Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
126/11.5PDCSC.L1-9
Relator: CARLOS BENIDO
Descritores: PENA DE SUBSTITUIÇÃO
PENA NÃO PRIVATIVA DE LIBERDADE
TRANSCRIÇÃO DA SENTENÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - Para efeitos da não transcrição da sentença condenatória conforme o disposto no artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18/08 o que releva é a pena de substituição aplicada.

II - A expressão “pena não privativa da liberdade” tem, claramente, um sentido mais abrangente que “pena de multa” e por isso quem perfilha o entendimento de que ali se prevê, apenas, a pena de prisão que não exceda um ano e a pena de multa terá de concluir que o legislador plus dixit quam voluit.

III - Para efeitos da não transcrição da sentença condenatória, o conceito de «pena não privativa da liberdade» contida no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, inclui não só a pena principal de multa como ainda as penas de substituição não detentivas.

IV - Uma vez aplicada a pena de substituição, ela adquire plena autonomia. É a pena de substituição que se executa, e não a pena substituída.

V - Posto isto, há que concluir que no caso dos autos face à pena aplicada de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, se encontra verificado o requisito formal constante do artº 17º, nº 1, da Lei nº 57/98, de 18/08, vale dizer - condenação em pena não privativa da liberdade -.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:



I – RELATÓRIO

No âmbito do processo abreviado nº 126/11.5PDCSC, da Comarca de Lisboa Oeste – Cascais – Instância Local – Secção Criminal – Juiz 2, o Ministério Público recorreu do despacho que deferiu o pedido do arguido JJ... de não transcrição da condenação no certificado de registo criminal da pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução ficou suspensa na sua execução por igual período, pedindo que o mesmo seja revogado e substituído por outro que indefira aquele requerimento, concluindo a motivação com as seguintes conclusões:
1º O arguido foi condenado, nos presentes autos, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão cuja execução ficou suspensa na sua execução por igual período, nos termos do preceituado no art.º 50.º n.º 2 do CP.
2.º A Mma Juiz a quo proferiu despacho a determinar a não transcrição no registo criminal do arguido, da condenação supra referida, em que foi condenado no presente processo.
3.º O nosso dissentimento com a decisão recorrida prende-se com o facto de entendermos que a decisão recorrida confunde as naturezas das penas e o regime de execução das mesmas.
4.º Com efeito, em nosso modesto entendimento, temos que distinguir entre as penas detentivas e não detentivas da liberdade, abrangendo as primeiras a pena de prisão, independentemente da sua forma de execução; e as penas não detentivas, como é o caso da pena de multa ou de admoestação.
5.º A pena de prisão até um ano e a pena não privativa da liberdade a que alude o citado art.º 17.º comporta apenas a pena de multa e admoestação e a pena de prisão (independentemente do seu modo de execução) que não exceda aquele limite.
6.º A suspensão da pena de prisão aplicada em medida superior a um ano está excluída do âmbito de aplicação do preceito em causa já que se trata de uma pena detentiva, cuja execução foi suspensa, verificados determinados pressupostos e eventualmente, sujeita a condições ou deveres, que, em caso de incumprimento ou cometimento de outros ilícitos, a qualquer momento pode vir a ser executada.
7.º Ou seja, a sua natureza é detentiva, mas o legislador optou por permitir que seja dada uma oportunidade ao condenado de não cumprir a pena de prisão, verificadas determinadas condições e circunstâncias.
8.º Caso fosse intenção do legislador abranger a pena de prisão suspensa na sua execução, sem qualquer limite máximo abstracto, certamente que o teria feito constar expressamente da redacção do n.º 1 do art.º 17.º da Lei 57/98, de 18-08, como o fez para os casos de cancelamento definitivo - cfr. art.º 4.º n.º 1 da Lei n.º 113/2009 de 17-11.
9.º Na verdade, como resulta do art.º 9.º n.º 3 do Cód. Civil, “(…) na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (…)”.
10.º Se fosse permitida a não transcrição da condenação em pena de prisão suspensa na sua execução por período superior a 1 ano, podia dar-se o caso de o arguido ver revogada essa mesma suspensão e ter que cumprir a pena de prisão, tendo já beneficiado da possibilidade de não transcrição dessa pena.
11.º Para efeitos do disposto no art.º 17.º n.º 1 da Lei 57/98, de 18-08, é indiferente que a pena de prisão cuja execução foi suspensa já tenha sido declarada extinta.
12.º E não se refira que o arguido que não pague uma pena de multa e tenha que cumprir pena de prisão subsidiária e período superior a 1 (um) ano também ficaria impedido de não ver transcritos os antecedentes criminais, porque nesse caso, a condenação não seria em pena de prisão, mas sim em pena não privativa de liberdade (em relação à qual o legislador já não fala em qualquer limite máximo de pena).
13.º A circunstância de o condenado ter que cumprir a pena de prisão subsidiária não altera a natureza da pena, mas apenas o modo de execução ou cumprimento da mesma. Por esse facto, em caso de não pagamento da pena de multa e na falta de meios para efectivar a execução e pagamento coercivo, se converte a pena de multa em pena de prisão. Ao passo que, a pena de prisão, mesmo que suspensa na sua execução, é sempre uma pena de prisão! E o seu incumprimento determina o cumprimento da pena de prisão, não sendo possível sequer outra forma de evitar tal cumprimento!
14.º Em suma, quando o art.º 17.º da Lei 57/98 estabelece a possibilidade de dispensa da transcrição da condenação no certificado de registo criminal pretende apenas consagrar os casos em que foi aplicada pena de prisão que não exceda aquele limite (ainda que substituída) e nos casos em que foi condenado em pena de multa ou admoestação.
15.º Tendo o arguido sido condenado nestes autos na pena de 2 (dois) anos e 2 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, tal condenação está excluída do âmbito de aplicação do citado art.º 17.º uma vez que excede o limite de 1 (um) ano ali previsto.
16.º Acresce que, neste caso concreto, não tendo o arguido sido condenado pela prática de factos que levem à sua demissão da função pública, ou que o proíbam do exercício da função pública, profissão ou interdição desse exercício, a condenação que sofreu nos presentes autos nem sequer é transcrita, caso solicite o certificado de registo criminal para efeitos laborais.
17.º Com efeito, nos termos do disposto no art.º 11.º e 12.º da Lei 57/98, de 18-08, o pedido de certificado de registo criminal do arguido para efeitos de trabalho, não deverá fazer qualquer menção quanto aos antecedentes criminais do arguido, pelo que a questão nem sequer se devia colocar a este Tribunal.
18.º Por tudo o exposto, ao determinar a não transcrição para o certificado de registo criminal da condenação proferida nos presentes autos, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação, o preceituado nas disposições combinadas dos arts. 11.º, 12.º e 17.º da Lei n.º 57/98 de 18-08.
Face a todo o supra referido, deve ser dado provimento ao presente recurso, sendo a douta decisão a quo revogada e substituída por uma outra que indefira o requerimento do arguido.
Contudo V. Exas decidirão, fazendo, como sempre, JUSTIÇA.

O arguido JJ... não respondeu.

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Como é sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, como vem sendo reafirmado, constante e pacificamente, pela doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores [cfr., por todos, Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 2ª ed., Editorial Verbo, pág. 335; e Ac. do STJ de 24-03-99, in CJ (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo I, pág. 247], sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Tendo isso em conta, diremos que a única questão a apreciar neste recurso é a seguinte:
Pode o juiz determinar a não transcrição no registo criminal de uma pena de prisão superior a um ano, declarada suspensa na sua execução?

2. O despacho recorrido é do seguinte (transcrito) teor:
«Veio o arguido requerer a não transcrição para o registo criminal da sentença proferida a fls. 421.
Aberta vista à D. Magistrada do Ministério Público, a mesma opôs-se, por considerar que não se encontravam reunidos os requisitos formais para o efeito.
Vejamos.
A Lei n.º 57/98, de 18.08, contempla diversas situações relativas à transcrição de condenações no registo criminal, sendo elas, no que aqui releva, as seguintes: a) certificados para fins de emprego (artigo 11.º) e ii) certificados para outros fins (artigo 17.º).
No primeiro caso dispõe a lei que “1 - Os certificados requeridos por particulares que sejam pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de qualquer profissão ou actividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública devem conter apenas:
a) As decisões que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou actividade ou interditem esse exercício;
b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo.
2 - Nos casos em que, por força de lei, se exija ausência de quaisquer antecedentes criminais ou apenas de alguns para o exercício de determinada profissão ou actividade, os certificados são emitidos em conformidade com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 12.º, devendo o requerente especificar a profissão ou actividade a exercer.
3 - Os certificados requeridos por pessoa colectiva ou equiparada para o exercício de certa actividade contêm a transcrição integral do registo criminal, excepto se a lei permitir transcrição mais restrita do conteúdo.” – sublinhados nossos
Assim, e caso não existam quaisquer exigências legais especificamente previstas para uma determinada profissão, o certificado emitido para esses fins não deverá contemplar as condenações existentes e que não integrem uma das alíneas do número 1 do artigo supra transcrito.
Ora, no caso dos autos, não resulta qualquer indicação de que a profissão pretendida pelo arguido demande, legalmente, a inexistência de quaisquer antecedentes criminais, pelo que sempre seria de ordenar a emissão de certificado de registo criminal sem menção dos antecedentes criminais, tal como determinado pelo artigo supra transcrito.
Em todo o caso, cumpre analisar o artigo 17.º da supra referida lei, pois que o pretendido pelo requerente é a não transcrição latu sensu.
O art. 17.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98, de 18.08, prevê expressamente a não transcrição de sentença condenatória nos certificados requeridos para fins não judiciais, fazendo-a depender da verificação de um pressuposto de natureza formal – condenação em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade – e de um pressuposto de natureza substancial – das circunstâncias que acompanharam o crime não se poder induzir perigo de prática de novos crimes.
No caso vertente, o arguido foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal na pena de 2 anos e 6 meses, suspensa na sua execução por igual período.
É evidente que, in casu, a pena principal assume a natureza de pena privativa da liberdade. Já quanto à suspensão da pena de prisão, elevada ao estatuto de pena autónoma, não se poderá dizer o mesmo, no que diz respeito à pretendida não transcrição no registo criminal.
É verdade que a pena de suspensão está sempre dependente da pena principal, podendo ser revogada nos termos legalmente previstos. Porém, tal não será, por certo, o caso, como o em presença, em que a pena foi declarada extinta pelo cumprimento, por despacho já transitado em julgado.
Ora, no caso dos autos, o arguido foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses, suspensa na execução, tendo a pena sido declarada extinta pelo cumprimento.
Nada obsta, pois, à não transcrição da condenação no registo criminal, para efeitos de trabalho.
Isto, do ponto de vista formal.
Cumpre, ainda, apreciar se se encontra afastado o perigo de cometimento de novos ilícitos criminais, designadamente da mesma natureza.
Neste particular, cumpre realçar que do certificado de registo criminal resulta que, após a condenação proferida nos presentes autos, o arguido cometeu 2 crimes de condução sem habilitação legal (fls. 401, 402) que correspondem a crimes de natureza diversa e de gravidade muito inferior. Ademais, os crimes cometidos posteriormente não carregam consigo o estigma associado ao crime pelo qual o arguido foi condenado nos presentes autos, o que é relevantíssimo para a procura de emprego.
Ora, o que ficou dito permite concluir, com certeza bastante, que se encontram verificados os requisitos legais necessários para a não transcrição da decisão dos autos no registo criminal. Ademais, encontram-se decorridos mais de 3 anos sobre a data da decisão, inexistindo quaisquer elementos que permitam infirmar a conclusão supra retirada.
O facto de se encontrar integrado socialmente permite a este Tribunal elaborar um juízo de prognose favorável ao condenado, no sentido de que não existe perigo da prática de novos crimes.
De resto, sempre se dirá que a tentativa de encontrar emprego permite concluir que o condenado pretende refazer a sua vida e actuar de acordo com o Direito, o que não poderá deixar de ser atendido por este Tribunal. É esse o objectivo do legislador ao determinar o conteúdo dos certificados emitidos para efeitos de emprego (artigo 11.º), pois que o que se pretende prosseguir é o fim de ressocialização do arguido.
Pelo exposto, defiro o requerimento do arguido, determinando a não transcrição no registo criminal da sentença proferida a fls. 227 e ss..
Notifique e remeta boletins.».

3. Vejamos então a questão enunciada em 1. supra.
As teses em dissídio neste recurso já foram objecto de decisões contrastantes nos nossos tribunais superiores.
O Ministério Público recorrente estriba a sua tese na circunstância do artº 17º, da Lei nº 57/98, de 18/08 (na redacção dada pela Lei nº 114/2009, de 22/09) dispor que os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade poderem determinar, na sentença ou em despacho posterior, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados do registo criminal e do entendimento perfilhado de que, por um lado, a pena não privativa da liberdade ali aludida comporta apenas a pena de multa e a admoestação e, por outro, a natureza da pena de prisão suspensa na sua execução ser sempre a de uma pena de prisão, pois que a suspensão pode ser revogada e a prisão ter que ser cumprida, fundamentando-se na jurisprudência perfilhada no Ac. deste Tribunal da Relação de Lisboa de 23-02-2011, Proc. nº 53/05.5PEAGH-A.L1-3, acessível em www.dgsi.pt.
Salvaguardando embora o respeito devido pela tese do recurso, a verdade é que não poderemos sufragar este entendimento antes seguimos com a que foi perfilhada pela Mma. Juiz no despacho ora em crise.
Vejamos, pois.
Dispõe-se no artº 17º, nº 1, da Lei nº 57/98, de 18/08, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 114/2009, de 22/09: «Os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11.º e 12.º»
Exige-se pois a verificação de um pressuposto formal – condenação em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade - e um pressuposto material – que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir o perigo de prática de novos crimes -.
O arguido foi condenado nestes autos pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artº 204º, nº 2, al. e), do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.
Passemos então a apreciar se no caso dos autos está reunido o pressuposto formal, único posto em crise no articulado recursório.
Uma vez que estamos perante uma pena de prisão superior a um ano, importa apurar se a pena aplicada ao arguido – 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, suspensa na sua execução – é uma pena não privativa da liberdade.
Sobre a questão de saber se a pena de prisão suspensa é ou não uma pena privativa da liberdade, a Jurisprudência tem-se dividido num e noutro sentido como bem dá conta o Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 22-10-2014, Proc. nº 70/98.0TBPRD-A.P1.
Aderimos à posição perfilhada nesse acórdão de 22-10-2014 quando aí se considera face à autonomia da pena de substituição aplicada, uma pena de prisão suspensa na sua execução é uma pena não privativa da liberdade para efeitos do artº 17º, nº 1, da Lei nº 57/98.
Por isso, e porque nada mais temos a acrescentar em termos de mais valia àquilo que foi escrito em tal acórdão, passamos a transcrever o mesmo:

«Ao usar a expressão “pena não privativa da liberdade”, o legislador quis referir-se, apenas, à pena (principal) de multa ou pretendeu abranger as penas de substituição não detentivas? Uma pena de prisão de 3 anos e 6 meses de prisão (como a que foi cominada ao recorrente) suspensa na sua execução (suspensão esta decidida pelo acórdão desta Relação de 27.02.2007, proferido em recurso interposto pelo arguido) é, para o efeito que aqui nos interessa, uma pena não privativa da liberdade?
Na doutrina, distingue-se as penas principais, as acessórias e as de substituição.
Numa perspectiva dogmática, penas principais são aquelas que as normas que descrevem os tipos legais estatuem e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras.
Contrapõem-se-lhes as penas acessórias, que são aquelas que só podem ser aplicadas na sentença condenatória conjuntamente com uma pena principal e assentam, materialmente, num específico conteúdo de censura do facto.
Penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição (em vez) da execução de penas principais concretamente determinadas.
Ainda numa perspectiva dogmática, distingue-se as penas de substituição em sentido próprio, que se caracterizam pelo seu carácter não institucional ou não detentivo (isto é, por serem cumpridas estando o condenado em liberdade) e por pressuporem a prévia determinação da medida da pena de prisão, que vão substituir (nesta categoria se agrupam as penas de suspensão da execução da prisão, a multa de substituição, a prestação de trabalho a favor da comunidade, a admoestação e, por último, por ser de consagração legal mais recente, a proibição do exercício de profissão, função ou actividade), e as penas de substituição detentivas (prisão por dias livres, regime de semidetenção e regime de permanência na habitação), que, pressupondo também a prévia determinação de uma pena de prisão contínua, como a própria designação indica, são cumpridas intramuros (ainda que, agora, não necessariamente numa instituição prisional) e daí a grande relutância em considerá-las verdadeiras penas de substituição (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 335-336).
Neste enquadramento, fazendo apelo ao artigo 70.º do Código Penal - que estabelece o critério fundamental da escolha da pena e do qual decorreria que a pena de multa é a única pena não privativa da liberdade - e considerando que uma pena de suspensão da execução da pena “não afasta nem oculta a pena inicial de prisão, antes a pressupõe”, uma corrente jurisprudencial defende que, para o efeito do disposto no artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a expressão "pena não privativa da liberdade", o legislador quis referir, apenas, a pena de multa, excluindo, portanto, outras penas não detentivas, como são as penas de substituição proprio sensu.
Situam-se nesta linha de pensamento os acórdão desta Relação, de 30.09.2009 (Des. Artur Oliveira), publicado na CJ XXXIV, T. IV, p. 219 (assim sumariado: I – “A pena de três anos de prisão substituída pela pena de suspensão da execução da prisão é uma pena privativa da liberdade. II - por isso, não pode o juiz autorizar que a condenação em tal pena não seja transcrita nos certificados do registo criminal") e da Relação de Lisboa, de 23.02.2011 (Des. Telo Lucas), disponível em www.dgsi.pt), no qual se decidiu que “a pena de prisão até um ano e a pena não privativa da liberdade a que se reporta o n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98 de 18-8 (…) comporta tão só a pena de prisão que não exceda aquele limite e a pena de multa. Qualquer outra pena de prisão, superior a um ano, ainda que substituída pela pena de suspensão da execução da pena de prisão, não pode ser incluída no texto daquele normativo”.
Em contraponto a esta posição, existe uma corrente de opinião (que tem prevalecido nas Relações, sobretudo na Relação de Coimbra) que preconiza uma solução para esta questão que passa pela interpretação da expressão “pena não privativa da liberdade” como abrangendo, não só a pena principal de multa, mas também as penas de substituição não detentivas.
Inserem-se nesta corrente de entendimento os acórdãos da Relação de Coimbra de 29.09.2010 (Des. Brízida Martins), publicado com o sumário “Para efeitos da não transcrição da sentença condenatória conforme o disposto no artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18/08 o que releva é a pena de substituição aplicada”, e de 27.02.2013 (Des. Orlando Gonçalves), em que se decidiu que “a condenação do arguido na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, constitui uma «pena não privativa da liberdade», para efeitos do art.º 17.º, n.º 1 da Lei n.º 57/98”, da Relação de Lisboa de 21.11.2012 (Des. Maria Elisa Marques), propugnando que “Para efeitos da não transcrição da sentença condenatória, o conceito de «pena não privativa da liberdade» contida no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, inclui não só a pena principal de multa como ainda as penas de substituição não detentivas” e desta Relação, de 26.06.2013 (Des. Alves Duarte), que decidiu poder o juiz “determinar a não transcrição no registo criminal de uma pena de prisão superior a um ano, declarada suspensa na sua execução”.
Impõe-se que tomemos posição nesta querela.
Na versão primitiva do Código Penal, a pena de multa surgia como elemento integrante de uma pena compósita cumulativa (prisão e multa) e é com a revisão operada pelo Dec. Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que a multa ascende ao estatuto de pena principal, surgindo como pena alternativa da prisão num grande número de tipos legais e sendo tratada na Parte Geral como pena principal.
O nosso sistema penal contempla como penas principais a pena de prisão e a pena de multa, o que é dizer que, do elenco de penas principais, a única pena não detentiva é a pena de multa.
Assim sendo, e aceitando-se que “é precisamente a classificação dicotómica das penas principais presentes no critério de escolha da pena estabelecido no art.70.º do Código Penal” que impõe que “a pena não privativa da liberdade” a que se alude no artigo 17.º, n.º1 da Lei n.º 57/98 só possa contemplar a pena de multa (cfr. o citado acórdão da Relação de Lisboa, de 23.02.2011), então lógico seria que o legislador, em vez de utilizar naquele preceito legal a expressão “pena não privativa da liberdade”, referisse, muito simplesmente, “pena de multa”.
A expressão utilizada tem, claramente, um sentido mais abrangente que “pena de multa” e por isso quem perfilha o entendimento de que ali se prevê, apenas, a pena de prisão que não exceda um ano e a pena de multa terá de concluir que o legislador plus dixit quam voluit.
No entanto, nada permitindo afirmar que o legislador não soube exprimir, adequadamente, o seu pensamento na letra da lei e inexistindo motivos para concluir que aquele disse mais do que queria dizer, não é aceitável uma interpretação que se traduz numa amputação substancial do conteúdo do conceito de "pena não privativa da liberdade", reduzindo-o à pena de multa e excluindo as penas de substituição não detentivas.
Mas o que se nos afigura decisivo para a solução da questão controvertida é a natureza das penas de substituição, designadamente a de suspensão da execução da pena de prisão.
É pacífico o entendimento de que se trata de penas autónomas (em relação à pena principal que substituem) e essa autonomia tem várias implicações.
É certo que, com as alterações introduzidas no Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, “deixou de se poder afirmar a regra da determinação, de forma autónoma, da medida concreta da pena de substituição, a partir dos critérios estabelecidos no artigo 71.º do CP”.
Assim acontece com a suspensão da execução da pena de prisão, que tem a duração igual à pena de prisão fixada na sentença, com o mínimo de um ano, quando, antes de 2007, era fixada dentro dos limites de duração legalmente estabelecida (entre um e cinco anos), mas independentemente da pena de prisão aplicada.
No entanto, uma vez aplicada a pena de substituição, ela adquire plena autonomia.
É a pena de substituição que se executa, e não a pena substituída.
Como verdadeira pena autónoma (de substituição) que é, a suspensão da execução da pena de prisão, está, necessariamente, sujeita a prazo prescricional autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída [assim, os acórdãos da Relação de Lisboa de 26.10.2010 (Des. Jorge Gonçalves) e do STJ, de 13.02.2014 (Cons. Manuel Braz), ambos disponíveis em w.dgsi.pt].
Essa autonomia é, claramente, afirmada pelo Professor Figueiredo Dias (Op. Cit., 90-91) que depois equacionar a hipótese de o nosso Código Penal ter acolhido “um conceito diferente e mais amplo de penas principais, abrangendo (…), para além das penas de prisão e das de multa, a suspensão da execução da pena, o regime de prova, a admoestação e a prestação de trabalho a favor da comunidade”, escreve:
“A uma visão mais próxima deve, no entanto, acabar por concluir-se não ter sido intenção nem do ProjPG de 1963, nem do CP, contestar por esta via os critérios definitórios das penas principais que começámos por apresentar. Antes sim chamar, por este modo, a atenção para que, segundo o seu pensamento político-criminal, também as «novas» penas, diferentes da de prisão e multa, são «verdadeiras penas» – dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (art.º 72.º) –, que não meros «institutos especiais de execução da pena de prisão» ou, ainda menos, «medidas de pura terapêutica social». E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena.
O que sucede é que estas outras penas não relevam tanto da divisão entre penas principais e penas acessórias, quanto conformam uma categoria nova, com o seu sentido e a sua teleologia próprias: a categoria das penas de substituição. Penas estas que, podendo substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas, radicam, todavia, tanto histórica como teleologicamente, no (…) movimento político-criminal de luta contra a aplicação de penas privativas da liberdade, nomeadamente de penas curtas de prisão. Estas penas de substituição, se não são, em sentido estrito, penas principais (porque o legislador as não previu expressamente nos tipos de crime), não são obviamente penas acessórias: não só porque estas se assumem num enquadramento histórico e teleológico que nada tem a ver com o das penas de substituição (…), como porque uma coisa são as penas que só podem ser fixadas conjuntamente com uma pena principal (como é o caso das penas acessórias), outra diferente as penas que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal (penas de substituição)”.
Os defensores da tese de que as penas de substituição, e concretamente a pena de suspensão da execução da pena de prisão, não são “penas não privativas da liberdade”, nomeadamente para os efeitos previstos no artigo 17.º, n.º 1 da Lei n.º 57/98, reconhecem, apesar de tudo, a sua autonomia, mas logo acrescentam que aquela pena de substituição “está sempre dependente da pena principal, podendo a execução desta ter lugar a qualquer momento, verificados que se mostrem, naturalmente, os factores legais susceptíveis de conduzir a essa mesma execução” (citado acórdão da Relação de Lisboa de 23.02.2011) e, em caso de concurso de crimes de conhecimento superveniente, o que se inclui no cúmulo é a pena de prisão inicial e não a pena de substituição (citado acórdão desta Relação, de 30.09.2009).
No entanto, para que assim suceda, impõe-se uma nova decisão judicial.
A decisão que revoga uma pena de substituição faz ressurgir a pena substituída e, se for uma pena de suspensão da execução de pena de prisão, a sua revogação leva ao cumprimento da pena de prisão inicialmente aplicada.
Mas, então, já estamos perante uma nova decisão (que é comunicada aos serviços do registo criminal) e deixa de existir uma pena não detentiva.
Porém, se e enquanto tal não acontecer, o que temos é uma pena de substituição proprio sensu que encaixa, perfeitamente, na expressão “pena não privativa da liberdade” do artigo 17.º, n.º 1 da Lei n.º 57/98.
Não despiciendo, afigura-se-nos, ainda, o argumento de que, nesta matéria, não podem ser desprezados os princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade que enformam o direito penal.
A publicidade em torno dos antecedentes criminais estigmatiza o condenado, sobre ele recai um anátema social e essa circunstância, está bem de ver, influencia negativamente a sua reinserção social.
O fornecimento da informação do registo criminal a particulares e à Administração funda-se, apenas, em motivos de prevenção especial negativa, baseando-se na eventual «perigosidade» do delinquente, pelo que o acesso a essa informação “envolve uma problemática em tudo análoga à das medidas de segurança, devendo a sua disciplina subordinar-se aos mesmos princípios”, ou seja, aos princípios da «necessidade», da «proporcionalidade» e da «menor intervenção possível», que superintendem na esfera das medidas de segurança” (acórdão da Relação de Coimbra de 03.11.2004, acolhendo o entendimento de Almeida Costa in Polis, V, p. 312)».
Posto isto, há apenas que concluir que no caso dos autos face à pena aplicada de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, se encontra verificado o requisito formal constante do artº 17º, nº 1, da Lei nº 57/98, de 18/08, vale dizer - condenação em pena não privativa da liberdade -. Quanto ao requisito substancial, como já acima referido, o mesmo não foi posto em crise no articulado recursório.
Improcede pois o recurso.
v
De referir que no dia 10 de Maio de 2015, entrou em vigor a Lei nº 37/2015, de 5/05, que estabelece os princípios gerais que regem a organização e o funcionamento da identificação criminal, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro 2009/315/JAI, do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, relativa à organização e ao conteúdo do intercâmbio de informações extraídas do registo criminal entre os Estados membros, e revogou a Lei nº 57/98, de 18/08. Todavia, esta Lei não contende com o ora decidido.

III – DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juizes da 9ª Secção deste Tribunal da Relação em:
Negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando o despacho recorrido.
Sem tributação.

Lisboa, 11 de Junho de 2015

Carlos Benido
Francisco Caramelo