Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
419/09.1TVLSB-B.L1-7
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: HONORÁRIOS
JUROS DE MORA
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Atenta a conformação, quer do instituto processual da condenação em quantia a liquidar, consagrado no art.º 661.º, n.º 2, do C. P. Civil, quer da figura da equidade na determinação do quantum indemnizatório, consagrado no art.º 566.º, n.º 3, do C. Civil, estando provada a existência de danos de natureza contratual, consistentes no não pagamento do preço dos serviços prestados e recebidos, deve a R ser condenada no que se liquidar em execução não podendo ser absolvida do pedido.

2. A dívida de honorários vence juros de mora sobre a quantia em que o devedor vier a ser condenado desde o recebimento da nota de honorários, ainda que a mesma não tenha sido aceite pelo devedor, não sendo tais juros cumuláveis com a atualização da quantia devida.

(Sumário do Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.

Maria … propôs contra Helena …, esta ação declarativa de condenação, ordinária, pedindo a sua condenação a entregar-lhe a quantia de € 38.908,37 e juros vencidos e vincendos desde 28/01/2010, correspondentes a honorários que lhe são devidos pelo exercício de mandato forense, e a sua condenação ao pagamento de sanção pecuniária compulsória de 5% sobre essa quantia, desde o trânsito em julgado da sentença até integral pagamento.

Citada, contestou a R e deduziu pedido reconvencional, dizendo que em dois processos que identifica beneficiou de apoio judiciário na modalidade de dispensa de honorários ao patrono escolhido pelo que nada deve a esse título, que relativamente a três outros processos os últimos atos praticados remontam a 10/07/2006, 14/06/2006 e 25/9/2006 pelo que, nos termos do disposto no art.º 317.º, al. c), do C. Civil, os honorários já prescreveram e que relativamente a outros processos questionou a nota de honorários sem que a A lhe tenha respondido, sentindo-se lesada com esta ação, pedindo a absolvição da instância ou, se assim se não entender, a absolvição do pedido e a condenação da A a indemnizá-la pelos prejuízos sofridos em quantia a liquidar.

Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, condenando a R a entregar à A a quantia de € 100,00 relativa a despesas, acrescida da taxa sancionatória especial prevista no n.º 4, do art.º 829.º-A, do C. P. Civil, em honorários em quantia a liquidar até ao montante máximo de € 36.438,76, acrescida de juros à taxa legal em vigor desde 28/1/2010, absolvendo-a do restante pedido, mais condenando a R como litigante de má fé em 10 Ucs de multa e em indemnização de € 500,00 a favor da A, ordenando a comunicação à Ordem dos Advogados para efeitos do disposto no art.º 459.º do C. P. Civil, com a expressa indicação que se concluiu nestes autos que a mandatária da R teve responsabilidade pessoal e direta nos atos pelos quais se revelou a má fé na causa.

Inconformada com essa decisão, a R e a sua mandatária dela interpuseram recurso, pedindo a revogação da sentença.

Por despacho de fls. 903, transitado em julgado, não foi admitido o recurso na parte em que o mesmo é subscrito, em nome próprio e no seu próprio interesse, pela mandatária constituída nos autos pela R.

Por despacho de fls. 903 a 907 foram retificados erros materiais da sentença com inserção no lugar próprio.

O recurso interposto pela R foi recebido como apelação e nele, após o despacho de retificação de erros materiais, a fls. 903 a 907, com que a apelante se conformou, foram suscitadas as seguintes questões:

a) Nos termos do disposto no art.º 661.º, n.º 2, do C. P. Civil, o tribunal a quo não podia relegar para liquidação em execução de sentença, devendo absolver do pedido podendo, no limite, caso assim se não entendesse, ter recorrido a juízos de equidade (conclusão 9, al. a) a e) e 10, als. a) a d));

b) A obrigação não é certa nem liquida não podendo a apelante ser condenada em juros desde a apresentação da nota de honorários porque esta não concretizou nem determinou a obrigação da apelante (conclusão 11), als. a) a c) e 12, al. a));

c) a apelante não podia ser condenada em sanção pecuniária compulsória relativamente à condenação no pagamento de € 100,00, relativos a despesas, porque a essa sanção apenas se aplica a prestações não fungíveis (conclusão 13, als. a) a c));

d) Não se pode querer e exigir que a R se recorde de ter assinado as procurações, ou que se lembre de ter assistido e percebido a junção das procurações nos julgamentos respetivos não sendo verdade que tenha deduzido oposição cuja falta de fundamento não ignorava, nem se pode dizer que a A tenha sofrido qualquer dano ao ter de produzir prova de que tinha sido mandatária da R (conclusão 14), als. a) a p));

e) Se é certo que a R se pronunciou sobre a matéria na sequência de réplica a pedir a condenação em litigância de má fé, também é verdade que o tribunal não se pronunciou sobre a matéria até ao momento em que, inesperadamente, decidiu condenar a R em litigância de má fé (conclusão 14), als. r) a t).

A apelada não apresentou contra-alegações.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

A) OS FACTOS.

O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:

A) A Autora é advogada e exerce ininterruptamente a sua profissão desde 19 de novembro de 2002, data em que foi emitida a sua cédula profissional com o número … (art.º 1° da p.i.). Alínea A dos Factos Assentes.

B) Desde então e até à propositura da presente ação que está inscrita no Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados e tem escritório na Avenida … em Lisboa (artigos 2.º e 3.º da p.i.). Alínea B dos Factos Assentes.

C) A Autora tipifica o tempo de trabalho que desenvolve em três categorias, que adota na elaboração das suas notas de honorários:

- Trabalho intelectualmente relevante (TIR);

- Trabalho relevante (TR);

- Tempo de deslocação (TD) (art.º 10.º da p.i.). Alínea C dos Factos Assentes.

D) Considera "trabalho intelectualmente relevante" aquele que é desenvolvido, designadamente, no estudo dos problemas, na preparação e elaboração de articulados, na realização de conferências com os clientes para conhecimento e análise das questões e definição de estratégias processuais, na realização de conferências com colegas e com diligências judiciais (art.º 11.º da p.i.). Alínea D dos Factos Assentes.

E) Considera "trabalho relevante" aquele que é realizado com o acompanhamento e controle de todos os dossiers e com a realização das tarefas enunciadas, exemplificativamente, no número anterior, mas que não se revistam de especial complexidade (art.º 12.º da p.i.). Alínea E dos Factos Assentes.

F) Considera tempo de deslocação aquele que gasta em viagens de e para o seu escritório, por ela própria, ao serviço dos seus constituintes (art.º 13.º da p.i.). Alínea F dos Factos Assentes.

G) Para além do trabalho desenvolvido pela própria Autora, na elaboração das suas notas de despesas e honorários quantifica ainda:

- o trabalho administrativo desenvolvido pelos funcionários do seu escritório com cada um dos dossiers e processos;

- as despesas administrativas realizadas em cada um dos processos pelos mesmos; - despesas de deslocação (art.º 14.º da p.i.). Alínea G dos Factos Assentes

H) No dia 28 de janeiro de 2010 a Autora entregou à Ré notas de honorários e despesas referentes à sua intervenção como advogada que constam de fls. 27 a 43 dos autos. Alínea H dos Factos Assentes.

I) Na ação ordinária que correu termos nesta Vara e Secção com o número …, a que estes autos correm apensos, a (aqui e ali) Ré apresentou contestação subscrita pela Autora em 20 de abril de 2009, e que consta de fls. 68 a 87 daqueles autos. Alínea 1 dos Factos Assentes.

J) Na ação ordinária que correu termos nesta Vara e Secção com o número …, a que estes autos correm apensos, a (aqui e ali) Ré apresentou procuração subscrita pela Autora em 30 de abril de 2009, e que consta de fls. 89 a 92 daqueles autos. Alínea I dos Factos Assentes.

K) Na ação ordinária que correu termos nesta Vara e Secção com o número ..., a que estes autos correm apensos, a (aqui e ali) Ré beneficiou de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, comunicada ao processo por ofício entrado em 26 de maio de 2009, a fls. 93 e 94 dos autos. Alínea K dos Factos Assentes.

L) Por decisão da Segurança Social de 26/1/2011 foi cancelado o apoio judiciário que havia sido concedido à Ré para a ação ordinária que correu termos nesta Vara e Secção com o número ..., a que estes autos correm apensos, e tendo a Ré impugnado tal decisão, foi decidido, naqueles autos, manter a decisão impugnada de cancelamento, por decisão de 23/5/2011, a fls. 217 a 220 daqueles autos. Alínea L dos Factos Assentes.

M) No processo com o número…, que correu termos na … secção do …Juízo de Família e Menores de…, e nos respetivos apensos A, F, G e H, a ora Ré beneficiou de apoio judiciário nas modalidades de dispensa total da taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente, decidido por despachos da Segurança Social de 29/11/2002 e 22/1/2003, conforme certidão de fls. 218 a 220 dos autos. Alínea M dos Factos Assentes.

N) No processo com o número…, que correu termos na … secção do … Juízo de Família e Menores de,,,, e nos respetivos apensos A, F, G e não houve qualquer revogação ou renúncia ao mandato, e aos mesmos foi junta a procuração datada de 15/11/2005, no início da audiência de julgamento ocorrida na mesma data, conforme certidão a fls. 389 a 587 dos autos. Alínea N dos Factos Assentes.

O) No processo com o número …, que correu termos no 1° Juízo Criminal de…, foi junta, por requerimento entrado em 6/1/2006, a procuração forense que consta de fls. 329, conforme certidão de fls. 327 a 346 dos autos. Alínea O dos Factos Assentes.

P) No processo com o número …, que correu termos na 1a secção do 6° Juízo Criminal de…, a ora Ré não beneficiou de apoio judiciário em qualquer modalidade e ao mesmo foi junta procuração datada de 7/10/2008, a fls. 258, conforme certidão de fls. 257 a 261 e de fls. 312 a 326. Alínea P dos Factos Assentes.

Q) Pelo menos após setembro de 2008, a retribuição média por trabalhos de processamento de texto, auferida pela funcionária que presta serviços administrativos no escritório da A., é de € 5,00 por hora. Resposta ao quesito 1 ° da Base Instrutória.

R) Em data não concretamente apurada mas anterior a 15/11/2005, a R. solicitou à A. que a patrocinasse, fora do instituto do apoio judiciário, no processo de regulação do exercício do poder paternal que já corria termos, sob o n.º … e respetivos apensos, designadamente o G, na … secção do …Juízo de Família e Menores de …,tendo a R. aceite patrociná-la. Resposta ao quesito 2°.

S) A R. também solicitou à A. que a patrocinasse, fora do instituto do apoio judiciário, nos processos n.º … do 1° Juízo Criminal de…, no n.º … do …Juízo Criminal de …e no n.º ... desta 1.ª Vara Cível de…. Resposta ao quesito 3°.

T) A Ré assumiu perante a Autora a responsabilidade pelo pagamento dos honorários pelo seu patrocínio nos processos identificados em S). Resposta ao quesito 4°.

U) A A., no patrocínio da R., despendeu o tempo descriminado na nota de honorários junta a fls. 33 e teve despesas não concretamente apuradas. Resposta ao quesito 5°.

V) A A., no patrocínio da R., despendeu o tempo descriminado na nota de honorários junta a fls. 35 e 36 e teve despesas não concretamente apuradas. Resposta ao quesito 6°.

W) A A no patrocínio da R despendeu o tempo descriminado na nota de honorários junta a fls. 38 e 39 e teve despesas não concretamente apuradas. Resposta ao quesito 7.º.

X) A A no patrocínio da R despendeu o tempo descriminado na nota de honorários junta a fls. 40 e teve despesas não concretamente apuradas. Resposta ao quesito 8.º.

Y) A A no patrocínio da R despendeu o tempo descriminado na nota de honorários junta a fls. 41 e 42 e teve despesas não concretamente apuradas. Resposta ao quesito 9.º.

Z) A A no patrocínio da R despendeu o tempo descriminado na nota de honorários junta a fls. 43 e teve despesas não concretamente apuradas.

B) O DIREITO APLICÁVEL.

O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objeto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).

As questões da apelação são as acima descritas, que passamos a conhecer:

I. Quanto à primeira questão, a saber, se nos termos do disposto no art.º 661.º, n.º 2, do C. P. Civil, o tribunal a quo não podia relegar para liquidação em execução de sentença, devendo absolver do pedido podendo, no limite, caso assim se não entendesse, ter recorrido a juízos de equidade.

Dispunha o art.º 662.º, n.º 2, do C. P. Civil, em vigor à data da sentença, que: “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado…”.

Em conexão com esta norma processual, dispõe o art.º 566.º, n.º 3, do C. Civil que: “Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.

Interpretando conjuntamente ambos os preceitos, desde cedo, a jurisprudência se fixou no sentido de que: “Só existe motivo para relegação da liquidação da indemnização para execução de sentença ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 661.º do CPC se respeitante a danos relativamente aos quais, embora de existência comprovada, não existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade[1].

No seguimento desta mesma orientação jurisprudencial se pronunciaram os acórdãos de 24/10/2006[2] - Assente a existência de danos mas não se tendo apurado, com precisão, o seu montante, e antes de lançar mão da equidade, deve condenar-se no que se liquidar em execução de sentença, se tal liquidação se afigurar possível – de 11/9/2008[3] - Só é possível deixar para liquidação, em execução de sentença, a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora, em ação declarativa, se prove a sua existência, não haja elementos indispensáveis, nem sequer recorrendo à equidade, para fixar o seu quantitativo – de 2/12/2008[4] - Quando o Tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença (redação do artigo 661.º anterior ao Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março) isso significa que foram reconhecidos danos, mas não foi possível determinar o seu montante – de 25/6/2013[5] - A possibilidade de se remeter o montante da condenação para liquidação posterior não se coaduna com as situações – como a dos autos – em que o autor alegou oportunamente os danos e estes vieram a não resultar provados, aquando do julgamento da matéria de facto – e de 20/11/2013[6] - O recurso à equidade, segundo o n.º 3 do art. 566.º do CC, deve ser usado em termos meramente residuais, quando se verifique ser de todo impossível, em fase executiva, concretizar os danos, quando o recurso à liquidação se revelar de todo inconsequente. A equidade não dispensa um mínimo de elementos que permitam aproximar a indemnização dos limites efetivamente devidos e que se ache esgotado o recurso aos elementos com base nos quais se fixaria com exatidão o valor do danos - .

No seguimento da orientação deste ultimo acórdão no que respeita à parcimoniosa utilização do instituto de equidade – em termos residuais, depois de esgotado o recurso a elementos que permitam uma maior exatidão no cálculo do valor dos danos e não dispensando um mínimo de elementos que permitam aproximar a indemnização dos limites devidos – não podemos deixar de concluir que, sendo devidos honorários pelos serviços prestados no âmbito do contrato de mandato forense (art.ºs 1157.º e 1158.º, n.º 1, do C. Civil), respeitando estes a outros processos para além daquele a que este se encontra apenso, tratando-se de matéria própria de uma profissão liberal como a advocacia e com a tecnicidade que lhe é própria e que envolve, para além dos atos forenses propriamente ditos, um conjunto de atos exteriores também complexos, porque não estão esgotados todos os recursos probatórios para determinação do quantum indemnizatório devido e porque os autos não contêm um mínimo de elementos que permitam fixar esse quantum em termos o mais possível aproximado, se não mostrava adequado o recurso a critérios de equidade, antes sendo aconselhável a condenação em quantia a liquidar, nos termos do disposto no art.º 661.º, n.º 2, do C. P. Civil.

Atenta a conformação, quer do instituto processual da condenação em quantia a liquidar, consagrado no art.º 661.º, n.º 2, do C. P. Civil, quer da figura da equidade na determinação do quantum indemnizatório, consagrado no art.º 566.º, n.º 3, do C. Civil, estando provada a existência de danos de natureza contratual, consistentes no não pagamento do preço dos serviços prestados e recebidos, não vislumbramos como poderia a apelante ser absolvida do pedido.

Improcede, pois, a questão. 

II. Quanto à segunda questão, a saber, se a obrigação não é certa nem liquida não podendo a apelante ser condenada em juros desde a apresentação da nota de honorários porque esta não concretizou nem determinou a obrigação da apelante.

Como dispõe o art.º 804.º, n.º 1, do C. Civil: “A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor”.

Nos contratos de mandato forense em causa nos autos, tendo sido prestados os correspondentes serviços e tendo a apelante sido interpelada para pagar o respetivo preço, esta constituiu-se em mora no cumprimento dessa obrigação logo que recebeu a nota de honorários (art.º 805.º, n.º 1, do C. Civil).

A indemnização pela mora no cumprimento da obrigação pecuniária corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (art.º 806.º, n.º 1, do C. Civil).

Dúvidas não restando que a obrigação de pagamento do preço dos serviços está identificada, é esta e é certa, pode, todavia, colocar-se a questão da sua liquidez, uma vez que foi proferida condenação em quantia a liquidar até ao valor máximo de € 36.438,76. 

Dispondo o art.º 805.º, n.º 3, do C. Civil que: “Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar liquido…” pode questionar-se, como faz a apelante, se tendo sido condenada em quantia a liquidar, ainda assim são devidos juros moratórios.

A sentença sob recurso, louvando-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/4/2006[7] (Processo n.º 845/06, JusNet 7906/2006) decidiu que, no caso concreto, se não trata de liquidação da obrigação, mas apenas da fixação do quantum devido.

E neste sentido parecem apontar os art.ºs 400.º e 1158.º, n.º 2, do C. Civil, que confiam a determinação do preço dos serviços ao próprio mandatário[8].

Ao contrário do que acontece relativamente à questão anterior, a resposta a esta questão não é unívoca na jurisprudência, que sobre ela se tem pronunciado atendendo às especificidades de cada caso concreto em análise.

No mesmo sentido da decisão recorrida, para além do acórdão nela citado, se pronunciou o acórdão do STJ, de 21/2/1989[9] -  “A divida de honorários por incumprimento de contrato de prestação de serviços não é ilíquida.
Apresentada a respetiva fatura, e, mesmo que haja divergências entre o devedor e o credor, não se pode falar em iliquidez da divida
” .

Também o acórdão do STJ de 28/10/1999[10] decidiu que:

Se for pedido o pagamento de determinada quantia e a condenação for em quantia inferior, não se altera a liquidação da obrigação. Assim, o devedor constitui-se em mora depois de ter sido, judicial ou extrajudicialmente, interpelado para cumprir”.

No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 17/2/2005[11] decidiu que: “ A quantia que vier a ser fixada a título de honorários vence juros desde a data em que a respetiva conta se tiver por apresentada ao cliente”.

 No sentido propugnado pela apelante se pronunciou o acórdão do STJ de 6/12/1999[12]quanto aos ilíquidos, a apurar em execução de sentença, só existirá mora quando forem certos e determinados (líquidos).

No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 20/6/2002[13] decidiu que: “…os juros não poderão ser contados a partir da data da interpelação feita pelo A. para a efetivação do pagamento, na medida em que o montante de honorários por ele apresentado à R. não foi aceite por esta…”.

Ainda no mesmo sentido, o acórdão do STJ de 19/8/2002[14] decidiu só serem devidos juros moratórios desde o trânsito em julgado da decisão que fixa os honorários.

Mesmo não definindo o conceito de prestação ilíquida, obrigação ilíquida ou crédito ilíquido, ainda que em termos aproximativos, e aceitando que a prestação ilíquida é uma modalidade de prestação indeterminada, cujo montante se não encontra ainda calculado[15], para além da permanência do estado de dúvida sobre se a obrigação de pagamento do preço pelos serviços no âmbito do mandato forense, concretizada em nota de honorários e não aceite, se deve considerar uma obrigação liquida ou ilíquida, podemos encontrar na jurisprudência que acabámos de citar alguns vetores de decisão que se nos afiguram de grande utilidade para aportarmos a uma decisão de aplicação do direito à vida, ou seja, ao litigio sub judice, por contraposição a mera questão académica.

Neste sentido, o acórdão de 17/5/2005, depois de pugnar pela liquidez da obrigação, como já o havia feito o acórdão de 21/2/1989, invoca duas outras ordens de argumentos.

A primeira, com fundamento no segmento do art.º 805.º, n.º 3, do C. Civil “…salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor…”, traduz-se na constatação de que a falta de liquidez é sempre imputável ao devedor na parte em que vier a ser condenado a cumprir.

A segunda consiste na invocação da necessidade de atualização da prestação, atenta a sua natureza de divida de valor.

No primeiro caso, tal como considerando tratar-se de obrigação líquida, os juros moratórios seriam devidos desde a apresentação da nota de honorários.

No segundo, sendo a liquidação apenas à data da sentença, haveria que proceder a uma atualização dos honorários a essa mesma data.

Neste último sentido se havia também pronunciado o acórdão do STJ de 14/5/1996[16] e esta interpretação é uma mera consequência da aplicação ao cálculo da indemnização da teoria da diferença consagrada no art.º 566.º, n.º 2, do C. Civil, também aplicável à responsabilidade contratual[17], nos termos da qual: “…a indemnização em dinheiro têm como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”.

Apodítico é que o preço dos serviços recebidos não poderá ter a mesma configuração aritmética na data da apresentação da nota de honorários, em 28/1/2010, e na data em que ulterior decisão vier a fixar o seu quantum.

Ora, como tem sido jurisprudência uniforme desde o Acórdão (uniformizador n.º 4/2002) do STJ de 9-5-2002[18], o qual decidiu que: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação”, os juros moratórios assumem aqui um papel indemnizatório não cumulável com a atualização da indemnização[19].

Como se decidiu no acórdão do STJ de 2/5/2012[20]: “Atualizar é partir de um valor certo e determinado para atribuir, fundamentadamente, um outro superior, procedimento que deve ser acolhido numa perspetiva de modernização que as circunstâncias justificam”.

Na síntese do acórdão do STJ de 7/1/2010: “…numa formulação mais sugestiva, onde há atualização não há juros; onde não há atualização, há juros”.

Dúvidas não restam de que os juros moratórios pedidos nestes autos se configuram, afinal, não como uma remuneração do capital devido, mas como uma sua atualização.

Importa, todavia, referir que a atualização do valor dos honorários não foi decidida na sentença, afigurando-se-nos pelo menos problemático que o possa vir a ser na ulterior sentença de liquidação, cujo poder de decisão está por aquela limitada.

Assim sendo, em ordem a evitar que a simples não aceitação da nota de honorários se não converta num prémio ao devedor relapso, resta-nos enfrentar a concreta questão dos juros moratórios em que a apelante foi condenada, apesar da configuração da obrigação em que também foi condenada.

E quanto a esta questão dos juros moratórios, ainda que se entenda, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo e de acordo com o propugnado pela apelante, que a obrigação de pagamento de honorários é uma obrigação ilíquida, sempre serão devidos juros moratórios sobre ela, nos termos do inciso do art.º 805.º, n.º 3, acima citado, ou seja, porque: “…a falta de liquidez … (é)… imputável ao devedor…”.

De facto, a sentença, não obstante a invocada iliquidez, condenou a apelante como litigante de má fé, em multa e indemnização a favor da apelada, com fundamento, grosso modo, em que a mesma deduziu oposição cuja falta de fundamento não ignorava, corporizada na negação do próprio mandato, gerador da obrigação de indemnizar.

Esta condenação, como litigante de má fé, coabita com aquela outra condenação em quantia a liquidar, situação que não é incompatível com a imputação à apelante da falta de liquidez, sendo certo que sobre esta matéria nada mais poderemos dizer uma vez que a apelada se conformou com a sentença.

Improcede, pois, também esta questão.

III. Quanto à terceira questão, a saber, se a apelante não podia ser condenada em sanção pecuniária compulsória relativamente à condenação no pagamento de € 100,00, relativos a despesas, porque a essa sanção apenas se aplica a prestações não fungíveis.

A aplicação da sanção pecuniária compulsória ao incumprimento de obrigações de prestação de facto infungível, ressalvadas as: “…que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado…” está prevista no art.º 829.º-A, n.º 1, do C. Civil.

Com esta espécie de obrigações se não podem confundir a obrigação contratual ou legal de: “…pagamento em dinheiro corrente…”, sobre a qual, nos termos do disposto no art.º 829.º-A, n.º 4, do C. P. Civil, incidem juros: “…desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado…”, que acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que haja lugar.

O propósito é o mesmo, de favorecer o cumprimento contratual, com os inerentes benefícios para o comércio jurídico, mas as situações de incumprimento e respetivas sanções são diversas, não se vislumbrando fundamento para a conclusão da apelante sobre o âmbito de aplicação da figura em causa.

Improcede, pois, a questão.

IV. Quanto à quarta questão, a saber, se não se pode querer e exigir que a R se recorde de ter assinado as procurações, ou que se lembre de ter assistido e percebido a junção das procurações nos julgamentos respetivos não sendo verdade que tenha deduzido oposição cuja falta de fundamento não ignorava, nem se pode dizer que a A tenha sofrido qualquer dano ao ter de produzir prova de que tinha sido mandatária da R.

A afirmação da apelante relativamente ao comportamento que lhe pode ou não ser exigível quanto a procurações outorgadas e julgamentos a que esteve presente não só se apresenta como uma conclusão sem premissas, como encontra acolhimento contrário nos preceitos legais aplicáveis.

Tratando-se de factos pessoais não lhe é permitida a alegação de desconhecimento, correspondendo esta à fictio juris da veracidade do documento e à confissão dos factos em causa, como dispõem os art.ºs 374.º, n.º 1, do C. Civil e art.º 490.º, n.º 3, do C.P. Civil.

Ora, foi precisamente por se tratar de factos pessoais, que a apelante não podia deixar de conhecer e que, por isso, lhe estava vedado omitir e silenciar neste processo, que foi condenada como litigante de má fé, nos termos do disposto no art.º 456.º, n.º 2, al. b), do C. P. Civil.

E uma tal temeridade acarretou e acarretará ainda prejuízos para a apelada, com o esforço probatório acrescido que lhe foi exigido e de que, em virtude dos preceitos legais supra citados, estava legalmente liberta acaso a apelante tivesse acatado os respetivos comandos.

Improcede, pois, a questão.

V. Quanto à quinta questão, a saber, se é certo que a R se pronunciou sobre a matéria na sequência de réplica a pedir a condenação em litigância de má fé, também é verdade que o tribunal não se pronunciou sobre a matéria até ao momento em que, inesperadamente, decidiu condenar a R em litigância de má fé.

A questão não se sustenta nos seus próprios termos.

Se a apelante teve oportunidade de se pronunciar sobre a questão da má fé, cuja condenação foi pedida pela apelada e não decretada oficiosamente pelo tribunal, não pode agora afirmar que foi condenada “inesperadamente” e que “…o tribunal…inesperadamente…decidiu condenar…”.

A apelante foi confrontada com o pedido da sua condenação, como já o tinha sido com factos pessoais, como tal devendo entender-se não só todos os atos de interação com a apelada, como todos os atos processuais em que teve intervenção pessoal nos processos judiciais identificados nos autos, e teve toda a oportunidade de se defender, de esclarecer aspetos relevantes assistindo-lhe também o dever de esperar, sem surpresa, as normais consequências.

Improcede, pois, também esta questão e com ela a apelação. 

C) EM CONCLUSÃO.

1. Atenta a conformação, quer do instituto processual da condenação em quantia a liquidar, consagrado no art.º 661.º, n.º 2, do C. P. Civil, quer da figura da equidade na determinação do quantum indemnizatório, consagrado no art.º 566.º, n.º 3, do C. Civil, estando provada a existência de danos de natureza contratual, consistentes no não pagamento do preço dos serviços prestados e recebidos, deve a R ser condenada no que se liquidar em execução não podendo ser absolvida do pedido.

2. A dívida de honorários vence juros de mora sobre a quantia em que o devedor vier a ser condenado desde o recebimento da nota de honorários, ainda que a mesma não tenha sido aceite pelo devedor, não sendo tais juros cumuláveis com a atualização da quantia devida.

3. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Lisboa, 27 de maio de 2014.

(Orlando Nascimento)

(Dina Monteiro)

(Luís Espírito Santo)

[1] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 18/9/2003 (Relator: Ferreira de Almeida), in dgsi.pt, citando o acórdão do mesmo Tribunal de 29/2/2000, ambos no seguimento dos acórdãos de 6/4/1962 (BMJ n.º 116, pág. 493), 16/5/1969 (BMJ n.º 187.º, pág. 84), 29/7/1969 (BMJ n.º 189.º, pág. 282), 4/6/1974 (BMJ n.º 238.º, pág. 204), 19/12/1975 (BMJ n.º 252.º, pág. 11), 24/4/1990 e 17/11/1998, ambos in dgsi.pt
[2] Relator: Sebastião Povoas, in dgsi.pt.

[3] Relator: Pereira da Silva, in dgsi.pt.

[4] Relator: Salazar Casanova, in dgsi.pt.
[5] Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, in dgsi.pt

[6] Relator: Armindo Monteiro, in dgsi. pt

[7] Relator: Afonso Moreira Correia.
[8] João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4.ª edição, pág. 714.
[9] Relator: Eliseu Figueira, in dgsi.pt.
[10] Relator: Herculano Namora, in dgsi.pt.
[11] Relator: Pires da Rosa, in dgsi.pt.
[12] In BMJ n.º 492, pág. 424.
[13] Relator: Henrique de Matos, in dgsi.pt.
[14] Relator: Oliveira Barros, in dgsi.pt.
[15] Fernando Pessoa Jorge, Lições de Direito das Obrigações, 1975-76, pág. 65.
[16] Relator: Metello de Nápoles, in dgsi.pt.
[17] João de Matos Antunes Varela, ob. cit. pág. 442.
[18] Relator: Garcia Marques, in dgsi.pt

[19] No mesmo sentido, v. g. o acórdão do STJ de 28/5/2002, In dgsi.pt; Relator: Ferreira Girão, decidiu que: “Sempre que a indemnização tenha sido objeto de correção monetária, ao abrigo do n. 2, do artigo 566, Cód Civil, deve o n. 3, do artigo 805º, do mesmo Código, ser interpretado restritivamente, pois o papel indemnizatório atribuído aos juros moratórios já se encontra, nesse caso, desempenhado pelo mecanismo daquele n. 2, do artigo 566”. No mesmo sentido ainda os acórdãos de 4/3/2008 (Relator: Fonseca Ramos), 7/1/2010 (Relator: Pires da Rosa), 27/5/2010 (Relator: Custódio Montes) e 14/6/2010 (Relator: Pereira da Silva).

[20] In dgsi.pt. Relator: Fonseca Ramos.