Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4141/2007-6
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: EXECUÇÃO
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
CUSTAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/17/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1 - Constituem causas de extinção da instância executiva quer a impossibilidade, quer a inutilidade superveniente da lide.
2 – O Exequente que não consegue ver penhorados bens do devedor, não obstante ter diligenciado nesse sentido, de molde a poder obter a satisfação do seu crédito, pode requerer, querendo, a extinção da instância executiva com base na inexistência de bens penhoráveis.
3 – Nestas circunstâncias, não lhe sendo imputável tal facto, deverá ser o processo remetido “à Conta” com as respectivas custas a cargo do executado.
(A.L.G.)
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

1. BANCO, S.A. veio agravar do despacho proferido pelo Tribunal “a quo” que o condenou nas custas da execução.

Alegou, para o efeito, e em conclusão, o seguinte:
1. Sem qualquer resultado, o Agravante nomeou à penhora o recheio da habitação do executado J, bem como o seu vencimento e todos e quaisquer valores depositados em contas bancárias abertas em nome dos executados.
2. Face àquele resultado negativo o Agravante requereu ao Tribunal que oficiasse à Direcção de Serviços de Contribuição Autárquica e à Conservatória do Registo Automóvel a fim de se apurar informações que levassem à identificação de bens penhoráveis; porém, sem qualquer resultado.
3. Face ao desconhecimento por parte do Agravante de outros bens da executada, o Agravante solicitou a remessa dos autos à conta, por impossibilidade superveniente da lide, tendo o Tribunal “a quo” remetido o processo à Conta, mas condenou-o em custas.
4. Ora, uma das causas de extinção do processo é a impossibilidade superveniente da lide e esta causa de extinção da instância declarativa não é de qualquer forma incompatível com a natureza do processo de execução, nem impõe a condenação do Agravante em custas.
5. Entender-se de outra forma é penalizar o Agravante, na medida em que terá de suportar as custas como se fosse o culpado pelo facto de não se penhorarem mais bens.
6. Assim, o despacho recorrido não respeita as disposições legais previstas nos artigos 919º, 466º, nº 1, e 287º, alínea e), todas do Código de Processo Civil, bem como os artigos 47.° e 51.° do Código das Custas Judiciais, devendo, por isso, ser revogado e substituído por outro que condene os executados nas respectivas custas.

2. Foi proferido despacho tabelar, sustentando a anterior decisão.

3. O Ministério Público defendeu nos autos que as custas devem ser pagas pelo Exequente, porquanto o Estado não pode ficar penalizado com os custos derivados da actividade processual, cuja iniciativa cabe àquele.

4. Tudo Visto,
Cumpre Apreciar e Decidir.

II - Enquadramento Fáctico-Jurídico:

1. Com relevância para a decisão sabe-se que:
1. O Banco Agravante instaurou execução contra os executados “S Lda.” e J.
2. O valor da acção é de 4.776,71 Euros.
3. Os executados foram citados editalmente e não foram encontrados, na sua titularidade, quaisquer bens susceptíveis de penhora.
4. O Banco Exequente veio requerer a remessa dos autos à conta com custas a cargo dos executados, alegando, para o efeito, desconhecimento de bens penhoráveis e que foram os executados, com o seu incumprimento, que deram causa à execução.
5. Em face do requerido o Tribunal “a quo” remeteu o processo à conta mas com custas a cargo do exequente.

2. Está em causa a questão de saber quem deve suportar o pagamento das custas no caso sub judice:
- se o exequente, conforme defendeu o Ministério Público e decidiu o Tribunal “a quo”;
- se os executados, conforme alega o Banco Agravante no seu recurso.
Vejamos.

3. Embora nos autos o Tribunal “a quo” nada tivesse dito acerca da inutilidade da lide ou da extinção da instância, limitando-se tão só a remeter o processo à Conta, a verdade é que, ao fazê-lo, aderiu expressamente, nessa parte, ao que fora requerido pelo Agravante e respectivo Ministério Público.
Ou seja: entendeu que se estava perante uma situação de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, prevista no art. 287º, alínea e), do CPC.
Pelo que a presente questão só se coloca quanto ao segmento decisório no qual se determinou que as custas ficassem a cargo do Banco Exequente, ora Agravante.
De qualquer forma, impõe-se, ainda que em termos sucintos, apreciar se, em processo executivo, é admissível a extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade da lide, já que é precisamente de tal premissa que parte a decisão recorrida para condenar o Exequente em custas.
E a resposta não pode deixar de ser afirmativa.

4. Com efeito, estipula o art. art. 919°, nº 1, do CPC, com a redacção introduzida pelo Dec. Lei nº 183/2000, de 10/8, que a execução extingue-se logo que se efectue o depósito da quantia liquidada, nos termos do artigo 917°, ou depois de pagas as custas, tanto no caso do artigo anterior como quando se mostre satisfeita pelo pagamento coercivo a obrigação exequenda ou ainda quando ocorra outra causa de extinção da instância executiva.
Com fundamento na parte final do transcrito normativo, tem entendido a jurisprudência, na senda da doutrina, que a execução se pode extinguir por qualquer das causas gerais de extinção da instância previstas no art. 287° do CPC, designadamente, a prevista na sua alínea e) – a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide. (1)
Doutrinariamente, e a propósito da aplicabilidade à execução de tais causas de extinção da instância, pode ver-se veiculado igual entendimento em diversos Autores.
Assim, por exemplo, Lebre de Freitas, na análise ao art. 919º do CPC, ao apontar as causas de extinção da instância executiva, refere que a execução se extingue quer com o pagamento das custas da execução, quer mediante a ocorrência de outra causa extintiva da instância, nomeadamente, através de qualquer uma das causas elencadas pelo art. 287º do CPC, v.g., com a deserção, a transacção ou até por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
E explicita:
«...A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio....». (2)
De igual modo, Lopes do Rego, considera relevante a ocorrência de qualquer causa de extinção da acção executiva resultante da aplicação ao processo executivo do regime geral da extinção da instância. (3)
Por sua vez Remédio Marques cita como causa de extinção da execução expressamente a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide executiva. (4)

5. Ora, reportando-nos ao caso dos autos constatamos que, tendo o Banco Agravante diligenciado no sentido de apurar se os executados possuíam bens penhoráveis, foi confrontado, pelas informações que foram prestadas pelas entidades competentes, com a inexistência absoluta de bens penhoráveis por parte dos executados
Ficou, assim, o Banco Exequente perante uma situação de manifesta impossibilidade de impulsionar positivamente a instância executiva, já que o impulso positivo apenas consistia, no âmbito dos autos, na indicação de bens penhoráveis e na concretização da respectiva penhora, com vista à integral satisfação do crédito exequendo, através do pagamento da quantia devida àquele.
Desta forma, tem que se concluir que se está perante uma situação de impossibilidade superveniente da lide, por facto que não lhe pode ser imputável, por completamente alheio a tal situação.
Podendo inclusivamente dizer-se que um desfecho desta natureza não pode ser querido pelo sujeito activo do processo, cujo objectivo fulcral se centra na satisfação do seu crédito, pelo pagamento, e não na impossibilidade de obtenção desse mesmo pagamento.
Aliás, tal impossibilidade com que o Exequente se vê confrontado, derivada da inexistência de bens penhoráveis, só o penaliza, porquanto impede que a lide atinja o seu fim útil normal, gerando uma impossibilidade superveniente da lide, ou quiçá, a sua inutilidade superveniente.

É certo que sempre se poderá argumentar com o facto de a referida inexistência de bens penhoráveis não ser definitiva, uma vez que, em abstracto, os executados sempre poderão, no futuro, adquirir património susceptível de ser penhorado. Devendo, por conseguinte, o Exequente aguardar pelo aparecimento de tais bens, de molde a impulsionar positivamente a execução. Caso em que os autos ficariam sujeitos à interrupção da instância, nos termos do art. 285° do CPC, decorrido mais de um ano e, posteriormente, à sua deserção, nos termos preceituados no art. 291º do CPC.
Porém, conforme se salienta no Acórdão da Relação do Porto, de 27/06/2005, (5) também não pode olvidar-se o princípio que enforma o sistema processual civil português: o princípio do dispositivo e segundo o qual cabe às partes o impulso processual da lide.
Nesta conformidade, e uma vez que a lei o permite, nada impede que o Exequente requeira, com base no disposto nos arts. 919º, nº 1, e 287º, alínea e), ambos do CPC, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

6. Em Conclusão:
- Não sendo possível ao Exequente, após diligências várias, encontrar bens penhoráveis no património do executado, por ausência total de bens, e não podendo, dessa forma, ver satisfeito o pagamento do seu crédito, torna-se, deste modo, impossível ou inútil a continuação da instância.
- Pelo que nada obsta a que a instância executiva seja declarada extinta, nos termos conjugados da parte final do n.º 1 do art. 919° e alínea e) do art. 287°, ambos do CPC.

7. Quanto às custas:
Nesta matéria, de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, dispõe expressamente o art. 447º do CPC que, quando a instância se extinguir, as custas ficam a cargo do autor, salvo se a impossibilidade ou inutilidade resultar de facto imputável ao réu, que neste caso as pagará.
Ora, no caso sub judice, dúvidas não restam de que foram os executados que deram causa à execução, na medida em que não procederam ao pagamento da quantia exequenda.
Sendo assim, aos mesmos é imputável a inutilidade superveniente da lide por inexistência de bens penhoráveis, porquanto não procederam ao pagamento do crédito exequendo, honrando a dívida assumida, como lhes era manifestamente exigível.
Razão pela qual entendemos que, in casu, as custas devem ser pagas pelos executados.
A defender-se outro entendimento estar-se-ia a penalizar os Exequentes, acrescendo à impossibilidade, já gravosa, de os mesmos verem o seu crédito satisfeito, ainda a necessidade de ter de arcar com os custos processuais desse incumprimento dos executados mas agora reflectidos nos custos do processo. Beneficiando, por esta via, os devedores relapsos.
Consequência injusta e que por certo o legislador não terá querido ver acolhida.

Destarte, inexistindo bens para poderem ser executados, a instância deverá ser julgada extinta por impossibilidade superveniente da lide, com a remessa dos autos à Conta, com custas a cargo dos executados - parte final do n.º 1 do art. 919º e alínea e) do art. 287°, ambos do CPC - e tendo a execução como valor o indicado no art. 9°, n.º 1, do CCJ: ou seja, o valor dos bens penhorados.
Deverá, pois, o Tribunal “a quo” substituir o despacho recorrido, conformando-o com o ora decidido.

III - Decisão:
- Termos em que se acorda em conceder provimento ao presente Agravo e, consequentemente, se revoga a decisão proferida pela primeira instância, que deve ser substituída por outra que julgue extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide e condene os executados nas respectivas custas.
- Sem Custas.
Lisboa, 17 de Maio de 2007.
Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)
Fátima Galante
Ferreira Lopes
____________________________
1 Neste sentido, cf., o Ac. desta Relação, de 15.11.2004, in www.dgsi.pt., proferido no âmbito do Proc. nº 0455216, bem como o Ac. do STJ, de 6.7.2004, in www.dgsi.pt, lavrado no Proc. nº 04A2272.
2 In “Código de Processo Civil Anotado”, págs. 512 e segts.
3 In Comentários ao Código de Processo Civil, pág. 611.
4 Cf. autor citado in “Curso de Processo Executivo Comum”, à face do Código Revisto, págs. 426 e segts.
5 In www.dgsi.pt