Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5133/19.7T8SNT.L1-4
Relator: DURO MATEUS CARDOSO
Descritores: DOENÇA PROFISSIONAL
DIAGNÓSTICO INEQUÍVOCO
CESSAÇÃO DE EXPOSIÇÃO AO RISCO
DATA DE CERTIFICAÇÃO DA DOENÇA
REMUNERAÇÃO DE REFERÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/24/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A SENTENÇA
Sumário: I- Fazendo a vítima prova que a sua doença está inscrita na lista oficial de doenças profissionais e que esteve exposta por força da natureza e condições do trabalho efectuado à acção dos agentes nocivos enunciados enumerados na mesma lista constitui-se presunção ilidível de imputabilidade da doença ao trabalho.
II- A data correspondente ao diagnóstico inequívoco da doença determina a data de início de pagamento da PAV.
 III- A determinação da retribuição de referência que serve para o cálculo dos montantes das prestações devidas em caso de incapacidade resultante de doença profissional implica a consideração de dois momentos, a data da cessação da exposição ao risco, ou a data da certificação da doença que determine incapacidade, se for anterior.
IV- A data da certificação da doença corresponde à data do 1º diagnóstico inequívoco da doença e a data da cessação da exposição ao risco corresponde à data em que a vítima deixou de exercer as tarefas que implicaram o aparecimento da doença de que padece.
 (Elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I- AAA, intentou no Juízo do Trabalho De Sintra a presente acção declarativa de condenação, com processo especial, emergente de doença profissional, CONTRA,
DEPARTAMENTO DE PROTECÇÃO CONTRA RISCOS PROFISSIONAIS DO INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL.
II- PEDIU a condenação da ré, no seguinte:
a) Reconhecer que a Autora sofre de doença profissional;
b) Que as suas lesões são resultantes diretamente do exercício das funções da sua categoria profissional;
c) A pagar-lhe uma pensão anual e vitalícia, a calcular em função do grau de incapacidade para o seu trabalho habitual que lhe vier a ser fixado por junta médica, acrescida de juros moratórios.
III- ALEGOU, em síntese, que:
- Exerce, há mais de 20 anos, as funções compreendidas na categoria profissional de Motorista/Maqueiro;
- Funções essas que exigem, diariamente e diversas vezes ao dia, a repetitividade e aplicação de força dos membros superiores;
- Em 3013, quando auxiliava no transporte de um doente em cadeira de rodas, escorregou numa rampa de acesso a um edifício e caiu, embatendo com o membro superior direito no chão;
- A Seguradora para a qual foi transferida a responsabilidade de tal sinistro declinou a sua responsabilidade considerando que a patologia apresentada pela autora não tinha nexo com acidente de trabalho;
- Acompanhada pela sua médica assistente do Centro de Saúde, e depois de ter sido submetida a tratamento cirúrgico de epicondilite, foi efetuada a participação obrigatória de doença profissional 23 de janeiro de 2017, como Doença Profissional Presumível: “EPICONDILITE E TENDINITE DO COTOVELO E BRAÇO DRT” o que não foi aceite pela Segurança Social.
- Em consequência de tal doença ficou impossibilitada de exercer as funções de maqueira;
- Aufere a retribuição base de € 620,00 a que acresce diuturnidades de €42,00.
IV- A ré foi citada e CONTESTOU, dizendo, no essencial, que em relação à autora não se mostra caracterizada a existência de doença profissional, não existindo sequer nexo de causalidade com o serviço que a autora executava.
V- Foi proferido despacho saneador e estabeleceu-se a Matéria de Facto Assente bem como a Base Instrutória.
Determinou-se a abertura de apenso de Incidente para Fixação de Incapacidade em que veio a ser proferida decisão que se fixou à autora uma IPP de 1,5% (1%x1,5) desde 23/01/2017, com IPATH.
O processo seguiu os termos e foi proferida sentença em que se julgou pela forma seguinte:
3-DECISÃO
Face ao exposto julga-se a ação procedente, por provada e consequentemente:
a) Declara-se que a Autora sofre de doença profissional: Epicondilite do cotovelo
direito;
 b) Condena-se o Réu a prestar ao Autor todos os cuidados médicos e medicamentosos de que careça ou venha a carecer.
c) Condena-se o Réu a pagar à Autora uma pensão anual e vitalícia de € 4.661,81 (quatro mil seiscentos e sessenta e um euros e oitenta e um cêntimos), devida desde 23/01/2017, acrescida do subsídio por situação de elevada incapacidade no montante de € 3.918,00 (três mil novecentos e dezoito euros.”
Dessa sentença, a ré interpôs recurso de Apelação apresentando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto da douta Sentença do Tribunal a quo, proferida no Processo Principal, que decidiu julgar procedente a ação e, em consequência: “a) Declara-se que a Autora sofre de doença profissional: Epicondilite do cotovelo direito; b) Condena-se o Réu a prestar à Autor todos os cuidados médicos e medicamentosos de que careça ou venha a carecer; c) Condena-se o Réu a pagar à Autora uma pensão anual e vitalícia de € 4.661,81 (quatro mil seiscentos e sessenta e um euros e oitenta e um cêntimos), devida desde 23/01/2017, acrescida do subsídio por situação de elevada incapacidade no montante de € 3.918,00 (três mil novecentos e dezoito euros).”
2. E ainda da douta sentença do Tribunal a quo proferida no Processo Apenso, de Fixação da Incapacidade para o Trabalho, que decidiu fixar à Autora, uma: “IPP de 1,5% (1%x1,5) desde 23/01/2017, com IPATH”
3. Sucede que, para assim decidir, afigura-se-nos que a Mmª. Juíza do Tribunal de Trabalho de Sintra, incorreu numa errada apreciação da prova e na sua valoração e na interpretação dos factos e do direito, daí se justificando a interposição do presente recurso.
4. Face aos factos provados no âmbito dos presentes autos, entendeu o Tribunal a quo, considerar que a Autora sofre de doença profissional: Epicondilite do cotovelo direito, facto com o qual o Recorrente não poderá concordar.
5. Em 03/07/2020, foi realizado o exame por junta médica, pelas peritas nomeadas pela examinanda, pelo responsável e pelo Tribunal, no apenso de Fixação da Incapacidade para o Trabalho, tendo resultado do mesmo o seguinte: ”Após resposta aos quesitos, pelas peritas médicas, em representação do Tribunal e em representação da responsável é dito que concordam com a valoração de 1% proposta pela perita em representação da beneficiária, mas entendem que esta não é atribuível a uma doença profissional.
6. Dos esclarecimentos prestados pelas peritas médicas, em sede de Audiência de Julgamento, resultou, designadamente do depoimento da Perita que representa o Tribunal, Dra. (…) “Neste momento ainda não temos um diagnóstico de doença profissional (…) não tem a patologia instalada (…) Ela teve um processo inflamatório, mas depois ultrapassou, porque senão não tinha os movimentos. (…) Existe a dor que ainda não levou a uma situação de incapacidade (…) Quando temos uma situação de doença profissional, há alterações anatómicas que se instalam (…) Ou seja, neste caso se tivesse a doença profissional instalada, ela não tinha os movimentos (…)”
7. Por maioria, das peritas, foi considerado que a Autora embora tivesse dor, não padecia de doença profissional.
8. Apesar dos esclarecimentos prestados pelas peritas médicas, o Tribunal a quo proferiu sentença nos termos já referidos, ou seja, a Autora sofre de doença profissional.
9. O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, desconsiderou a prova produzida através do exame de junta médica e dos esclarecimentos prestados pelas peritas médicas, em sede de Audiência de Julgamento, que por maioria, consideraram não existir doença profissional.
10. Apenas, valorando a prova produzida em Audiência de Julgamento pelas testemunhas apresentadas pela Autora.
11. Contudo, atendendo apenas ao depoimento das testemunhas, não se pode concluir com toda a certeza e segurança jurídica necessária, como o douto Tribunal a quo concluiu: “que a Autora sofre de doença profissional”
12. Atento o facto que, em face dos esclarecimentos prestados pelas peritas, designadamente pela Perita médica, que representa o Tribunal, Dra. (…), foi possível concluir que a Autora não sofre de doença profissional “(…) Ou seja, daqui decorre necessariamente que a Autora embora tenha uma dor, a mesma não reveste a forma de doença profissional (…)”
13. Uma vez que conforme explicou a própria, essa sequela (dor) tem que estar instalada para ser considerada doença profissional, afetando os seus movimentos, o que segundo os esclarecimentos das próprias não se verificou.
14. Resultou claramente provado, sem margem para dúvidas, que os problemas de saúde da Autora efetivamente não resultaram de doença profissional.
15. Prova mais do que suficiente que permite concluir que a Autora não padece de doença profissional.
16. Pelo que, no modesto entender do recorrente o douto Tribunal a quo, errou na apreciação da prova e na sua valoração.
17. E, por isso, deve a sentença recorrida ser substituída por sentença que considere totalmente improcedente o pedido formulado pela Autora, absolvendo o Réu do pedido.
18. No entanto, por mera cautela e caso assim não se entenda;
19. Face aos factos provados no âmbito dos presentes autos, entendeu ainda o Tribunal a quo, considerar para efeitos de cálculo da pensão anual e vitalícia, o valor da remuneração de referência no montante de € 9.268,00, valor relativamente ao qual não poderá o Recorrente concordar.
20. De acordo com o nº 1 do artigo 111.º da Lei nº 98/2009, de 04 de setembro “Na reparação de doença profissional, a retribuição de referência a considerar no cálculo das indemnizações pensões corresponde à retribuição anual ilíquida devida ao beneficiário nos 12 meses anteriores à cessação da exposição ao risco, ou à data da certificação da doença que determine incapacidade, se esta a preceder”.
21. Da matéria factual resulta que foi considerado provado o seguinte: “32. A Autora aufere a retribuição base de € 620,00 a que acresce diuturnidades de € 42,00 AF). 40. Em sede de incidente de fixação de incapacidade foi proferida decisão considerando-se a Autora afetada de IPP de 1,5% (1%x1,5), desde 23/01/2017, com IPATH.”
22. Ora, o Tribunal a quo, na sentença proferida no Incidente de Fixação de Incapacidade para o Trabalho, fixou à Autora: “IPP de 1,5% (1%x1,5) desde 23/01/2017, com IPATH.”
23. O Tribunal a quo considerou como data atendível, para o cálculo das pensões, a data de 23/01/2017, que corresponde à data da entrega pela Autora da participação obrigatória.
24. Ora, não podemos concordar, com a data indicada pelo Tribunal, uma vez que a atribuição da pensão de IPATH, tem efeitos à data da cessação de exposição ao risco, data esta que não se encontra comprovada no Processo.
25. Dos factos considerados como provados, não se consegue alcançar, a partir de que data concreta, a Autora foi afastada da exposição ao risco.
26. Assim, terá que ser comprovado pela Entidade Patronal da Autora, a data concreta em que a mesma, deixou de exercer tais funções, cessando a sua exposição ao risco.
27. Sendo certo que de acordo com o estabelecido na alínea c) do artigo 136.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, não é cumulável a retribuição resultante da atividade profissional com a pensão de IPATH, desde que a retribuição decorra do exercício do mesmo trabalho ou atividade sujeita ao risco da doença profissional em relação à qual é pensionista.
28. O período de referência a considerar, para o cálculo da pensão, será correspondente aos 12 meses anteriores à data a comprovar pela Entidade Patronal da Autora.
29. Ora, não constando do Processo qualquer elemento que nos permita verificar, a data da cessação da exposição ao risco pela Autora, não podia o Tribunal a quo, sem este elemento essencial, determinar qual era a remuneração de referência, uma vez que esta será correspondente aos 12 meses anteriores à data não apurada e que se desconhece.
30. E muito menos apurar o cálculo da remuneração ilíquida anual, como o fez.
31. Nestes termos, deverá o Tribunal a quo, solicitar o documento comprovativo da data da cessação à exposição ao risco à entidade patronal da Autora, e posteriormente apurar a remuneração de referência.
32. Pois, só com estes elementos essenciais, poderá obter o cálculo das pensões em causa.
33. Pelo que, no modesto entender do recorrente o douto Tribunal a quo, errou na apreciação da prova e na aplicação do direito ao caso concreto.
34. Para tanto, o recorrente requer a V. Exas. o deferimento do presente recurso e requer a renovação da produção da prova, nos termos do artigo 662º do Código de Processo Civil (CPC).
Termos em que, e com o sempre douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência revogar-se a douta sentença recorrida, devendo ser substituída por sentença que considere a ação totalmente improcedente, absolvendo o Réu do pedido;
Caso assim, não se entenda, deverá revogar-se parcialmente a douta sentença recorrida, devendo ser substituída por sentença que estabeleça como data, para aferir o cálculo das pensões, a data da cessação da exposição ao risco pela Autora, que terá sempre que ser comprovada pela sua Entidade Patronal.
Com o que, uma vez mais, se fará a costumada Justiça!
A autora contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Correram os Vistos legais, tendo o Digno Procurador Geral-Adjunto do Ministério Público emitido Parecer (fols. 199 a 120 v.) no sentido de ser negado provimento ao recurso.
VI- A matéria de facto considerada provada em 1ª instância, é a seguinte:
1- A participação obrigatória de doença profissional foi feita a 23 de Janeiro de 2017, pela médica assistente da Autora, a Dra. (…), para o Departamento de Proteção Contra Riscos Profissionais.
2- Da participação obrigatória consta como Doença Profissional Presumível: “EPICONDILITE E TENDINITE DO COTOVELO E BRAÇO DRT”.
3- A 6 de dezembro de 2018, a Autora foi notificada da intenção de indeferimento do requerimento relativo a Pensão por Incapacidade Permanente para o Trabalho, com o fundamento :“Não estar afetado por doença caracterizada como doença profissional ou não ter estado exposto ao risco pela natureza da industria, atividade ou condições, ambiente e técnicas do trabalho habitual (artigos 95º e 105º da Lei nº 98/2009).
4- No dia 23 de janeiro de 2019, o Departamento de Proteção Contra Riscos Profissionais, notificou a Autora nos seguintes termos: “informamos que de acordo com o parecer do perito médico deste Departamento as queixas que a beneficiário(a) AAA apresenta não são de origem profissional. O relatório e demais documentação que envia no seu e-mail já constam do processo pelo que já foram objeto de avaliação clínica. Para contestar tal decisão, deverá a beneficiária apresentar novos exames médicos que justifiquem a sua pretensão.”.
5- Na carta datada de 1 de março de 2019, o Departamento de Proteção Contra Riscos Profissionais, notificou a Autora nos seguintes teremos: “informamos que a sua doença foi avaliada a partir de observação médica e dos elementos clínicos constantes no seu processo. De acordo com o parecer do perito médico, as queixas que apresenta não são de origem profissional, razão pela qual o seu processo foi indeferido.”.
6- O Departamento de Proteção Contra Riscos Profissionais não foi efetuada uma avaliação clínica da Autora.
7- No exercício das funções de maqueira Autora tinha que realizar diariamente, e diversas vezes ao dia:
a) A condução de veículos de emergência médica;
b) Levantar, deitar, posicionar o utente vítima de acidente de viação ou que esteja doente e que necessite de ser transportado, de urgência, à unidade hospitalar;
c) Fazer o suporte básico de vida, quando necessário, perante qualquer emergência médica;
d) Subida e descida de vãos de escada com utentes em cadeiras de rodas, nos prédios onde não existem elevadores;
e) Transporte de utentes em macas, e a sua transferência entre macas;
f) Colocar e retirar utentes em cadeiras de rodas dentro dos veículos de emergência médica ou de transporte de doentes não urgentes;
g) Guardar e retirar a maca com o utente dentro do veículo de emergência médica.
8- A Autora diariamente e diversas vezes ao dia teve que subir e descer vários vãos de escadas, transportando a maca e as malas de emergência médica, utilizando para o efeito os membros superiores.
9- Suportando o peso daquelas (maca e as malas de emergência médica) nos seus membros superior e realizando movimentos de pressão e flexão destes.
10- Nas situações de pré-hospitalar, a Autora geriu os pesos e as morfologias das vítimas, algumas de idade avançada com graves problemas de mobilidade e com problemas de obesidade, as quais vivendo em prédios sem elevador, tendo o transporte da sua habitação até à ambulância ser efetuado por maca.
11- A Autora descia escadas com a maca e o utente deitado na mesma.
12- A Autora empurrava utentes em cadeira de rodas, em movimento constante e repetitivo, muitas vezes em piso irregular.
13- Nas situações de desencarceramento, a Autora era obrigada a suportar pelos seus membros superiores o peso dos diversos materiais utilizados para o efeito.
14- Para deitar e posicionar corretamente a vítima, a Autora tinha que efetuar movimentos coordenados de flexão, torção e rotação dos membros superiores.
15- A colocação e retirada das macas e cadeiras de rodas, de dentro para fora do veículo de emergência médica, e vice versa, exigiram à Autora a aplicação de força física dos seus membros superiores.
16- E sobrecarga nas mãos e braços, nas suas bainhas tendinosas.
17- Na realização de suporte básico de vida através da realização de compressões cardio-respiratórias e estabilização da cabeça a Autora efetuava movimento de flexão, torção e rotação dos seus membros superiores.
18- Na realização da manobra de heimlich a Autora tinha que:
a) Posicionar-se por detrás da vítima, envolvendo-a com os braços;
b) Fechar uma das mãos, com o punho bem fechado e o polegar por cima, e posicioná-la na região superior do abdômen, entre o umbigo e o a caixa torácica;
c) Colocar a outra mão sobre o punho fechado, agarrando-o firmemente;
d) Puxar com força ambas as mãos para dentro e para cima.
e) Repetir a manobra até 5 vezes seguidas, observando se o objeto foin expelido e se a vítima respira.
19- Na manobra de Heimlich, quando a vítima estava desmaiada, que é feita deitando-se a vítima sobre uma superfície plana e dura, a Autora tinha que:
a) Sentar-se de frente para a vítima, sobre sua bacia ou pernas;
b) Posicionar as mãos abertas, uma sobre a outra na região superior do abdômen, próxima ao tórax;
c) Fazer uma forte pressão para dentro e para cima, utilizando o peso do corpo, e repetir quantas vezes forem necessárias.
d) Todas as referidas funções exigem, simultaneamente, repetitividade e aplicação de força pelos membros superiores.
20- A Autora realizava manobras de reanimação cardiopulmonar (RCP) ou reanimação cardiorrespiratória (RCR) que exigiam a realização dos seguintes procedimentos:
a) Colocação da vítima deitada de costas sobre superfície dura em decúbito dorsal;
b) Colocação das mãos sobrepostas na metade inferior do esterno com os braços estendidos;
c) Os dedos devem ficar abertos e não tocam a parede do tórax;
d) Fazer a seguir uma pressão, com bastante vigor, para que se abaixe o esterno cerca de 5 cm, comprimindo o coração de encontro à coluna vertebral;
e) Descomprimir em seguida.
f) A manobra deve ser iniciada com 30 compressões cardíacas, depois fazer duas respirações e repetição do ciclo totalizando 5 ciclos, quando se deve alternar o socorrista para fins de conservar a qualidade das compressões. A RCP deve continuar até que o ritmo cardíaco/respiratório se restabeleça ou até o socorro chegar.
21- No dia 4 de março de 2013, a Autora prestava o seu trabalho de maqueira socorrista sob as ordens e direção da sua entidade patronal.
22- E quando auxiliava no transporte de um doente em cadeira de rodas, a Autora escorregou numa rampa de acesso a um edifício e caiu, embatendo com o membro superior direito no chão.
23- A Autora fora assistida no Centro Hospitalar de Torres Vedras, tendo sido medicada.
24- A entidade patronal da Autora participou no dia 5 de março de 2013 à companhia de (…), para quem havia transferido a responsabilidade por acidente de trabalho.
25- No dia 24 de Julho de 2013, a seguradora (…) declinou a sua responsabilidade considerando que a patologia apresentada pela autora não tinha nexo com o pretenso acidente de trabalho.
26- A Autora continuando a sofrer com dores dirigiu-se à sua médica assistente do Centro de Saúde, a qual prescreveu-lhe tratamentos de fisioterapia, os quais foram efetuados de 26 de julho a dezembro de 2013.
27- A médica assistente encaminhou, ainda, a Autora para consulta de especialidade no Serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar de Torres Vedras, a qual foi efetuada no dia 1 de abril de 2014 .(AA)
28- No dia 28 de julho de 2014, a Autora foi submetida a tratamento cirúrgico de epicondilite.
29- A Autora não tem história clínica de patologia tendinosa.
30- Na sequência dos factos referidos em 27) correu termos neste Juízo do Trabalho, sob o nº 22083/13.3T2SNT, J3, a ação emergente de acidente de trabalho, constando da sentença aí proferida: “da factualidade dada como provada resulta que a Autora apresenta um quadro de epicondilite, que se caracteriza por ser uma tendinopatia crónica dos extensores dos dedos. Tais lesões resultam de doença profissional e não têm natureza traumática, mas degenerativa”.
31- Consta do auto de exame médico efetuado à Autora durante a fase conciliatória do processo de acidente de trabalho, de 2-04-2013 que: “realizou ressonância Magnética do cotovelo direito (meados de julho de 2013, segundo a sinistrada) que terá revelado (citando de fls. 27) “normal; sem lesões osteocondral ligamentar ou tendinosa, sem bursites sem lesão traumática. Portanto na minha opinião não tem etimologia traumática, mas sim epicondilite que deverá ser considerada doença profissional Envia-se para Centro de Saúde
32- A Autora aufere a retribuição base de € 620,00 a que acresce diuturnidades de €42,00.
33- A Autora exerce, há mais de 20 anos, as funções compreendidas na categoria profissional de Motorista/Maqueiro.
34- E exerce tais funções na Associação de Socorros da Freguesia da Encarnação.
35- No exercício das funções de Motorista/Maqueiro, a Autora deixou de poder efetuar o transporte de utentes a consultas e a fisioterapia sem ser acompanhada por outro profissional.
36- Porque não tem força suficiente nos membros superiores, em especial, no braço direito, que lhe permita efetuar, com segurança, o transporte dos utentes.
37- A Autora deixou de pode fazer suporte básico de vida (compressões cardio-respiratórias, estabilização da cabeça e manobra de heimlich) a um doente/utente que o necessite.
38- Tal impossibilidade ocorre desde da data da sua alta, no processo de acidente de trabalho.
39- A Autora apresenta um quadro de epicondilite.
40- Em sede de incidente de fixação de incapacidade foi proferida decisão considerando-se a Autora afetada de IPP de 1,5% (1% x 1,5) desde 23/01/2017, com IPATH.
VII- Nos termos dos arts. 684º-3, 690º-1, 660º-2 e 713º-2, todos do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.
Tratando-se de recurso a interpor para a Relação, como este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (v. Fernando Amâncio Ferreira, "Manual dos Recursos em Processo Civil", 3ª ed., pag. 148).
Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, as questões que fundamentalmente se colocam no presente recurso são as seguintes:
A 1ª, se a matéria de facto dada como provada pode ser alterada.
A 2ª, se a autora não padece de doença profissional.
A 3ª, a considerar-se a existência de doença profissional, os autos não contêm ainda todos os elementos para se poder calcular a retribuição de referência por não se saber a data em que cessou a exposição ao risco.
VIII- Decidindo.
Quanto à 1ª questão.
Decorre das alegações e conclusões de recurso apresentadas pela ré que a mesma parece considerar ter o Tribunal a quo incorrido numa errada apreciação da prova e na sua valoração, desconsiderando-a sendo que a prova produzida permitiria concluir que a autora não padece de doença profissional.
Verifiquemos então se há lugar à alteração da matéria de facto considerada pelo tribunal de 1ª instância, como pretendido pela ré.
No que toca à impugnação da decisão da matéria de facto dispõe o art.º 640º do CPC, no seu n º1: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
nº 2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.”
A reapreciação da matéria de facto só pode ser feita, consequentemente, em relação aos segmentos das alegações (por referência às respectivas conclusões que mencionem a intenção de reapreciação de pontos concretos da matéria de facto) que respeitem o estatuído no art. 640º do CPC.
Ora quer das alegações, quer das conclusões de recurso, a apelante não identifica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, como não indica os concretos meios probatórios constantes do processo ou da gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e muito menos indica qual a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Como não indica com exactidão quaisquer momentos da gravação em que se funda.
Assim, nos termos do art. 640º-1 do CPC, rejeita-se a pretendida impugnação da matéria de facto.
*
Resulta do doc de fols. 23 a 26 dos autos que no P.  de Acidente de Trabalho nº 22083/13.3T2SNT foi proferida decisão em que se considerou a autora curada sem desvalorização, desde a data da alta, 24/3/2013.
Assim, nos termos do art. 662º-1 do CPC, ao conjunto dos factos provados adita-se um novo com o nº 41 e a seguinte redacção: “No Processo nº 22083/13.3T2SNT referido em 30) e 31), foi considerado como data da alta o dia 24/3/2013
Quanto à 2ª questão.
Defende a apelante que a autora não padece de doença profissional. Como esclarece Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed. Almedina, pag. 140, doenças profissionais são as “provocadas por agentes nocivos a que os trabalhadores, por força da sua função laboral, estão habitual ou continuamente expostos, no local e no tempo em que desempenham essa função.”
Nos termos do art, 283º-2-3 do CT/2009, as doenças profissionais constam da lista organizada e publicada no Diário da República, sendo que a lesão corporal, funcional ou a doença não incluídas naquela lista são indemnizáveis desde que se prove serem consequência, necessária e directa, da actividade exercida e não representem normal desgaste do organismo. Assim também constando do art. 94º da Lei nº 98/2009 de 4/9.
Ora era já exactamente este o sistema existente no art. 27º da LAT/97. E a propósito, Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed. Almedina, pag. 142, explicava que “O sistema adoptado pelo legislador português enquadra-se, claramente no sistema misto, na medida em que, em relação às afecções constantes da lista oficial, a vítima não tem que fazer prova do nexo de causalidade entre a contracção da doença e a natureza do trabalho; mas tem de fazer essa prova em relação a todas as afecções que não constem da listagem.”
E acrescentava a fols. 144, relativamente às doenças constantes da lista oficial, que “em primeiro lugar a vítima deve trazer a prova de que, por um lado, a sua enfermidade está inscrita na lista de doenças e, por outro lado, esteve exposta, por força da natureza e condições do trabalho efectuado, à acção dos agentes nocivos que a própria lista também enumera.
A prova destes dois factos determina uma presunção de imputabilidade da doença ao trabalho, a qual, todavia, pode ser ilidida. Mas, para que isso aconteça. Torna-se necessário demonstrar que a doença de que a vítima padece é devida a causa estranha ao agente nocivo a que esteve exposta.”
Ora no caso dos autos é pacífico e patente que a autora padece de epicondilite, tendo até sido submetida a tratamento cirúrgico à mesma (factos provados nºs 28, 30, 31 e 39) e que a epicondilite é uma das doenças que constam da Lista oficial, como resulta do Dec.-Reg nº 6/2001 de 5/5 com as alterações introduzidas pelo Dec.-Reg nº 76/2007 de 17/7 e Código 45-02, sendo fatores de risco a “Sobrecarga sobre bainhas tendinosas, tecidos peritendinosos, inserções tendinosas ou musculares, devida ao ritmo dos movimentos, à força aplicada e à posição ou atitude de trabalho”, podendo ser resultado de “Todos os trabalhos que determinem sobrecarga sobre bainhas tendinosas, tecidos peritendinosos, inserções tendinosas ou musculares” e que, como bem se assinala na sentença recorrida, “tais como trabalhos que exijam movimentos frequentes e rápidos dos membros, que sejam realizados em posições articulares extremas que exijam simultaneamente repetitividade e aplicação de forças pelos membros superiores ou que exijam um a cadencia”.
Percorrendo os factos provados nºs 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 33 conclui-se sem dificuldade que a autora “esteve exposta, por força da natureza e condições do trabalho efectuado, à acção dos agentes nocivos que a própria lista também enumera” e, como se viu, padece de doença constante da lista pelo que está verificada a presunção, embora ilidível, de imputabilidade da doença ao trabalho da autora.
Como quem beneficia de uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (art. 350º do CC) e a ré não logrou ilidir essa presunção, o que se retira do conjunto dos factos provados onde não se encontra nenhum que permita concluir que a doença de que a autora sofre não era devida à natureza do trabalho que executava, e cujo ónus probatório incumbia à ré (art. 344º-1 do CC) ficou estabelecido por presunção legal que a autora padece de doença profissional.
Quanto à 3ª questão.
Considera a apelante ser necessário apurar em que data a autora deixou de estar exposta o risco para se possa determinar a retribuição de referência, que por sua vez serve para o cálculo dos montantes das prestações devidas em caso de incapacidade resultante de doença profissional (art. 110º da Lei nº 98/2009 de 4/9).
Nos termos do art. 111º-1 da mesma Lei nº 98/2009 de 4/9, à semelhança do que era no art. 37º da Lei nº 248/99 de 2/7, a retribuição de referência a ter em conta no cálculo das indemnizações e pensões corresponde à retribuição anual ilíquida devida ao beneficiário nos 12 meses anteriores à cessação da exposição ao risco, ou à data da certificação da doença que determine incapacidade, se esta a preceder.
Temos, portanto, dois momentos possíveis para a contabilização da retribuição anual ilíquida, a data da cessação da exposição ao risco ou a data da certificação da doença, se for anterior àquela.
Diz-nos Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed. Almedina, pag. 145, quanto à data da certificação da doença, que “A data do primeiro diagnóstico inequívoco da doença equivale, para os vários efeitos de reparação à data do acidente de trabalho. Dada a característica normalmente lenta e insidiosa da contracção da doença, aquela data é a única segura para os referidos efeitos. Esse diagnóstico, não tem que resultar feito perante ou por entidades oficiais (tribunais ou serviços públicos de saúde) mas pode ser feito e registado por qualquer pessoa ou entidade qualificada para um diagnóstico médico legalmente válido.”
Retira-se do facto provado nº 1 que a data correspondente ao diagnóstico inequívoco da doença foi o dia 23/1/2017, data esta que foi considerada, e bem, na sentença recorrida como a data de início de pagamento da PAV.
Falta, todavia, apurar se a data de exposição ao risco cessou antes de 23/1/2017 para que se possa determinar qual a correcta retribuição de referência a utilizar para os cálculos, uma vez que na sentença recorrida os cálculos foram feitos considerando a retribuição base de € 620,00 e diuturnidades de € 42,00 (facto provado nº 32), a qual como se retira dos docs. de fols. 17 v., 18 e 31, até é superior ao que a autora auferia em Março ou Julho de 2017.
Atentando nos factos provados nºs 35, 36, 37, 38 e 41, concluiu-se que a autora passou a estar impossibilitada de exercer as tarefas que implicaram o aparecimento da doença de que padece desde 24/3/2013 e, consequentemente, ao deixar de realizar tais tarefas deixou igualmente de estar sujeita ao risco inerente.
Como esta data de 24/3/2013 é anterior àquela outra da certificação da doença (23/1/2017), para se apurar a retribuição de referência é preciso saber-se quais as remunerações auferidas pela autora nos doze meses anteriores a 24/3/2013, apenas existindo nos autos, do ano de 2012 ou 2013, a cópia de um recibo de vencimento da autora do mês de Maio de 2013 (doc. fols. 18 e 31).
Importará, pois, anular a sentença recorrida para que a audiência de julgamento seja reaberta e, ampliando-se a matéria de facto, se apure unicamente quais as remunerações auferidas pela autora nos doze meses anteriores a 24/3/2013 e se profira nova sentença, não se afectando a restante matéria de facto já fixada (art. 662º-3-c) do CPC) e reformulando-se o cálculo indemnizatório.
IX- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, anular a sentença recorrida devendo reabrir-se a audiência de julgamento unicamente para se apurar as remunerações auferidas pela autora nos doze meses anteriores a 24/3/2013, elaborando-se posteriormente uma nova sentença tendo-se em conta o acima decidido.
Custas desta apelação a cargo da ré, na proporção de 50% do devido.

Lisboa, 24 de Novembro de 2021
Duro Mateus Cardoso
Albertina Pereira
Leopoldo Soares