Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
743/19.5T8LSB.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
ÓNUS A OBSERVAR
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
FALTA DE MOTIVAÇÃO
DEVOLUÇÃO À 1ª INSTÂNCIA
PODER CASSATÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULAÇÃO
Sumário: 1. As competências que se atribuem no art.º 662.º apenas se podem exercer dentro do objeto fixado pelo recorrente nas conclusões do recurso, nos termos dos art.ºs 635.º e 640.º, pelo que a Relação apenas pode alterar a decisão sobre a matéria de facto se o recorrente a impugnar e na medida em que impugnou.
2. Está na disponibilidade do apelante recorrer ou não da decisão sobre a matéria de facto, segundo o princípio tantum devolutum quantum appelatum, pelo que se apenas impugnou matéria de direito, a Relação não pode alterar a decisão sobre a matéria de facto.
3. Já se o recorrente impugnou (apenas ou também) a decisão sobre a matéria de facto deverá indicar os concretos pontos incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa e indicar a decisão que deve ser proferida, conforme o artigo 640.º, sendo o resultado dessa especificação operada pelo recorrente que constituirá o objeto da atividade recursória da Relação em sede de artigo 662.º.
4. Se o recorrente impugnou certos pontos da matéria de facto, mas não impugnou outros pontos, estes não podem ser alterados, sob pena de nulidade nos termos do artigo 615.º n.º 1 al. d) segunda parte.
5. Impõe-se ao julgador da 1.ª instância que indique quais os concretos meios de prova produzidos nos autos que considerou, procedendo, em seguida à sua análise conjugada e critica, para, então, finalmente, concluir no sentido de dar como provados ou não provados os factos relevantes para a decisão da causa.
6. Assim, pois, no respeitante à motivação da decisão da matéria de facto, prova e não provada, deve o julgador especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, indicando os concretos meios de prova e declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art.º 607º, nº 5, do CPC), deu mais credibilidade a uns meios de prova do que a outros.
7. Nessa motivação deve o juiz desenvolver uma argumentação justificativa da qual hão-de resultar as boas razões que a fazem aceitar razoavelmente, ou seja, deve demonstrar a consistência dos vários aspetos da decisão.
8. Da motivação da decisão de facto deve resultar inequivocamente que a mesma foi tomada em todos os seus aspetos de maneira racional, à luz de critérios objetivos e controláveis de valoração, e, consequentemente, de forma imparcial.
9. Não estando motivada a decisão proferida sobre cada um dos pontos de facto impugnados, deve a Relação determinar, mesmo oficiosamente, nos termos do art.º 662.º, n.º 2, al. d), do CPC, a devolução do processo ao tribunal de 1.ª instância, para que aí se proceda a tal motivação, revelando aquele preceito que a falta ou a deficiência da motivação da decisão da matéria de facto não constitui causa de nulidade da sentença, antes dando lugar ao uso, pela Relação, do denominado poder cassatório ou rescisório mitigado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO:
FF instaurou a presente ação declarativa de condenação contra TPU, Lda.[1], L Seguros, SA[2], e ALM, S.A.[3], alegando, em suma, que no dia 19 de janeiro de 2016 sofreu um acidente de trabalho, consistente no embate de uma pedra no seu olho esquerdo.
O acidente já foi reconhecido como sendo de trabalho, no âmbito do Proc. n.º ____/__._T8LSB, a correr termos no Tribunal do Trabalho de Lisboa.
No dia 20 de janeiro de 2016, não suportando as dores e porque pouco conseguia ver desse olho, o autor deslocou-se ao Serviço de Urgência do Hospital G, onde foi atendido, aí lhe tendo sido receitados medicamentos para desinflamar o olho.
Nesse mesmo dia, o autor reportou o sucedido à 1.ª ré, sua entidade patronal, a quem pediu que fizesse a participação à 2.ª ré, desconhecendo a data em que tal participação ocorreu.
Uma vez que os dias passavam e não lhe era marcada consulta médica, a sua esposa contactou a 2.ª ré para o efeito, ao que esta respondeu que não o faria enquanto a 1.ª ré não participasse formalmente o acidente.
Por sua vez, a 1.ª ré, umas vezes informava o autor que já havia participado o acidente, e outras, que se havia esquecido de o fazer.
Só no dia 5 de março de 2016 é que o autor foi consultado na clínica da 3ª ré, onde lhe foi dito que no olho esquerdo «apenas tinha uma cicatriz de nascença, e nada mais.»
Em julho de 2016 o autor começou a perder a visão, na sequência do que contactou novamente a 2.ª ré, que lhe afirmou que apenas reabriria o processo a pedido da 1.ª ré.
Perante isto, o autor deslocou-se ao Hospital G, onde foi visto por um médico que lhe diagnosticou inflamação, tendo sido medicado para o efeito.
Passados poucos dias, e uma vez que os sintomas persistiam, o autor deslocou-se ao Hospital SJ, em Lisboa, onde, para além de inflamação, lhe foi diagnosticada uma catarata no olho esquerdo.
No dia 10 de outubro de 2016, o autor foi a uma consulta particular no “Oculista do F” (Grupo Optivisão), onde lhe foram diagnosticadas, no olho esquerdo, disfunções pupilares devido a sinéquias por inflamação úveal anterior antiga, devido a traumatismo, apresentando uma catarata unilateral não senil.
Reportada a situação à 2.ª ré, foi agendada nova consulta na clínica da 3.ª ré, altura em que o autor foi informado que, fruto dos 10 meses decorridos, sem tratamento conveniente da inflamação e a trabalhar, teria que ser sujeito a cirurgia urgente para remover a catarata no olho esquerdo.
Tal cirurgia foi realizada no dia 25 de novembro de 2016, mantendo-se o autor em situação de baixa médica desde então e até ao dia 17 de janeiro de 2017, altura em que regressou ao trabalho, em regime de tratamento sem incapacidade.
No dia 7 de março de 2017, a 3ª ré deu alta ao autor com a indicação «curado sem desvalorização», apesar de referir no relatório que o olho esquerdo precisava, a partir de então, de correção ótica, ou seja, do uso de lentes progressivas.
Sucede que, no dia 25 de junho de 2017, o autor deixou de ver por completo do olho esquerdo, facto que reportou à 1.ª autora, e esta à 2.ª ré, a qual lhe referiu que deveria dirigir-se a um Hospital.
Perante a insistência do autor, a 2.ª ré remeteu-o novamente para a 3.ª ré, em cuja clínica foi consultado no dia 28 de junho de 2017, tendo-lhe sido diagnosticado descolamento da retina do olho esquerdo.
Nessa altura foi agendada nova consulta para o dia 30 de junho de 2017, em regime de incapacidade absoluta.
Nesta última consulta foi marcada uma 2ª cirurgia para o dia 30 de junho de 2017, que se realizou, tendo-lhe sido retirados os pontos três semanas depois.
Em 20 de novembro de 2017 ocorreu um novo descolamento da retina do olho esquerdo, pelo que, no dia seguinte, foi realizada uma 3.ª cirurgia, tendo-lhe sido retirados os pontos no dia 27 de novembro de 2017.
No dia 12 de fevereiro de 2018, a 2.ª ré deu alta ao autor para readaptação funcional, em regime de incapacidade temporária parcial, com o coeficiente de 20%, e incapacidade permanente parcial a partir de 26 de fevereiro de 2018.
Não obstante se encontrar a correr termos no Tribunal do Trabalho o processo acima identificado, decorrente de acidente de trabalho, «o que se discute na presente ação é a responsabilidade pela perda de visão quase total do olho esquerdo do A..
Que, para o A., não se ficou a dever exclusivamente ao acidente, outrossim, à negligência das 1ª e 2ª RR. no tratamento e agilização do processo de sinistro e à negligência médica da 3ª R. no tratamento da inflamação e na realização tardia das 1ª e 2ª intervenções cirúrgicas (25.11.2016 e 30.06.2017), assim como nas técnicas e materiais usados.
Pois, qualquer das operações teria que ter sido realizada no período máximo de 48 horas, assim o ditam as boas práticas médicas.
O que teria evitado a cegueira do olho esquerdo, assim como os danos materiais e morais, a depressão psicológica, os incómodos, transtornos e dores, de que o A. padeceu.»
Em consequência da atuação das rés, o autor sofreu danos de natureza patrimonial e não patrimonial, que computa em €60.000,00, «a pagar pelas três RR. ao A., na proporção de responsabilidade que o Tribunal vier a arbitrar, mas que se indica de 20% para a 1ª R., 30% para a 2ª R. e 50% para a 3ª R..»
O autor conclui assim:
«Nestes termos e nos melhores de direito, deve:
A presente ação ser julgada procedente por provada, condenando-se as RR. a pagar ao Autor, na proporção da responsabilidade que lhes vier a ser arbitrada, uma indemnização global de €60.000,00 (sessenta mil euros), acrescida dos juros devidos desde a data do sinistro até integral pagamento, assim como a pagar o valor de procuradoria e demais custas e encargos do processo.»
*
A 3.ª ré contestou, defendendo-se por impugnação, ao logo de um prolixo e exageradamente extenso articulado.
Nesse articulado deduz ainda o incidente de intervenção principal provocada da Seguradoras U, Lda.
Conclui assim:
«Nestes termos, nos melhores de Direito e nos que mais doutamente serão supridos, deverá:
a) Ser a presente ação julgada improcedente, por não provada e, em consequência, ser a R. absolvida do pedido.
b) Ser admitida a intervenção principal provocada da Seguradora Tranquilidade - Seguradoras U, S.A., (...), para no caso de ser efetivada a responsabilidade civil da R. ser aquela seguradora considerada a responsável pelo pagamento dos montantes indemnizatórios e condenada nessa medida.»
*
A 2.ª ré apresentou igualmente contestação, começando por arguir a exceção dilatória consistente na sua ilegitimidade para os termos da presente causa.
No mais, defende-se por impugnação.
Conclui assim:
«Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a invocada excepção de ilegitimidade ser julgada procedente por provada e, consequentemente, ser a Ré L Seguros, S.A. absolvida da instância para todos os devidos e legais efeitos.
Caso assim se não entenda, deve presente acção ser julgada improcedente por não provada e, consequentemente, ser a Ré L Seguros, S.A. absolvida do pedido com todas as legais consequências.»
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A 1.ª ré também contestou, defendendo-se por impugnação.
Conclui assim:
«Nestes termos e nos mais de direito deve a R. ser absolvida.»
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Por decisão de 2 de maio de 2019 foi julgado procedente o incidente de intervenção principal provocada da Seguradoras U, S.A.
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Citada a chamada Seguradoras U, S.A., apresentou contestação, defendendo-se por via de impugnação.
Conclui assim:
«Termos em que deve o presente pedido ser julgado improcedente, por não provado, com as necessárias consequências legais.»
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No requerimento que apresentou no dia 21 de setembro de 2019, a 3.ª ré deduziu incidente de intervenção principal provocada da F – Companhia de Seguros, S.A., o qual foi julgado procedente por decisão de 30 de outubro de 2019.
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Citada a chamada F, S.A., apresentou contestação, que concluiu assim:
«Nestes termos e nos melhores de Direito, deve:
(i) Ser julgada procedente a defesa por excepção relativa aos limites de cobertura dos contratos de seguro, às exclusões previstas no contrato de seguro e ao limite decorrente da existência de pluralidade de seguros, com as legais consequências;
(ii) Ser a presente acção julgada improcedente por não provada, absolvendo-se a ora Interveniente do pedido.»
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Na audiência prévia foi julgada improcedente a exceção dilatória arguida pela 2.ª ré, consistente na sua ilegitimidade para os termos da causa.
*
Ainda na audiência prévia foi decidido o seguinte:
«Relativamente à desistência da instância requerida pela Ré ALM, S.A., 3ª. Ré, quanto à Chamada Seguradoras U, S.A., por esta foi declarado que aceita tal desistência.
Assim, por válida e eficaz, homologo a desistência da chamada Seguradoras U, S.A. – artigos 283º, n.º 1, 285º, n.º 2 e 286º, n.º 1 do C.P.C.[4]»
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Na subsequente tramitação dos autos, realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Face ao exposto e sem necessidade de outras considerações, julgo improcedente por não provada a acção e, em consequência, absolvo as rés do pedido.»
*
Inconformado, o autor interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
«I- Em nosso entendimento, há contradição entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação de facto e direito usadas.
II- Dos factos dados como provados, só poderia resultar provada a culpa e responsabilidade das RR. nos danos/perda de visão do OE do A.
III- Nem os poucos factos dados como não provados nem a sua fundamentação sustentam a decisão que acabou por ser tomada.
IV- De acordo com a matéria dada como provada, o Tribunal teria de ter concluído que o atraso e a falta de tratamento adequado do traumatismo ocular, originou a catarata e a falta de tratamento desta, causou o 1º descolamento de retina e a inflamação dos pontos deste, o 2º descolamento de retina e tudo isto a perda de visão do OE.
V- Posto isto, a fundamentação de facto e de direito apresentadas, são contraditórias para o Tribunal Recorrido ter decidido como decidiu.
VI- Em primeira linha, o Tribunal Recorrido concluiu não ser possível estabelecer um nexo de causalidade, do acidente de trabalho que o A. sofreu e a catarata.
VII- Esta conclusão é da autoria da Meritíssima Juíza do Tribunal Recorrido, já que, não há um único relatório que afaste esse nexo causal.
VIII- O médico que assistiu o A. em 25.11.2016 (Dr. LC) enviou um relatório que concluía existir nexo causal e temporal entre o acidente e a catarata.
IX- Conclusões estas retiradas do depoimento da testemunha da R. ALM, Dr. CN (página 17 da decisão).
X- A Meritíssima Juíza do Tribunal Recorrido também concluiu que o tempo que mediou entre o diagnóstico da catarata e a respetiva intervenção cirúrgica não teve qualquer influência, positiva ou negativa, no resultado relativo à acuidade visual do A.
XI- Sucede que, a testemunha CN referiu “A primeira intervenção (catarata) aconteceu porque o autor tinha uma baixa de visão (…) A catarata foi consequência de um processo inflamatório. (…) As sinequias são sinais que ocorreu uma inflamação.”
XII- Em suma, resulta claro que o traumatismo causou a inflamação (de que as sinequias são sinal) e a catarata foi consequência desse processo inflamatório.
XIII- E os descolamentos - que, por sua vez, levaram à perda de visão do OE -foram consequência da catarata.
XIV- Embora esta última correlação nunca tivesse sido admitida, de forma expressa pelas RR., em tese académica assim o conjeturaram, quando referem que “O micro processo inflamatório que pode ser consequente de um traumatismo e aumentar a probabilidade de um descolamento de retina não é observável, não é visível passando-se a nível molecular.”
XV- Ora, não sendo observável a olho nu, mas face às queixas de perda de visão (com antecedente em catarata, inflamação e traumatismo) teria cabido aos clínicos da R. ALM terem feito os exames adequados a verificar o descolamento da retina.
XVI- Em vez disso, escudam-se em protocolos que dizem ter seguido.
XVII- E, para espanto de todos … escudaram-se em fenómenos naturais (sem intervenção humana), como foi o caso do médico que acompanhou o A., Dr. CN.
XVIII- Sendo que, antes de passar a ser acompanhado pela R. ALM o A. tinha visão total no olho esquerdo;
XIX- Que perdeu no infeliz episódio da retirada dos pontos de vicril da cirurgia relativa ao 1º descolamento de retina.
XX- A R. ALM, também escudou o trabalho que fez em reações alérgicas (“há indivíduos que têm reações alérgicas, razão pela qual os da 2ª cirurgia do descolamento de retina foram aplicados com outro material”)
XXI- Aquando da 2ª cirurgia por descolamento da retina já o mal estava feito.
XXII- Pois, aqui a perda de visão já era irreversível... o objetivo aqui já foi a de salvar o olho, de molde a não retirarem o órgão!
XXIII- Sendo certo que, nenhuma das RR. admite estabelecer a ligação direta entre o acidente e o descolamento de retina, nem entre processo inflamatório (na conjuntiva) consequente do acidente e a catarata e/ou entre esta e o descolamento de retina.
XXIV- Todavia, volvidas as mais de 30 consultas, 10 exames e 3 cirurgias ao OE, mais 3 de retirada de pontos, é visível que algo neste processo não correu bem:
XXV- Ausência de participação do acidente pela R. TPU (quando existia a obrigação por parte da entidade patronal de comunicar o acidente à seguradora no prazo de 8 dias logo após ter sido informada, o que não fez-vidé pp 33 da decisão);
XXVI- Note-se que o acidente se deu em 19-1-2016 e a participação em 8-3-2016.
XXVII- Ausência de encaminhamento urgente do processo/autorizações de intervenção adequadas ao tratamento das queixas do A., pela R. L, S.A. (que só em 15-11-2016 reabre o processo);
XXVIII- Ausência de Intervenção urgente e aplicação das práticas médicas pela R. ALM mais adequadas e necessárias a evitar inflamações, catarata e descolamentos de retina e/ou agravamento de qualquer das situações, de molde a evitar a perda de visão (que foi ignorando as queixas e sinais apresentados pelo A.; não fez os exames de diagnóstico apropriados e só marcou as cirurgias à catarata e ao 1º descolamento muito tardiamente, com técnicas evasivas de sutura, que causaram um 2º descolamento);
XXIX- De referir que a catarata é diagnosticada por médico particular a que o A. recorreu em 10.10.2016 e a operação à mesma pela ALM só foi concretizada em 7-2-2017.
XXX- A R. ALM desvalorizou o Relatório do Oculista do F atrás mencionado (de 10-10-2016), o qual concluía que se tratava de uma catarata não senil causada por traumatismo (“disfunções pupilares devido a sinéquias por inflamação úveal anterior antiga, devido a traumatismo, apresentando uma catarata unilateral não senil)
XXXI- Nas consultas de 15-11, 23-11, 25-11 de 2016 não foi detetada a catarata do A. pela R. ALM.
XXXII- O que só ocorreu – por insistentes queixas do A. - na consulta de 6-12-2, na qual foi confirmado diagnóstico de catarata.
XXXIII- Terceiro, porque a cirurgia só foi realizada pela R. ALM em 7-2.2017.
XXXIV- Nunca foi justificado, em concreto e face ao quadro clínico do A., porque é que a cirurgia à catarata não revestia de carácter de urgência.
XXXV- Até porque o Relatório pericial refere quanto à catarata “Um traumatismo com impacto cinético suficiente pode induzir alterações retinianas e/ou vítreas, que podem subsequentemente evoluir para um quadro de descolamento de retina”.
XXXVI- Que foi o que sucedeu.
XXXVII- Não se pode, também, aceitar que o Tribunal A Quo tivesse dado como não demonstrado que o tardar na execução da cirurgia de 30-06-2017 (com queixa de perda de visão a 22-06-2017) e consulta a 26-06-2017 não seja imputável à R. ALM ou à R. L, S.A..
XXXVIII- Até porque todas as testemunhas do foro médico concordaram que os descolamentos de retina têm de ser intervencionados, no máximo, no período de 48 horas.
XXXIX- O que não foi respeitado pela R. ALM.
XL- O Tribunal Recorrido desvalorizou as queixas do A. – reportadas a 22-06-2017, referindo que o descolamento até poderia ter sido em data anterior.
XLI- O que não se pode aceitar porque as 48h a que todos se referem são a contar do descolamento, cujo 1º sintoma é a perda de visão e esta foi logo participada.
XLII- Desconsiderando a urgência que o caso requeria, até o Tribunal Recorrido preferiu “desculpabilizar” as RR. com a necessidade de pedido de autorização da Seguradora para que a cirurgia fosse efetuada pela ALM!
XLIII- O que não é aceitável … em especial, considerando os meios de comunicação hoje existentes e ao alcance das referidas RR.
XLIV- Contudo, o Tribunal ignorou que não foi no âmbito deste 1º descolamento que se deu a perda de visão total do OE, mas do 2º descolamento (20/11/2017), que se sucedeu à retirada – desastrosa – dos pontos de vicril da cirurgia do 1º descolamento da retina.
XLV- Considerou, ainda o Tribunal não ter havido opção contrária às boas práticas médicas.
XLVI- Com os que não se concorda, bastando atentar a TODOS os factos dados como PROVADOS.
XLVII- Considera-se, que o A. fez prova do nexo de causalidade entre o acidente e os danos sofridos e da culpa das RR. na violação dos seus deveres objetivos de cuidado;
XLVIII- Assim como se fez prova do sofrimento físico e psicológico do A.;
XLIX- Devendo o Tribunal alterar a decisão dando como provados os factos das alíneas e) a i) da matéria não provada.
L- Resultaram, em nosso entender, claramente provados os factos demonstrativos do incumprimento ou cumprimento defeituoso do médico, dos danos (e sua extensão), do nexo causal entre a violação das regras da arte e tais danos (art.º 799º do CC)
LI- Se cada uma das RR. tivesse atuado diligentemente no que eram as suas responsabilidades, o resultado teria sido outro e o dano não teria sido a perda irreversível da visão do OE.
LII- Impondo-se, assim, a substituição da decisão por outra que considere demonstrado o nexo de causalidade e a culpa das RR. na produção dos danos, que eram evitáveis, condenando-as ao pagamento da indemnização pelo valor peticionado, para reparação dos danos de que padeceu: total perda da visão no olho esquerdo, dores, incómodo, transtornos e elevado sofrimento físico e psicológico.»
Conforme refere Rui Pinto, «depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial.»[5].
No presente recurso, após a formulação das conclusões as apelantes deduzem o seguinte pedido revogatório:
«Atento o exposto, deverá o presente Recurso proceder e a douta decisão recorrida ser substituída por outra que considere demonstrada o nexo de causalidade e a culpa das RR. na produção dos danos e condene as RR. a pagar ao A. o valor peticionado, de 60.000 € (sessenta mil euros), a que acrescem ainda os juros de mora comerciais vincendos desde a data do sinistro, até efetivo e integral pagamento e ao pagamento das custas do processo e custas de parte, procuradoria e demais encargos do processo.»
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As rés e a chamada F apresentaram contra-alegações, pugnando todas pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da sentença recorrida.
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II – ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação, aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida, que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Isto, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
No caso concreto, uma vez que a decisão sobre a matéria de facto não se encontra devidamente fundamentada, esta Relação vai, mesmo oficiosamente, pelas razões que adiante se explanarão, determinar o reenvio do processo ao tribunal de 1.ª instância, para devida fundamentação, nos termos do art.º 662.º, n.º 2, al. d), do C.P.C.
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III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
3.1.1 - A sentença recorrida considerou provado que:
«1. No dia 19 de Janeiro de 2016, e no exercício da sua actividade profissional de pedreiro por conta da ré TPU Lda. o autor sofreu um acidente, no qual uma pedra lhe bateu no olho esquerdo.
2. No processo nº ____/__._T8LSB, a correr seus termos no Juiz 7 do Juízo de Trabalho do Tribunal de Trabalho de Lisboa o acidente foi reconhecido como sendo de trabalho.
3. Entre a ré L, S.A. e a empresa TPU, Lda. foi celebrado um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º __/______.
4. Através do qual a L, S.A. assumiu a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho sofridos pelos trabalhadores da ré TPU.
5. Na noite subsequente ao acidente referido em 1 o autor mal conseguiu dormir e acordou com o olho esquerdo inchado e com dores.
6. No dia 20 de Janeiro de 2016, por causa das dores e porque pouco conseguia ver desse olho, o autor foi ao Hospital G.
7. Atendido por oftalmologista na consulta de urgência, apresentava queixa de hiperemia ocular esquerda com sensação de corpo estranho e ardor, referia dor, hiperemia e verificando-se ter exsudado mucopurulento, hiperemia conjuntival, córnea fluoro negativa, cicatriz antiga, pigmento no cristalino, tendo-lhe sido diagnosticada uma conjuntivite mucopurulenta.
8. Foi medicado com colírios e pomada oftalmológica.
9. Nesse dia, o autor reportou o sucedido à sua entidade patronal, a qual pediu que fizesse a participação à seguradora.
10. Como não fosse marcada consulta através da seguradora e não apresentasse melhoras, a esposa do autor insistiu por telefone, para que marcassem uma consulta médica ao marido.
11. Em contactos telefónicos feitos pela mulher do autor com a seguradora L, S.A., a mulher do autor foi informada que a seguradora não marcaria qualquer consulta enquanto a entidade patronal não fizesse a participação do acidente.
12. O autor abordava a entidade patronal, na pessoa de JC e este referia-lhe, umas vezes, que já havia feito a participação e outras, que se havia esquecido.
13. A 8.3.2016 foi recepcionada na ré L, S.A. a participação do acidente.
14. Pela ré L, S.A. foi feito um contacto telefónico com o autor e foi encaminhado para a T - GIS.
15. E foi agendada uma consulta médica na qual o autor compareceu a 18.3.2016 na Clínica SJD.
16. Foi prescrito ao A. a realização de uma ecografia, a ser analisada na consulta seguinte que foi agendada para 29/03/2016.
17. Na consulta de 29/03/2016 a ecografia não revelava a existência de qualquer corpo estranho intra-ocular, pelo que, o A. foi dado como curado sem desvalorização.
18. Em Julho de 2016, o autor começou a “perder a visão”.
19. A mulher do autor ligou para a seguradora, obtendo como resposta só reabririam o processo, a pedido do segurado.
20. Por causa da “perda de visão”, incómodo e dores o autor deslocou-se a 16.7.2016 ao Hospital G.
21. Nessa instituição foi observado na consulta de urgência por queixa de corpo estranho no olho esquerdo desde o dia anterior.
22. No relato dessa consulta foi consignado que o autor apresentava hiperemia e sensação de corpo estranho a nível do OE.
23. No mesmo relatório de urgência sob o item “História da Doença actual” consignou-se: “Refere que após ter estado exposto a ventos e poeiras iniciou sensação de corpo estranho no OE. Manteve sensação até à poucos minutos…” (…) “…OE francamente ruborizado”.
24. Foi-lhe dada alta com destino para o Hospital SJ.
25. No Hospital SJ fez-se constar na ficha de urgência como “motivo da consulta”: “recorre por edema palpebral do olho esq. com sensação de corpo estranho. discreta hepiemia local. Início há 3 dias.”
26. Na mesma ficha no item “Observação da especialidade” fez-se constar: “Erosão córnea do OE. Removido corpo estranho da conjuntiva tarsal. CA formada e opticamente vazia.”
27. A 10 de Outubro de 2016, o A. foi a uma consulta particular no “Oculista do F” (Grupo Optivisão) onde, no olho esquerdo, lhe foram diagnosticadas disfunções pupilares devido a sinéquias por inflamação úveal anterior antiga, devido a traumatismo, apresentando uma catarata unilateral não senil.
28. Nessa sequência a mulher do autor telefonou para a ré L, S.A. relatando a situação o tendo-lhe sido pedido o envio do relatório via correio electrónico.
29. O que a mulher do autor fez, assim que obteve o referido relatório.
30. A 10/11/2016 foi solicitado marcação de consulta urgente por recaída do A.
31. A consulta realizou-se no dia 15/11/2016 tendo o autor comunicado que teria ido há 15 dias atrás a uma consulta particular que lhe diagnosticara uma inflamação ocular e diminuição progressiva da acuidade.
32. Tendo sido agendada nova consulta para 23/11/2016.
33. Nesta consulta foram solicitados novos exames de diagnóstico e agendada nova consulta para 06/12/2016.
34. Com data de 25.11.2016, pelo médico oftalmologista da ré ALM, Lda., foi elaborado um relatório no qual este clínico fez constar que depois da realização da “UBM” (Ultrabiomicroscopia, substituída pela Ecografia Oftálmica A+B) ao olho esquerdo do autor se verificou “a existência de c. anterior acusticamente vazia, com profundidade máxima de 2.89mm, ângulos abertos em todos os quadrantes, não se evidenciando anomalias na íris e no corpo cilar; não se notam zonas de bloqueio angular no estudo cinético em ambientes escotópico e mesópico e não se detetam sinas de corpo estranho”.
35. Após a realização de “Bio” (Microscopia Especular), o Dr. LC consignou estar na presença de “córneas com densidades celulares dentro dos valores normativos para a idade, sem evidência de polimegatismo ou de pleomorfismo”.
36. Na consulta de 06/12/2016 foi confirmado o diagnóstico da catarata no olho esquerdo, com indicação cirúrgica e marcação de nova consulta para 20/12/2016 com o médico oftalmologista CN.
37. Na consulta de 20.12.2017 foi solicitada por CN a realização de fotografia especial do segmento anterior OE (olho esquerdo) e a biometria oftálmica com cálculo de potência intraocular do olho esquerdo.
38. Na informação elaborada pelo mesmo clínico e remetida à “T - GIS” conclui-se “propor cirurgia de catarata com lente refrativa pela idade” acrescentando-se que “Existe nexo causal pelo tipo de catarata e o prognóstico depende da função retiniana que é difícil de objetivar”.
39. Foi reagendada uma nova consulta para 17.1.2017 e solicitada a realização dos referidos exames.
40. O que a T - GIS veio a autorizar.
41. Bem como a 23.1.2017 autorizou a realização da cirurgia.
42. A 07/02/2017 o clínico CN, realizou a intervenção cirúrgica para faco emulsificação do cristalino com implantação de lente intraocular.
43. Fazendo aquele médico constar que a cirurgia havia decorrido “sem complicações componente sub capsular e capsular opacificada”.
44. O autor teve consultas de acompanhamento a 08/02/2017, 15/02/2017 e a 07/03/2017.
45. Na observação da consulta de 15.2.2017 consta “sem queixas”.
46. Foi dado pela médica recomendação de incapacidade temporária absoluta até nova consulta.
47. No relato da consulta de 7.3.2017 consta nota de faco emulsificação correta e de ter sido receitado um par de óculos com lentes progressivas.
48. A 18.4.2017 foi dado ao autor alta com indicação de curado com acuidade visual corrigida de 10/10 no olho direito e no olho esquerdo.
49. Em data não concretamente apurada, mas que se situa entre os dias 22 e 25 de Junho de 2017, o A. deixou de ver quase por completo do olho esquerdo.
50. Voltando a consulta a 26 de Junho de 2017 na Clínica SJD com indicação de descolamento da retina.
51. Consta da informação lavrada na Clínica SJD “apresenta um D.R. nos quadrantes superiores co uma rasgadura às 12H e macula off seguramente”.
52. A 26.6.2017 às 17h47 a T - GIS remeteu à ALM uma correspondência electrónica na qual solicita o agendamento de uma consulta para o autor “o mais urgente possível”.
53. A consulta foi agendada e foi realizada pela ALM com o médico CN no dia 28.6.2017.
54. Na informação clínica dessa consulta consta: “perda súbita de visão 22/7/2017, amputação total do campo visual exceto quadrante superior. Recorreu a colega que o referenciou para esta consulta” e sob o item “Observação”: “segmento anterior sem alterações, faco correcta, descolamento retina regmatogenico com rasgadura superior grande 3 discos opticos por proliferação, com “bodods dobrados, macula off, pvr classe 2 – 3 início”. “proposta cirurgia de descolamento retina com peling de membranas proliferativas, endolaser tamponameto com óleo de silicone”
55. A 28.6.2017 é remetido à T - GIS por correio electrónico a informação clínica de “descolamento retina proliferativo. Para indicação cirúrgica”, pedindo-se autorização para realização de “Retinografia ODE” e “descolamento de retina com vitrectomia e segmentação, delaminação e corte de membranos de vítreo ou ou subretinianas, neovasos c/ou s/ ecolaser c/ ou s/ cirurgia do cristalino.” Faz-se menção de cirurgia já marcada para o dia 30.6.2017 às 11 horas.
56. A intervenção cirúrgica foi realizada a 30.6.2017.
57. O autor voltou a novas consultas de controlo a 03/07/2017, 07/07/2017, 13/7/2017, 21/7/2017, 21/8/2017 e 27/9/2019.
58. Na consulta de 7/7/2017 foi efetuado um reforço de laser e midríase, mantendo-se a terapêutica que havia sido prescrita.
59. Na informação da consulta de 13/07/2017 consta que o autor relatou que sentia “dores oculares” observando a médica que o olho esquerdo se encontrava “calmo” mantendo a terapêutica.
60. Na informação da consulta de 21/07/2017 consta que o autor relatou dor no olho esquerdo, constatando-se que se encontrava vermelho.
61. Foi realizada nova retinografia.
62. E foram retirados os pontos cirúrgicos.
63. Na observação clínica além do mais, consta “olho vermelho, dor com os pontos” (…) “retina aplicada – retirei os pontos mas com dificuldade”.
64. Pontos que eram de vicril 6.0 (pontos auto-absorventes).
65. Nessa ocasião o autor sentiu dores provocadas por aquele acto médico.
66. Bem como se sentiu muito indisposto e a perder as forças e os sentidos.
67. Tendo tido um “choque vagal”.
68. A 21/8/2017 foi realizada nova retinografia.
69. Constando na informação da consulta “sem dores Bio: segmento anterior calmo retina aplicada”.
70. Na consulta de 27/09/2017 foi dada indicação para cirurgia a 10/10/2017 para retirada do óleo de silicone.
71. Cirurgia que foi realizada a realizada a 10/10/2017.
72. A partir do momento em que lhe foi retirado o silicone o autor sentia-se a ver melhor.
73. O autor voltou para consultas de controle nos dias 11/10/20217, 16/10/2017, 24/10/2017 e 20/11/2017.
74. Na observação da consulta de 11/10/2017 consta “retina aplicada seg anterior bem”.
75. Na consulta de 16/10/2017 consta: “6 dias pos op OE a extração óleo silicone pos DR. (…) Desde sábado iniciou queixas de dor frontal e periocular esquerdas intermitente.
Biom: OE hiperemia conjuntival moderada, córnea transparente, pseufaquia bem, sem tyndall. FO OE retina aplicada em todos os QTs. (…)”.
76. Na observação da consulta de 24/10/2017 consta “15d pos vpp retirada de óleo silicone”, “Incomodo com os pontos da vpp”.
77. Na observação clínica da consulta de 20/11/2017 consta “defeito do hemicampo inferior OE desde ontem em doente com AP de DR OE (extracção do óleo de silicone dia 10/11) FOE: DR mácula off das 5 as 2h, com rasgadura nasal inferior”
78. O A. é reoperado no dia 21/11/2017 com diagnóstico de “descolamento retina oe” sendo a intervenção “por rasgadura posterior da retina junto nervo óptico nasal drenagem de líquido subretiniano endolaser e óleo de silicone 2000”.
79. Sendo suturado com “linha de seda”.
80. Voltou a consulta de controlo nos dias 27/11/2017 (data em que lhe foram retirados os pontos), 12/1/2018 e 12/02/2018 na qual teve alta clínica. ---
81. Naquela data de 12 de Fevereiro de 2018, a Seguradora deu alta ao autor para readaptação funcional, em regime de ITP (Incapacidade Temporária Parcial), com o coeficiente de 20% e Incapacidade Permanente Parcial (IPP), a partir de 26 de Fevereiro de 2018.
82. Em 18 de Abril de 2018, Clínica ALM, emitiu relatório, no qual consta “No seguimento do acidente teve a última cirurgia em 21/11/2017, por proliferação retiniana, da qual resultou a reaplicação da retina, com tamponamento por óleo de silicone, não se prevê a sua retirada, dado o risco de nova recidiva de descolamento. Assim a situação não se prevê evolutiva, excepto se (houver) complicação da existência cronica do óleo de silicone. Na última observação apresentava. Acuidade visual no olho direito sem correcção 10/10. Acuidade visual no olho esquerdo com correcção 0.05.”
83. O autor mantém o óleo de silicone colocado.
84. A T - GIS é uma prestadora de serviços que promove o acompanhamento clínico dos sinistrados da L, S.A..
85. As clínicas que prestam serviços para a ré L, S.A. não têm valência de urgência oftalmológica.
86. Entre os meses de Julho e Outubro de 2017, o autor não via bem.
87. Nas férias do Verão o autor falava pouco com a família, permanecia na cama ou no sofá, não mostrava alegria.
88. Depois do segundo descolamento de retina o autor deixou de conduzir, tem mais dificuldade em encontrar determinados objetos, descer e subir escadas, fazer atividade desportiva, ler.
89. E mostra-se mais triste e menos sociável.
90. Por ter perdido acuidade visual no olho esquerdo.
91. No período compreendido entre 19 de Janeiro 2016 e 8 de Março de 2016 o autor queixava-se com dores.
92. O A. sofreu dores e medo na manipulação resultante das intervenções no olho esquerdo.
93. O autor foi medicado com: Predniftalmina/Tobradex (colírio) / Oflaxacina (Gel oftálmico) / Prednisolona (Colírio) / Acetazolamida / Latanoprost + Timolol (Colírio) / Timolol + Dorzomalida (Colírio) / Fluorometolona (Colírio) / Bromofenac (Colírio) / Dexametasona + Tobramicina (Colírio) / Xalacom / Cosopt / Celluvisc / Azarga / Ibuprofeno Farmoz / Yellox / FML Liquifilm.-
94. A limitação de visão que o autor tem no olho esquerdo é irreversível.
95. O que lhe causa sofrimento e angústia e o faz sentir diminuído.
96. O olho esquerdo está fisicamente diferente do que era antes das intervenções a que o autor foi sujeito.
97. Alteração e diferença entre os dois olhos que são visíveis a terceiros.
98. Quando usa ferramentas de trabalho o autor muitas vezes magoa-se por não ver bem os objetos.
99. O autor tornou-se dependente da utilização permanente de óculos.»
3.1.2 - (...) e não provado que:
«a) Em data anterior à intervenção de catarata o autor tenha sido informado (nomeadamente na Consulta no Oculista do F) que, fruto dos 10 meses decorridos, sem tratamento conveniente da inflamação e a trabalhar, o A. teria que ser sujeito a cirurgia urgente para remover a catarata no olho esquerdo.
b) O diagnóstico da catara tenha sido dado ao autor em consulta de urgência no Hospital de SJ em Julho de 2016.
c) O autor tenha tido uma primeira consulta a 5 de Março de 2016 na ré Almedina.
d) Na consulta de 18.3.2016 tenha sido dito ao autor que no olho esquerdo apenas apresentava uma cicatriz de nascença e nada mais.
e) Durante quase todo o período de sete meses (decorrido entre 25 de Novembro de 2016 a 25 de Junho de 2017), o A. continuava sem ver bem, com incómodo na vista e com dores.
f) O autor tenha sido medicado para a depressão.
g) Nos períodos de baixa médica, o A. tenha ficado totalmente dependente de terceiros para se deslocar para fora de casa e tenha tido de recorrer à mulher, a amigos e a taxistas para se deslocar às consultas e hospitais.
h) E que, em consequência disso, e como a mulher do A. trabalhava e os filhos estudavam, o A. acabasse por ficar sozinho e isolado em casa, sem conseguir sair, com receio de caminhar sozinho.
i) O acto de caminhar na via pública sozinho causasse receio ao autor por ter medo de cair.
j) O autor já não consiga subir a andaimes, com receio de cair.
k) O autor quando sobe degraus de moradias em construção (ainda sem corrimão) se atrapalhe e tropece.
l) A cirurgia para remoção da catarata tenha ocorrido a 25 de Novembro de 2016.
m) O autor tenha estado de baixa médica entre 25.11.2016 e 17 de Janeiro de 2017, e que tenha retomado o trabalho nesta data.
n) Tenha sido concretamente a 25 de Junho de 2017 – data indicada na petição inicial – ou concretamente a 22 de Junho de 2017 – data referida na informação clínica da Almedina como tendo sido a indicada pelo autor para aquele acontecimento -, que o autor tenha deixado de ver por completo do olho esquerdo.»
*
3.2 – Fundamentação de direito:
3.2.1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
O apelante impugna a decisão sobre os enunciados de facto transcritos em 3.1.2.e) a i), por entender que os mesmos devem ser considerados provados.
Cumpriu, relativamente a tais enunciados, os ónus impostos pelo art.º 640.º.
Nos termos da 1ª parte do nº 5 do art.º 607º do CPC, «o juiz aprecia livre as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; (…)».
A regra é, portanto, a da motivação facto a facto.
Nada impede, no entanto, antes pelo contrário, que a motivação possa incidir sobre um conjunto ou bloco de factos, provados e/ou não provados, sempre que tal o justifique ou aconselhe.
Assim poderá ocorrer, por exemplo, quando um bloco de factos respeite a um determinado tema de prova e o seu encadeamento ou sequência lógica seja tal que se justifique a sua motivação conjunta e simultânea, em vez de fragmentada.
Dispõe, por sua vez, o nº 4 do mesmo artigo que «na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.».
O tribunal a quo não cumpriu o estipulado no transcrito preceito legal, pois não procedeu, relativamente à matéria de facto provada e não provada, à análise crítica e conjugada dos meios de prova.
Conforme refere Rui Pinto, «as competências que se atribuem no art.º 662.º apenas se podem exercer dentro do objeto fixado pelo recorrente nas conclusões do recurso, nos termos dos art.ºs 635.º e 640.º.
Em suma: a Relação apenas pode alterar a decisão sobre a matéria de facto se o recorrente a impugnar e na medida em que impugnou.
Efetivamente, está na disponibilidade do legitimado (cf. artigo 631.º) recorrer ou não da decisão sobre a matéria de facto, segundo o princípio tantum devolutum quantum appelatum.
Se o recorrente apenas impugnou matéria de direito, a Relação não pode alterar a decisão sobre a matéria de facto.
Já se o recorrente impugnou (apenas ou também) a decisão sobre a matéria de facto deverá indicar os concretos pontos incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa e indicar a decisão que deve ser proferida, conforme o artigo 640.º. O resultado dessa especificação operada pelo recorrente, constituirá o objeto da atividade recursória da Relação em sede de artigo 662.º.
Se o recorrente impugnou certos pontos da matéria de facto, mas não impugnou outros pontos, estes não podem ser alterados, sob pena de nulidade nos termos do artigo 615.º n.º 1 al. d) segunda parte.»[6].
Assim, reportando-nos apenas e só à matéria de facto impugnada pelo apelante, importava que o tribunal a quo esclarecesse a razão pela qual decidiu considerar não provados os enunciados descritos em 2.1.1.e) a i).
Ou seja, impunha-se que o tribunal a quo indicasse quais os concretos meios de prova produzidos nos autos que considerou, e que, em seguida, procedesse à sua análise conjugada e critica, para, então, finalmente, concluir no sentido de dar como não provados aqueles enunciados.
Como é sabido, numa sentença, a motivação da decisão de facto visa, desde logo, tornar eficaz o sistema de justiça, através do convencimento dos destinatários, da comunidade jurídica em geral e da própria sociedade.
Ora, a sentença recorrida, não permite, quanto à decisão relativa àqueles enunciados, tal desiderato!
A motivação da decisão de facto tem em vista, ainda, permitir que as partes e os tribunais de recurso procedam ao reexame lógico e racional acerca das razões pelas quais o juiz decidiu num sentido e não noutro, assim se possibilitando a reconstituição do percurso lógico seguido pelo julgador, apoiado nos elementos de prova previamente indicados e devidamente explicados no texto da sentença; em suma, o juiz deve mostrar às partes, aos tribunais de recurso e, sobretudo, aos cidadãos, o raciocínio lógico em que apoiou a decisão sobre a matéria de facto.
Finalmente, a motivação da decisão da matéria de facto constitui o principal fator de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). Nesta medida, a motivação da decisão sobre a matéria de facto é garantia máxima do respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões[7].
Conforme refere Antunes Varela, «além do mínimo traduzido na menção especificada (relativamente a cada facto provado) dos meios concretos de prova geradores da convicção do julgador, deve este ainda para plena consecução do fim almejado pela lei referir, na medida do possível, as razões de credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova», acrescentando que os objetivos da motivação da decisão de facto requerem «a identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do julgador», alertando para a necessidade da «menção das razões justificativas da opção feita pelo julgador entre os meios probatórios de sinal oposto relativos ao mesmo facto.»[8].
No Ac. do STJ de 10.07.2008, Proc. nº 08A2179 (Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt, pode ler-se que «da motivação deve constar o elenco da prova geradora da resposta acompanhado de uma sucinta explicação justificativa da sua aceitação, não tendo de, como explicação, se verterem motivos psicológicos causais da convicção alcançada por se situarem na intimidade de processo insindicável por natureza, mais não havendo que explicar às partes».
Lebre de Freitas/Isabel Alexandre depois de salientarem que a fundamentação é um imperativo constitucional consagrado no art.º 205º, nº 1, do CRP (cfr. também o art.º 154º do CPC, para a decisões judiciais em geral), afirmam que a fundamentação da decisão de facto exerce «a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da Justiça, inerente ao ato jurisdicional»[9].
Para Miguel Teixeira de Sousa, «na decisão sobre a matéria de facto devem ser especificados os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador sobre a prova (ou falta de prova) dos factos (…). Como, em geral, as provas produzidas na audiência final estão sujeitas à livre apreciação (…), o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente[10].
A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente para cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo, através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção. Se o facto for julgado não provado, a ordem preferível é a seguinte: primeiramente devem ser indicados os meios de prova que conduzem à demonstração do facto; depois devem ser expostos os meios que formaram a convicção do tribunal sobre a não veracidade do facto ou que impedem uma convicção sobre a sua veracidade; finalmente, devem ser referidos os meios inconclusivos.»[11].
Segundo Lopes do Rego, a opção é «claramente por uma maior exigência do dever de motivação da decisão proferida acerca da matéria de facto (…) não bastando a simples indicação dos concretos meios de prova que o julgador teve em conta para formar a sua convicção: a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, provada e não provada, deverá fazer-se por indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, o que compreenderá não só a especificação dos concretos meios de prova, mas também a enunciação das razões ou motivos substanciais por que eles relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador - só assim se realizando verdadeiramente uma "análise crítica das provas.»[12].
Tomé Gomes refere que «já no campo da motivação da decisão de facto, importa ter presente que a reapreciação dessa decisão, em sede de recurso, não se traduz propriamente num novo julgamento da causa, mas sim numa sindicância sobre o invocado erro de julgamento da 1ª instância, no sentido de que compete ao tribunal de recurso formar a sua própria convicção sobre a prova produzida com vista a concluir pela existência ou não desse erro. O juiz da 1ª instância não é um mero instrutor da prova, mas um julgador em primeira linha. Em tal medida, a motivação da decisão de facto deve fornecer os argumentos probatórios ou os fatores que foram decisivos para a convicção do julgador em 1ª instância.
Não satisfaz essa exigência o tipo de motivação meramente conclusiva como aquela em que se consigna pura e simplesmente que os factos provados resultaram da análise crítica e conjugada das testemunhas em referência. Uma motivação deste género apenas indica que se procedeu à dita análise, mas nada diz sobre o seu conteúdo.
Outro erro a evitar é o que consiste em consignar apenas que dos depoimentos das testemunhas indicadas nada se provou, importando antes explicitar as razões essenciais pelas quais tais depoimentos, tendo versado sobre a matéria em questão, não convencerem o tribunal.
Também ocorrem, por vezes, situações em que se consigna, na motivação da decisão de facto, que nada há a pronunciar sobre “a restante matéria alegada” por se tratar de matéria conclusiva ou de direito, quando não se mostra claro qual a matéria que assim foi considerada, sabido como é que a natureza conclusiva de determinada alegação é, por vezes, problemática. Nestes casos, é conveniente, desde logo, que as partes sejam, oportunamente, alertadas pelo tribunal, na audiência prévia ou mesmo no decurso da instrução, sobre o carácter conclusivo ou normativo de certos enunciados, de modo a não gerar falsas expectativas sobre a sua pretensa factualidade e a evitar uma decisão-surpresa.»[13].
Abrantes Geraldes salienta que «a exigência legal impõe que se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respetiva apreciação crítica nos seus aspetos mais relevantes. Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art.º 607º, nº 5), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos e achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos.»[14].
Maria João Dias, na sua tese de mestrado intitulada A sindicância do juízo probatório, outubro de 2003, pp. 123-124, citada por Abrantes Geraldes, afirma que «a fundamentação assume capital importância para, por um lado, as partes mais facilmente circunscreverem o âmbito do recurso, impugnando os factos e especificando os meios de prova em que sustentam em que sustentam a sua discrepância, e, por outro lado, para o tribunal ad quem, através dela, “reconstruir” a relação que se quer directa e pessoal entre o julgado e a prova, e que só existe verdadeiramente em 1ª instância, funcionando a fundamentação como um relatório de imediação.»[15].
Assim, pois, no respeitante à motivação da decisão da matéria de facto, prova e não provada, deve o julgador especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, indicando os concretos meios de prova e declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art.º 607º, nº 5, do CPC[16]), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros.
Na motivação da decisão de facto o juiz deve desenvolver uma argumentação justificativa da qual hão-de resultar as boas razões que a fazem aceitar razoavelmente, ou seja, deve demonstrar a consistência dos vários aspetos da decisão.
Da motivação da decisão de facto deve resultar inequivocamente que a mesma foi tomada em todos os seus aspetos de maneira racional, à luz de critérios objetivos e controláveis de valoração, e, consequentemente, de forma imparcial[17].
Assim, uma decisão de facto justa, legal e razoável em si mesma, não é suficiente, pois o juiz está vinculado à demonstração de que o seu raciocínio é justo, legal e razoável.
Ora, o juiz só consegue alcançar um tal desiderato emitindo opiniões racionais reveladoras das premissas e inferências que podem ser aduzidas como bons e aceitáveis fundamentos da decisão[18].
Em conclusão:
Na decisão da matéria de facto, o dever de motivação cumpre-se através da exposição dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz sobre a prova - ou sobre a falta dela - dos factos provados - e não provados.
Uma vez que as provas produzidas na audiência estão, em regra, sujeitas à livre, mas prudente convicção do juiz, este está vinculado ao dever de expor os fundamentos da sua convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado, para que, por aplicação das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção.
A motivação deve, por isso, objetivar as razões da convicção do juiz - assente nas regras da ciência, da lógica ou da experiência - de modo a que essa convicção seja capaz de se impor aos outros e, por conseguinte, de os convencer do bom fundamento da decisão.
A medida da fundamentação é, portanto, aquela que for necessária para permitir o controlo da racionalidade da decisão pelas partes e, em caso de recurso, pelo tribunal ad quem a que seja lícito conhecer da questão de facto.
No caso concreto, o que sucede é que, pura e simplesmente, não se encontra motivada a decisão sobre nenhum dos enunciados objeto de impugnação pelo apelante; ou seja, não se sabe a razão pela qual o tribunal a quo considerou não provados cada um dos factos descritos em 3.1.2. e) a i).
Não estando motivada a decisão proferida sobre cada um daqueles pontos de facto, deve este tribunal ad quem determinar, mesmo oficiosamente, nos termos do art.º 662.º, n.º 2, al. d), do C.P.C., a devolução do processo ao tribunal de 1.ª instância, para que aí se proceda a tal motivação.
A mencionada al. d) do n.º 2 do art.º 662.º, do C.P.C., revela que a falta ou a deficiência da motivação da decisão da matéria de facto não constitui causa de nulidade da sentença, antes dando lugar ao uso, pela Relação, do denominado poder cassatório ou rescisório mitigado[19].
***
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram esta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa:
4.1 – Em não conhecer imediatamente do objeto do presente recurso;
4.2 – Em determinar a devolução dos autos ao tribunal de 1.ª instância, para que aí seja devidamente motivada a decisão sobre cada um dos enunciados descritos em e) a i) dos factos considerados não provados (3.1.2.e) a i) do presente acórdão), nos termos que acima ficaram expostos.
Custas conforme vencimento a final.

Lisboa, 24 de outubro de 2023
José Capacete
Cristina Coelho
Edgar Taborda Lopes

_______________________________________________________
[1] Doravante identificada como 1.ª ré.
[2] Incorporada, por fusão, na L Seguros, S.A. – Sucursal em Portugal, e doravante identificada como 2.ª ré.
[3] Doravante identificada como 3.ª ré.
[4] Salvo o devido respeito, não é percetível o alcance desta decisão. 
[5] Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293.
[6] Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Almedina, 2018, pp. 324-325.
[7] Cfr. José Tomé de Carvalho, Breves palavras sobre a fundamentação da matéria de facto no âmbito da decisão final penal no ordenamento jurídico português, in Revista Julgar, nº 21, Coimbra Editora, 2013, pp. 86-87.
[8] Manual cit., pp. 653-655,
[9] Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Ed., Almedina, 2017, pp. 704-707.
[10] O destacado a negrito é da nossa autoria.
[11] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª Edição, Lex, pág. 348
[12] Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª Ed., Almedina, 2004, p. 434.
[13] Da sentença…, cit., pp. 27-28.
[14] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Ed., Almedina, 2017, pp. 296-297.
[15] Idem, pp. 297-298, nota 443.
[16] «O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes».
[17] Cfr. Michele Taruffo, Páginas sobre justicia civil, Marcial Pons, Ediciones Juridicas y Sociales, 2009, p. 53.
[18] Idem, pp. 36-37.
[19] Neste sentido, cfr. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2018., p. 338, Fernando Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 477-478; Na jurisprudência, cfr. o Ac. da R.C. de 29.04.2014, Proc. n.º 772/11.7TVNO-A.C1 (Henrique Antunes), in www.dgsi.pt.