Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
886/06.5TBMFR.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
CONHECIMENTO OFICIOSO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - O juiz do processo de expropriação, quando tenha conhecimento do óbito de algum interessado devendo suspender a instância após a adjudicação da propriedade e posse à entidade expropriante, não pode limitar-se a fazê-lo passivamente até que se mostre «notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida», desinteressando-se em absoluto do conhecimento desses sucessores.
II - Deverá questionar os restantes interessados no processo relativamente à identidade desses sucessores, diligenciando, se necessário, em função dessas informações para a vir a obter, pois que, em última análise, se tais sucessores continuarem «desconhecidos», ter-lhes-á que nomear curador provisório e fazer prosseguir o processo, só cessando este a respectiva intervenção quando passem a ser conhecidos os interessados cuja ausência justificou a curadoria.
III - O que implica, por maioria de razão, que, dispondo nos autos dos elementos necessários, deva oficiosamente proceder à habilitação dos herdeiros do expropriado falecido.
IV - É duvidoso que no processo de expropriação, atento o seu carácter publicista, seja aplicável o instituto da deserção da instância com a correspectiva extinção.
V - De todo o modo, na situação dos autos, estando em causa a aplicação do CPC, não devia ter sido declarada a deserção da instância sem que se alertassem os interessados relativamente à consequência da falta de impulso processual o que lhes teria permitido pronunciarem-se a respeito da negligência implicada na falta desse impulso.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa:



Relatório:


I - Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública, em que é expropriante Estradas de Portugal, SA e expropriados, “P., Maria M., A.Santos, C.  , Alice, Alice P., Maria M., António L., Maria da Conceição e J.P, em face da decisão arbitral e mostrando-se depositada a indemnização, foi adjudicada à expropriante, por decisão de 26/5/2006, livre de quaisquer ónus ou encargos, a propriedade da  parcela n° L10, correspondente ao terreno com a área de 3.920 m2, a destacar do prédio rústico sito na freguesia de Igreja Nova, concelho de Mafra, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 26 da Secção A, da Repartição de Finanças de Mafra, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n° 14267, a fls. 56v. do Livro B-40, confrontando a parcela a norte e a sul com “P.”, a nascente com Manuel Marques Henriques e a poente com Raquel Sanches da Gama de Moreno.

A fls 229 dos autos mostra-se junta certidão referente a sentença de interdição do expropriado António L., referindo-se como transitada em julgado em 16/4/1999, constando dessa sentença que foi nomeada para o exercício de Protutora, S. L., e para o de Tutora, a irmã do interdito, aqui também expropriada, Maria da Conceição .

Tendo falecido a expropriada Alice e tendo sido junta certidão da habilitação dos seus herdeiros, a expropriante requereu a habilitação destes, tendo sido, em 16/6/2010, proferida sentença de habilitação daqueles herdeiros – Alice L., Maria S. e António H. - para com eles seguirem os termos da causa.

Depois que o perito designado pelo Tribunal entregou em 10/3/2014 relatório destinado a proceder à avaliação do bem expropriado aferindo do real e corrente valor do mercado do prédio expropriado com recurso às listas das transacções fornecidas, e estando os autos em condições de neles ser proferida sentença tendente à fixação do valor do bem expropriado em face dos recursos da decisão arbitral interpostos pela expropriante e pela expropriada “P.”, por requerimento datado de 31/3/2014, veio S L a comunicar aos autos «a alteração do exercício do cargo de tutora do interdito António L , por ter sido alegado em Tribunal no ano de 1999, que em caso de falecimento de Maria da Conceição , sua irmã e tutora, eu, sobrinha e protutora, passe para tutora para fins legais, conforme certidão de tribunal em anexo».

E, em requerimento igualmente datado de 31/3/2014, a mesma S. L. comunicou o «falecimento em 18/11/2013 da mãe, Maria da Conceição, juntando assento de óbito e certidão de habilitação de herdeiros», respectivamente a fls 548 e 551.

Foi proferido, em 8/5/2014, o seguinte despacho:
«Fls 546 e ss: Pese embora aí se faça referência a certidão judicial, a mesma não acompanha o requerimento, razão pela qual não se encontra demonstrado ser a requerente actual tutora do expropriado interdito.
Por outro lado, encontra-se demonstrado o óbito da expropriada Maria da Conceição  – cfr fls551.
Assim, nos termos do art 41º/1 a contrario do C Exp, e bem assim ao abrigo dos arts 209º/1 al a) e 270º/1 1ª parte do CPC, ex vi do art 549º/1 deste diploma, suspendo a presente instância até ao momento em que for, se o for, notificada a sentença a proferir no âmbito do respectivo incidente de habilitação de sucessores, nos termos do art 276º/1 al a) do diploma legal em referência».
 
A fls 556, e por email de 27/5/2014, S. L: veio «enviar cópias das certidões do Tribunal de Cascais onde consta que a minha mãe falecida era tutora do interdito António L., seu irmão, e que após o seu falecimento passei eu a ser a sua tutora», juntando aos autos certidão com a sentença de interdição já acima referida como junta a fls 229.  

Em face do que foi, em 25/6/2014, proferido o seguinte despacho:
«Fls 556 e seguintes: Fiquem nos autos. Os autos continuam a aguardar nos termos do despacho precedente».
 
A fls 561 veio o acima referido Perito solicitar o pagamento da Nota de Honorários entregue no dia 12/3/2014, e, aberta conclusão com data de 3/11/2014, «com a informação de que a nota de honorários referente ao email de 10/10/2014 e compulsados os autos e a conta corrente que antecede, não se encontra paga», foi proferido o seguinte despacho:
«Informe que os autos se encontram a aguardar o incidente de habilitação de sucessores da expropriada falecida, tal como já resultava do despacho de 8/5/2014, oportunamente notificado.
E mais informe que o Tribunal não concede consulta jurídica, pese embora deva esclarecer os intervenientes cabalmente do que se si é esperado. Portanto, qualquer outra dúvida, deverá a interveniente consultar mandatário forense».
Fls 545: Dê-se pagamento».

Aberta conclusão em 3/12/2014 foi proferido o seguinte despacho:
«Por despacho de 08.05.2014, foi a instância suspensa ao abrigo dos artigos 269.º, n.º 1, alínea a) e 270.º, n,º 1, primeira parte, ambos do Cód. Proc. Civil. 
Atendendo a que decorreram seis meses sem que tenham os autos sido devidamente impulsionados por via da instauração do competente incidente de habilitação de sucessores da parte falecida, ao abrigo do disposto nos artigos 276.º, n.º 1, alínea a), 281.º, n.ºs 1, 3 e 4, e 277.º, alínea c), todos do Cód. Proc. Civil de 2013, declaro a presente instância deserta e, consequentemente, extinta».

“P.”, por requerimento de 23/12/2014, veio arguir a nulidade desse despacho, referindo fazê-lo sem prejuízo do recurso a apresentar no prazo legal, pedindo que o tribunal, ao abrigo do nº 2 do art 613º CPC, reparasse a nulidade de que o mesmo padece e mandasse seguir os autos, a eles chamando os herdeiros constantes da escritura de habilitação anexa ao requerimento de  31/3/2014, requerendo ainda, «porque a isso o obriga o nº 2 do art 41º C Exp , dar vista ao Ministério Publico para que promova a substituição do representante do incapaz António L., conforme requerimento de 31/3/2014 de S L, ou então, que diligencie o próprio tribunal, ao abrigo da sobredita norma, essa substituição, o que desde essa data já deveria ter feito».
 
Nessa mesma data - 23/12/2014 - a requerente deduziu, «à cautela»,incidente de habilitação por óbito da referida Maria da Conceição.

II - E interpôs recurso, tendo no mesmo concluído nos seguintes termos: 
           
I - O despacho de 8.5.2014 foi notificado a 16.5.2014, começando a contar-se a 20.5.2014 o prazo para lhe dar cumprimento, pelo que um prazo de dez dias contado a partir daí terminava a 29.5.5014 e o terceiro dia útil subsequente viria a 3.6.2014.
II - Os seis meses que decorreriam de então até ao despacho de 3.12.2014 não podem ser aproveitados na totalidade para a contagem de qualquer prazo porque – além das férias judiciais de 1 a 31 de agosto, com suspensão de prazos de 15 a 31 de Julho – os prazos estiveram suspensos entre 26 de agosto e 14 de Outubro de 2014 (artigo 5º, nº 1 do Decreto-Lei 150/2014) e, durante essa suspensão nenhum prazo judicial correu (cf. ainda artigo 275º, nº 2 do Código de Processo Civil).
III - Assim, mesmo que se perfilhe a tese de que a deserção de instância é aplicável neste tipo de processo e nestas circunstâncias (o que só por hipótese se admite), não estava decorrido nem a 3.12.2014 nem a 23.12.2014 (data em que a aqui Recorrente deduziu, à cautela, um incidente de habilitação que não lhe cabia deduzir) o prazo para que ela acontecesse.
IV - O processo de expropriação é um processo de vocação administrativa, que corre nos Tribunais Civis, tendo pela sua natureza características próprias, que afastam em geral o princípio do dispositivo.
V - Assim, nesse processo, confia-se à Entidade Expropriante, no fundo, uma extensão do Estado, a tarefa de encontrar os proprietários dos imóveis expropriados para que possam receber as indemnizações que lhes caibam (cf. artigo 51º, nº1 do Código das Expropriações).
VI - Não careceu de impulso da Recorrente P. o ser chamada a este processo, nem o chamamento dos seus comproprietários ao tempo da expropriação.
VII - Por isso, o seu recurso nada tem a ver com os restantes compartes na parte expropriada do imóvel e, durante os quase nove anos que este processo já dura (!) nunca esteve parado por acto ou omissão seus.
VIII - O Tribunal a quo ignorou estas realidades, nomeadamente, tratar-se de um recurso e não de uma acção (a decisão recorrida nem sequer se estriba, como seria coerente, no nº 2 do artigo 281º do Código de Processo Civil) e não caber à Recorrente, mas sim ao Tribunal ou, em última análise, à Expropriante ou ao cabeça de casal da herança de Maria da Conceição, o impulso relativo à busca de herdeiros de uma parte falecida.
IX - O processo de expropriação é um processo especial que, embora corra nos Tribunais Civis, se reveste de especiais considerações de interesse público, em atenção às quais o Acórdão de 22.2.2008 da Relação de Lisboa, disponível em www.dgsi.pt refere que o “Juiz deve participar activamente no esforço de determinar quem tem legitimidade para intervir no processo na qualidade de expropriado”. O referido aresto baseia-se no artigo 41º do Código das Expropriações, que atribui ao Juiz essa missão, que pode e deve desempenhar oficiosamente.
X - O Tribunal a quo tinha nos autos os elementos para desempenhar com facilidade a dita missão, pois desde 31.3.2014 tem na sua posse os dados que lhe permitem chamar a juízo os herdeiros da falecida Maria da Conceição.
XI - Mais: Embora toscamente deduzido e sem taxa de justiça paga, o requerimento de S L de 31.3.2014 é uma habilitação de herdeiros, à qual devia – pela aplicação do princípio da adequação formal – a Primeira Instância ter dado seguimento, chamando aos autos as pessoas contantes da escritura de habilitação de herdeiros que ia anexa ao dito requerimento.
XII - S L veio ainda impulsionar o processo a 24.7.2014, pedindo um esclarecimento que o Tribunal não lhe deu.
XIII - Não sendo a Recorrente responsável por impulsionar senão o seu recurso, quem deve ser o responsável por impulsionar o processo? A anterior habilitação de herdeiros foi requerida pela Entidade Expropriante. Falhando ela, diz a Jurisprudência (cf. IX supra) que o Tribunal deve suprir oficiosamente essa “deficiência” ou até antecipar-se a ela, cumprindo o disposto no artigo 41º, nº 2 do Código das Expropriações.
XIV - Porém, de acordo com o nº 1 desse artigo 41º, o falecimento da parte, tout court, nem sequer implica a suspensão da instância.
XV - Na verdade, se assim não se entendesse, aí estaria – como no caso vertente – uma boa maneira de o Estado, não impulsionando os autos, pagar menos do que aquilo que deveria, o que não é manifestamente o que se pretende (ou se deve pretender) num processo de expropriação.
XVI - Decretar uma extinção de instância quando a informação para a habilitação dos herdeiros da parte falecida consta dos autos desde 31.3.2014, mais nada havendo a fazer do que chamá-los ao processo no seguimento do poder constante do nº 2 do artigo 42º do Código das Expropriações, é uma arbitrariedade.
XVII - O Tribunal a quo também não tratou de dar vista ao Ministério Público para nomear representante ao incapaz António  L, o que significa também que nunca poderia ter ficado suspensa a instância ou, pelo menos, que não poderia ter ficado deserta pois havia também esta diligência em falta, que deveria ter sido impulsionada pelo Mmo. Juiz a quo.
XVIII - A decisão recorrida violou as normas contidas nos artigos 6º, 275º, nº 2, 281º, nº 2 e 547º do Código de Processo Civil, 5º, nº 1 do Decreto-Lei 150/2014, 41º, nºs. 1 e 2, 42º, nº 2 e 51º, nº 1 do Código das Expropriações.

A correcta aplicação delas faria com que o Tribunal a quo tivesse considerado habilitadas como herdeiras da falecida Expropriada Maria da Conceição as pessoas mencionadas na escritura de habilitação de herdeiros anexa ao requerimento de 31.3.2014 de S L, o que se requer seja feito logo, provido o presente recurso, for revogada a decisão do dito Tribunal a quo de extinguir a instância por uma suposta deserção, reactivando esta, com o que farão V. Exas. a costumada Justiça

Em 25/272014 foi proferido despacho com o seguinte conteúdo:

«Fls. 564 e seguintes:
Nos termos do artigo 616º/2  do CPC, aplicável por via do vertido no artigo 549º/1 do mesmo diploma legal, só e admissível a reforma da sentença quando a decisão alegadamente viciada não for passível de recurso  ordinário.
Considerando que da proferida a fls 563 e seguintes, sempre poderia a requerente apelar nos termos da alínea a) do nº 1 do  artigo 641° do CPC,  dado o valor indicado à presente e o vertido nos artigos 629º/1  do CPC e artigo 24º/1 da Lei  3/99 de 13.01 (LOFTJ) - não resta senão indeferir a reclamação apresentada.
Mas ainda que assim não fosse, a verdade que:
- o prazo igual ou superior a 6 meses não se suspende no período de férias judiciais - como decorre da parte final do nº 1 do artigo 138º CPC;
-o Principio da Adequação Formal não se sobrepõe ao Principio do Dispositivo, na sua vertente do impulso processual, continuando a ser o processo civil, e em concreto o processo especial de expropriação na sua fase de recurso judicial do acórdão arbitral - no qual, em rigor, já não se discute a expropriação em si mas sim a liquidação devida na sequência do acto ablativo da propriedade subjazendo-lhe, por isso, somente interesses jus-privados – um processo de partes, com os ónus e preclusões inerentes;
Nessa sequência, não poderia nunca este Tribunal suprir a falta de impulso processual por estar inadmissivelmente a substituir-se aos interessados, numa atitude de paternalismo que seguramente está longe dos objectivos do legislador, mormente num  Estado de Direito Democrático;
- Constando dos autos, como constam, os elementos necessários a dedução do correspondente incidente de habilitação de sucessores, bem poderia a aqui requerente. na sua qualidade de expropriada, suscitá-lo, obstando assim à declarada deserção da instância; se não o fez, só de si se pode queixar, com todo o respeito.
- Não se pode considerar qualquer requerimento atravessado nos autos, só por si, como conferindo o devido impulso processual, sob pena de assim se defraudar claramente o intuito da fixação de prazos de extinção da instância, por deserção, inundando o processo com comunicações que em nada contribuem para a evolução do iter procedimental - que é o que obviamente se pretende quando se coloca sobre as partes o ónus dos impulsionar».

IV – As questões que se evidenciam como decorrentes das conclusões das alegações para decisão e que, por isso, constituem objecto do presente recurso, são as seguintes:

- se o prazo de seis meses para a deserção da instância a que se refere o art 281º/1 nCPC, tendo-se iniciado em 3/6/2014, não se deve entender como decorrido em 3/12/2014, na medida em que se suspendeu durante as férias judiciais, bem como  entre 26/8 e 14/10/2014, nos termos do art 5º/1 do Dl 150/2014;
- de todo o modo, se, atentas as características próprias do processo de expropriação, se deve entender que a deserção da instância não é aplicável neste tipo de processos;
- ainda que assim não se entenda, se  o principio da adequação formal  implicaria que o tribunal recorrido, junto como estava o documento da habitação de herdeiros da falecida expropriada Mª da Conceição, deveria ter tratado o requerimento de Sandra M... como um requerimento tendente à habilitação daqueles herdeiros, dando-lhe o adequado tratamento processual;
- se, em qualquer caso, o tribunal, ao invés de suspender a instância ou, não obstante, tal suspensão, deveria ter providenciado pela substituição do tutor relativamente ao expropriado António L. em face do requerimento de S L..

Dispõe o art 41º CExp/99:

«1- O falecimento, na pendência do processo, de algum interessado só implica a suspensão da instância depois de notificada à entidade expropriante a adjudicação da propriedade e posse, esta no caso de não ter havido investidura administrativa.
2- Havendo interessados incapazes, ausentes ou desconhecidos, sem que esteja organizada a respectiva representação, o juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou de qualquer interessado, nomeia-lhes curador provisório que será, quanto aos incapazes, na falta de razões ponderosas em contrário, a pessoa a cuja guarda estiverem entregues.
3- No caso de o processo de expropriação ainda não se encontra em juízo, o juiz determina a sua remessa imediata, para os efeitos do número anterior, pelo período indispensável à decisão do incidente.
4- A intervenção do curador provisório cessa logo que se encontre designado o normal representante do incapaz ou do ausente ou passem a ser conhecidos os interessados cuja ausência justificara a curadoria».

Da norma em causa resulta que o falecimento de algum interessado antes da adjudicação da propriedade à entidade expropriante não implica a suspensão da instância. Antes desse momento processual, «por razões de celeridade processual e principalmente, do interesse publico»[1], o processo continua os seus termos legais. Só depois de notificada à entidade expropriante a adjudicação da propriedade e posse é que se ordenará a suspensão da instância nos termos do art 270º CPC para se fazer a habilitação de herdeiros daquele.

Esta exigência de prossecução do processo até ao momento em causa constitui  emanação do princípio da legitimidade aparente, [2] segundo o qual, «a não intervenção do verdadeiro titular dos direitos em causa não determina, em regra, a anulação dos actos já realizados, podendo a expropriante dirigir-se às entidades constantes das respectivas inscrições prediais e fiscais mesmo que não sejam as verdadeiras e actuais titulares dos direitos que incidem sobre o imóvel a expropriar».

O preceito do art 41º tem, no entanto, salvo melhor opinião, diversos campos e momentos de aplicação no que respeita aos interessados incapazes, ausentes ou desconhecidos.
Levando a supor – desde logo o seu nº 3 – que em qualquer fase da expropriação, mesmo a de carácter administrativo, o juiz é obrigado relativamente aos interessados incapazes, ausentes ou desconhecidos, a nomear-lhes curador provisório, cuja intervenção só cessa quando se encontre designado o normal representante do incapaz ou do ausente, ou passem a ser conhecidos os interessados cuja ausência justificara a curadoria.

No que respeita à situação dos autos, em que desde o início da fase judicial se tem conhecimento de que um dos expropriados é incapaz por interdição, a circunstância do falecimento da tutora do mesmo obrigaria o juiz do processo, após vista do Ministério Público, a diligenciar de imediato pela «organização da respectiva representação», substituindo nas funções de tutor desse incapaz, a falecida Maria da Conceição, pela referida Sandra M..., que logo na sentença de interdição fora nomeada protutora do mesmo, já que, nos termos da lei - art 1956º al b)  CC - cabe ao protutor substituir o tutor nas suas faltas e impedimentos.

O que significa que, quando em 31/3/2014 Sandra M... dá conhecimento da morte da mãe e tutora do interdito e se «apresenta» como “sucessora” daquela no cargo, o Exmo Juiz do processo, ou não suspenderia a instância nos termos do art  270º CPC, aplicável ex vi do disposto no art 549º/1, ou, ainda que o fizesse, e porque  a suspensão não obsta à prática dos actos urgentes nos termos do art 283º/1 aCPC, não deixaria de diligenciar no sentido atrás referido.  E que a organização da representação legal do incapaz é de se ter como um acto urgente decorre, naturalmente, do regime já acima referido do nº 3 desse art 41º.

Voltando ao art 41º e à conjugação do disposto no seu nº 1 com a situação de interessados «desconhecidos ou ausentes», verifica-se que perante o conhecimento da morte de algum dos expropriados e, suspensa a instância depois da referida adjudicação da propriedade e posse à entidade expropriante, terá querido o legislador que mantendo-se o desconhecimento dos sucessores do falecido, seja nomeado curador provisório para os representar, determinando que o mesmo só cessa a sua intervenção quando «passem a ser conhecidos os interessados cuja ausência justificava a curadoria».

Isto significa, salvo melhor opinião, que o juiz do processo de expropriação, após a adjudicação da propriedade e posse à entidade expropriante, quando tenha conhecimento do óbito de algum interessado, não pode passivamente limitar-se a suspender a instância nos puros termos da al a) do nº 1 do art 269º e do art 270º CPC,  até que se mostre «notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida», desinteressando-se em absoluto do conhecimento destes  sucessores.

Deverá questionar os restantes interessados no processo relativamente à respectiva identidade, diligenciando, se necessário, em função dessas informações para vir a concretizar tal identidade, pois que, em última análise, se tais sucessores continuarem «desconhecidos», ter-lhes-á que nomear curador provisório e fazer prosseguir o processo, só cessando este a respectiva intervenção quando passem a ser conhecidos os interessados cuja ausência justificou a curadoria.

 O que implica, por um argumento de maioria de razão, que dispondo nos autos dos elementos necessários deva oficiosamente proceder à habilitação dos herdeiros do expropriado falecido.

Por isso, concorda-se com o referido no acórdão desta Relação (e Secção) de 22/2/2008 [3], quando no sumário do mesmo se diz que «na fase judicial do processo de expropriação o juiz deve participar activamente no esforço de determinar quem tem legitimidade para intervir no processo na qualidade de expropriado», e no respectivo texto, citando-se o Ac R E 27/4/1995 [4] se observa que «a activa participação do juiz na fase judicial da expropriação para a obtenção da identificação de quem tem legitimidade par intervir no processo na qualidade de expropriado(s)  se justifica num processo em que os expropriados são privados da propriedade e/ou da posse sem que tenham recebido ou mesmo sem que tenha sido fixada, em termos definitivos, a indemnização a que têm direito – arts 15º/2, 51º/5, 52º CE».

No citado Ac Relação de Évora admite-se que o «juiz possa oficiosamente ordenar notificações para intervenção no processo dos interessados não chamados», mencionando-se que a notificação oficiosa desses interessados foi admitida no Ac STJ de 20/10/1981, BMJ 315-315, e «pelo menos em termos implícitos» no Ac R E de 2/12/76, CJ 1976, 53-740, Ac RL 12/6/84 CJ 1984, 53-154 e Ac STJ 20/12/84,  referindo-se ainda que, «há sérios interesses do expropriado e demais interessados a proteger, que aconselham um papel activo, oficioso, do juiz, que este não tem noutras acções. Pode, de algum modo, dizer-se que, nesse processo, se esbate o papel de impulsionador e delimitador da acção que, em regra, cabe ao autor, não sendo este a definir, pelo menos nos termos absolutos em que comummente o faz, a relação jurídica controvertida, nos seus aspectos objectivos e subjectivos. O juiz pode, pois oficiosamente, chamar ao processo outros interessados que não tenham sido convocados pelo expropriante, assegurando-lhes a defesa dos seus direitos, designadamente no que respeita à fixação da indemnização, assim suprindo a inércia, erro ou negligência do expropriante e evitando que, por incompleta indicação por este dos interessados, a instância seja julgada extinta, por preterição de litisconsórcio necessário passivo. Tal extinção mostrava-se, aliás, bastante gravosa para os interessados, implicando pelo menos o protelamento da fixação de indemnizações e podendo, mesmo, na prática, deixar nas mãos do expropriante a reactivação do processo, através do chamamento dos demais interessados».

Nesta linha de entendimento e, por isso, em função do carácter publicista do processo de expropriação - que se mantém, mesmo depois da adjudicação da propriedade  - e  em face do que já se referiu a propósito do art 41º CE,  entende-se que, tal como o faz relevar a apelante, deveria o Exmo Juiz a quo ter processado o requerimento de Sandra M... como uma habilitação de herdeiros, utilizando as potencialidades do princípio da adequação formal e dando expressão ao princípio da cooperação, não se escudando num passivo princípio do dispositivo, compreendendo que no aspecto em causa se exige do juiz maior poder de iniciativa na remoção dos obstáculos que se oponham ao regular andamento de uma lide como a de expropriação, que, afinal,  só atinge o seu verdadeiro objectivo quando sejam entregues as justas indemnizações a quem se viu privado da respectiva propriedade.

Se, o que se veio de dizer até aqui, já seria bastante para se ter como procedente a apelação, impõe-se referir que também por outras razões que não se prendem especificamente com o processo expropriativo, ainda que no mesmo assumam, porventura,  maior acuidade,  se imporia a revogação do despacho recorrido.

É que, ainda que não se tome posição a respeito da questão colocada pelo apelante relativamente à inaplicabilidade ao processo expropriativo do instituto da deserção da instância – e de facto, na sequência do que já se afirmou, não pode senão com muitas dúvidas, admitir-se tal aplicabilidade – a verdade é que, tal como tem sido referido pela jurisprudência recente a respeito dessa matéria, não deverá o juiz em qualquer processo – e menos ainda, pelas razões referidas, no de expropriação – fazer uma aplicação automática da deserção, como foi feita na situação dos autos em que, seis meses depois da notificação do despacho a determinar a suspensão da instância logo se determinou a respectiva deserção e a consequente extinção da mesma nos termos dos arts 281º/1 e 4  e 277º al c) CPC.
 
No Ac RL 26/2/2015 [5] (respectivo sumário) referindo-se que «a deserção da instância, enquanto causa da extinção da instância, deixou de ser automática, carecendo de ser julgada por despacho do juiz, ao contrário do que acontecia no sistema anterior no qual a instância ficava deserta independentemente de qualquer decisão judicial», pondera-se que, «no despacho que julga deserta a instância o julgador tem de apreciar se a falta de impulso processual se ficou a dever à negligência das partes, o que significa que terá de fazer uma valoração do comportamento destas, por forma a concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo resulta efectivamente da sua negligência, pelo que, num juízo prudencial, deverá o julgador ouvir as partes por forma a avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas, e por força do principio da cooperação, reforçado no nCPC, alertar as partes para as consequências gravosas que possam advir da sua inércia em impulsionar o processo decorrido que seja o prazo fixado na lei, agora substancialmente mais curto». 
 
Justifica-se nesse acórdão esta atitude de colaboração com as partes referindo-se que, «perante a natureza das alterações que se verificaram com a entrada em vigor do nCPC, e o curto prazo de vacatio legis, impôs o legislador ao julgador uma função correctiva, quer quanto à aplicação das normas transitórias, quer quanto aos possíveis erros sobre o conteúdo do regime processual aplicável e que resultassem evidentes da leitura dos articulados, requerimentos ou demais peças processuais», chamando, pois a atenção para o conteúdo do art 3º da L 41/2013.

No mesmo sentido diz-se no Ac RL 9/9/2014 [6]: «Tendo em conta a profundidade da alteração dos institutos em causa» – está-se a referir aos institutos da interrupção e da deserção da instância no a CPC - «deve-se (no âmbito do CPC) equiparar a deserção da instância à anterior interrupção da instância quanto à sua causa, mas mantendo o efeito de extinção da instância», chamando-se a atenção para que «no fundo, consistiu na eliminação de uma “fase” processual intermédia nesta matéria» pelo que, em face «dos efeitos graves da mesma resultantes (estando em causa a extinção da instância), e o evidente propósito do legislador em obstar que possa ocorrer grave prejuízo dos direitos das partes resultantes da aplicação do NCPC, bem como o facto de se ter de aquilatar do comportamento negligente da parte na omissão do impulso processual, nunca poderia o tribunal recorrido proferir o despacho recorrido sem que, previamente, desse às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a questão (art. 3º, nº 3 do NCPC)».[7]

Ora o Exmo Juiz a quo andou muito longe de observar qualquer «juízo prudencial» na matéria em causa, precipitando, sem hesitações, uma extinção da instância num processo de expropriação.   

Deste modo, e resultando prejudicada a questão referente à contagem do prazo de seis meses necessários para a deserção da instância, não pode senão entender-se que o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que faça prosseguir o processo, por um lado diligenciando a respeito da representação do expropriado interdito, por outro, julgando o incidente de habilitação de herdeiros por óbito da expropriada Maria Conceição.

 V – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar procedente a apelação e revogar o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro em que se faça prosseguir o processo, diligenciando a respeito da representação do expropriado interdito e julgando o incidente de habilitação de herdeiros por óbito da expropriada Maria da Conceição Lucas dos Anjos.

Sem custas.

Lisboa, 9 de Julho de 2015
                                                         
Maria Teresa Albuquerque                                              
José Maria Sousa Pinto                                             
Jorge Vilaça

[1]- Osvaldo Gomes, «Da Expropriação por Utilidade Pública», p 377
[2] - Autor e obra citada, p 371
[3] - Relatado por Jorge Leal, com acesso em www dgsi pt
[4] -   CJ ,I , p 270  (Mário Pereira)
[5] - Ondina Carmo Alves
[6] -  Cristina Coelho
[7]- Com o mesmo entendimento Ac RG 2/12/2015 P 4178/12.1TBGDM.P1