Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
200208-B/1999.L1-8
Relator: ISOLETA COSTA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
PAGAMENTO DE CUSTAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - Não viola o nº2 do artº 158º do CPC a fundamentação de uma decisão em que é reproduzida materialmente a argumentação desenvolvida por uma das partes, quando com ela tal decisão se identifique, pelo que não padece de nulidade por falta de fundamentação o despacho em que o Juiz decidiu requerimento da parte, dando por reproduzida, a promoção do MP.
II - A eficácia do apoio judiciário concedido em certo processo em relação a outro a partir do DL 387/87 de 29.12, abrange todos os processos que sigam por apenso àquele em que ocorreu a concessão do benefício judiciário. (arº 17º daquele diploma, o aplicável aos autos) e hoje em dia, artº 18º da lei 47/2007 de 28.8).
III - Este é um direito fundamental, estruturante do Estado de Direito democrático (vde artº 2º da CRP) e de uma Comunidade de Estados informada pelo respeito dos direitos do homem, das liberdades fundamentais e do Estado de direito (TUE artº 6º) integrante do princípio material da igualdade e do próprio princípio democrático que não consente qualquer interpretação restritiva à letra da lei.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

A ora recorrente A… notificada da conta de custas e recebidas as guias para liquidar as da sua responsabilidade veio aos autos com requerimento do seguinte teor, designadamente: «Notificada para proceder ao pagamento da Guia de Conta de Processo: 703280015427951, vem, no seguimento do contacto telefónico mantido, há dias, com esse douto Tribunal relembrar que tem apoio judiciário nos autos, concedido a fls. dos mesmos autos, razão pela qual o envio à req.te da mencionada Guia constitui lapso manifesto, o qual se visa ora corrigir, nos termos legais, razão pela qual se procede, no presente, à devolução, da mesma Guia. (cfr. nomeadamente, Fls. 17 a 19 e 34 dos autos de Regulação do Poder Paternal apensos aos presentes autos)»
Na sequência deste requerimento, a Srª Escrivã lançou a informação nos autos que segue, abrindo Vista ao MºPº “:
«Atento o requerimento de fls. 309 e a douta promoção e despacho de fls. 313 e 314, sou a informar V. Ex.ª do seguinte:
Aquando da notificação da conta à requerente M…, verifiquei que a mesma solicitou apoio judiciário a fls. 17 dos autos principais ao abrigo do disposto no art.º 15.º do Dec.Lei n.º387-B/1987 de 29/Dezembro na modalidade de dispensa total de pagamento de custas judiciais, tal requerimento foi apreciado a fls. 34 tendo sido tão só admitido liminarmente o pedido de apoio judiciário formulado.
A requerente beneficia de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono conforme se verifica do apenso A.-
Em 28-07-2003, veio a requerente A… através da sua Exma. Advogada oficiosa nomeada, deduzir incidente de incumprimento do poder paternal a que deu origem os presentes autos, no qual foi proferida sentença em 9-07-2004 (fls.66 a 69) transitada em julgado e elaborada a respectiva conta de custas final a fls. 77.
Neste contexto veio posteriormente a requerente, através da sua Exmª Advogada oficiosa, deduzir vários incidentes, os quais por improcedentes mereceram a respectiva tributação, conforme melhor consta de fls.304, e ali descriminados, pelo que elaborada a respectiva conta foram emitidas guias e notificada a requerente para efectuar o seu pagamento, uma vez que é nosso entendimento que à data da tributação dos aludidos incidentes já havia sido proferida decisão transitada em julgado e ainda verificada a excepção do caso julgado formal, para que V. Exª requeira o que tiver por conveniente.”
O MºPº por sua vez lavrou promoção com o seguinte teor: “Efectivamente, cremos que assiste razão à Ex.ª Escrivã de Direito. Sempre se dirá que, na realidade e é certo, o apoio judiciário que foi concedido no processo principal é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele como é o caso destes autos (incidente).
Acontece, porém, que tal benefício só opera estando a causa pendente.
E no caso vertente, a presente lide deve considerar-se terminada, aquando da prolacção da decisão (que é final) aqui proferida a 9 de Julho de 2004 e que transitou em julgado. Ora tal benefício não pode abarcar as custas dos incidentes a que deu causa e em que a requerente veio a ser condenada, após o trânsito em julgado da sobredita decisão pois nada têm a ver com a defesa em juízo de quaisquer direitos da mesma requerente.
Assim, e salvo melhor opinião, não se trata de manifesto lapso nem nada há a corrigir, pelo que se p. se notifique a requerente para o que tiver por conveniente (cfr. fls. 309)”
Conclusos os autos ao Mmo Juíz «a quo» foi proferido despacho judicial com o seguinte teor: “Dando-se inteiramente por reproduzida a promoção que antecede notifique-se a requerente como aí se promove.
Enviem-se-lhe, novas guias para que a mesma proceda ao respectivo pagamento.”

Deste despacho agravou a requerente A… que finalizou a sua alegação com as conclusões ao adiante:
B) O douto Despacho recorrido proferido pelo Tribunal a quo, no dia 24.03.2011 - com o seguinte teor: “Dando-se por integralmente reproduzida a promoção que antecede notifique-se a requerente como aí se promove.
Enviem-se-lhe, novas guias para que a mesma proceda ao respectivo pagamento.” viola o disposto nos artigos 15.º e seguintes, e em especial o 17.º, todos do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29.12, e respectivas alterações legais e, acima de tudo, o texto constitucional;
C) O douto Despacho recorrido viola ainda o disposto no artigo.º 667.º do CPC (ex vi do artigo 666.º, n.º 3 deste diploma legal), pois reproduz a Promoção e, em consequência, a Informação prestada pela Exma. Escrivã de Direito de fls. dos autos,
D) Apesar das inexactidões referidas, nos termos acima expostos, como seja, designadamente, afirmar que os aí intitulados “incidentes” foram, todos eles, apresentados pela ora Recorrente, através da sua mandatária oficiosa, quando na verdade, alguns deles foram apresentados em Tribunal, directamente, pela ora Recorrente;
E) A ora Recorrente entende que o artigo 17.º do Decreto-Lei n.º n.º 387-B/87, de 29.12, em conjugação com o artigo 15.º e seguintes do mesmo diploma legal deve ser interpretado e aplicado no sentido de que a ora Recorrente continua a beneficiar do apoio judiciário que foi concedido a fls. dos autos;
F) Na verdade, foi concedido o apoio judiciário nos autos de Regulação do Exercício do Poder Paternal, o que implica que a requerente esteja dispensada do pagamento total de preparos (nos termos ocorridos) e do pagamento de custas, assim como do pagamento dos serviços do advogado, face ao exposto e nos termos legais,
G) O que decorre, de forma expressa do referido dispositivo legal (cfr. artigo 17.º do Decreto- Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro.
H) E onde não é excepcionado o trânsito em julgado ou o caso julgado de qualquer das causas apensas nem feita menção ao exercício de direitos da requerente ora Recorrente;
K) O facto do Tribunal considerar que a Recorrente deu causa a “incidentes”, e que foi condenada (sem conceder) não permite concluir de que a mesma não beneficie de apoio judiciário;
T) E que ao contrário da douta Promoção, e salvo melhor opinião, considera a ora Recorrente que todos os apensos e incidentes têm a ver com a defesa de direitos da ora Recorrente e, mesmo que julgados improcedentes, a Recorrente não deixa de beneficiar de apoio judiciário, face aos princípios de direito subjacentes (nomeadamente, o acesso ao direito constitucionalmente reconhecido) e ao Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro e respectivas alterações legais;
U) Consta dos autos prova suficiente de que está em situação de carência económica, face às renovações anuais de prova exigidas por Lei para a manutenção da prestação a cargo do FGADM,
V) Reforçada pelo Relatório junto a fls. 328 a 330 dos autos (para o qual se remete e ora se reproduz para os devidos efeitos legais), mencionado no despacho de fls. 333 dos autos que decide manter a “prestação alimentar substitutiva ...” e na Promoção de fls. 332;
X) Atribuir tal prestação e exigir o pagamento de custas quando foi concedido apoio judiciário com fundamento na situação de carência económica é, com o devido respeito, contraditório, incongruente e, salvo melhor opinião, ilegal, designadamente, por violar os princípios de Direito subjacentes a tais concessões;
Z) Por fim, deverá ser rectificada a menção errada feita na dita Informação da Exma. Sra. Escrivã de Direito nos termos expostos, ou seja, rectificar errada afirmação nessa Informação de que os Requerimentos de renovação de prova e de aumento da prestação a cargo do FGADM (alegados “incidentes”) foram, todos eles, apresentados pela Requerente através da sua advogada oficiosa, por ser tratar de lapso manifesto e, nomeadamente, por uma questão de rigor;
Z.1.) Erro esse que não foi corrigido no Despacho recorrido, nem mesmo posteriormente, após o Requerimento apresentado, a respeito, pela ora Recorrente;
Z.2.) Ao decidir como fez, o Despacho recorrido violou, interpretou e aplicou deficientemente a Lei aos factos, infringindo, entre outros, os artigos 15.º e seguintes do Decreto-Lei n.º n.º 387- B/87, de 29.12 e, em especial, o artigo 17.º deste e ainda o artigo 667.º do CPC (ex vi do artigo 666.º, n.º 3 deste diploma legal);
O MP contra alegou, sustentando que o incidente a que deu causa a recorrente e no qual foi condenada em custas constitui ocorrência estranha ao desenvolvimento da lide e como tal deve ser taxada ao abrigo do artº 16º do CCJ.
Que visando tais incidentes pedidos sucessivos de aumento de montante de pensão de alimentos a pagar pelo Estado em substituição do devedor pai, os quais sucessivamente indeferidos, consubstanciam incidentes anómalos uma vez que estão fora do âmbito da tramitação regular dos autos de incumprimento que prosseguem exclusivamente para os efeitos do artº 9º do DL 164/99 de 13.5 (apresentação anual de prova relativa à situação financeira do agregado).

Colhidos os vistos legais nada obsta ao mérito.

São as conclusões que delimitam o objecto do recurso sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (artº 684º e 690º ambos do CPC).
O Recurso coloca como questões a decidir:
a- Nulidade do despacho judicial que decidiu o requerimento da parte por simples remissão para a promoção do MºPº
b- Âmbito e extensão do apoio judiciário no regime legal do DL 387-B/87
c- Interpretação do artº 17º daquele mesmo diploma legal.

Conhecendo:
Fundamentação de facto:
Dá-se aqui por reproduzida a factualidade supra.
Fundamentação de direito:
a-Nulidade do despacho judicial por falta de fundamentação:
Tem para aqui interesse a regra constante do artº 158º do CPC que prescreve: 1:« As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma duvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.2 A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.»
Sobre este mesmo normativo o STJ, por Acordão de de 28.10.99, in CJ III/99, pg 66 decidiu que o dever de fundamentação no que respeita ao direito, basta-se com a indicação da razão jurídica que serve de fundamentação à decisão, podendo esta indicação ser feita de forma sucinta.
Por outro lado e se é certo que o artº 205º nº1 da CRP dispõe que «as decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei», garantindo deste modo o direito ao recurso e a própria legitimação da decisão judicial em si mesma (cfra Ac nº 55/85 do TC de 25.3.85 Acs do T 5º-467 e ss), a verdade é que este dever de fundamentação atinge uma dimensão variável.
O STA em 6.6.89 Ac publicado no BMJ 388-580 decidiu: O nº2 do artº 158º do CPC apenas proíbe que o juíz fundamente as suas decisões por remissão para as razões aduzidas pelas partes, dando-lhes a sua concordância, globalmente. Mas nada obsta a que ele reproduza materialmente a argumentação por elas desenvolvida, quando com ela se identifique» vde nota 6 ao artº 158º CPC anot Abílio Neto.
Tendemos a alinhar por este modo de pensar o direito, e como tal declarar isento de nulidade o despacho aqui agravado, em que o juiz decidiu requerimento da parte dando por reproduzida a promoção do MP.
Desatendendo ao agravo nesta parte importa conhecer da concreta questão colocada, isto é decidir o âmbito da extensão do apoio judiciário em termos processuais.

Isto posto e como questão prévia:
Constata-se que da informação da Srª Escrivã consta que o apoio judiciário no que importa à isenção de preparos e custas foi admitido liminarmente, mas não chegou a ser decidido.
Como é evidente qualquer matéria processual que esteja dependente ou conexionada com este passa necessariamente pela prévia decisão definitiva do incidente.
A fazer fé em tal informação, deverão os autos respectivos ser conclusos ao Mmo Juíz para determinar o andamento regular do incidente e proferir decisão relativa ao mesmo.
(Coloca ainda a agravante questões que se prendem com erros materiais constantes da informação da Srª Escrivã, (alínea D) e Z) das conclusões) cujos deverão ser objecto de decisão e sendo caso disso reparo, no Tribunal «à quo»

Sem prejuízo, porque se acha admitido liminarmente, o apoio judiciário, decide-se desde já, a questão concreta que o recurso coloca.

Vejamos então.
A Assistência Judiciária em Portugal remonta a 31 de Julho de 1899 data da publicação da primeira lei que regulou esta matéria.
O apoio dos pobres e indigentes no acesso aos Tribunais teve, porém, assento logo no Direito Romano onde ficou consagrado no Codex Theodosianus que vigorou a partir de 1 de Janeiro de 439.
Na Idade Média, em França, o patrocínio dos pobres, órfãos e fracos ficou consagrado no «Le Livre de Justice e de Plet » obra da pena do jurisconsulto Ferdinand de Roux e publicada em 1278.
Perde-se pois, nos confins da história da civilização ocidental, a protecção dos pobres no acesso à justiça, não sendo sequer uma conquista da actualidade, donde a sua importância!
Em Portugal as recentes alterações legislativas, produzidas no II milénio, (Lei 30-E/2000 de 20.12, Lei 34/2004 de 29.7 e Lei 47/2007 de 28.8) não alteraram o escopo primordial do Instituto com foros constitucionais (artº 20º da CRP),
Trata-se de um direito fundamental, estruturante do Estado de Direito democrático (vde artº 2º da CRP) e de uma Comunidade de Estados informada pelo respeito dos direitos do homem, das liberdades fundamentais e do Estado de direito (TUE artº 6º)
O direito de acesso ao direito não é apenas instrumento de defesa dos direitos. É também integrante do princípio material da igualdade e do próprio princípio democrático.
Daí que como defendem Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP anot. Vol I, pg 412, Coimbra Edª, 4ª edição. “Medidas restritivas de acesso ao direito devem ser consideradas como restrições a um direito, liberdade e garantia”
Trata-se de um dos direitos fundamentais da arquitectura do Estado de Direito democrático que pelas razões expostas não deve merecer qualquer interpretação restritiva à letra da lei.
Ora,
A eficácia do apoio judiciário concedido em certo processo em relação a outro a partir do DL 387/87 de 29.12, abrange todos os processos que sigam por apenso àquele em que ocorreu a concessão do benefício judiciário. (arº 17º daquele diploma, o aplicável aos autos) e hoje em dia, artº 18º da lei 47/2007 de 28.8.
A lei não aponta qualquer restrição a este princípio, tendo mesmo sido abolido com as alterações de 1987, o requisito da existência de certo nexo lógico e cronológico entre o processo apenso e aquele em que foi concedido o apoio e que era exigido pela lei 7/70.
A posição constante do despacho recorrido corresponderia ao absurdo de aplicar o princípio nele contido ao apoio na modalidade de isenção de custas e manter intocado o patrocínio judiciário.
Donde que, não se sufraga a interpretação restritiva desta norma, feita no tribunal «à quo», sendo que e como tal no caso dos autos o apoio (admitido liminarmente e ao que se sabe, a aguardar decisão definitiva) é extensivo aos processos que corram por apenso àquele em que o apoio foi tramitado.

Sem qualquer reserva ou restrição.
Em sentido que a certa altura se afasta do aqui sustentado, Salvador da Costa defende que esta regra sofre uma limitação sempre que o processo que corre por apenso, “é instaurado muito tempo depois de haver terminado o processo principal em que foi concedido o apoio judiciário, uma vez que a sua manutenção pode não fazer qualquer sentido em razão do tempo que passou e do desaparecimento altamente provável do circunstancialismo em que assentou a decisão da concessão”. In “O Apoio Judiciário”, 7ª edição pg 139.
Com todo o respeito as preocupações subjacentes a este pensamento, não podem ser resolvidas através de lei do apoio judiciário na sua formulação actual já que o encontro desta apontada a solução supõe uma interpretação restritiva da norma que o princípio que lhe está subjacente, como ficou explanado, não consente.

Segue pois deliberação:
Dando provimento ao agravo, revoga-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que dê cabal acolhimento à pretensão da recorrente, declarando o apoio judiciário na modalidade de isenção do pagamento de custas e outros, extensivo aos processos que correm por apenso àquele em que foi solicitado; dando sem efeito a emissão de guias para pagamento das custas contadas.
Sem custas.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2011

Maria Isoleta de Almeida Costa
Carla Mendes
Octávia Viegas