Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
276/11.8TBPDL-A.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: NULIDADE
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
INJUNÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Alegando-se em requerimento de injunção a existência de convenção de domicílio, a notificação da requerida pode ser efectuada por via postal simples, com depósito da carta na caixa de correio;
2. Nesse caso, não sendo deduzida oposição é conferida força executória ao requerimento de injunção;
3. Provando-se em sede de oposição à subsequente execução, a inexistência de convenção de domicílio, há que concluir que foi indevidamente empregue o modo de notificação previsto no artigo 12º-A do Decreto – Lei nº 269/98 de 1 de Setembro, devendo a notificação da requerida ter sido feita por carta registada com aviso de recepção nos termos do art. 12º do mesmo diploma.
4. Não tendo a requerida chegado a tomar conhecimento da notificação para a injunção, ocorre a nulidade de citação prevista no artigo 198º do Código de Processo Civil, devendo ser anulados todos os actos praticados após a entrega do requerimento de injunção.
(A.P.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Instituto (…), deduziu oposição à penhora e à execução que lhe foi movida por Fundação (…).
Para tanto, e no que aos autos interessa, alega, em síntese:
Não foi citado pelo Balcão Nacional de Injunções peto que o título executivo é nulo. Ainda que assim não fosse, sempre o veículo penhorado está afecto à prossecução dos fins de relevante interesse e utilidade públicas por parte do executado, pelo que deve ser declarado isento de penhora, nos termos do artigo 823°, nº 1, do Código de Processo Civil.

Regularmente notificada, a exequente contestou, pugnando pela improcedência da oposição.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou improcedente a oposição à execução e procedente a oposição à penhora ordenando o levantamento da mesma que recaiu sobre o veículo (…).

Foram dados como provados os seguintes factos:
A - A exequente deu à execução um requerimento de injunção por si proposto contra o ora executado, Instituto (…) - Açores, em 12.10.2010, no Balcão Nacional de Injunções, onde correu termos com o nº (…) peticionando o pagamento da quantia global de 12.051 €, sendo 12.000 € referente a prestações devidas desde Julho de 2009 a Outubro de 2010.
B - A causa de pedir do requerimento de injunção especificado em A), funda-se num contrato de parceria celebrado entre Exequente e Executado concedendo a este último a utilização de um prédio urbano sito na Rua B (…) em Ponta Delgada, propriedade da Exequente, para prestação de acção social, na valência de Centro de Actividades de Tempos Livres.
C - No requerimento de injunção especificado em A), a Exequente indicou o Largo (…) Ponta Delgada, como sendo o domicílio convencionado do Executado.
D - Por despacho de 26.11.2010, proferido pelo Secretário de Justiça do Balcão Nacional de Injunções, na sequência da devolução da declaração de depósito lavrada pelo distribuidor postal, foi conferida força executiva ao requerimento de injunção especificado em A).
E - O executado tem a sua sede social no Largo (…) em Ponta Delgada.
F - Desde Novembro de 2009 a Janeiro de 2011 a Executada mudou-se para a Rua J (…) em Ponta Delgada.
G - Durante o período referido em F) não foi deixada na caixa do correio da morada referida em F) carta de citação remetida pelo Balcão Nacional de Injunções referente à injunção especificada em A).
H - O Executado é urna instituição particular de solidariedade social, enquadrando-se a sua actividade na integração sócio-cultural e educação das crianças e juventude do concelho de Ponta Delgada, através do fomento do ensino pré-escolar, educação, do desporto e da melhoria das condições para a sua prática.
I - O veiculo automóvel com a matrícula (…), registado na competente Conservatória do Registo Automóvel a favor do Executado, encontra-se penhorado a favor da Exequente desde em 18.02.2011.
J - É no veiculo (…) que o Executado transporta as crianças para as suas actividades educativas.
L - E transporta o material didáctico, desportivo e equipamento destinados aos fins do Executado.
M - E transporta os géneros alimentícios adquiridos e cedidos a título gratuito para alimentação das crianças suas utentes.
N - O Executado tem outro veículo para além do veículo (…).
O - Veículo esse que também utiliza para os transportes referidos em J) a M).

Inconformada recorre a executada, concluindo que:
“- Conforme os sinais dos autos e nomeadamente do que foi alegado na oposição à execução e do que consta na decisão sobre a matéria de facto e sua fundamentação, o ora recorrente apenas tomou conhecimento do pedido constante do requerimento da injunção quando foi citado para a execução.
- Sobre esta questão, e com base nos factos dados como provados, a Mma Juiz a quo entendeu que, tendo sido feito o depósito da carta de notificação da injunção no domicílio indicado pela exequente como sendo o domicílio convencionado, a notificação para a injunção teria sido regularmente feita e que a executada ora recorrente não teria logrado provar que não a recebeu por motivo que não lhe fosse imputável.
- Salvo o devido respeito a ora recorrente considera que, não obstante a matéria dada como provada, a notificação para a injunção - equiparável à citação para o presente efeito - padece de nulidade, nomeadamente por ter sido omitida e, no limite por não terem sido observadas as formalidades prescritas na lei.
- Em concreto, verifica-se que o requerimento de injunção foi notificado por depósito da carta de notificação.
- O requerimento de injunção em causa estava sujeito, quanto à sua tramitação, ao regime instituído pelo DL 269/98, na redacção que lhe foi dada pelo DL 226/2008, de 20 de Novembro.
- No requerimento de injunção a requerente afirmou a existência de "convenção de domicílio", pois assinalou a quadrícula SIM a seguir à expressão "Domicílio convencionado" .
- Ora, no caso, logo se conclui, em face da prova produzida, que a recorrente não poderia ter indicado no seu requerimento de injunção a existência de "domicílio convencionado", pois não provou a existência de qualquer contrato escrito e, muito menos, a existência de qualquer acordo escrito em que tivesse sido fixada a referida convenção.
- Na própria sentença deu-se como provado que o depósito da carta de notificação foi feita na sequência do domicílio indicado pela exequente como sendo o domicílio convencionado.
- Tendo a Exequente recorrida alegado a existência de "domicílio convencionado", recaía sobre si o ónus da prova de tal facto, pois só a convenção de domicílio poderia dar regularidade à notificação levada a cabo e cuja validade é destituída de fundamento legal.
- Não havendo essa convenção, a notificação do requerido deve ser feita por carta registada com aviso de recepção, como dispõe o art. 12° nº l, sendo-lhe aplicável o disposto nos art. 231° e 232°, nos nº 2 a 5 do art. 236° e 237º do CPC.
- A notificação efectuada, por depósito de carta simples em caixa de correio, é nula nos termos e por força do disposto no art. 198° nº l do CPC, por se ter utilizado a via da carta simples depositada em caixa de correio em vez da carta registada com aviso de recepção.
- Neste contexto, sendo nula a notificação do requerimento de injunção, não estava o mesmo em condições de lhe ser aposta a fórmula executória.
- Nos termos da alínea d) do art. 814° do C.P. Civil, a nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo, constitui um dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença.
- O mesmo efeito jurídico, mutatis mutandis, deve ter a execução baseada no requerimento de injunção, com a aposição da fórmula executória mas em cujo procedimento a notificação padece de nulidade.
- Pois que o título executivo, não tendo sido regularmente constituído, é inválido e, como tal, é inexequível.
- Mas além de dever ser anulada a execução, também se impõe a declaração de nulidade do Processo de Injunção que lhe subjaz, nos termos da norma ínsita no art. 201° nº 2 do CPC e por força da nulidade da citação do Requerimento de Injunção invocada como fundamento para oposição à execução e cuja admissibilidade e procedência deverá ser atendível, nos termos do disposto no art. 816° do C.P. Civil.
- Consequentemente, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue procedente o incidente de nulidade de citação e que, declarando a sobredita nulidade, anule todo o processado a partir do requerimento de injunção (incluindo a oposição por parte do Secretário de Justiça de 26/11/2010 a conferir força executiva), devendo ser declarada a extinção da acção executiva, por falta de título.
- Foi o Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, que, com o aditamento do artigo 236º-A e a alteração de redacção do artigo 238.°, ambos do CPC, veio estabelecer a possibilidade de "citação por via postal simples". - No que toca ao regime das notificações no âmbito de procedimento de injunção, o referido Decreto-Lei 183/2000, por força da redacção por ele dada ao artigo 12°-A do anexo do regime dos procedimentos a que se refere o art. 1º do Decreto-Lei 269/98 de 1/09, instituiu que, nos casos de domicílio convencionado aplicava-se à notificação dos requerimentos de injunção o disposto no artigo 236°-A do CPC.
- Essa possibilidade de citação por via postal simples, instituída pelo Decreto-Lei nº 183/2000, foi entretanto revogada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, mas, previamente a esse revogação, o Decreto-Lei n° 32/2003 de 17/02, com nova redacção por ele dada ao artigo 12°-A do regime da injunção anexo ao supra referido diploma preambular do Decreto-Lei 269/98 de 01/09, autonomizou o regime das notificações do requerimento de injunção do regime previsto para as citações por via postal então previstas no artigo 236°-A do CPC.
- Porém, manteve na substância que, nos casos de domicilio convencionado, a notificação do requerimento de injunção seria efectuada mediante o envio de carta simples com depósito na caixa do correio do notificando, ou seja autonomizando-o manteve na substância o mesmo regime de citação postal por carta simples prevista no CPC que viria a ser revogado pelo DL 38/2003 de 08/03.
- É conhecida polémica que a referida inovação de citação por via postal através de carta simples suscitou quer entre os profissionais forenses, quer a nível doutrinário, com base na alegada insegurança, não só do conhecimento, mas da própria cognoscibilidade do acto de citação por parte do destinatário.
- Com efeito, há que conciliar e equilibrar os vários princípios e interesses em jogo, nomeadamente os do contraditório e da proibição da indefesa com aquele outro princípio da celeridade processual e ainda com os princípios da segurança e da paz jurídica., que são valores e princípios de igual relevância e constitucionalmente protegidos.
- Daí que, no caso em apreço, o que importa decidir é se, no balanceamento daqueles princípios e interesses, a solução legislativa em causa - tal como o julgador a interpretou e que manteve a possibilidade de notificação do requerimento de injunção por via postal com carta simples - ofende desproporcionadamente os direitos de defesa do recorrente, pela forma adoptada de comunicação da propositura do requerimento de injunção, nomeadamente se ela oferece as garantias mínimas de segurança e fiabilidade em termos de se não tomar impossível ou excessivamente difícil o ilidir da presunção de efectivo recebimento da citação, defendendo-se contra a eventualidade de ausências ocasionais.
- É manifesto que, no caso concreto - principalmente por terem sido preteridas as formalidades previstas na lei, em que, na ausência de convenção de domicílio convencionado, a forma correcta para se proceder à notificação era a carta registada com aviso de recepção e não por depósito em caixa de correio - ponderando os princípios referidos, a solução legislativa em causa, tal como foi interpretada, ofende desproporcionadamente os direitos de defesa do demandado.
- Aliás, o caso sub judice, em que aparentemente a carta terá sido depositada na caixa postal do notificando mas nunca chegou ao seu conhecimento, é manifestação clara de que os sobreditos direitos, garantias e princípios não se encontram protegidos e salvaguardados no actual regime do art. 12°-A do procedimento de injunção anexo ao Decreto-Lei 269/98, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 32/2003 de 17/02.
- Verifica-se assim a inconstitucionalidade do preceituado no citado art. 12°-A do regime de procedimento da injunção, pelo que a Mma Juiz a quo fez uma incorrecta interpretação daqueles preceitos não garantindo o direito de acesso aos tribunais violando consequentemente o principio da proibição da indefesa, nos termos constitucionalmente garantidos pelo artigo 20° da CRP.
- A matéria dos direitos, liberdades e garantias está incluída na reserva relativa integral da Assembleia da República
- O direito de acesso aos Tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante um correcto funcionamento das regras do contraditório, nesse sentido veja-se. o acórdão nº 86/88 publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 11°, páginas 741 e seguintes.
- Apesar de o procedimento de injunção não correr nos tribunais, nomeadamente quando não é apresentada oposição ao mesmo, seja por falta de citação, seja por revelia proprium sensu, verdade é que do mesmo, principalmente nestes casos, deles resultará um título executivo que a lei processual faz equivaler à sentença, com igual força de caso julgado.
- Por isso, também o procedimento de injunção deverá constituir-se como um processo que terá de ser equitativo e leal, pelo que cada uma das partes tem de poder fazer valer as suas razões (de direito e de facto) antes de qualquer decisão.
- Perante o exposto, podemos concluir que, na medida em que o diploma se prende com as formas de notificação do procedimento de injunção, a qual é o instrumento ideal de concretização do principio do contraditório, suporte do acesso ao direito e aos tribunais (art. 20 da CRP), o facto de o DL n" 32/2003 de 17-02 não ter sido precedido de autorização prévia da Assembleia da República, tal como ocorreu com o Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, impõe concluir-se pela inconstitucionalidade orgânica das normas atinentes à notificação do requerimento de injunção por via postal, nomeadamente do art. 12°-A do regime de procedimento de injunção anexo ao Decreto-Lei n° 269/98 de 01/09.
- Pelo que, declarando-se as invocadas inconstitucionalidades materiais e orgânicas, deverá julgar-se procedente a oposição à execução julgando-se a mesma extinta por falta de titulo executivo, declarando-se nula a citação e anulando-se todo o processado subsequente à propositura do requerimento de injunção.
- A aposição da fórmula executória no requerimento de injunção, quando o requerido tenha sido notificado (que como se disse não é o caso dos autos) e não deduza oposição, é da competência do secretário judicial, nos termos do artigo 14°, nº 1, do diploma anexo ao Decreto Lei n° 269/98, de 1 de Setembro, o qual não detém poderes jurisdicionais, que só aos tribunais são atribuídos pelo artigo 202°, nº 1 e 2, da Constituição da República.
- O legislador, na reforma de 2008, ao equiparar o título executivo extrajudicial/injunção aos títulos judiciais impróprios, fê-lo no exercício dos seus poderes de criação normativa mas, ao manter os poderes do funcionário, o processo continua a não ser um processo jurisdicional (fase não contenciosa), aplicando-se o sistema de oposição erigido por lei para reagir a títulos de natureza extrajudicial, ilegal ou indevidamente formados, ou seja, aquele que brota do art. 816° do CPC.
- O regime emergente dos art. 814° e 816° do Código de Processo Civil na redacção do Decreto-lei 226/2008, veio equiparar a injunção à sentença para os efeitos que nos cumpre avaliar, encerrando as formas de oposição à execução nela fundada no quadro de mecanismos de reacção contra os títulos de emanação judicial.
- Continuou a ser patente que, até à eventual convocação do juiz no contexto de dedução de oposição ao requerimento de injunção, estamos perante um processado de natureza não jurisdicional, sendo que esta natureza não é afastada por o mesmo correr num Tribunal e surge flagrantemente negada nos casos em que ocorre a aposição da fórmula executória, pelo facto de se tratar de um mero processo de funcionários, de natureza burocrática - cf. art. 8° a 14° do anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 01 de Setembro.
- Com efeito, o que confere essência jurisdicional a um determinado processado é a intervenção decisória de um profissional sujeito a garantias de independência, irresponsabilidade, isenção, inamovibilidade e imparcialidade, integrado num poder do Estado distinto do legislativo e do executivo e apenas submetido às intervenções de gestão e disciplina do órgão de cúpula desse poder - o Conselho Superior da Magistratura - i.e., a intervenção de um juiz.
- Resulta do exposto que tem que se considerar que, caso não ocorra a intervenção de um juiz e venha a ser aposta a fórmula executória por omissão de oposição, estamos perante um processado de natureza não jurisdicional.
- Ora, a ser assim, não se confundam os títulos gerados nesse processo com os títulos judiciais impróprios.
- É certo que o legislador, na reforma de 2008, equiparou o título executivo extrajudicial injunção aos títulos judiciais impróprios. Fê-lo no exercício dos seus poderes de criação normativa. O que não concretizou nem poderia ter feito (ao manter os poderes do funcionário), foi alterar-lhe a essência: o processo em apreço continua a não ser um processo jurisdicional na apontada fase não contenciosa.
- Não se confundindo processos de funcionários, antecâmara de intervenções jurisdicionais, com processos judiciais.
- É que, se não houver oposição e se formar o título, tal significa que não se exerceu (pelas mais variadas razões que só podemos prefigurar) o direito de defesa e de aceder a um juiz independente e imparcial.
- Assim, quando, em concreto, o título emerge, ainda não interveio o sistema judicial nem a parte efectivamente se defendeu.
- A esta luz o disposto no nº 2 do artigo 814º do CPC ao equiparar a sentença para efeitos de limitação dos fundamentos á oposição à execução, o título executivo emergente de injunção com a fórmula executória quando o requerido não apresentou oposição à injunção, configura-se como materialmente violador de um direito de defesa estabelecido no artigo 20º da CRP e, como tal, deverá ser declarado inconstitucional.
- Se concluímos que estamos perante um título extrajudicial, como fazemos, não podemos deixar de reconhecer ao executado a faculdade de se lhe opor como pode fazer relativamente a qualquer outro título executivo dessa índole.
- Assim e na medida em que daí também resulta a criação de um efeito cominatório pleno, o disposto no n° 2 do artigo 814º do CPC é igualmente violador do dever de fundamentação consagrado no n° I do artigo 205º da Constituição e deverá, também por isso, ser declarada a sua inconstitucionalidade.
- Assim sendo, o requerimento de injunção com aposição de fórmula executória mais não é do que um título executivo criado por lei, sujeito portanto ao âmbito de oponibilidade latitudinário configurado no artigo 816º do CPC, que admite todos os meios de defesa que pudessem ser deduzidos na competente acção declarativa.
- Pelo exposto, e para a eventualidade de não ser declarada a nulidade da citação nos termos e com as consequências alegadas supra, sempre deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que, declarando as sobreditas inconstitucionalidades da norma ínsita no art. 814º nº 2 do CPC, remeta os autos à primeira instancia para apreciação e decisão sobre as questões ineptidão do requerimento de injunção, inexigibilidade da dívida dada à execução as quais foram invocadas como fundamento para oposição à execução.
- Em consequência deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que:
- julgue procedente o incidente de nulidade de citação e que, declarando-a, anule todo o processado a partir do requerimento de injunção (incluindo a oposição por parte do Secretário de Justiça de 2611/2010 a conferir força executiva), devendo ser declarada a extinção da acção executiva, por falta de título;
e, quando assim se não entenda, que,
- remeta os autos à primeira instância para apreciação e decisão sobre as questões da ineptidão do requerimento de injunção, inexigibilidade da dívida dada à execução as quais foram invocadas como fundamento para oposição à execução.”

Não foram deduzidas contra-alegações.

Cumpre apreciar.
A questão de base que se coloca no presente recurso é a invocação da nulidade da citação para a injunção e consequentemente a impugnação da validade do título executivo.
A citação por via postal de pessoa colectiva ou sociedade, faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção dirigida para a sede ou local onde funciona normalmente a administração.
Em caso de impossibilidade de se proceder à citação por esse modo, procede-se à citação do representante mediante carta registada com aviso de recepção, remetida para a sua residência ou local de trabalho – art. 237º do CPC.
Este regime é o aplicável à injunção, nos termos do art. 12º do Decreto Lei nº 269/98 de 1/9.
Contudo, sempre que as partes, nos contratos reduzidos a escrito que possam desencadear tal procedimento de injunção, convencionem o local onde se consideram domiciliadas para efeitos de realização de citação ou notificação, em caso de litígio, a notificação do requerimento é efectuada mediante o envio de carta simples dirigida ao notificando e endereçada para o domicílio ou sede convencionados – art. 12º-A do mesmo diploma.
Nos termos do nº 3 deste preceito “o distribuidor do serviço postal procede ao depósito da referida carta na caixa de correio do notificando e certifica a data e o local exacto em que a depositou, remetendo de imediato a certidão à secretaria.”
Foi esta última a situação ocorrida nos autos.
Na medida em que a requerente da injunção indicou a existência de um domicílio convencionado, o Largo (…) Ponta Delgada, procedeu-se à notificação nos termos do art. 12º-A do Decreto Lei nº 269/98, mediante carta simples enviada e depositada naquela morada.
A sede social da ora recorrente situa-se no Largo (…) em Ponta Delgada. Contudo, de Novembro de 2009 a Janeiro de 2011, eventualmente devido a obras, a recorrente mudou-se provisoriamente para a Rua J (…) Ponta Delgada.

Está provado que a requerente da injunção indicou um domicílio convencionado pelo ora executado.
Nos termos do art. 2º nº 1 do Decreto Lei nº 269/98 de 1/9 – aplicável à injunção por força do seu art. 10º nº 2 c) - “nos contratos reduzidos a escrito que sejam susceptíveis de desencadear os procedimentos a que se refere o artigo anterior podem as partes convencionar o local onde se consideram domiciliadas, para efeitos de realização da citação ou da notificação, em caso de litígio”.
Ora, como resulta da matéria dada como provada, não se provou que as partes hajam convencionado o local onde se consideram domiciliadas para efeitos de notificação.
Ou seja, foi indevidamente aplicado o regime de notificação por carta simples previsto no art. 12º-A nº 1 e 3 do referido diploma.
Isto, já que é ao requerente da injunção que indicou a existência de domicílio convencionado que incumbe a prova de tal convenção. Caso contrário, o requerido ficaria à mercê da requerente que poderia indicar a existência de tal domicílio convencionado sem que as partes jamais tenham acordado na mesma e conduzindo assim à não notificação do requerido e consequente atribuição de força executiva ao requerimento de injunção – art. 14º nº 1.

De realçar ainda que na sentença recorrida se mencionam factos que não constam da decisão sobre a factualidade provada, nomeadamente que a requerida tenha continuado a receber a correspondência no Largo (…). As questões mencionadas na fundamentação da resposta aos quesitos não podem ser usadas na sentença quando não façam parte da respectiva decisão factual.
Assim, a questão não é a de a recorrente provar que não recebeu a notificação. Seria, caso tal notificação por carta simples depositada na caixa de correio fosse o procedimento adequado. Mas na falta de prova de existência de convenção de domicílio, não se pode afirmar que o procedimento seguido fosse o correcto.
Se a notificação tivesse sido efectuada por carta registada com aviso de recepção, como deveria ter sido, nos termos do art. 12º nº 1 do aludido diploma, haveria duas possibilidades: a de a carta ser assinada pelo destinatário, apesar de os seus serviços provisoriamente terem mudado para outro local, caso em que se teria de considerar a ora recorrente como notificada, ou a carta não era assinada, caso em que se seguiriam as diligências previstas nos nº 2 e seguintes desse art. 12º.

De notar que se toma conhecimento desta questão uma vez que na sentença recorrida nunca se afirma que existiu uma convenção de domicílio. Afirma-se, isso sim e repetidamente, que a requerente indicou que se verificava tal convenção. Ora, alegando a requerida não ter recebido a notificação, não se tendo provado que exista qualquer convenção de domicílio, estando junto aos autos a fls. 12 e seguintes, um acordo de parceria/cedência de espaços entre requerente e requerida, o qual constitui o fundamento do requerimento de injunção, e onde não consta qualquer convenção de domicílio, compete verificar se os pressupostos fácticos provados se mostram aptos à aplicação jurídica efectuada na douta sentença.
Como vimos, na ausência de qualquer indício de ter sido convencionado domicílio, não era aplicável o regime de notificação do art. 12º-A mas antes o regime geral do art. 12º do Decreto Lei nº 269/98 de 1/9.

À notificação aplica-se aqui o regime da nulidade de citação prevista no art. 198º nº 1 do CPC. Com efeito, não foi observada uma formalidade essencial, ou seja, a notificação por carta registada com aviso de recepção, formalidade da qual dependiam, de resto, em caso de a carta não ser recebida, as demais diligências já mencionadas na tentativa de proceder à notificação assegurando o princípio do contraditório.
Não se mostrando que a requerida haja recebido a carta simples nem existindo qualquer presunção nesse sentido – presunção que só relevaria se a notificação nos termos do art. 12º-A fosse a correcta e, como vimos, não era – é óbvio que a irregularidade cometida influiu de modo decisivo no direito de defesa da ora recorrente.
Nos termos do art. 201º nº 2 do CPC deverão ser anulados todos os actos subsequentes à apresentação do requerimento de injunção, na medida em que todos eles dependem da aposição da fórmula executória, nos termos do art. 14º nº 1 do focado Decreto Lei nº 269/98, e esta só se tornou possível devido a tal nulidade de notificação.

Conclui-se assim que:
– Em sede de requerimento de injunção a requerente indicou que existia uma convenção de domicílio, pelo que a notificação da requerida foi efectuada por via postal simples, com depósito da carta na caixa de correio.
– Não tendo sido deduzida oposição, foi conferida força executória ao requerimento de injunção.
– Vindo a requerida, em sede de oposição à execução, invocar a nulidade da notificação, e não se provando que tivesse existido qualquer convenção de domicílio, a qual nem sequer consta do contrato que fundamenta a injunção, verifica-se que foi indevidamente empregue o modo de notificação previsto no art. 12º-A do Decreto Lei nº 269/98 de 1/9, uma vez que a notificação da requerida deveria ter sido feita por carta registada com aviso de recepção nos termos do art. 12º do mesmo diploma.
- Alegando a requerida que nunca chegou a tomar conhecimento da notificação para a injunção, estamos perante a nulidade de citação prevista no art. 198º do Código Civil com efeitos prejudiciais no direito de defesa do requerido, pelo que serão anulados todos os actos praticados após a entrega do requerimento de injunção.

Nestes termos, julga-se a apelação procedente, declarando-se nula a notificação da requerente, anulando-se todo o processo subsequente à apresentação do requerimento de injunção e julgando-se extinta a execução por falta de título executivo.
Custas pela recorrida.
Pelo exposto, não se toma conhecimento da restante matéria invocada pela apelante.

LISBOA, 13/9/2012

António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais