Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4961/2007-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
PRESTAÇÕES DEVIDAS
ALIMENTOS
MENORIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Na prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a menores incluem-se também as prestações vencidas

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa



Veio nos presentes autos Maria […], na qualidade de mãe dos menores I.[…], L.[…] e T.[…] deduzir incidente de incumprimento da regulação do exercício do poder paternal contra Mário […], relativamente à obrigação de alimentos.

Devidamente notificado, o requerido nada disse.

Foi elaborado o relatório de fls. 19 e sts. Relativo sobre a situação económica dos menores e do requerido..

O Mº Pº promoveu que se fizesse intervir o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, fixando-se uma prestação alimentícia substitutiva de 3 UC.

Vindo a ser proferida decisão que condenou esse Fundo de Garantia a pagar a prestação de alimentos substitutiva no valor mensal de € 50 mensais por cada menor. Mais foi condenado a pagar os alimentos vencidos, no montante de € 150,00 pelos três menores, até atingir o valor de € 2.218,92.

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Inconformado, recorre o Fundo de Garantia, concluindo que:
- Não foi intenção do legislador da Lei 75/98 de 19/11 e do DL nº 164/99 de 13/5, prever o pagamento pelo Estado do débito acumulado pelo obrigado judicialmente a prestar alimentos.
- Foi preocupação dominante do legislador evitar o agravamento excessivo da despesa pública e um aumento do peso do Estado na sociedade portuguesa.
- O débito acumulado do devedor relapso não é da responsabilidade do Estado, já que não é correcto pôr-se o Estado a pagar os débitos desse progenitor relapso.
- A garantia traduz-se na fixação de uma prestação em função das condições actuais do menor e que podem ser muito diferentes das que determinaram a primitiva prestação.
- Trata-se de uma prestação autónoma e actual que não visa substituir definitivamente a anterior obrigação de alimentos mas antes proporcionar ao menor, de forma autónoma e subsidiária a satisfação de uma necessidade actual de alimentos.
- A prestação a satisfazer pelo Fundo reveste a natureza de uma protecção social.
- A omissão da fundamentação de facto e de direito da sentença determina a sua anulação.

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Não tendo sido posta em causa a decisão fáctica constante de fls. 85 e 86, para a mesma se remete nos termos do art.º 713º nº 6 do CPC.


Uma vez que não está em causa o montante fixado pelo tribunal a título de prestação de alimentos à menor, teremos apenas que determinar se são ou não devidos pelo recorrente os montantes dos débitos acumulados e já vencidos.

Deverá o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, para lá do pagamento das prestações de alimentos definidas na sentença e que começam a vencer-se nesse momento, ser ainda responsabilizado pelo pagamento das prestações em
dívida vencidas anteriormente?

É abundante a jurisprudência sobre esta matéria, embora se mostre longe da unanimidade.

Dispõe o art.º 1º da Lei nº 75/98 de 19/11, que “quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em Portugal não satisfizer as quantias em dívida (...) e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação”.

E no art.º 2º nº 1 estipula-se como limite máximo mensal da pensão a quantia de 4 UC.

Nem na referida Lei nº 75/98, nem no diploma que a regulamenta, o DL 164/99 de 13/5 é referido que tal garantia abranja apenas as prestações vincendas.

Contrariamente à opinião expendida pelo recorrente, não se vislumbra, da parte do legislador, qualquer indicação limitativa das prestações consoante a sua data de vencimento. O limite existe mas apenas no tocante ao quantitativo que o Estado poderá pagar ao menor (4 UC).

O preâmbulo do DL 164/99 menciona o imperativo constitucional do direito a alimentos, entendido como o acesso a condições de subsistência mínimas, o que não pode “deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna”.

Ora um dos critérios para assegurar a intervenção do Fundo de Garantia é o incumprimento do devedor dos alimentos e tal incumprimento, como é óbvio, só se pode aferir em relação às prestações já vencidas. Em relação às vincendas apenas se poderá fazer um juízo de probabilidade, assente no anterior incumprimento e na situação sócio-económica desse devedor.

O que desencadeia pois a aplicação do DL 164/99 é o facto de existirem prestações de alimentos vencidas e não pagas e insusceptíveis de serem realizadas coercivamente, para lá, é claro, das próprias condições económicas do menor e do agregado familiar em que se integra. O Estado, visando o cumprimento dos imperativos constitucionais focados, intervém para suprir as deficientes condições de vida a que o menor tem sido sujeito.

Agora pergunta-se: tais deficiências e dificuldades têm natureza diferente consoante tenham ocorrido há um mês ou venham a ocorrer daqui a um mês? Se não houver mudança de fortuna no próprio agregado familiar do menor, o problema é exactamente o mesmo.

Até porque tais situações de extrema carência se reflectem normalmente no presente – por exemplo, acumulação de dívidas para com terceiros ou necessidades acrescidas de cuidados médicos.

A intervenção do Fundo de Garantia, relembre-se, visa suprir situações em que, como decorre do já citado preâmbulo do DL 164/99, não estão asseguradas ao menor “condições de subsistência mínimas”.

Por outro lado, como se observa no Acórdão desta Relação de Lisboa de 12/7/2001, in www.dgsi.pt, a seguir-se o entendimento do recorrente, ficaria, em certa medida, na disponibilidade deste a definição do momento em que seriam contabilizadas as prestações de alimentos em dívida: bastaria para tal recorrer ou protelar com diversos expedientes processuais o momento do trânsito em julgado da sentença.

Não se vê em que medida se poderá harmonizar uma tal concepção com o espírito e a letra do DL 164/99 que consagra uma prestação social.

No fundo seria o mesmo que dizer que durante o período de incumprimento o menor não carecia de alimentos que lhe assegurassem a subsistência mínima, embora, simultânea e contraditoriamente, a intervenção do Fundo ocorra precisamente em face da situação de carência resultante desse incumprimento.

O art.º 2006º do CC estabelece que, estando os alimentos fixados pelo tribunal ou por acordo, serão devidos desde o momento em que o devedor se constituiu em mora (salvo o caso especial do legado de prestação periódica de alimentos, art.º 2273º nºs 1 e 2 do CC).

Sendo este o regime geral e, de resto, o único compreensível, não se vê a razão de o legislador da Lei 75/98 e do DL 164/99 não ter estabelecido uma regra específica relativamente a só serem levadas em conta as prestações vincendas, se fosse esta a sua intenção.

Nem se diga que o disposto no art.º 4º nº 5 desse DL 164/99, pretende estabelecer tal especificidade. O que tal normativo refere é a data do início do pagamento pelo Fundo, não as prestações que tal pagamento envolverá.

Finalmente e no tocante à alegação relativa à preocupação de um ou vários grupos parlamentares com a dimensão do envolvimento do Estado na sociedade civil, não se vê, a partir do momento em que se decide que o Estado deverá mesmo intervir para assegurar imperativos constitucionais, a diferença da natureza de tal intervenção consoante se trate de prestações de alimentos vencidas ou vincendas ...

Assim e pelo exposto nega-se provimento ao agravo.
Sem custas.

LISBOA, 12/7/2007

António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Pais