Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4419/13.9TTLSB-C.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
APENSO PARA FIXAÇÃO DE INCAPACIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: Tendo sido ordenado o desdobramento do processo nos termos da al.e) do nº 1 do artigo 131º do CPT, é no apenso que são discutidas e avaliadas todas as questões relacionadas com a incapacidade para o trabalho do sinistrado.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


Nos presentes autos de acidente de trabalho veio o sinistrado, AAA, em 20.4.2017, apresentar aos autos (fls.1231 e 1232) o seguinte requerimento:

“ (…).
AAA, Sinistrado, notificado do auto de exame por junta médica, vem requerer:

a)-Que os Senhores Peritos prestem os seguintes esclarecimentos:
O Sinistrado vem requerer, nos termos do artigo 485º do Código de Processo Civil (“CPC”) aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho (“CPT”), que os Senhores Peritos prestem os seguintes esclarecimentos:
A data da consolidação médico-legal do sinistrado foi fixada em 27/02/2015 pela companhia de seguros.
Contudo, no exame pericial singular realizado no Instituto de Medicina Legal em 12/10/2015, ou seja, já após a data da consolidação médico-legal, constante dos autos principais a fls.670 e sgs, é expressamente referido pelo Senhor Perito que “o sinistrado deve continuar a ser assistido de forma a não sofrer um agravamento do seu estado, sendo de considerar a necessidade futura de intervenção na cicatriz descrita no tornozelo esquerdo, que poderá condicional eventual revisão da IPP”.
A IPP referida pelo referido Senhor Perito foi de 36,9567% e teve em consideração a mesma data de consolidação médico-legal (27/02/2015).
Os Senhores Peritos referem no relatório em análise que a situação do Sinistrado se encontra estabilizada desde a data da alta e, assim, concluem que este não tem necessidade de continuar a fazer reforço muscular nem de continuar a ser assistido por um personal trainer, cfr.decorre das respostas aos quesitos 12, 16 e 17 da Base Instrutória (“BI”).
Contudo, tal como decorre da prescrição médica do Senhor Dr. (…), médico que tem assistido o Sinistrado, de 09/03/2017 (mais de 2 anos após a data da consolidação médico-legal), este deve continuar a fazer fisioterapia, cfr. documento que se junta como Doc.01 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
De igual forma, também o Senhor Dr. (…), médico ortopedista, refere expressamente na presente data (20/04/2017) que o Sinistrado beneficia com a continuação de tratamentos de fisioterapia, treino proprioceptivo, e que deve fazer mobilização passiva e fortalecimento dos gémeos, tibial posterior e peroneais, tudo conforme relatório clínico que se junta como Doc.02 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, documento elaborado na presente data e após observação do Sinistrado.
Assim, devem os Senhores Peritos esclarecer o tribunal se, não obstante a data da consolidação médico-legal, o Sinistrado, face às sequelas com que ficou, beneficia ou não com a continuação de tratamento de fisioterapia e de reforço muscular e de continuar a ser assistido por um personal trainer.
Acresce que o Senhor Perito da Seguradora, em resposta ao quesito f) atribuiu ao Sinistrado uma IPP de 36,98% sendo certo que do quadro constante da 3ª página do relatório parece resultar ser atribuída ao Sinistrado uma desvalorização de 0.369567. Contudo, o relatório conclui por uma IPP de 36,85 valor este que não corresponde nem à desvalorização atribuída nem à IPP que, aparentemente, foi atribuída pelo Senhor Perito da Seguradora.
Pelo que devem os Senhores Peritos esclarecer qual a IPP que consideram afectar o Sinistrado e, caso não haja unanimidade na mesma, justificar tal discordância.
b)-Que os Senhores Peritos estejam presentes na audiência de discussão e julgamento.
O Sinistrado requer que o tribunal determine a presença dos Senhores Peritos na audiência de discussão e julgamento, nos termos previstos no artigo 134.º do CPT e do artigo 486.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT.”

Em 26 de Abril de 2017 foi proferido o seguinte despacho:
Fls.1231-1235:
O requerimento que antecede foi igualmente remetido para o apenso B), onde se discute a incapacidade a fixar, sendo que para os presentes autos apenas releva o requerido no ponto b).
Pelo exposto, julga-se não escrita a alegação de fls.1231-1232 dos autos, até ao vocábulo “discordância”, determinando-se o desentranhamento dos documentos de fls. 1234-1235 dos autos, já juntos ao apenso B).
Custas do incidente dado causa a cargo do Sinistrado, cuja taxa de justiça se fixa, atenta a sua natureza e processado dado causa, em 2UC´s.
Anote truncando a alegação não escrita.
*

Por extemporaneamente requerido, não se admite a tomada de declarações aos Srs. Peritos Médicos.
*

Sem efeito a data agendada para a realização da audiência final, em face das diligências em curso no apenso de fixação de incapacidade.
Desconvoque com a máxima brevidade, solicitando aos Ilustres Mandatários das partes os bons ofícios para a desconvocação das partes e das testemunhas.”

Inconformado, o sinistrado recorreu, sintetizando as suas alegações nas seguintes conclusões:
“A. O Sinistrado requereu no seu requerimento de prova apresentado com a petição inicial de 19/04/2016 a produção de prova pericial mediante a realização de exame pericial, a qual foi deferida não apenas para fixação da incapacidade para o trabalho do Sinistrado, ora Apelante, mas também para o processo principal, conforme decorre do despacho saneador e da fixação do objecto da perícia médico-legal-alíneas a) a e) e g) de fls.1005-1006 e quesitos 12.º, 16.º e 17.º da BI.
B. Pelo que forçoso se torna concluir que a prova pericial não se destinava apenas à decisão da fixação de incapacidade para o trabalho, objecto do Apenso B do presente processo, mas também à prova de parte dos factos alegados na presente acção e que serão objecto de julgamento.
C. No dia 05/04/2017, no Apenso B do presente processo foi elaborada no sistema citius a notificação ao Sinistrado, ora Apelante, do relatório pericial, notificação esta com a ref.ª citius 365099616, a qual se presume efectuada no dia 10/04/2017, por aplicação do artigo 248.º do CPC, ex vi artigo 1.º, n.º 2 alínea a) do CPT.
D. Apesar de não ter sido notificado do relatório pericial no processo principal, como se impunha, dado que foi admitida a prova pericial requerida, e porque teve conhecimento de tal relatório no apenso B, de boa fé o Apelante requereu diversos esclarecimentos e a presença dos peritos na audiência de julgamento, o que fez em 20.4.2017, ou seja, nos 10 dias seguintes à notificação do relatório.
E. Dado que o relatório pericial constitui, em termos processuais, um meio de prova – a prova pericial – a qual foi requerida e admitida no presente processo principal, o tribunal a quo (i) ao considerar não escritos os esclarecimentos requeridos pelo Apelante à matéria em discussão no processo principal, violou o artigo 485.º do CPC aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2 alínea a), do CPT.
F. Assim impedindo o Apelante de ver as suas questões esclarecidas e contribuir para a descoberta da verdade na medida em que os esclarecimentos solicitados são pertinentes e dizem respeito aos quesitos 12.º 16.º e 17.º da BI, ou seja, a factos sobre os quais o tribunal a quo terá de decidir no presente processo e não no apenso de fixação da incapacidade para o trabalho.
G. Ao determinar o desentranhamento dos documentos juntos aos autos pelo Apelante com o seu requerimento de 20/04/2017, o tribunal a quo violou ainda o artigo 423.º n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT.
H. Na verdade, os documentos em causa foram juntos aos autos para justificar os esclarecimentos que o Apelante requereu, o que decorre do requerimento, sendo certo que o Doc.02 que é de dia 20/04/2017 não podia ter sido junto aos autos em data anterior.
I. Ambos os documentos são relevantes para a descoberta da verdade na medida em que se referem aos tratamentos do Sinistrado em data posterior à alta (28/02/2015, cfr. facto assente G) do despacho saneador), os quais estão em discussão no presente processo (cfr. decorre dos quesitos 11.º a 17.º da BI.
J. Pelo que o tribunal a quo não podia, sem mais e sem qualquer justificação, impedir o Apelante de produzir a prova documental que entende relevante para a boa e justa decisão da causa.
K. Acresce que tal junção não é sequer extemporânea dado que o julgamento marcado para o dia 27.04.2017 foi desmarcado no mesmo despacho que ordenou o desentranhamento dos documentos, pelo que sempre o Apelante podia juntar tais documentos à luz do disposto no artigo 423.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT, pois, sendo dada sem efeito a audiência marcada, o prazo de 20 dias antes da audiência de julgamento estava cumprido.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência:
a)- ser ordenada a admissão integral do requerimento apresentado pelo Sinistrado, em 20/04/2017 e a prestação pelos Senhores Peritos dos esclarecimentos solicitados;
b)- ser ordenada a admissão dos documentos que acompanham o requerimento apresentado pelo Sinistrado em 20/04/2017, e
c)- ser determinada a comparência dos peritos em audiência de julgamento, só assim se fazendo a acostumada Justiça!”

Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.

Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do recurso não merecer provimento e de ser confirmada a decisão recorrida.

Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), no presente recurso importa apreciar as seguintes questões:
1ª- Se o Tribunal a quo, ao considerar não escritos os esclarecimentos requeridos pelo Apelante à matéria em discussão no processo principal, violou o artigo 485.º do CPC aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2 alínea a), do CPT.
2ª- Se ao determinar o desentranhamento dos documentos juntos aos autos pelo Apelante com o seu requerimento de 20/04/2017, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 423.º n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT.
3ª- Se a tomada de declarações aos Srs. Peritos médicos foi tempestivamente requerida.

Fundamentação de facto

Os factos com interesse para a decisão são os que constam do relatório que antecede e ainda:
-No despacho saneador foi ordenado o desdobramento do processo mediante a autuação do apenso para fixação da incapacidade para o trabalho do Sinistrado, bem como foi determinado que a junta médica respondesse aos quesitos a) a e) e g) de fls.1005 a 1006 e aos quesitos 12º, 16º e 17º da base instrutória, tendo na mesma data sido designada a audiência final para o dia 27/04/2017.
- A certificação citius da notificação às partes da data agendada para a audiência final foi elaborada a 24.2.2017.

Fundamentação de direito

Comecemos por apreciar a 1ª questão suscitada no recurso e que consiste em saber se o Tribunal a quo, ao considerar não escritos os esclarecimentos requeridos pelo Apelante à matéria em discussão no processo principal, violou o artigo 485.º do CPC aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2 alínea a), do CPT.

Nesta sede invoca o Recorrente, em resumo, que uma vez que o relatório pericial constitui, em termos processuais, um meio de prova, a qual foi requerida e admitida no presente processo principal, o tribunal a quo ao considerar não escritos os esclarecimentos requeridos à matéria em discussão no processo principal, violou o artigo 485.º do CPC aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2 alínea a), do CPT, impedindo, assim, o Apelante de ver as suas questões esclarecidas e contribuir para a descoberta da verdade na medida em que os esclarecimentos solicitados são pertinentes e dizem respeito aos quesitos 12.º 16.º e 17.º da BI, ou seja, a factos sobre os quais o tribunal a quo terá de decidir no presente processo e não no apenso de fixação da incapacidade para o trabalho.

Vejamos:

Nos termos do artigo 118º do CPT, na fase contenciosa, o processo desdobra-se, se for caso disso, em:
a)- Processo principal;
b)- Apenso para fixação da incapacidade para o trabalho.

De acordo com o nº 1 do artigo 126º do mesmo Código, “no processo principal decidem-se todas as questões, salvo a da fixação da incapacidade para o trabalho, quando deva correr por apenso”.

Por seu turno, dispõe o nº 1 do artigo 132º do CPT, que “a fixação da incapacidade para o trabalho corre por apenso, se houver outras questões a decidir no processo principal”, sendo que o desdobramento do processo é ordenado no despacho saneador conforme determina a al.e) do nº 1 do artigo 131º do CPT.

Como escreve Abílio Neto no “Código de Processo do Trabalho Anotado “, 5ª Edição Actualizada e Ampliada Janeiro de 2011, “ Assim, se a fase contenciosa tiver por objecto não só a fixação da incapacidade, mas também quaisquer outras questões (v.g, a qualificação do acidente como de trabalho, o valor da retribuição mensal, a amplitude da cobertura do contrato de seguro, a descaracterização do acidente, etc.) teremos, então, a par de um processo denominado como principal, onde serão tramitadas todas estas últimas questões, um outro denominado apenso, cujo objecto é a fixação da incapacidade para o trabalho, o qual, em princípio, será movimentado em simultâneo com o principal, embora o juiz possa determinar a sua desapensação, nos termos do nº 3 deste artigo.” 

Consequentemente, a fixação da incapacidade para o trabalho só é discutida no processo principal quando for a única questão a decidir, o que pressupõe que as restantes questões já ficaram resolvidas na fase conciliatória do processo.

Conforme decorre dos autos, no despacho saneador, foi ordenado o desdobramento do processo mediante autuação do apenso para fixação da incapacidade para o trabalho do Sinistrado. 
    
Ora, criado o apenso, é nele que serão realizadas as diligências necessárias à fixação da incapacidade para o trabalho do sinistrado, nomeadamente a realização da perícia por junta médica a que alude o artigo 139º do CPT, bem como é no seu âmbito que as partes devem solicitar os esclarecimentos que entenderem pertinentes quanto à perícia realizada.

Ou seja, tendo sido ordenado o desdobramento do processo nos termos da al.e) do nº 1 do artigo 131º do CPT, como foi, é no apenso que são discutidas e avaliadas todas as questões relacionadas com a incapacidade para o trabalho do sinistrado.

Com efeito, não faz sentido que tendo a perícia por junta médica sido realizada no apenso para fixação da incapacidade para o trabalho, a notificação do relatório elaborado pelos senhores peritos e as reclamações contra o mesmo tenham lugar no processo principal como defende o Recorrente.

E a tal não obsta a circunstância da perícia ter sido requerida no processo principal, o que é imposto pelo nº 1 do artigo 138º do CPT, na medida em que foi determinado o desdobramento do processo.

A apontar nesse sentido dispõe o artigo 140º nº 2 do CPT que “ Se a fixação da incapacidade tiver lugar no apenso, o juiz, realizadas as perícias referidas no número anterior, profere decisão, fixando a natureza e grau de incapacidade…” sendo que esta decisão também é proferida no dito apenso, embora, depois, por força do disposto no artigo 135º do CPT, venha a ser integrada na sentença final.

Ora, analisando o requerimento apresentado pelo Recorrente nestes autos, constata-se que pretende que os Srs. Peritos prestem esclarecimentos que se prendem com a incapacidade do sinistrado, a qual, como já referimos, está em discussão no apenso criado para tal efeito.

Por outro lado, nos quesitos 12º, 16º e 17º da base instrutória pergunta-se:
“12º- AAA tem que continuar a fazer fortalecimento muscular?”
“16º-AAA tem que continuar a ser acompanhado na ginástica por um personal trainer?”
17º- O descrito em 12º e 16º visa manter a mobilidade e a massa muscular?”

Ora, independentemente dos esclarecimentos serem pertinentes e dizerem respeito aos quesitos 12º, 16º e 17º da base instrutória e poderem contribuir para a resposta a dar aos mesmos, tal não implica que tenham de ser solicitados no processo principal, como foram, tanto mais que tendo o próprio Tribunal determinado que os Senhores Peritos se pronunciassem sobre tais quesitos, obviamente que tinha em vista habilitar-se a responder aos mesmos.

Por outro lado, como se escreve no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.9.2006, CJ, 2006, 4º-52, citado por Abílio Neto na obra citada, pág.368, “I- A “questão da incapacidade” é complexa e pode envolver, para além da controvérsia relativamente à natureza e ao grau da incapacidade permanentes a determinação das lesões e do início dessa incapacidade (data da alta clínica), bem como ainda a fixação das incapacidades temporárias, no que toca à sua duração e graus de desvalorização.”

E sendo uma questão complexa, entendemos que também abarca as questões a que aludem os quesitos 12º, 16º e 17º da base instrutória, o que também terá entendido o Tribunal a quo ao determinar que os Srs. Peritos respondessem a tais quesitos.

Acresce que a circunstância dos Srs. Peritos responderem aos mencionados quesitos e a eventuais pedidos de esclarecimento sobre os mesmos no âmbito do apenso para fixação da incapacidade, contrariamente ao que invoca o Recorrente, não impede que tais respostas e quesitos sejam considerados na resposta à base instrutória.

Por último, conforme decorre dos autos, o requerimento do Recorrente também foi remetido para o apenso B), ou seja, para o apenso onde se discute a incapacidade a fixar ao Sinistrado, pelo que não vislumbramos razão para se concluir que a decisão em causa viola o disposto no artigo 485º do CPC, tanto mais que o Tribunal a quo sempre terá de pronunciar-se sobre aquele requerimento no âmbito daquele apenso.

Consequentemente, entendemos que não merece reparo a decisão do tribunal a quo quando julga não escrita a alegação relativa ao ponto a) do requerimento apresentado pelo Recorrente.
*

Analisemos, agora, se ao determinar o desentranhamento dos documentos juntos aos autos pelo Apelante com o seu requerimento de 20/04/2017, o tribunal a quo violou o artigo 423.º n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT.

A este propósito invoca o Recorrente que os documentos em causa foram juntos aos autos para justificar os esclarecimentos que o Apelante requereu sendo certo que o Doc. 02 que é de 20/04/2017 não podia ter sido junto aos autos em data anterior, que ambos os documentos são relevantes para a descoberta da verdade na medida em que se referem aos tratamentos do Sinistrado em data posterior à alta (28/02/2015, cfr. facto assente G) do despacho saneador), os quais estão em discussão no presente processo (cfr. decorre dos quesitos 11.º a 17.º da BI, pelo que o tribunal a quo não podia, sem mais e sem qualquer justificação, impedir o Apelante de produzir a prova documental e que tal junção não é sequer extemporânea dado que o julgamento marcado para o dia 27.04.2017 foi desmarcado no mesmo despacho que ordenou o desentranhamento dos documentos, pelo que sempre o Apelante podia juntar tais documentos à luz do disposto no artigo 423.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT, pois, sendo dada sem efeito a audiência marcada, o prazo de 20 dias antes da audiência de julgamento estava cumprido.

Vejamos:

Com o requerimento onde solicita esclarecimentos aos Srs. Peritos Médicos, o Recorrente juntou dois documentos.

O documento 1 para comprovar que o Recorrente deve continuar a fazer fisioterapia como foi prescrito pelo médico que o tem assistido e o documento 2, relatório clínico subscrito por médico ortopedista para provar que o Recorrente também “beneficia com a continuação de tratamentos de fisioterapia, treino proprioceptivo e que deve fazer mobilização passiva e fortalecimento dos gémeos, tibial posterior e peroneais”.

E perante estes dois documentos pretende o Recorrente que os Srs. Peritos esclareçam se o Sinistrado, face às sequelas que apresenta, beneficia ou não com a continuação de tratamentos de fisioterapia e de reforço muscular e de continuar a ser assistido por personal trainer.

Ou seja, com tais documentos pretende o Recorrente instruir o pedido de esclarecimentos solicitado aos Srs. Peritos.

Ora, do despacho recorrido decorre que estes documentos também já estão juntos ao apenso para fixação da incapacidade para o trabalho e que foi por essa razão que foi ordenado o seu desentranhamento, pelo que não se vislumbra qualquer utilidade na sua permanência nos autos principais e muito menos qualquer violação do disposto no artigo 423º nº 2 do CPC, sendo certo, ainda, que uma vez que já estão no apenso sempre poderão ser consultados e exibidos na audiência de julgamento, caso tal se revele necessário.

Por conseguinte, também nesta parte não merece reparo a decisão recorrida.
*

Por fim, apreciemos se a tomada de declarações aos Srs. Peritos Médicos foi tempestivamente requerida.

Defende o Recorrente que o artigo 486º do CPC não prevê o momento em que a parte deve requerer a presença dos peritos na audiência de julgamento, pelo que não compreende a conclusão do tribunal a quo que, sem fazer referência a qualquer disposição legal, decide pela extemporaneidade do seu requerimento, quando requereu a presença dos peritos na audiência de julgamento nos 10 dias seguintes posteriores à notificação do relatório pericial.

Dispõe o nº 1 do artigo 486º do CPC: “ Quando alguma das partes o requeira ou o juiz o ordene, os peritos comparecem na audiência final, a fim de prestarem, sob juramento, os esclarecimentos que lhe sejam pedidos.”

Desta norma resulta claro que, quando alguma das partes o requeira ou o juiz o ordene, os peritos têm o dever de comparecer na audiência de julgamento.

Uma vez que o Código de Processo Civil não estabelece prazo para as partes apresentarem o seu requerimento, então, é aplicável a regra geral prevista no artigo 149º do CPC, ou seja, o prazo para a sua apresentação é de 10 dias.

E quando é que se inicia tal prazo?
Em anotação ao anterior artigo 588º do CPC que corresponde ao actual artigo 486º, escrevem José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, no “Código de Processo Civil Anotado”, pag.519: “ Não se estabelecendo prazo para o requerimento da parte, é de o apresentar nos 10 dias (art.153º) posteriores à notificação do relatório pericial ou, havendo reclamação, à notificação dos esclarecimentos e aditamentos apresentados pelos peritos, embora, na falta de uma disposição de onde resulte um prazo peremptório para o efeito, a interpretação preferível seja a de o requerimento poder ainda ser apresentado até ao momento em que o tribunal proceda às notificações para comparência na audiência final.”

Assim, tendo o Recorrente solicitado a comparência dos peritos na audiência final no requerimento em que solicita esclarecimentos, o que segundo afirma foi efectuado nos 10 dias após a notificação do relatório pericial e sendo certo, ainda, que, conforme resulta do despacho supra, foi dada sem efeito a data agendada para a audiência de julgamento, à luz do que se referiu, teríamos de concluir que o requerimento é tempestivo.

Sucede, porém, que o Código de Processo do Trabalho, no Capítulo II relativo aos processos especiais emergentes de acidente de trabalho e de doença profissional, tem uma norma especial que regula a comparência de peritos na audiência de discussão e julgamento - o artigo 134º do CPT.

E de acordo com o artigo 134º do CPT “ Os peritos médicos comparecem na audiência de discussão e julgamento quando o juiz o determinar, sempre que a sua audição não possa ou não deva ter lugar através dos meios técnicos processualmente previstos.”

Assim, nos processos especiais emergentes de acidente de trabalho, os peritos têm o dever de comparecer na audiência de julgamento quando o juiz o determinar.

Por outro lado, embora o artigo 134ºdo CPT não se refira a qualquer requerimento das partes com vista a solicitar a tomada de declarações aos Srs. Peritos, tal não significa que estas não possam requerer a comparência dos Peritos para prestarem esclarecimentos na audiência de julgamento.

O que decorre do artigo 134º do CPT é que o juiz pondera e avalia se tal diligência é pertinente e, consoante o seu prudente juízo, determina, ou não, a audição dos Srs. Peritos na audiência de discussão e julgamento.

Na verdade, conforme se escreve no “Código de Processo do Trabalho Anotado” de Marlene Mendes, Sérgio Almeida e João Botelho, pág. 201:
“ 1.- Não têm os peritos médicos de comparecer sempre, à semelhança do que acontece no processo civil. Só assim acontecerá quando o juiz os notifique. Esta regra tem razão de ser uma vez que ao longo do processo o juiz vai mandando realizar as diligências que considere necessárias para a aferição da verídica situação que originou o acidente, assim como deve proceder de modo a permitir a justa reparação. Pelo que, em sede de audiência de discussão e julgamento, a audiência dos peritos poderia revestir um “dejá vu” contrário aos princípios da economia e celeridade processuais.”

Por outro lado, porque o CPT não prevê o momento em que a parte pode requerer a tomada de declarações aos Peritos Médicos, impõe-se aplicar subsidiariamente as regras do processo civil e, assim, chamar à colação o que se referiu a propósito do artigo 486 do CPC e do prazo para a apresentação do requerimento, do que resulta que o pedido em causa foi tempestivamente formulado.

Consequentemente, não devia ter sido rejeitado o pedido de tomada de declarações aos Srs. Peritos com o fundamento de que foi extemporaneamente requerido, sendo certo que este Tribunal não pode sindicar os motivos da invocada extemporaneidade na medida em que nem foram invocados na decisão recorrida.

Nestes termos, o recurso terá de ser julgado parcialmente procedente.

Atento o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 527º do CPC, as custas do recurso são da responsabilidade do Recorrente na proporção do decaimento.

Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Secção e Tribunal em:
- julgar o recurso parcialmente procedente e revogar o despacho recorrido na parte em que rejeitou, por extemporâneo, o pedido de tomada de declarações aos Srs. Peritos Médicos.
-confirmar, no mais, o despacho recorrido.
Custas do recurso pelo Recorrente na proporção do decaimento.


Lisboa, 22 de Novembro de 2017


Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Maria João Romba