Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2653/2007-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
LOCAÇÃO FINANCEIRA
RESTITUIÇÃO
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/24/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- Prescreve o artigo 21.º/1 do Decreto-lei n.º 149/95, de 24 de Junho que “ findo o contrato por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, [se] o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente e no cancelamento do respectivo registo de locação financeira, caso se trate de bem sujeito a registo”
II- Nos procedimentos cautelares me geral (artigo 83.º,n.º1, alínea c) do Código de Processo Civil) é competente territorialmente o tribunal em que deva ser proposta a acção respectiva e, porque a obrigação de restituição do bem locado resulta directamente do contrato, embora aplicável apenas aquando da sua resolução, o tribunal competente é, nos termos dos artigos 74.º/1 e 83.º/1, alínea c) do Código de Processo Civil, o tribunal do domicílio do requerido.
(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


Veio B.[…] S.A. requerer procedimento cautelar de entrega judicial e cancelamento de registo, relativamente ao tractor agrícola […]com a matrícula […]VR.

Alega que no exercício da sua actividade, como instituição de crédito, celebrou um contrato de locação financeira com Isabel […], tendo por objecto tal tractor agrícola.

O valor do veículo é de € 12.000,00.

A requerida obrigou-se, nos termos do aludido contrato, a pagar à requerente 48 rendas, sendo a primeira no montante de € 4.785,72 e as restantes de € 407,74.

Tendo a requerente entregue o aludido tractor à requerida.

Contudo, a requerida deixou de pagar a renda vencida em 22/11/2005 e as seguintes.

O contrato veio a ser resolvido, por comunicação da requerente à requerida, de 15/5/2006.

A requerida, até ao momento não pagou a quantia em dívida, nem devolveu o veículo.

*
Foi proferido despacho declarando o tribunal cível de Lisboa incompetente territorialmente e ordenando a remessa dos autos para o Tribunal Judicial de Estarreja, por ser o do domicílio da requerida.

Inconformada recorre a B.[…], concluindo que:

– Independentemente da nova redacção do art.º 74º nº 1 do CPC, o tribunal recorrido é o competente, face ao teor da cláusula 24ª do Contrato de Locação Financeira.
– O procedimento cautelar previsto no art.º 21º do DL 149/95 de 24/6 não se enquadra em nenhuma das categorias elencadas no nº 1 do art.º 74º.

* 1
É necessário apurar, contudo, se o presente procedimento cautelar se insere no âmbito das causas previstas no art.º 74º nº 1 do CPC.

Dispõe o art.º 83º nº 1 c) do CPC que, exceptuados o arresto, o arrolamento ou o embargo de obra nova, para os restantes procedimentos cautelares é competente o tribunal em que deva ser proposta a acção respectiva.

Nos presentes autos, estamos perante o procedimento cautelar previsto no art.º 21º nº 1 do DL 149/95 de 24/6, com o seguinte teor:

“Se, findo o contrato por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente e no cancelamento do respectivo registo de locação financeira, caso se trate de bem sujeito a registo”.

Com base neste preceito, alega a recorrente que o procedimento cautelar ora interposto não se insere em nenhuma das categorias previstas no art.º 74º nº 1, ou seja, não tem por objecto o cumprimento de obrigações, indemnização por não cumprimento ou cumprimento defeituoso ou a resolução contratual.

É discutível que a restituição do bem locado não constitua uma obrigação contratual. Com efeito, consta do art.º 21º das Condições Gerais do contrato que “quando o contrato seja resolvido nos termos do artigo anterior, o Locatário fica obrigado a efectuar de imediato ao Locador a restituição do bem (...)”.

A nosso ver, estamos perante uma obrigação directamente decorrente do contrato, embora aplicável apenas aquando da sua resolução. De resto, o incumprimento de tal obrigação tem consequências para o locatário, em termos de indemnização face ao art.º 13º das mesmas Condições Gerais.

Acresce que, nos termos do art.º 383º nº 1 do CPC – aqui aplicável por força do art.º 21º nº 7 do DL 149/95 - “o procedimento cautelar é sempre dependente da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva”.


Tal acção, a propor forçosamente pela ora recorrente – sob pena de caducidade da providência – terá como objecto a condenação da ora requerida nas obrigações decorrentes do incumprimento contratual que levou à resolução do contrato.

Assim, quer pelo próprio objecto dos presentes autos, que se reconduz a um incumprimento de uma obrigação contratual, quer pelo objecto da acção principal a propor, que sempre visará, partindo da resolução contratual, a indemnização pelo incumprimento, o tribunal competente, nos termos conjugados dos arts. 83º nº 1 c) e 74º nº 1 do CPC será o do domicílio da ora requerida, que se situa em Estarreja.


Assim, e pelo exposto, nega-se provimento ao agravo, confirmando-se o despacho recorrido.

Custas pela agravante.


LISBOA, 24/5/2007

(António Valente)
(Ilídio Martins)
(Teresa Pais)