Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
849/2006-5
Relator: JOSÉ ADRIANO
Descritores: DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA
BURLA
INDÍCIOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/02/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Na dúvida, a decisão terá necessariamente de ser favorável ao arguido, em homenagem ao princípio in dubio pro reo.
Conforme entendimento generalizado dos tribunais superiores, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, “um acórdão da Relação que confirma um despacho de não pronúncia da 1.ª instância é um acórdão absolutório”, para os efeitos do disposto na al. d), do n.º 1, do art. 400.º, do CPP.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO:
Inconformados com a não pronúncia do arguido A…, os assistentes António … e Maria … interpuseram o presente recurso da respectiva decisão instrutória proferida pela Mm.ª Juíza do 1.º Juízo Criminal de Almada, concluindo a correspondente motivação do seguinte modo:
«A decisão recorrida fez errada apreciação da matéria de facto, que considerou como indiciada, nomeadamente no que concerne aos parágrafos 9, 13, 14, bem como da matéria que considerou não indiciada no que concerne ao parágrafo 2.
Fez uma apreciação errada da matéria de facto, ao concluir que a procuração havia sido outorgada pelos Recorrentes em virtude de as negociações terem sido concluídas. O que não corresponde minimamente à verdade e fica facilmente provado pelos faxes trocados entre os mandatários das partes e juntos aos autos;
Na verdade os autos indiciam que o Arguido, praticou o crime de burla qualificado p. p. pelos artigos 217° e 2180 do CP, porquanto,
O Recorrido ao extrair as 4 certidões da procuração (procuração que deveria ser entregue a este, por via de acordo a assinar entre as partes e pessoalmente), teve a intenção de obter para si um enriquecimento ilegítimo, enriquecimento que efectivamente obteve, criando consequentemente graves prejuízos patrimoniais aos Recorrentes;
Com objectivo de causar um enriquecimento ilegítimo, o Recorrido manteve as negociações, criando alguns obstáculos ao decurso das mesmas, que efectivamente funcionaram, no sentido de este por um lado obter as certidões da procuração e por outro lado ter tempo de negociar os referidos lotes, proceder à outorga das respectivas escrituras publicas de aquisição e respectivos registos (registos apenas efectuados relativamente a dois lotes);
Com este comportamento, o Recorrido levou os Recorrentes a absterem-se de praticar qualquer acto, sobre os lotes de que eram/são proprietários, criando um grave prejuízo patrimonial a estes;
Toda a matéria de facto, fica provada, se verificarmos que a outorga das escrituras de aquisição por parte do próprio Arguido dos lotes 103 e 104 é efectuada em 26 de Abril de 2001 e os respectivos registos na 2a C.R.P. Almada, foram efectuados em 03.05.2001 e se verificarmos também a data da outorga da escritura de compra e venda, dos outros dois lotes (95 e 102), à sociedade “F..., L.da”, datada de 18 de Abril de 2001, no 3° Cartório Notarial de Almada, ou seja, tudo se passa no lapso de tempo que decorre entre a outorga da procuração irrevogável e o dia 8 de Maio de 2001, ultima data para assinatura do acordo;
Pelo decurso das negociações fica claro que, na verdade o Arguido nunca teve intenção de assinar qualquer acordo e muito menos pagar o montante a que estava adstrito, até porque a contrapartida dos Recorrentes seria a entrega da Procuração, procuração que o Arguido já há muito tinha em seu poder.
Por ultimo, é de salientar, só quando os Recorrentes, tomaram conhecimento que o acordo não seria assinado é que decidiram alienar os lotes a terceiros, pois até lá abstiveram-se de praticar qualquer acto tendente à alienação dos referidos lotes. E é nesta altura que se apercebem que os lotes já haviam sido transaccionados pelo Arguido;
Ficando assim indiciado mais um requisito fundamental da pratica do crime de burla, ou seja, “determinar outrem à pratica de actos que lhe causem,…., prejuízo”, no caso em apreço, o Recorrido de forma astuciosa, levou os Recorrentes à omissão da pratica de determinados actos, como seja a negociação dos lotes com terceiros, no decurso daquele lapso de tempo, mantendo as negociações com os mandatários dos Recorrentes, bem sabendo que já se encontrava na posse da respectiva procuração, e que havia já dado uso à mesma, em seu próprio proveito.
Fica assim demonstrado que estão preenchidos todos os requisitos para que estejamos perante a prática de um crime de burla qualificada p. p. nos termos do artigo 217º e 218º do C.P.
Devendo por isso ser reapreciada toda a prova produzida em sede de instrução».

Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, que defendeu a manutenção do despacho recorrido e a consequente não pronúncia do arguido. Termina da seguinte forma:
a) Os Assistentes impugnam a justeza da decisão de não pronúncia do arguido, por factos que, em seu entender, integram a tipologia de um crime de Burla qualificada, p. e p. pelo art.° 217.° n.° 1 e 218.°, ambos do C.Penal,
b) Entendem que o arguido nunca teve a intenção de assinar qualquer acordo e muito menos pagar o montante a que estava adstrito, até porque a contrapartida dos Recorrentes seria a entrega da procuração, procuração que o arguido há muito em seu poder.
c) No caso em apreço, o Recorrido de forma astuciosa, levou os Recorrentes à omissão da prática de determinados actos, como seja a negociação dos lotes com terceiros, no decurso daquele lapso de tempo, mantendo as negociações com os mandatários dos Recorrentes, bem sabendo que já se encontrava na posse da respectiva procuração, e que já havia dado uso ã mesma, em seu proveito.
d) O despacho judicial de não pronúncia do arguido, conclui dizendo que o arguido obteve a procuração mediante obtenção de certidão da mesma, ou seja, de forma lícita, pois que a mesma foi emitida atribuindo-lhe poderes para a celebração de contratos de compra e venda.
e) O arguido não agiu correctamente, mas tal comportamento só terá relevância a nível de ilícito civil, pois que as reacções jurídico penais, estão reservadas para as infracções mais graves.
f) Decide-se não pronunciar o arguido, com fundamento na insuficiência de indícios, para a introdução do feito em juízo.
g) Em nosso entender, bem andou a Mm.ª Juiz ao proferir despacho de não pronuncia do arguido, porquanto não foram recolhidos indícios suficientes da pratica, por parte do mesmo, do ilícito criminal referido.
h) Isto Porque, nas diversas peças processuais dirigidas aos autos, os assistentes referem, frequentemente, que o arguido agiu de má fé, conseguindo com a sua conduta, obter um benefício patrimonial indevido.
i) Perfilhamos tais conclusões, conquanto, ao agir da forma descrita nos autos, o arguido utilizou uma procuração emitida pelos assistentes, e, no uso de poderes conferidos pela mesma, alienou terrenos pertencentes àqueles. Terá agido, contra a vontade dos assistentes.
j) Foi intentada acção cível contra o arguido, no âmbito da qual foi declarado nulo, o negócio jurídico realizado pelo arguido, através da procuração irrevogável.
k) Questão fulcral dos autos, é a de saber se se mostra suficientemente indiciado que, ardilosa e engenhosamente, o arguido criou toda esta situação, por forma a levar os assistentes a emitirem uma procuração a seu favor, como emitiram, para depois a utilizar, em proveito exclusivamente seu, na venda de terrenos.
1) Como se refere no despacho de arquivamento, na sequência de aturadas relações negociais, assistentes e arguido outorgaram, a favor deste, uma procuração para venda de lotes de terreno.
m) Em circunstâncias não apuradas, o arguido conseguiu obter certidões da procuração que havia sido depositada no 6.° Cartório Notarial de Lisboa. Em poder desse documento, utilizou-o vendendo os lotes de terreno pertencentes aos assistentes, locupletando-se com o preço.
n) Ainda assim, apenas podemos afirmar que o arguido ter-se-á, quando muito, aproveitado de uma situação não criada fraudulentamente, por si.
o) O crime de burla consuma-se, além do mais, com a indução da vítima em erro ou engano, em consequência de uma conduta astuciosamente provocada pelo agente da infracção.
p) No caso dos autos, tal não aconteceu, ou, melhor dizendo, tal não se logrou apurar, portanto, o crime de burla não se consumou.
q) Como bem refere a Mta Juiz, "não pode dar-se um salto lógico por forma a atribuir ao arguido a má fé de determinar, com as negociações realizadas, os assistentes á emissão da procuração".
r) Como sempre defendemos, a questão dos autos, reveste, tão só, natureza cível, devendo solucionar-se, como aconteceu no foro próprio que não o penal.
s) E consabido que, nem tudo o que é ilícito, é punível criminalmente».

Lavrado despacho de sustentação, nos termos do art. 414.º, n.º 4, do CPP, subiram os autos a este Tribunal, tendo o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, na vista que lhe coube nos termos do art. 416.º, do mesmo Código, acompanhado a posição do MP na primeira instância e defendido, em consequência, a manutenção do despacho de não pronúncia.
Cumprido o art. 417.º, n.º 2, do CPP, ninguém respondeu.
Procedeu-se a exame preliminar e colheram-se os necessários vistos, tendo de seguida lugar a Conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO:
1. Conforme Jurisprudência uniforme nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelos recorrentes a partir das respectivas motivações que delimitam e fixam o objecto dos recursos que lhes são submetidos, sem prejuízo da apreciação das demais questões que sejam de conhecimento oficioso e de que seja ainda possível conhecer.
2. Vêm os assistentes impugnar a decisão instrutória que não pronunciou o arguido pela prática de um crime de burla agravada e ordenou o arquivamento dos autos.
É aquela decisão do seguinte teor:
« …
Apreciando e decidindo
Visto que o encerramento do presente inquérito culminou com a dedução de despacho de arquivamento, a instrução visará no presente caso "(...) a comprovação judicial da decisão de arquivar o inquérito(…)", cfr. art. 286°, n.° 1 do Código de Processo Penal, o que dependerá de resultarem do decurso daquele e da prova suplementar produzida em instrução, indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão dos arguidos a julgamento relativamente a um eventual crime de burla qualificada.
Não será demais relembrar que em sede de instrução não está em causa, para a prova dos factos o mesmo grau de exigência que tem de exigir-se em julgamento. Na instrução importa apurar se se verificam indícios suficientes de se ter verificado um crime, sendo medida da suficiência a possibilidade razoável de que por força deles venha a ser aplicada em julgamento uma pena ou medida de segurança.
Determina o art. 308°, n.° 1 do Código de Processo Penal que se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado o pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos, devendo e caso contrário, proferir despacho de não pronúncia.
O juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime de que não o tenha cometido. Efectivamente "a suficiência de indícios em sede de inquérito e de instrução tem de ser vista em função da natureza preparatória instrumental dessas fases do processo relativamente à fase de julgamento. Uma coisa é haver indícios suficientes para levar o arguido a julgamento, outra é eles serem suficientes par condenar o arguido. Contudo a possibilidade razoável de condenação impõe que da ponderação dos indícios, nas fases preliminares, resulte mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição" (1).
Ponderada a globalidade dos elementos já recolhidos nos autos quanto à questão de facto e, designadamente a actividade probatória desenvolvida na fase instrutória resulta suficientemente indiciado que:
- Os assistentes são donos e legítimos proprietários de uma série de lotes de terreno para construção sitos na Quintinha, Charneca da Caparica, entre os quais os lotes identificados com os números ..., registados na Conservatória do Registo Predial de Almada.
- O arguido é sócio gerente de uma empresa de construção civil, denominada P..., Lda., cuja actividade se centra na margem sul e com sede na ..., Almada.
- No dia 28 de Novembro de 1994 os assistentes e o arguido, na qualidade de sócio gerente daquela sociedade, celebraram o contrato promessa de compra e venda de oito lotes de terreno, entre os quais, os 4 lotes supra referidos.
- Ficou acordado que a P... se comprometia a marcar as escrituras de compra e venda de quatro lotes no prazo máximo de 4 anos a contar daquela data, e a dos outros 4 lotes no prazo máximo de oito anos também a contar daquela data.
- Aquando da celebração do contrato promessa, a urbanização das Quintinhas, na qual se integravam os lotes, era um prédio indiviso, com cerca de 200 comproprietários, a quem haviam sido atribuídos avos indivisos, correspondência dos lotes de facto adquiridos.
- Os assistentes consentiram que a sociedade P... iniciasse a construção de moradias nos lotes objecto do contrato, o que veio a suceder.
- Os prazos para celebração do contrato prometido não foram cumpridos pois mantiveram-se os mencionados lotes parte integrante de um terreno indiviso pertencente a múltiplos proprietários, um dos quais o assistente.
- A P... procedeu à entrega a terceiro de uma das moradias entretanto por si construídas.
- Em virtude de desentendimentos, não concretamente apurados, entre o arguido e os assistentes, estes acabaram por acordar na emissão de uma procuração irrevogável, conferindo poderes ao arguido para celebrar contratos de compra e venda tendo como objecto os lotes supra identificados.
- Os assistentes outorgaram tal procuração irrevogável no 6° Cartório Notarial Lisboa, no dia 23 de Fevereiro de 2001.
- Tal procuração foi outorgada na sequência de negociações que incidiram também sobre um acerto de contas pendente e relativo a umas obras que a Prefarlindo executara numa moradia dos assistentes na Charneca da Caparica.
- Em virtude de tal entendimento seria assinado um acordo escrito.
- No entanto e a posteriori o arguido não concordando com os termos do acordo comunicou aos assistentes que o mesmo ficaria sem efeito.
- O arguido levantou a procuração já emitida no 6° Cartório Notarial de Lisboa e na posse desta celebrou uma escritura de compra e venda relativa a dois dos terrenos supra identificados.
- No 3° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Almada correu seus termos a acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária com o n.° 515/01, intentada pelos assistentes contra o ora arguido e sua mulher.
- Por acórdão proferido nos autos foi a acção julgada procedente, tendo sido declarada a nulidade do contrato de compra e venda celebrado por escritura pública outorgada no dia 26 de Abril de 2001, no 3° Cartório Notarial de Almada, tendo como objecto os lotes n.° 103 e 104 supra identificados.
***
Factos não indiciados
- Que o arguido tenha entregue aos assistentes e, mediante a entrega da procuração, a quantia de esc.: 29.500.000$00.
- Que o arguido fazendo transparecer que mantinha interesse na aquisição dos lotes, prolongando as negociações, ganhando com isto o tempo necessário para localizar a procuração num cartório notarial, e vindo a utilizar a mesma, levou os assistentes a emitirem tal procuração irrevogável.
*

Sendo esta a matéria de facto indiciada e que se afigura com interesse para a prolação da decisão instrutória, impõe-se efectuar o seu enquadramento jurídico-penal de forma a poder concluir se se verificam ou não os pressupostos de que depende a possibilidade de aplicação ao arguido de uma sanção penal.
Pretendem os assistentes que seja imputado ao arguido a prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelo art. 217° e 218° ambos do C.Penal.
A questão que se coloca na presente instrução é saber se entre a conduta do arguido e a emissão da procuração irrevogável a favor deste por parte dos assistentes houve um nexo causal, até porque o outro nexo causal exigido para preenchimento dos elementos do tipo, entre a emissão da procuração e a verificação de prejuízo patrimonial, verifica-se, pelo menos indiciariamente, conforme aliás resulta da decisão da acção cível referida supra e também do despacho de arquivamento.
Ora, relativamente à emissão da procuração a verdade é que a mesma só foi emitida pois já haviam sido concluídas as negociações entre os assistentes e o arguido. Mas nada nos autos permite concluir que as negociações tenham sido feitas propositadamente para emissão e posterior utilização da procuração. Nem que a não concretização do negócio tenha sido causada porque o arguido já possuía a referida procuração.
Além do mais, o arguido obteve a procuração mediante obtenção de certidão da mesma, ou seja de forma lícita, pois que a mesma foi emitida atribuindo-lhe poderes para celebração de contratos de compra e venda.
Concluindo, e sem necessidades de mais considerandos, atenta a escalpelização dos factos e da matéria de direito já efectuada no despacho de arquivamento, conclui-se que não há indícios que preencham (indiciariamente) os elementos do tipo de burla. Não pode dar-se um salto lógico por forma a atribuir ao arguido a má fé de determinar, com as negociações realizadas, os assistentes à emissão da procuração. O arguido não agiu correctamente, mas tal comportamento só terá relevância a nível de ilícito civil, pois que as reacções jurídico-penais estão reservadas para as infracções mais graves.
*
Pelo exposto, profiro despacho de não pronúncia, uma vez que os indícios de prova recolhida não são bastantes para introdução do feito em juízo e, consequentemente ordeno o arquivamento dos autos».

3. Cumpre decidir:
O CPP considera «suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança» - artigo 283.º, n.º 2.
Refere José da Costa Pimenta (2) que “indício é a circunstância certa através da qual se pode chegar a indução lógica, a uma conclusão acerca da existência ou inexistência de um facto que se há-de provar”. Diz ainda este autor que “o indício, para o ser verdadeiramente, tem de conduzir a um convencimento - um convencimento que esteja acima de qualquer dúvida razoável, sob pena de, desnecessariamente, se enxovalhar a dignidade das pessoas. Há, pois, regras a que a valoração dos indícios deve obedecer. A primeira é a da certeza e inequivocidade da circunstância indiciante, de forma a afastar múltiplas inferências. Com esta regra se distingue o indício da mera conjectura”.
Também Cavaleiro de Ferreira, por seu turno, refere (3) que “fortes indícios” pressupõe que se encontre comprovada a existência do crime e que se verifiquem indícios suficientes da sua imputação ao arguido.
Por último, mas não menos importante, Germano Marques da Silva (4) entende que os elementos probatórios disponíveis devem ser alvo de uma comprovação objectiva, devendo fazer nascer no julgador a convicção de uma maior probabilidade de condenação do que de absolvição.
Ou seja, os indícios são suficientes quando houver uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição, caso contrário deverá elaborar-se despacho de não pronúncia.
Como explica, mais uma vez, o mesmo ilustre Professor (5): «A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de um ónus de prova a seu cargo, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade, ou seja, o princípio contrário ao da presunção de inocência».
Os mesmos princípios devem ser tidos em conta na apreciação da prova indiciária, para efeitos de saber se estão ou não suficientemente indiciados os factos imputados e que permitem submeter o arguido a julgamento, com vista à aplicação ao mesmo de uma pena ou uma medida de segurança. Na dúvida, a decisão terá necessariamente de ser favorável ao arguido, em homenagem ao princípio in dubio pro reo.
No presente caso, estando nós em concordância com a análise que é feita, na decisão recorrida, da prova constante dos autos, entendemos não merecer tal decisão qualquer censura, devendo ela ser confirmada.
Conforme entendimento generalizado dos tribunais superiores, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, “um acórdão da Relação que confirma um despacho de não pronúncia da 1.ª instância é um acórdão absolutório”(6), para os efeitos do disposto na al. d), do n.º 1, do art. 400.º, do CPP.
Nessa conformidade, remetendo-se, quanto ao mais, para os respectivos fundamentos, nos termos do art. 425.º, n.º 5, do CPP, é de confirmar aquela decisão de não pronúncia, declarando-se improcedente o presente recurso.

III – DECISÃO:
Nos termos supra expostos, julga-se improcedente o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida de não pronúncia.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça em quatro (4) UC’s, para cada um – art. 87.º, n.º 1 b) e 3, do CCJ.
Notifique.
(Elaborado em computador e revisto pelo relator, o primeiro signatário – art. 94.º, n.º 2, do CPP).




________________________
(1).-Acórdão da Relação de Lisboa de 19.06.2001, CJ, tomo III, pg. 150.

(2).-In “C.P.P. Anotado”, 1987, pág. 35.

(3).-In C.J., XIV, IV, pág. 26.

(4).- “Curso de Processo Penal”, vol. II, pág., 208.

(5).-Germano Marques da Silva, obra citada, vol. I, pág. 84.

(6).-Acórdão do STJ de 08-07-2003, proferido no Proc. n.º 2304/03 - 5.ª Secção.