Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ANTÓNIO VALENTE | ||
Descritores: | SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA PARTILHA DE BENS DOS EX-CÔNJUGES EFEITOS PERANTE TERCEIROS DECLARAÇÃO EXPRESSA DO CREDOR | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/28/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | - A sentença que homologou a partilha efectuada pelos ex-cônjuges entre si, partilha em que o ex-marido assumiu a dívida decorrente de contrato de mútuo celebrado com um Banco, produz efeitos apenas na relação entre os ex-cônjuges. - Não havendo declaração expressa do credor aceitando a transmissão da dívida do antigo para o novo devedor, a transmissão não tem efeito liberatório, mantendo-se a obrigação do antigo devedor solidariamente com o novo obrigado. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa : FR intentou contra Banco Comercial Português, S.A., a presente oposição à execução, alegando como fundamento, em síntese, a sua desoneração da dívida reclamada nestes autos, porquanto, no processo de partilha em que a exequente também participou, o pagamento da dívida foi assumida pelo seu ex-cônjuge. Conclui pedindo que a oposição seja julgada procedente e o exequente condenado como litigante de má fé. Contestou o exequente, pugnando pela improcedência da oposição à execução. Vindo a ser proferida decisão que julgou a oposição improcedente, ordenando o prosseguimento da execução. Foi dado como assente A) No dia 21/12/2010, e no exercício da sua actividade bancária, a exequente celebrou com FR e TR, na qualidade de mutuários, o contrato de empréstimo ILS n° 2519444062, através do qual a exequente emprestou à executada a quantia de € 26.716,24, da qual esta se confessou devedora. B) Tal acordo foi celebrado pelo prazo de 60 meses e deveria ser reembolsado em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas. C) A executada não cumpriu a totalidade das obrigações assumidas, razão pela qual, a 21 de Março de 2016, a exequente procedeu ao envio de uma carta à executada, comunicando a resolução do contrato e consequente vencimento da totalidade da dívida, reclamando o pagamento da quantia de € 35.130,96. D) Entretanto, o casamento dos mutuários foi dissolvido por divórcio, tendo-se realizado no dia 1/7/2014 a Conferência de Interessados, tendo participado nesse processo o aqui exequente, na qualidade de credor. E) Na acta da conferência de interessados consta que o ex-cônjuge da executada assumiu todo passivo, à excepção da verba n° 16 relativa a dois empréstimos contraídos para aquisição e obras da verba nº 1 junto do Banco Santander Torra, num valor de € 99.000,00. F) A partilha foi homologada por sentença que transitou em julgado no dia 07/03/2016. Inconformada recorre a oponente, concluindo que: - A douta sentença proferida decidiu "julgar totalmente improcedente, por não provada, a oposição à execução deduzida por FR contra Banco Comercial Português, S.A., devendo os autos da acção executiva prosseguirem os ulteriores termos. No mais, absolve-se a exequente do pedido de condenação por litigância de má fé que foi deduzido pela opoente" - Carece de razão o Tribunal a quo uma vez que, a Exequente-Recorrida estava presente no referido processo de inventário, enquanto interessada. - Ora, a Exequente foi notificada a 3/12/2015 do Mapa de Partilhas, nada tendo dito ou requerido, e posteriormente, a 1/02/2016 da Sentença, pelo que não pode igualmente proceder a alegada falta de intervenção no processo de inventário. (Conf. docs 1 e 2). - Pelo que, salvo melhor entendimento, a matéria que constava dos Autos não permitia um imediato conhecimento da causa, sendo necessária a produção de prova. - Ao recusar a produção de prova, a aliás douta, sentença veio a pôr em causa o Mapa de Partilhas homologado por Sentença no Juízo Local Cível de Lisboa no processo 713/13.7TJLSB-D no qual a Exequente era interveniente, teve conhecimento e ao qual não manifestou qualquer oposição. - Tendo sido homologado mapa de Partilhas, no decurso do processo de partilha, onde constava como credor interessado a Exequente, e cumprindo-se o estipulado no artigo 1406.°, número 1 alínea c) do antigo CPC, na altura em vigor, foram os credores interessados, onde se inclui a ora Exequente, devidamente notificados para que, querendo, reclamarem da partilha de bens efectuada, o que não sucedeu. - Pelo que, não tendo sido apresentada qualquer reclamação por parte da ora Exequente nos termos do n° 2 do art. 1379º do Antigo CPC e passando o crédito a ser da exclusiva responsabilidade do seu ex-cônjuge, a dívida terá sempre que ser atribulada ao seu ex-Cônjuge e não à Executada, ora Recorrente. - Existindo, por isso, má-fé da parte da Recorrida ao lançar mão de um processo do qual tem conhecimento ser manifestamente infundado por falta de legitimidade da Recorrente, que não é parte no crédito. - Ao decidir como decidiu, o Mmo Juiz a quo, pôs em causa, não apenas uma sentença transitada em julgado bem como o vertido no número 2 do art. 1379.° e al. c) do nº 1 do art. 1406.° do Antigo CPC, então em vigor. A exequente contra-alegou sustentando a bondade da decisão recorrida. Cumpre apreciar. A questão que se coloca é a de saber se a executada continua obrigada ao pagamento da quantia exequenda, oriunda de um contrato de mútuo, depois de, em processo de inventário subsequente ao divórcio, o ex-cônjuge ter assumido a obrigação de pagamento de tal dívida. A dívida exequenda resulta de um contrato de mútuo celebrado entre a executada e o exequente, ascendendo o incumprimento a € 35.130,06. A ora oponente aceita o montante e natureza da obrigação exequenda bem como o título que a incorpora. Entende contudo que a trnsmissão de dívida operada no inventário, modificou a relação obrigacional em termos subjectivos, sendo agora o devedor o seu ex-marido que assumiu a dívida. Nos termos do art. 595º nº 1 a) do Código Civil, “a transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor”. Contudo, a transmissão só é liberatória, ou seja, só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor nesse sentido. Caso tal declaração expressa não exista, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado – art. 595º nº 2. No caso em apreço parece manifesto que não existiu qualquer declaração expressa do Banco exequente no sentido de exonerar a ora executada da responsabilidade pela dívida. Alega todavia a exequente que no processo de partilha subsequente ao divórcio, a meação dos bens que passam a integrar a esfera do seu ex-cônjuge compreende o crédito feito junto da exequente. Além disso, o Banco exequente consta como credor interessado em tal processo de partilha, tendo sido devidamente notificado para querendo, reclamar da partilha de bens efectuada, o que não fez. Tendo sido homologada a partilha por sentença transitada em julgado, a obrigação exequenda passa a ser inexequível contra a ora oponente. Diremos desde já que, em nosso entender, não assiste qualquer razão à recorrente. É que, no processo de inventário não se procedeu a uma modificação subjectiva do devedor do crédito mutuado, continuando responsáveis pelo cumprimento do mesmo os mutuários. O facto de no inventário a meação dos bens que passaram a integrar a esfera do ex-marido incluir o crédito mutuado, tem efeitos apenas no âmbito das relações entre os meeiros e não nas relações externas. O escopo do processo de inventário em causa, é o de obter a divisão consensual dos bens entre os ex-cônjuges, produzindo efeitos apenas na relação que se estabelece entre ambos. Daí que o caso julgado da sentença homologatória abranja os efeitos da partilha entre os ex-cônjuges, efeitos esses que a sentença aqui recorrida em nada beliscou. Por outro lado, para que a transmissão singular de dívidas de um antigo para um novo devedor exonere o antigo devedor, ela carece, como vimos, de declaração liberatória expressa do credor, ou pelo menos, de aceitação expressa da transmissão da dívida de um para outro devedor. O art. 595º nº 2 do Código Civil não permite quaisquer dúvidas e nesse sentido tem vindo a ser interpretado pela quase totalidade da doutrina e jurisprudência. Mencione-se a título de exemplo, o acórdão desta Relação de Lisboa, de 18/11/1986, CJ 1986, T. V, pág. 121: “A assunção e a transmissão de dívida só é liberatória e exonera o primitivo devedor quando haja declaração expressa nesse sentido, não bastando a simples ratificação tácita”. No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 21/09/1995, CJ/STJ, 1995, T. 3º, pág. 18. Na doutrina, podemos citar as seguintes considerações de Almeida Costa - “Direito das Obrigações”, pág. 572: “Em qualquer das modalidades admitidas, a transmissão só exonera o antigo devedor desde que haja declaração expressa do credor. Na falta dela, aquele responde solidariamente com o novo obrigado. “Nada impede que a adesão ou ratificação do credor seja também tácita, tratando o novo obrigado como devedor (por exemplo, accionando-o, aceitando dele o pagamento de juros ou de parte da dívida). Já assinalámos, contudo, que só na hipótese de o credor exonerar o antigo devedor – quer dizer, apenas havendo uma assunção liberatória de dívida – é que se verifica uma autêntica transmissão do débito. Caso contrário, opera-se uma simples adesão ou adjunção à dívida, pois o devedor originário responde solidariamente com o novo obrigado”. Nos termos do art. 217º nº 1 do CC a declaração negocial é expressa qundo feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade. Tal declaração nunca foi feita pela que a transmissão singular de dívidas não pode ter o efeito liberatório pretendido pela executada. Quanto à questão da má fé do exequente. Como parece patente face ao que acabámos de dizer, a exequente não deduziu pretensão manifestamente infundada. A execução assenta em título executivo válido e é dirigida contra a ora recorrente que não se acha exonerada da dívida nos termos do art. 595º do CC. Conclui-se assim que: – A sentença que homologou a partilha efectuada pelos ex-cônjuges entre si, partilha em que o ex-marido assumiu a dívida decorrente de contrato de mútuo celebrado com um Banco, produz efeitos apenas na relação entre os ex-cônjuges. – Não havendo declaração expressa do credor aceitando a transmissão da dívida do antigo para o novo devedor, a transmissão não tem efeito liberatório, mantendo-se a obrigação do antigo devedor solidariamente com o novo obrigado. Termos em que se julga a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente. LISBOA, 28/6/2018 António Valente Ilídio Sacarrão Martins Teresa Prazeres Pais |