Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5374/2004-3
Relator: CARLOS ALMEIDA
Descritores: APREENSÃO DE DOCUMENTO
CERTIDÃO
CUSTO DE FOTOCÓPIAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/29/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – A apreensão material do original dos documentos deve manter-se se isso se tornar necessário nomeadamente para a prova (artigo 178º, nº 1, parte final, do Código de Processo Penal).
II - Não obstante já ter sido realizada uma perícia com base nos documentos apreendidos, no caso pode tornar-se necessário efectuar, na fase de julgamento, outras perícias para as quais os originais dos documentos são imprescindíveis.
III – A certidão que nos termos do nº 1 do artigo 183º do Código de Processo Penal é entregue ao detentor do documento apreendido, tal como a cópia que, de acordo com o nº 2 do mesmo preceito legal lhe é entregue, não se encontra sujeita ao regime estabelecido no Código das Custas Judiciais porque é uma mera decorrência da apreensão efectuada.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa


I – RELATÓRIO
1 – No dia 13 de Abril de 2004 a sociedade “V...., S. A.” formulou no processo nº 11/01.9TELSB, que na altura se encontrava na fase de instrução, um requerimento em que pedia, «para poder continuar a sua contabilidade e cumprir todas as suas obrigações fiscais», «a entrega à arguida de todos os elementos da sua contabilidade apreendidos nos autos e que constituem o Apenso UUU (Pastas 1 a 11)» ficando nos autos, caso fosse necessário, cópias dos mesmos (fls. 23).
Sobre esse requerimento, o Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos (fls. 24):
«Tendo em vista a preservação da prova constante do processo e atento o disposto no artigo 183º do Código de Processo Penal, opõe-se o Ministério Público à entrega aos arguidos dos originais solicitados, nada tendo.no entanto, a opor à entrega de cópia».
Depois de ter ouvido o Ministério Público, a srª juíza de instrução proferiu o seguinte despacho (fls. 25):
«Entendendo, como o Ministério Público a fls. 23 720, que a entrega dos originais porá em causa a preservação da prova constante do processo e nos termos do disposto no artigo 183º do Código de Processo Penal entregue certidão, onde será feita menção da apreensão dos originais, dos documentos pretendidos (cfr. fls. 23 351 - 23 353)».

2 – A arguida interpôs recurso desse despacho.
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:
a) «Para poder continuar a sua contabilidade e para cumprir as suas obrigações fiscais a arguida necessita de ter em sua posse os elementos que constituem a sua contabilidade e que se encontram apreendidos nos autos;
b) A norma consagrada no artigo 183° nº 1 do Código de Processo Penal permite que os originais dos documentos sejam restituídos a quem legitimamente os detinha à data da sua apreensão e dispõe:
c) que no caso de existir necessidade de se conservarem os originais de documentos apreendidos destes devem ser feitas cópias ou extraída certidão e entregues a quem os legitimamente detinha;
d) In casu, a restituição dos elementos de contabilidade que foram apreendidos à arguida não representa qualquer perigo para a conservação da prova uma vez que os mesmos podem ser copiados e juntos aos autos e;
e) que essas cópias permitem, em sede de julgamento, produzir a mesma prova que se produziria com os originais daqueles documentos;
f) Por isso, não existe qualquer necessidade de conservar os originais dos documentos apreendidos cuja restituição a arguida requereu;
g) Assim sendo, ao indeferir o requerido pela arguida o despacho recorrido violou o disposto no citado artigo 183º, nº 1, do Código de Processo Penal e ainda a norma consagrada no artigo 61º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa;
h) A arguida não pode suportar os custos das cópias e respectiva certidão dos documentos cuja restituição requereu;
i) Ao ordenar a realização e entrega à arguida dessas cópias sem que exista motivo para conservar nos autos os originais, o despacho recorrido violou os princípios da proporcionalidade e necessidade;
j) Por outro lado, outros pedidos de restituição dos elementos contabilísticos formulados por outras sociedades comerciais arguidas foram deferidos;
k) Assim, não existindo fundamento válido para discriminar o requerido pela arguida o despacho recorrido violou o princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa;
l) Face a todo o exposto, por ter violado os preceitos legais e constitucionais invocados, o despacho recorrido é injusto, ilegal e;
m) Deve por isso ser revogado e substituído por outro que ordene a restituição à arguida todos os documentos que constituem elementos da sua contabilidade e que foram apreendidos».

3 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 12.
4 – O Ministério Público respondeu à motivação apresentada (fls. 26 a 33).

5 – Neste tribunal, o sr. procurador-geral-adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, emitiu o parecer de fls. 37 a 39.

6 – Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, a arguida pronunciou-se nos termos constantes de fls. 42 e 43 requerendo, em alternativa ao pedido de revogação do despacho de 28 de Abril de 2004, «que caso o tribunal decida manter a apreensão dos elementos da sua contabilidade, decidam também ordenar a emissão e entrega à arguida de cópias certificadas desses mesmos elementos, gratuitamente, sem qualquer custo para ela».

II – FUNDAMENTAÇÃO
7 – De acordo com o nº 1 do artigo 183º do Código de Processo Penal, «aos autos pode ser junta cópia dos documentos apreendidos, restituindo-se nesse caso o original. Tornando-se necessário conservar o original, dele pode ser feita cópia ou extraída certidão e entregue a quem legitimamente a detinha. Na cópia e na certidão é feita menção expressa da apreensão».
Tendo em conta esta disposição legal, a apreensão material do original dos documentos deve manter-se se isso se tornar necessário, nomeadamente, para a prova (artigo 178º, nº 1, parte final, do Código de Processo Penal), o que, como se refere no despacho recorrido e melhor explicita o Ministério Público na resposta à motivação do recurso, é o caso destes autos uma vez que, não obstante ter já sido realizada uma perícia com base nos documentos apreendidos, pode tornar-se necessário efectuar, na fase de julgamento, outras perícias para as quais os originais dos documentos são imprescindíveis.
Por isso, de acordo com a segunda parte da disposição acima transcrita, deveria o tribunal, face à invocada necessidade da recorrente de dispor dos elementos apreendidos para continuar a sua contabilidade e cumprir as suas obrigações fiscais, manter a apreensão do original dos documentos e entregar à requerente certidão ou cópia dos mesmos.
Ora, foi precisamente isso que a srª juíza de instrução decidiu no despacho impugnado.
Por isso, o recurso interposto não pode proceder.

8 – Percebe-se da motivação da recorrente, e isso resulta claramente da resposta ao parecer do Ministério Público, que o que o principal motivo do recurso é, porém, outro.
A recorrente partiu do pressuposto que a certidão que lhe seria entregue na sequência do despacho recorrido deveria por ela ser paga de acordo com o previsto no artigo 106º do Código das Custas Judiciais, o que se traduziria numa quantia muito elevada e que, segundo afirma, seria para ela incomportável.
Ora, a certidão que nos termos do citado nº 1 do artigo 183º do Código de Processo Penal é entregue ao detentor do documento apreendido, tal como a cópia que, de acordo com o nº 2 do mesmo preceito legal lhe é entregue, não se encontra sujeita ao regime estabelecido no Código das Custas Judiciais porque é uma mera decorrência da apreensão efectuada. Uma vez que o detentor ficou privado do original que detinha o sacrifício do seu direito é minorado através da entrega de certidão ou de cópia do documento.
Trata-se, porém, de questão estranha ao despacho recorrido sobre a qual não incidiu o recurso interposto.

9 – Uma vez que a arguida decaiu no recurso que interpôs é responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua actividade deu lugar (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal).
De acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 e no nº 3 do artigo 87º do Código das Custas Judiciais a taxa de justiça varia entre ½ e 15 UCs.
Tendo em conta a complexidade do recurso, julga-se adequado fixar essa taxa em 2 UCs.

III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em:
a) negar provimento ao recurso interposto pela arguida “V...., S. A.”.
b) condenar a recorrente no pagamento das custas do recurso, com taxa de justiça que se fixa em 2 (duas) UCs.


Lisboa, 29 de Setembro de 2004

(Carlos Rodrigues de Almeida)
(Horácio Telo Lucas)
(António Rodrigues Simão)