo de inventário (mormente se nas contas ou cálculo do valor das tornas aí referidos, foram ou não abrangidos os pagamentos considerados nos presentes autos) e até a qualificação jurídica das mesmas (mormente se existiu uma remissão abdicativa), não sendo esta a sede própria para tanto, considerando, além do mais, o disposto no art. 729.º, al. g), do CPC.
Sempre se dirá que a argumentação expendida pela Requerida a este respeito não nos basta, até porque, face ao valor global do ativo e do passivo (mesmo tendo em atenção o valor das duas verbas eliminadas), se as partes tivessem pretendido operar uma compensação nos termos do art. 1697.º do CC, considerando o crédito pelo pagamento que aquela assumiu (na íntegra) das prestações bancárias, então o valor que teria a pagar de tornas ao ora Apelante seria inferior, e nunca superior, como aconteceu, por razões que só as partes estão em condições de explicar, na sede própria, se for caso disso.
Os factos apurados acima descritos, únicos em que podemos basear a nossa decisão, não nos permitem julgar verificada uma situação de inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277.º, al. e), do CPC, apenas se revestindo de alguma relevância prática, na medida em que, a partir da efetivação da partilha, com a aquisição do imóvel pela Requerida-Apelada, cessará, por razões óbvias, a obrigação em apreço nos autos. O que não significa que as prestações peticionadas com referência ao período temporal anterior não possam ser devidas, impondo-se apreciar qual o respetivo montante, como é objeto do recurso.
Basta ver que o Apelante pretende um acréscimo do valor da compensação que vinha sendo suportada na íntegra pela Requerida, pedindo expressamente que seja imposto à mesma o pagamento àquele da quantia de 464,00 € por mês, a partir da entrada do seu requerimento, discordando a Apelante, na sua alegação de recurso, do valor inferior que foi fixado na sentença recorrida, pugnando pela alteração do decidido a esse respeito. Portanto, a circunstância de ter sido efetuada a partilha apenas poderá levar a que tal compensação deixe de ser devida, a partir desse momento, mas em nada contende com as prestações anteriores, cujo valor importa determinar.
Sustenta ainda a Apelada que a posição do Apelante, nos requerimentos em que veio indicar os motivos pelos quais mantinha interesse no recurso, configura litigância de má-fé.
O Apelante respondeu, defendendo que não litigou de má-fé, já que aquela tardou em cumprir o acordado e não cuidou de o informar devidamente.
Também neste particular não assiste razão à Apelada. Com efeito, embora se mostre algo contraditório o posicionamento do Apelante, não nos parece, em face dos elementos de que dispomos, que mereça ser sancionado nos termos do art. 542.º do CPC, estando obviamente fora de questão censurá-lo por não desistir do recurso. Se é verdade que começou por mostrar abertura ou disponibilidade a esse respeito, acabou por não apresentar requerimento nesse sentido, nos termos do art. 632.º do CPC.
Daí que a instância de recurso tenha prosseguido e deva prosseguir, não se verificando a inutilidade superveniente da lide, nem a litigância de má-fé por parte do Apelante.
3.ª questão – Da modificação da decisão sobre a matéria de facto
Na sentença recorrida foram considerados provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos (alterámos a redação em conformidade com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990):
1 - O divórcio entre o Requerente e a Requerida foi decretado no dia 6 de janeiro de 2015.
2 - No acordo de regulação sobre as responsabilidades parentais dos filhos menores (CCC e DDD) ficou estipulado que seriam partilhadas, residindo alternadamente, uma semana com cada um deles.
3 - No acordo sobre a atribuição da casa de morada de família ficou estipulado que ficaria atribuída à ora Requerida, “até à partilha ou venda, competindo à mesma pagar a respectiva prestação relativa ao crédito hipotecário”.
4 - A casa é bem comum, conforme descrita na relação de bens a partilhar.
5 - O valor da prestação do crédito bancário à presente data é de 472.13 €.
6 - A Requerida contraiu segundo matrimónio com GGG em 03-09-2016.
7 - Deste segundo casamento, a Requerida tem um filho, de nome HHH.
8 - O atual marido GGG tem dois filhos de um casamento anterior: III, nascido em 24-02-2005 e JJJ, nascido em 18-08-2000.
9 - Residem no imóvel em causa a Requerida, os filhos desta e do Requerente, alternadamente, o atual marido e o filho de ambos.
10 - Passam ali igualmente os fins-de-semana e férias os filhos menores do atual marido.
11 - A Requerida continua a exercer a gerência na sociedade N... Lda. de que é igualmente sócia.
12 - A Requerida é igualmente sócia na sociedade “EB..., Lda.”, com sede em Almada.
13 - O Requerente nunca recebeu qualquer valor das ditas sociedades a título de dividendos.
14 - O Requerente, para a sua residência e dos filhos, arrendou uma fração habitacional em Alverca do Ribatejo, mais propriamente o 4.º andar A do ….
15 - O Requerente pagou de renda mensal pela dita fração 500 € até junho de 2018, tendo mudado para a atual morada – Rua ..., Alenquer – onde não paga qualquer renda, por o proprietário do imóvel ser o seu pai.
16 - No mês de novembro de 2017 o Requerente pagou de luz 90.46 €; água 28.16 € e telecomunicações 93.68 €.
17 - O Requerente impulsionou o processo de inventário em 02-07-2015.
18 - O Requerente e a sua atual companheira, EEE, têm um filho de nome FFF, nascido em 4 de julho de 2018.
19 - As sociedades identificadas em 11) e 12) têm dívidas ao banco, trabalhadores e fornecedores, num montante superior a 200.000,00 €.
20 - A Requerida tem as seguintes despesas: prestação da casa ao banco – 472,13 €; luz – 177,30 €; água – 159,76 €; telecomunicações – 72,99 €; gás – 70,85 €; IMI, despesa mensal, - 73,99 €; condomínio, despesa mensal – 52,98 €;
21 - A Requerida tem um orçamento de 16.427,50 € para proceder a obras no logradouro da casa morada de família.
22 - A Requerida procedeu à substituição do portão da garagem, num montante de 120,32 €.
23 - A Requerida procedeu a reparações nos esgotos, num montante de 338,25 €.
24 - O imóvel habitado pela Requerida é uma moradia de tipologia-T3 composto por cave para garagem, arrumos e garrafeira (transformada em ginásio), rés-do-chão com hall, despensa, cozinha, copa, lavandaria, sala de refeições, sala de estar, escritório, lavabo e alpendre, 1.º andar com hall, 2 quartos, instalação sanitária, suite, closet e 3 varandas; Logradouro com piscina e churrasqueira.
25 - A construção do edifício é de 2007, ou seja, uma habitação com 11 anos de idade. A casa no momento da visita encontrava-se em bom estado de conservação. O imóvel apresenta o seguinte equipamento: ar-condicionado, alarme, aquecimento central, lareira com recuperador de calor, cozinha equipada (placa, exaustor, forno, fogão, micro-ondas, máquina de lavar loiça e frigorifico combinado).
26 - O imóvel onde reside a Requerida tem o seguinte valor de mercado: valor de Compra - 255.000,00€ (Duzentos e Cinquenta e Cinco Mil Euros); valor de Renda do imóvel vazio: 1.000,00€/Mês (Mil euros); valor de Renda do imóvel com mobília e eletrodomésticos: 1.250,00€ (Mil Duzentos e Cinquenta Euros).
27 - A Requerida teve um rendimento anual global no ano de 2017 no montante de 19.049,49 €.
28 - O agregado familiar da Requerida teve um rendimento anual global no ano de 2017 no montante de 82.696,72 €.
29 - O Requerente teve um rendimento anual global no ano de 2017 que lhe permitiu a dispensa de apresentação de declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS.
30 - A atual companheira do Requerido [leia-se, Requerente], EEE, teve um rendimento anual global no ano de 2017 que lhe permitiu a dispensa de apresentação de declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS.
Na decisão recorrida, foram considerados não provados os seguintes factos:
- Que o marido atual da Requerida seja empregado na G….
- Que o marido atual da Requerida aufira todos os anos valor superior a 50.000,00 €.
- Que a Requerida gaste com a manutenção de piscina e jardim – 25 €.
- Que a Requerida gaste mensalmente com a alimentação 400,00 €.
- Que a Requerida gaste com vestuário o montante de 100 €;
- Que a Requerida tenha de realizar todos os dias úteis cerca de 100 km e pagar ainda portagens para ir levar os filhos à escola
- Que o atual marido da Requerida tenha despesas com dois filhos menores do anterior casamento de 900 € e gaste mais de 350 € por mês em gasóleo e portagens.
Conforme previsto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, dispondo o art. 640.º do CPC, sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto. É conhecida a divergência jurisprudencial que existiu a respeito da aplicação deste normativo e da sua conjugação com o disposto no n.º 1 do art. 639.º do CPC, atinente ao ónus de alegar e formular conclusões, vindo o STJ a firmar jurisprudência no sentido do “conteúdo minimalista” das conclusões da alegação, conforme espelhado no acórdão do STJ de 06-12-2016 - Revista n.º 2373/11.0TBFAR.E1.S1 - 1.ª Secção, sumário citado na compilação de acórdãos do STJ, “Ónus de Impugnação da Matéria de Facto, Jurisprudência do STJ”, disponível em www.stj.pt, bem como o acórdão do STJ de 01-10-2015, no processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt. Nesta linha, resulta dos termos conjugados dos artigos 635.º, 639.º e 640.º do CPC que o ónus principal a cargo do recorrente exige que, pelo menos, sejam indicados nas conclusões da alegação do recurso, com precisão, os concretos pontos de facto da sentença que são objeto de impugnação, sem o que não é possível ao tribunal de recurso sindicar eventuais erros no julgamento da matéria de facto.
Sempre sem perder de vista que, na decisão da matéria de facto, o Tribunal apenas pode considerar os factos essenciais que integram a causa de pedir (ou as exceções) alegados pelas partes, bem como os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, e os factos de que tem conhecimento por via do exercício das suas funções (art. 5.º do CPC), estando-lhe vedado, por força do princípio da limitação dos atos consagrado no art. 130.º do CPC, conhecer de matéria que, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, se mostra irrelevante para a decisão de mérito. São manifestações do princípio dispositivo e do princípio da economia processual que se impõem ao juiz da 1.ª instância aquando da seleção da matéria de facto provada/não provada na sentença, mas também na 2.ª instância, no tocante à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Assim, conforme referido no acórdão da Relação de Lisboa de 27-11-2018, proferido no proc. n.º 1660/14.0T8OER-E.L1, a jurisprudência dos Tribunais superiores vem reconhecendo que “a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, pelo que sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil – seja porque a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância já permite sustentar a interpretação do direito aplicável ao caso nos termos sustentados pelo recorrente, seja porque ainda que proceda a impugnação da matéria de facto, nos termos requeridos, a decisão da causa não deixará de ser a mesma – a reapreciação sobre matéria de facto não deve ter lugar, por constituir um ato absolutamente inútil, contrariando os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º, e 138.º do CPC).” Neste sentido, além dos acórdãos aí citados - acórdãos da Relação de Guimarães de 10-09-2015, no proc. 639/13.4TTBRG.G1, e 11-07-2017, no proc. n.º 5527/16.0T8GMR.G1, da Relação do Porto de 01-06-2017, no proc. n.º 35/16.1T8AMT-A.P1, e do STJ de 13-07-2017, no proc. 442/15.7T8PVZ.P1.S1) -, destacamos ainda os acórdãos (todos disponíveis em www.dgsi.pt, embora com omissão de algumas passagens):
- da Relação do Porto de 07-05-2012, no proc. n.º 2317/09.0TBVLG.P1: “É um acto manifestamente inútil analisar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se os factos impugnados não tiverem qualquer relevância para a decisão da causa.”
- da Relação de Coimbra de 12-06- 2012, no proc. 4541/08.3TBLRA.C1, conforme resulta do ponto II do respetivo sumário: “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.”
- do STJ de 17-05-2017, no proc. n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1: “III - O princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo. IV - Nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.”
- da Relação de Lisboa de 24-09-2020, no proc. n.º 35708/19.8YIPRT.L1, em cujo coletivo também intervieram as ora Relatora e 1.ª Adjunta.
Do aditamento dos factos indicados pelo Apelante
Defende o Apelante que devem ser considerados provados os seguintes factos:
r) Requerente e requerida descreveram na relação de bens comuns junta ao pedido de divórcio, o recheio da casa de morada da família, composto por móveis e diversas utilidades domésticas, a que atribuíram o valor de €10.000,00.
s) O imóvel que constituiu a casa de morada de família e que, por acordo no processo de divórcio, ficou a ser utilizada exclusivamente pela requerida está devidamente mobilado e equipada com os móveis e equipamentos comuns;
t) No acordo sobre a atribuição da casa de morada de família ficou estipulado que ficaria atribuída à ora requerida, “até à partilha ou venda, competindo à mesma pagar a respectiva prestação relativa ao crédito hipotecário”.
Para tanto, o Apelante invoca os documentos constantes dos autos, designadamente o documento 13 junto com o requerimento inicial, que constitui cópia da relação de bens comuns assinada pelas partes no processo de divórcio, bem como o relatório de perícia, do qual resulta, no seu entender, que tais bens, para além de serem comuns, estão no imóvel onde a Requerida reside com a sua família.
Em primeiro lugar, só por desatenção é que o Apelante defende o aditamento conforme consta de t) e da 1.ª parte de s), já que essa factualidade se encontra vertida no ponto 3. do elenco dos factos provados. Isto certamente por ter atentado apenas no elenco mais restrito dos factos provados que é “relembrado”, por alíneas, na parte III da sentença, aquando do enquadramento jurídico dos factos; o que também explicará a indicação pelo Apelante de letras para organizar os aludidos factos.
Quanto à restante factualidade, parece-nos inútil considerar como provado o que consta de r), por se tratar de matéria puramente descritiva do conteúdo de um documento. Quanto muito poder-se-á considerar relevante o facto vertido na 2.ª parte de s), admitindo, com bondade, que possa ser plausível a solução jurídica avançada pelo Apelante, quando sustenta que, na fixação do valor da compensação devida pela sua ex-mulher, deverá ser tido em consideração o valor locatício do imóvel mobilado/equipado (com os ditos bens comuns). Mas nem assim se justifica o aditamento pretendido em r), podendo sim ser considerado o documento em apreço como meio de prova do que consta da (sugerida) alínea s), 2.ª parte.
Ora, esta última matéria, única que se concede possa ter alguma relevância, implica, em parte, um inadmissível juízo conclusivo e de direito, face às referências “devidamente” e “comuns”. A factualidade em questão não foi alegada pelas partes, nem nos parece que tenha resultado da instrução, designadamente dos aludidos documento e relatório pericial. Basta ver que aquele documento corresponde à relação de bens junta nos autos de divórcio mediante requerimento apresentado em 18-06-2013, sendo o valor de 10.000 € então atribuído pelas partes à verba n.º 4, correspondente ao recheio da casa (sem que daí constasse a discriminação dos respetivos bens), muito inferior ao que foi indicado no relatório pericial (3.302,00 €, com discriminação dos bens). Naquela relação de bens refere-se apenas, no descritivo da verba 4, “Recheio da casa de morada da família, composto por móveis e diversas utilidades domésticas”, sendo impossível saber se tais móveis ou “utilidades” são os mesmos sobre os quais também incidiu a aludida perícia (cujo objeto era o do valor locatício do imóvel). Note-se também que no relatório pericial nada consta - como é óbvio - quanto à propriedade dos bens avaliados, não existindo elementos nos autos que nos permitam saber a proveniência de tais bens, não se podendo descartar a possibilidade de serem, em bom rigor, bens próprios, por exemplo, herdados ou doados pelos progenitores (o casamento das partes foi celebrado em 09-05-2003, sem precedência de convenção antenupcial – cf. certidão junta nos autos de divórcio). Ademais, esse relatório discrimina diversos equipamentos, alguns dos quais devem ser considerados como parte integrante do imóvel, como é o caso dos aparelhos de ar condicionado.
Assim, não se questionando que a casa está mobilada e equipada, conforme resulta e se infere do elenco dos factos provados, sucede que a prova indicada pelo Apelante não nos permitiu formar a convicção de que a casa se encontra efetivamente, volvidos estes anos todos, mobilada e equipada com móveis e equipamentos comuns. É certo que, à luz de regras de experiência e juízos de normalidade, podemos admitir que assim sucede, mas também é normal e perfeitamente possível que com o decurso do tempo (e no caso já se passaram vários anos desde que a relação de bens foi apresentada) os bens comuns existentes se tenham estragado ou deteriorado, necessitando de ser substituídos; mais podendo dar-se o caso de a Requerida ter, pura e simplesmente, optado por ir substituindo tais móveis ou equipamentos, tanto mais que a sua situação económica e familiar aponta para uma certa capacidade financeira, sendo perfeitamente natural que o tenha feito, juntamente com o seu atual marido, numa fase nova das suas vidas.
Assim, improcedem as conclusões do Apelante neste particular, mantendo-se inalterada a decisão da matéria de facto.
Face à inadmissibilidade da alegação de resposta e da ampliação do âmbito do recurso aí requerida, fica prejudicado o conhecimento das questões aí suscitadas, atinentes à modificação da decisão da matéria e à inexistência de circunstâncias supervenientes justificativas da alteração do acordo das partes sobre a atribuição da casa de morada de família.
Resta, pois, apreciar a última questão.
5.ª questão - Do valor devido pela Requerida como contrapartida pela atribuição do direito a habitar a casa de morada de família
Na sentença recorrida teceram-se as seguintes considerações de direito:
A casa de morada de família pode ser dada de arrendamento a qualquer dos cônjuges, considerando as necessidades destes (art. 1793º CC).
Aquando do divórcio a casa de morada de família foi atribuída à ora requerida, “até à partilha ou venda, competindo à mesma pagar a respectiva prestação relativa ao crédito hipotecário”.
Não foi, pois, estipulada qualquer compensação pecuniária ao cônjuge privado do uso daquele bem, no caso ao ora requerente, para além da obrigação da requerida de pagar a respectiva prestação relativa ao crédito hipotecário.
Resulta, assim, que no acordo actualmente em vigor entre os cônjuges não existe a obrigação da requerida de pagar qualquer quantia ao requerente como contrapartida da utilização da casa de morada de família, sendo que a pretensão formulada na presente acção constitui uma modificação substancial dos termos de tal acordo, ao pretender transformar a utilização incondicionada, ali efectivamente prevista, numa utilização condicionada ao pagamento de quantia pecuniária.
Deste modo, não estando prevista no acordo dos cônjuges acerca desta matéria, judicialmente homologado, o pagamento de qualquer compensação ao requerente pela utilização exclusiva da casa de morada da família, atribuída à requerida, não existe fundamento bastante para obter o reconhecimento ulterior de tal obrigação, a não ser que sejam alegados e provados factos supervenientes que justifiquem tal alteração.
Cumpre, pois, apreciar.
O requerente para fundamentar o seu pedido veio alegar que (…)
A requerida, por sua vez, veio defender que (…)
Da prova produzida resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão da questão suscitada pelas partes:
(…) Resulta destes factos que: 1- já passaram mais de quatro anos desde o acordo de atribuição da casa de morada de família, sem que tenha sido possível concretizar a venda do imóvel ou a partilha dos bens comuns dos ex cônjuges; 2- as condições económicas da requerida também se alteraram para melhor, fruto do seu novo matrimónio.
Considero, assim, que a demora da venda ou da partilha do imóvel em causa e a alteração favorável dos rendimentos da requerida constituem factos supervenientes relevantes que devem motivar uma alteração dos termos do acordo de atribuição da casa de morada de família.
Na realidade, estando o processo de venda e/ou partilha do imóvel a demorar tanto, e tendo a requerida um rendimento familiar superior àquele que gozava na altura do acordo de atribuição da casa de morada de família, e muito superior ao rendimento familiar do requerente, considero que, por imperiosas razões de justiça material, o equilíbrio dos interesses em confronto só se satisfaz com a imposição à beneficiária da utilização do imóvel de uma contrapartida por tal uso exclusivo.
O diferendo entre o requerente e a requerida reside que o primeiro pretende que a segunda lhe pague uma compensação pelo uso exclusivo da casa de morada de família no valor de € 700, que deduzido o montante de € 236,00 (percentagem do requerente na prestação mensal devida ao Banco pelo imóvel em questão, actualmente suportada pela requerida), fica em €464,00 por mês; e a requerida pretende que o acordo se mantenha tal como está, isto é, até à partilha ou venda deverá continuar a residir na casa de morada de família competindo pagar a respectiva prestação de 472, 13 euros, relativa ao crédito hipotecário.
Devido a este diferendo o Tribunal ordenou que fosse efectuada uma avaliação à casa morada de família tendo resultado que o valor de mercado do arrendamento em causa é de € 1.000,00 mês.
Quer isto dizer que se o ex casal arrendasse o imóvel em questão cada um teria o direito de receber o montante de € 500,00.
A circunstância de a requerida pagar todas as despesas relativas à casa de morada de família não constitui qualquer fundamento jurídico válido para a mesma se recusar a pagar uma renda uma vez que metade desses montantes despendidos constituirão um crédito que a mesma terá sobre o requerido aquando da partilha.
Todavia, e porque o requerente considera, e assim peticiona, que à compensação que lhe for devida deve ser deduzida a percentagem que lhe compete na prestação mensal devida ao Banco pelo imóvel em questão, actualmente suportada pela requerida, o montante a fixar como compensação pelo uso exclusivo da casa de morada de família será de € 264,00 (cf. € 500,00 - € 236,00 = € 264,00).
O Apelante discorda deste entendimento, argumentando, em síntese, que: o tribunal a quo tomou indevidamente como critério o valor da renda mensal do imóvel de 1.000 €, não tendo em conta que, na perícia, foi indicado como valor de renda mensal do imóvel mobilado e equipado 1.250,00 €; e, ao fixar uma renda de 264 € e considerar, do mesmo passo, que a Requerida teria o direito de exigir os 236,00 € aquando da partilha (sem ter em conta que este último valor estava assumido por ela a título de compensação ao  Requerente pelo uso da casa e de todos os bens que mobilavam a mesma no acordo sobre o  destino da casa de morada de família), levou ao indevido enriquecimento daquela. No entender do Apelante, o valor da compensação deve ser fixado em 625 € mensais: a) 236 € relativos ao valor suportado e a suportar pela Requerida correspondente a 50% da prestação do empréstimo bancário; b) 389 € a pagar mensalmente e até ao dia 8 pela Requerida, através de transferência bancária para a conta do Requerente a indicar.
Vejamos.
A lei prevê que, no caso de divórcio, seja feito acordo sobre o destino da casa de morada de família – cf. art. 1775.º, n.º 1, al. d), do CC. Diversamente do que sucede na previsão do art. 2103.º-A do CC, não distingue aí o direito de habitação da casa de morada da família e o direito de uso do respetivo recheio, considerando a definição de recheio que consta do artigo 2103.º-C (Para os efeitos do disposto nos artigos anteriores considera-se recheio o mobiliário e demais objectos ou utensílios destinados ao cómodo, serviço e ornamentação da casa).
Mas não nos parece que esteja vedado às partes, tratando-se de bens comuns que fazem parte do recheio da casa, acordarem também a respeito do destino dos mesmos. Porém, a verdade é que no acordo que as partes fizeram (e cuja alteração foi determinada na sentença recorrida), nada consta a respeito do recheio da casa.
A nosso ver, tendo em atenção os critérios interpretativos consagrados nos artigos 236.º a 238.º do CC, a vontade das partes aí evidenciada foi a de fazer coincidir o valor atribuído ao uso da casa com o da prestação devida ao banco pela amortização do empréstimo hipotecário, não tendo sido considerado nenhum acréscimo de valor relativo ao recheio.
Seja como for, a verdade é que não resulta dos factos provados que o diferencial do valor locatício do imóvel mobilado (250 € - cf. ponto 26.) se devia à existência de bens comuns, pelo que improcedem, neste particular, as conclusões da alegação de recurso, não assistindo razão ao Apelante quando defende um acréscimo do valor da compensação devida pela Requerida com base naquele valor (uma renda mensal de 1.250 €).
Resta saber se a sentença enferma de erro de julgamento, por ter concluído, partindo do valor de mercado do arrendamento de 1.000 €/mês, que o montante a fixar como compensação pelo uso exclusivo da casa de morada de família deve ser de 264 € (500 € - 236 € = 264 €).
Como se afirma na sentença, o Requerente considera e assim peticiona que à compensação que lhe é devida seja deduzida a percentagem que lhe compete na prestação mensal devida ao Banco pelo imóvel em questão, a qual vinha sendo suportada pela Requerida (236 €). Aliás, esse era o acordo inicial das partes, que o Requerente pretendia se mantivesse, pugnando apenas que fosse acrescido do pagamento da quantia de 464 € mensais.
Assim, o montante de 500 €, assente numa repartição igualitária do valor locatício do imóvel, parece-nos correto, no circunstancialismo fáctico apurado, apenas se nos afigurando pouco clara e coerente a fundamentação da sentença, ao reconhecer, por um lado (e bem), “não ter sido estipulada qualquer compensação pecuniária ao cônjuge privado do uso daquele bem, no caso ao ora requerente, para além da obrigação da requerida de pagar a respectiva prestação relativa ao crédito hipotecário” e considerar “se o ex casal arrendasse o imóvel em questão cada um teria o direito de receber o montante de € 500,00”, mas, por outro lado, afirmar que metade dos montantes despendidos pela Requerida com o pagamento de todas as despesas relativas à casa de morada de família constituirão um crédito que a mesma terá sobre o Requerente aquando da partilha (o que nos remete para o disposto no art. 1697.º, n.º 1, do CC) e omitir no dispositivo que se mantem o mecanismo de “compensação” acordado pelas partes, o que poderia implicar que a efetiva compensação patrimonial do Requerente não chegasse a ser de 500 €/mês.
Na verdade, não nos parece forçoso que a vontade das partes, ao acordarem que competia à Requerida pagar a prestação relativa ao crédito hipotecário, fosse no sentido de a mesma poder, aquando da partilha, por causa dos pagamentos efetuados ao Banco “além do que lhe competia satisfazer”, vir a lançar mão da compensação prevista no art. 1697.º, n.º 1, do CC (aliás, nem isso resulta evidenciado, antes pelo contrário, no acordo de partilha que as partes fizeram, já que nenhuma referência expressa a tais créditos foi feito e o valor de tornas que a Requerida se obrigou a pagar, por lhe terem sido adjudicados os bens comuns, foi superior ao que seria devido, tendo em conta o valor do ativo e do passivo relacionados).
Em nosso entender, ao aludir a “despesas relativas à casa”, o Tribunal recorrido terá tido em vista um leque alargado de despesas, conforme decorre dos factos provados nos pontos 20. a 23., e não apenas, ou não necessariamente, as prestações bancárias. Porém, se aí incluirmos tais prestações, nada se referindo no dispositivo da sentença quanto à anterior compensação que havia sido acordada pelas partes, teremos um indevido enriquecimento da Requerida, que se limitaria a compensar o Requerente pelo uso exclusivo da casa de morada de família com a quantia de 264 €, já que ficaria (aparentemente) desobrigada do pagamento da parte da prestação bancária da responsabilidade daquele, podendo exigi-la, se continuasse a suportar tal despesa, no momento da partilha, nos termos do art. 1697.º do CC.
Porventura o Tribunal recorrido terá pretendido referir que a Requerida poderia exigir (ou não), no momento da partilha, o(s) crédito(s) que bem entendesse para efeitos das compensações previstas no art. 1697.º do CC, não especificamente os atinentes à parte das prestações bancárias da responsabilidade pelo Requerente cujo pagamento fora assumido pela Requerida.
Mas foi seguramente infeliz a redação do segmento decisório, tanto mais que, sendo a casa de morada de família um bem comum (cf. ponto 4; até foi objeto de partilha e veio a ser adjudicado à Requerida) parece-nos pouco rigoroso falar aqui em arrendamento e renda, como seria se o imóvel fosse bem próprio do Requerente, sendo preferível considerar que a Requerida fica obrigada a pagar uma compensação monetária, no valor de 264 €, pelo uso exclusivo do imóvel, continuando a ter de suportar na íntegra a prestação bancária.
Assim, nesta parte, procedem as conclusões da alegação de recurso, pelo que a sentença deve ser revogada e substituída por decisão nessa conformidade, considerando também que, face à data em que foi apresentado o requerimento inicial (em 28-12-2017), a 1.ª prestação devida se reporta a janeiro de 2018; e estamos em condições de acrescentar que, como em dezembro de 2020 foi homologada a sentença da partilha e efetuado o pagamento das tornas, a última prestação será a desse mês, num total de 36 prestações, o que perfaz 9.504 €.
Vencidas ambas as partes, são responsáveis pelo pagamento das custas processuais da ação e do recurso, na proporção do decaimento (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC). Considerando que o Apelante pediu um acréscimo do valor da compensação de 236 € para 700 € (isto é, de 464 €) e obteve um acréscimo de 264 € (face ao novo valor total de 500 €), fixa-se a proporção das custas da ação em 57% para a Requerida e 43% para o Requerente. E como no recurso o Apelante pediu um acréscimo do valor de 264 € para 625 € (isto é, de 361 €) e obteve, face ao novo global de 500 €, um ganho de 236 €, fixa-se a proporção das custas no recurso em 65% para a Requerida e 35% para o Requerente.
*
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida, substituindo-a pela decisão de procedência parcial do pedido de alteração do acordo sobre a atribuição da casa de morada de família, mantendo-se o acordado e homologado por sentença - isto é, a atribuição da mesma à Requerida, com a contrapartida de assegurar o pagamento da respetiva prestação relativa ao crédito hipotecário -, ficando ainda obrigada a pagar diretamente ao Requerente a quantia de 264 €, com vencimento no 1.º dia útil de cada mês, no período compreendido entre janeiro de 2018 e dezembro de 2020.
Mais se decide condenar as partes no pagamento das custas processuais, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento, que se fixa em 57% para a Requerida e 43% para o Requerente, na ação, e em 65% para a Apelada e 35% para o Apelante, no recurso.
D.N.

Lisboa, 11-02-2021
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua