Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
195/20.7T8ALQ-B.L1-9
Relator: AMÉLIA CAROLINA TEIXEIRA
Descritores: PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
SUSPENSÃO EXCECIONAL DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO
CONSTITUCIONALIDADE
DECISÕES IMPUGNÁVEIS
TRÂNSITO EM JULGADO
PRAZO PARA PEDIDO DE REFORMA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora)
I. Acolhendo a jurisprudência que fez vencimento no Tribunal Constitucional nesta matéria, concluiu-se no sentido da não inconstitucionalidade da aplicação da suspensão excecional do prazo de prescrição ao procedimento contraordenacional por ilícitos anteriores à vigência da lei em causa (cfr. Acs. do TC nº 798/2021, de 21/10/2021, nº 660/2021, de 29/07/2021 e nº 500/2021, de 9/06/2021, in www.tribunalconstitucional.pt).
II. No caso de decisões inimpugnáveis o trânsito em julgado verifica-se findo o prazo para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de reforma (correcção) ou de aclaração – cfr. art.º 677.º do CPC, aplicável ex vi art.º 4.º do CPP –, ou seja, o prazo-regra fixado no n.º 1 do art.º 105.º do CPP, qual seja o de dez dias.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
AA, por apenso aos autos de execução comum para pagamento de quantia certa que sob o n.º 195/20.7T8ALQ-A correm termos pelo Juízo Local Criminal de Alenquer, da Comarca de Lisboa Norte, em que figura como executada, e em que é exequente o Ministério Público naquela Comarca, deduziu oposição por embargos à execução, invocando como fundamento a prescrição do procedimento contraordenacional, pedindo a extinção da execução.
Notificado nos termos e para os efeitos previstos pelo artigo 732.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o Exequente contestou, pugnando pela improcedência dos embargos.
Em 30.07.2023, foi proferida sentença que julgou totalmente improcedentes os embargos deduzidos e determinou o prosseguimento da execução.
Inconformada, em 06.10.2023, a embargante veio interpor recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que condensou nas seguintes conclusões (transcrição):
«I A decisão objeto de recurso enferma de nulidade, de erro na apreciação da matéria de facto e de erro na apreciação da matéria de direito, ao ter afirmado que a prescrição só ocorreria em 1.04.2022, quando o trânsito em julgado da decisão ocorreu em 28.03.2022.
II – O prazo de prescrição do procedimento aqui em apreço verificou-se em 01.10.2021.
III – Não pode ao prazo ocorrido em 01.10.2021, aplica-se um novo período de suspensão de 6 meses, porquanto não se verificou qualquer situação para o efeito.
IV - A entender-se de outra forma seria beneficiar e premiar a inercia de quem tem a obrigação legal de decidir.
V – Pelo que, no caso concreto verificou e consumou-se a prescrição do procedimento, sendo por isso nula a decisão aqui sob recurso.
VI – A decisão sob recurso violou o 28.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, bem como o artigo 40.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto
Termos de facto e de direto, pelos quais se requer a V.Exas. seja concedido provimento ao presente recurso, considerando-se:
- Verificada a prescrição do procedimento contraordenacional;
- E, em consequência ser julgada procedente os embargos de executados e extinta a execução.
Assim se fazendo JUSTIÇA!
*
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos (de oposição por embargos) e com efeito devolutivo.
O Ministério Público recorrido contra-alegou, no sentido da improcedência do recurso interposto, defendendo a manutenção da sentença recorrida.
Nesta Relação o Ministério Público apôs o seu Visto.
*
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.
***
II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Objecto do recurso
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cf. por todos, o Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º, do CPP (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, Iª Série-A, de 28/12/95).
Ora, no caso vertente, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, a questão que importa apreciar e decidir é, a de saber se à data em que foi proferida decisão nos autos principais, em primeira e segunda instância, já se encontrava prescrito o procedimento contraordenacional.
*
B) A decisão recorrida (transcrição dos segmentos com interesse para a apreciação do recurso)
«(…) II. Da prescrição do procedimento contra-ordenacional
A presente acção executiva tem como título executivo a sentença proferida no processo n.º 195/20.7T8ALQ, prolatada a 18/063/2021, mantida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido a 15/03/2022, pela qual a executada foi condenada no pagamento da coima de € 6.000,00, pela prática de uma contra-ordenação ambiental grave, prevista e punida pelos artigos 48.º e 67.º, n.º 2, alínea r), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05/09, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 /06, sancionável nos termos no artigo 22.º, n.º 3, alínea b), da LQCOA, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28/08.
A questão a decidir nos presentes embargos consiste em aferir se à data em que foi proferida decisão nos autos principais, em primeira e segunda instância, já havia sido alcançado o termo do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, conforme sustenta a embargante.
Apreciando.
Por decisão proferida pela IGAMAOT, foi a ora executada AA. condenada na coima de €12.000,00, pela prática de uma contra-ordenação ambiental grave, prevista e punida pelos artigos 48.º e 67.º, n.º 2, alínea r), do Processo: 195/20.7T8ALQ-B
Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05/09, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 /06, sancionável nos termos no artigo 22.º, n.º 3, alínea b), da LQCOA, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28/08.
Foi imputado à executada a inobservância da obrigação de realização de registo e preenchimento do MIRR (Mapa Integrado de Registo de Resíduos) referente ao ano de 2013.
Estabelece o artigo 48.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 178/2006, que “Estão sujeitos a inscrição e a registo de dados no SIRER: (…) As pessoas singulares ou colectivas responsáveis por estabelecimentos que produzam resíduos perigosos”.
Mais dispõe o artigo 49.º-B, n.º 2, do referido diploma que “O prazo para registo anual da informação relativa aos resíduos e aos produtos colocados no mercado termina no dia 31 de Março do ano seguinte ao do ano a reportar”.
A contra-ordenação em causa é uma contra-ordenação ambiental (cfr. artigo 67.º, n.º 2, alínea r), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05/09) pelo que é aplicável a Lei n.º 50/2006, de 29/08, que aprovou a Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais.
Estabelece o artigo 6.º deste diploma que “O facto considera-se praticado no momento em que o agente atuou ou, no caso de omissão, deveria ter atuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido”.
Em termos coincidentes, estatui o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, que “O facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido”.
No caso vertente, sendo imputado à ora executada (então arguida/recorrente) a falta do registo de informação, resulta inequívoco estarmos perante a comissão da infracção através de uma conduta omissiva, pelo que a infracção se considera praticada no momento em que a arguida deveria ter actuado.
Assim, estando em causa informação referente ao ano de 2013, a arguida deveria ter procedido ao respectivo registo até 31/03/2014. Não o tendo feito, entrou em incumprimento em 01/04/2014, data em que se considera consumada a prática da referida infracção.
Estabelece o artigo 40.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, que “O procedimento pelas contraordenações graves e muito graves prescreve logo que sobre a prática da contraordenação haja decorrido o prazo de cinco anos, sem prejuízo das causas de interrupção e suspensão previstas no regime geral”.
O prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional corre desde o dia em que o facto se tiver consumado (artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 433/82), importando, porém, ter presente as causas de suspensão e da interrupção da prescrição reguladas pelos artigos 27.º-A e 28.º do Decreto-Lei n.º 433/82.
Preceitua o artigo 27.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82:
“1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”
A propósito da causa de suspensão prevista na alínea c) do n.º 1 do preceito citado, cumpre salientar que de acordo com o entendimento fixado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2011, publicado no Diário da República, n.º 30, Série I, de 2011-02-11, “A suspensão do procedimento por contra-ordenação cuja causa está prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, inicia-se com a notificação do despacho que procede ao exame preliminar da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa e cessa, sem prejuízo da duração máxima imposta pelo n.º 2 do mesmo artigo, com a última decisão judicial que vier a ser proferida na fase prevista no Capítulo IV da Parte II do Regime Geral das Contra-Ordenações”.
Significa isto que a causa de suspensão prevista pelo artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO, não se cinge à prolação da decisão da primeira instância, abrangendo, também, a fase de recurso.
Por seu turno, dispõe o artigo 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, que “a prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima”.
Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição (artigo 121.º, n.º 2, do Código Penal, aplicável por força do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 433/82).
Mais estabelece o artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 433/82, que “a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”.
A suspensão determina que durante o período em que a mesma vigorar, não corre tal prazo de prescrição (artigo 120.º, n.º 3, do Código Penal, aplicável ex vi artigo 32.º do RGCO).
Por seu turno, a interrupção inutiliza o prazo já decorrido, começando a correr novo prazo prescricional a partir do evento que tem a virtualidade de interromper o primitivo prazo (artigo 121.º, n.º 2, do Código Penal, aplicável ex vi artigo 32.º do RGCO). Contudo, o artigo 28.º, n.º 3, do RGCO, estabelece um prazo máximo de prescrição: quando, desde o seu início, e ressalvado o tempo da suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade, ou seja, in casu, decorridos sete anos e seis meses desde a prática da contra-ordenação.
No caso em apreço, conforme resulta do exposto supra, o prazo de prescrição iniciou-se a 01/04/2014, data da prática dos factos.
Tal prazo interrompeu-se a:
- 04/06/2015, momento em que a recorrente foi notificada para o exercício do direito de audição e defesa, cfr. Aviso de Recepção de fls. 20 dos autos principais (artigo 28.º, n.º 1, alínea c));
- 25/06/2015, com a apresentação de defesa escrita (correspondente à data do registo postal), cfr. fls. 39 a 47 dos autos principais (artigo 28.º, n.º 1, alínea c));
- 19/08/2019, com a prolação da decisão administrativa, cfr. fls. 48 e ss. dos autos principais (artigo 28.º, n.º 1, alínea d)); e
- 05/09/2019, com a notificação à recorrente da decisão da autoridade administrativa, cfr. Aviso de Recepção de fls. 53 dos autos principais (artigo 28.º, n.º 1, alínea a)).
Ora, por força das referidas causas de interrupção, a contagem do prazo de prescrição reiniciou-se por 4 vezes, sem que, alguma vez, tenha atingido o seu termo (5 anos) sem ter sido interrompido.
Por outro lado, a 28/09/2020 foi proferido despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa (fls. 159 a 161 dos autos principais), sendo que a recorrente, através do seu Ilustre Mandatário, foi notificada desse despacho por notificação electrónica expedida em 29/09/2020 (Ref.ª Citius 145922581) e que se considera efectuada em 02/10/2020, nos termos do disposto pelo artigo 113.º, n.º 12, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
Nesta data (02/10/2020) o procedimento contra-ordenacional ficou suspenso, nos termos previstos pelo artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO, até à sua decisão final, com o limite máximo de 6 meses (artigo 27.º-A, n.º 2, do RGCO).
Foi proferida decisão em primeira instância em 18/06/2021 (fls. 168 a 188 dos autos principais).
Não se conformando com a mesma, a recorrente dela interpôs recurso, o qual foi decidido por acórdão proferido em 15/03/2022 (fls. 217 a 224 dos autos principais).
Tal aresto foi notificado à recorrente, na pessoa do seu Ilustre Mandatário, por notificação electrónica expedida em 15/03/2022 (fls. 226 dos autos principais) e que se considera efectuada em 18/03/2022, nos termos do disposto pelo artigo 113.º, n.º 12, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
Tal decisão não admitiria recurso (cfr. artigos 73.º e 74.º do RGCO), porém, atento o prazo geral de reclamação, verifica-se que o mesmo transitou em julgado a 28/03/2022.
Face ao exposto, in casu, o prazo máximo de prescrição previsto no artigo 28.º, n.º 3, do RGCO – cinco anos acrescido de metade, ou seja, sete anos e seis meses – acrescido do período máximo de suspensão do procedimento contra-ordenacional que decorreu a partir da notificação do despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso, nos termos previstos pelo artigo 27.º-A, n.ºs 1, alínea c), e 2, do RGCO – 6 meses – seria alcançado em 01/04/2022.
Porém, verifica-se que ambas as decisões judiciais proferidas nos autos não só foram prolatadas, como transitaram em julgado, em momento anterior ao termo do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, acrescido de metade, previsto no artigo 28.º, n.º 3, do RGCO, ressalvado o tempo de suspensão.
Assim, pelos fundamentos expostos, improcede a invocada prescrição do procedimento contra-ordenacional.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se:
i. Julgar improcedentes os presentes embargos de executado. (…)»
Com vista à apreciação da questão acima enunciada, importa considerar que dos elementos com que vem instruído o processo e dos que constam do recurso de contraordenação, que nos foram disponibilizados, resulta o seguinte:
1) A acção executiva, de que os embargos de executado são apenso, tem como título executivo a sentença proferida em 18.06.2021, no processo n.º 195/20.7T8ALQ, confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido a 15.03.2022, pela qual a executada, ora recorrente, foi condenada no pagamento da coima de € 6.000,00, pela prática de uma contra-ordenação ambiental grave, prevista e punida pelos artigos 48.º e 67.º, n.º 2, alínea r), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05/09, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 /06, sancionável nos termos do artigo 22.º, n.º 3, alínea b), da LQCOA, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28/08, relativa à inobservância da obrigação de realização de registo e preenchimento do MIRR (Mapa Integrado de Registo de Resíduos) referente ao ano de 2013.
2) No âmbito do recurso de contraordenação foi a recorrente notificada para o exercício do direito de audição em 04.06.2015 (cfr. Aviso de Recepção de fls. 20 dos autos principais);
3) Nessa sequência, veio em 25.06.2015, apresentar defesa escrita (cfr. fls. 39 a 47 dos autos principais);
4) A decisão administrativa foi proferida pela Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território em 19.08.2019 (cfr. fls. 48 e ss. dos autos principais);
5) E foi notificada à recorrente em 05.09.2019 (cfr. Aviso de Recepção de fls. 53 dos autos principais).
6) Em 08.09.2020 foi proferido despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso judicial de impugnação da decisão da autoridade administrativa (fls. 159 a 161 dos autos principais), sendo que a recorrente, através do seu Ilustre Mandatário, foi notificada desse despacho por notificação electrónica expedida em 29.09.2020 (Ref.ª Citius 145922581);
7) Vindo a ser proferida sentença pelo Juízo Local Criminal de Alenquer em 18.06.2021 (fls. 168 a 188 dos autos principais);
8) Não se conformando com a mesma, a recorrente dela interpôs recurso, o qual foi decidido por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 15.03.2022 (fls. 217 a 224 dos autos principais);
9) Tal acórdão foi notificado à recorrente, na pessoa do seu Ilustre Mandatário, por notificação electrónica expedida em 15.03.2022 (fls. 226 dos autos principais).
*
C) Conhecendo do mérito do recurso
Da alegada prescrição do procedimento contraordenacional
Alega a recorrente que o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é de cinco anos, e que este, à data em que foi proferida a decisão final no recurso de contraordenação, já se mostrava excedido, no que concerne à conduta com relevância contraordenacional que se consumou em 01.04.2014.
Vejamos.
Diz-nos o artigo 40º da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais (LQCOA), no seu nº 1, o seguinte: «O procedimento pelas contraordenações graves e muito graves prescreve logo que sobre a prática da contraordenação haja decorrido o prazo de cinco anos, sem prejuízo das causas de interrupção e suspensão previstas no regime geral.»
Ora, a contraordenação imputada à recorrente e pela qual foi condenada traduz-se na inobservância da obrigação de realização de registo e preenchimento do MIRR (Mapa Integrado de Registo de Resíduos) referente ao ano de 2013 (prevista no artigo 48.º, n.º 1, al. b e artigo 67.º, nº 2, alínea r), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05/09, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 /06), sancionável nos termos no artigo 22.º/3, alínea b), da LQCOA, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28/08.
Trata-se, pois, de uma contraordenação ambiental (cfr. artigo 67.º, n.º 2, alínea r), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05/09) pelo que é aplicável a Lei n.º 50/2006, de 29/08, que aprovou a Lei Quadro das Contraordenações Ambientais.
Segundo o preceituado no artigo 6.º deste diploma, “O facto considera-se praticado no momento em que o agente atuou ou, no caso de omissão, deveria ter atuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido”.
Na situação vertente, sendo imputado à ora executada (então arguida/recorrente) a falta do registo de informação, resulta inequívoco estarmos perante a comissão da infracção através de uma conduta omissiva, pelo que a infracção se considera praticada no momento em que a mesma deveria ter actuado.
Segundo o que dispõe o artigo 49.º-B, n.º 2, do referido diploma (Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05/09, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 /06): “O prazo para registo anual da informação relativa aos resíduos e aos produtos colocados no mercado termina no dia 31 de Março do ano seguinte ao do ano a reportar”.
Deste modo, estando em causa informação referente ao ano de 2013, a recorrente deveria ter procedido ao respectivo registo até 31.03.2014. Não o tendo feito, entrou em incumprimento em 01.04.2014, data em que se considera consumada a prática da referida infracção.
Haverá, então, de considerar-se como termo inicial de contagem do prazo de prescrição o dia 01.04.2014, data em que se considera consumada a prática da referida infracção, à luz do estatuído no transcrito artigo 6.º a Lei n.º 50/2006, de 29/08, que aprovou a Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais.
Analisemos, de seguida, as «causas de interrupção e suspensão previstas no regime geral», que é imperativo atentar, como expressamente dito pelo artigo 40º, nº 1 da LQCOA.
Ora, em matéria de «causas de interrupção» do prazo de prescrição do procedimento, urge ter presente o disposto no artigo 28º do RGCO:
«1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a. Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b. Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c. Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d. Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
(…)
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.»
No caso concreto sabemos que:
- a recorrente foi notificada para o exercício do direito de audição no dia 04.06.2015;
- nessa sequência, veio em 25.06.2015, apresentar defesa escrita;
- a decisão administrativa foi proferida pela Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território em 19.08.2019;
- e foi notificada à recorrente em 05.09.2019;
- em 28.09.2020 foi proferido despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa, sendo que a recorrente, através do seu Ilustre Mandatário, foi notificada desse despacho por notificação electrónica expedida em 29.09.2020.
O que significa que por via da alínea c) do nº 1 do citado artigo 28º, ocorreram duas interrupções do decurso do prazo de cinco anos, com o consequente reinício do mesmo, por força do artigo 121º, nº 3, do Código Penal, aplicável ex vi artigo 32º do RGCO.
Por outro lado, a prolação da decisão administrativa, tem também virtualidade interruptiva do prazo de prescrição, à luz da alínea d) do nº 1 do mesmo artigo 28º, como a tem a notificação feita à recorrente de tal decisão, por via da alínea a).
Ora, por força das referidas causas de interrupção, a contagem do prazo de prescrição reiniciou-se por quatro vezes, sem que, alguma vez, tenha atingido o seu termo (5 anos) sem ter sido interrompido.
Significa o exposto que, ponderado embora o limite previsto pelo artigo 28º, nº 3 do RGCO, a prescrição, só com a aplicação das causas legais de interrupção, aconteceria em 01.10.2021
Todavia, ocorre ainda ponderar as causas de suspensão do prazo de prescrição.
Ora, lê-se no artigo 27º-A do RGCO, para o que aqui releva, o seguinte:
«1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
(…)
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.
No caso concreto sabemos, a partir da análise dos autos, que o despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso da decisão administrativa data de 28.09.2020, e que se considera notificado à recorrente no dia 02.10.2020 (cfr. artigo 113º, nº 12 do Código de Processo Penal (CPP), aplicável por via do art.º 41º, nº 1, do RGCO).
Esse período de suspensão situa-se entre aquele dia 02.10.2020 e o dia em que vier a ser proferida a decisão final (cfr. Ac. do STJ de Fixação de Jurisprudência nº 4/2011, in DR I-Série de 11/02/2011), sem prejuízo do limite máximo previsto pelo nº 2 da norma em referência.
Decorre então do exposto que o prazo de prescrição estendeu-se até 01.04.2022.
Mas mais: importa ainda ter presente a suspensão dos prazos de prescrição surgida no contexto da resposta à situação epidemiológica:
- num primeiro momento, entre 9.03.2020 e 3.06.2020, num total de 87 dias (cfr. art.º 7º, nºs 3 e 4 da Lei nº 1-A/2020, de 19/03, art.º 5º da Lei nº 4-A/2020, de 6/04 e arts. 8º e 10º da Lei nº 16/2020, de 29/05);
- num segundo momento, entre 22.01.2021 e 5.04.2021, num total de 74 dias (cfr. art.º 4º da Lei nº 4-B/2021, de 1/02 e art.º 7º da Lei nº 13-B/2021, de 5/04).
Reconhece-se a existência de divergências jurisprudenciais quanto à conformidade constitucional desta suspensão em matéria criminal e contraordenacional, tendo nomeadamente no horizonte os princípios da legalidade e da irretroatividade de lei desfavorável, tendo-se desenvolvido essencialmente duas linhas de pensamento de sentidos opostos (no sentido da não aplicação do regime excecional da suspensão do prazo de prescrição a ilícitos anteriores à entrada em vigor das leis temporárias, encontramos, entre outros, os Acs. da RP de 14/04/2021 e da RL de 24/07/2020, relatados por Élia São Pedro e Jorge Gonçalves, respetivamente; no sentido contrário, também entre outros, vejam-se os Acs. da RL de 05/04/2022 e da RC de 17/03/2022, relatados por Paulo Barreto e Vasques Osório, respetivamente).
Sobre esta questão, alinhamos pela jurisprudência que fez vencimento no Tribunal Constitucional nesta matéria, a cujos fundamentos aderimos, que concluiu no sentido da não inconstitucionalidade da aplicação da suspensão excecional do prazo de prescrição ao procedimento contraordenacional por ilícitos anteriores à vigência da lei em causa (cfr. Acs. do TC nº 798/2021, de 21/10/2021, nº 660/2021, de 29/07/2021 e nº 500/2021, de 9/06/2021, in www.tribunalconstitucional.pt).
Vale o exposto por dizer que, em resultado da apontada legislação, temos uma extensão do período de suspensão do prazo de prescrição correspondente a 161 dias, que não se incluem naquele prazo máximo de suspensão, o que nos remete para um termo final do prazo de prescrição em 01.09.2022.
Concluímos assim que o procedimento contraordenacional não se encontrava prescrito à data em que as decisões da 1º instância e do Tribunal da Relação de Lisboa foram proferidas no processo de impugnação judicial da decisão administrativa.
É também certo que o procedimento contraordenacional também não se encontrava prescrito aquando do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ocorrido em 28.03.2022 (cfr. artigos 73º e 74º do RGCO - sendo que no caso de decisões inimpugnáveis o trânsito verifica-se findo o prazo para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de reforma (correcção) ou de aclaração – é o que estabelece o art.º 677.º do CPC, aplicável ex vi art.º 4.º do CPP –, ou seja, o prazo-regra fixado no n.º 1 do art.º 105.º do CPP, qual seja o de dez dias).
Não se verifica em suma a invocada prescrição do procedimento contraordenacional.
Foi, pois, correcta a decisão de julgar improcedentes os embargos deduzidos.
*
Uma vez que a recorrente decaiu totalmente no recurso que interpôs, é responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua atividade deu lugar - artigo 515º do Código de Processo Penal.
Nos termos do disposto nos art.º 8º, nº 9, Regulamento das Custas Processuais e a Tabela III a ele anexa, a taxa de justiça varia entre 3 a 6 UC, devendo ser fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III.
Tendo em conta a complexidade mediana do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 4 UC`s.
***
III. DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 9ª secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pela AA, confirmando a decisão recorrida.
Mais se condena a recorrente nas custas do recurso, fixando-se em 4 Ucs a taxa de justiça devida – artigos 513º e 514º, ambos do Código de Processo Penal, e tabela III do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro.
*
Notifique.
Lisboa, 07.03.2024
(texto processado e revisto pela relatora)
Os Juízes Desembargadores,
Amélia Carolina Teixeira
Fernanda Sintra Amaral
Maria Ângela Reguengo da Luz