Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1812/2005-4
Relator: ISABEL TAPADINHAS
Descritores: IMPUGNAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
CADUCIDADE
INQUÉRITO
TRABALHO SUPLEMENTAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/02/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Sumário: Se a parte quiser que sejam reapreciados pelo Tribunal da Relação os depoimentos gravados tem de indicar nas conclusões de recurso os pontos concretos da matéria de facto que pretende ver modificados e os concretos meios de prova que, no seu entender, levam a decisão diversa.
O conhecimento da caducidade do procedimento disciplinar obriga a que o juiz aprecie da eventual necessidade do processo prévio de inquérito no que diz respeito à suspensão do prazo de caducidade.
Decisão Texto Integral:   Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

     
      (A) instaurou, em 6 de Junho de 2003, acção emergente de contrato individual de trabalho com processo comum contra Castelimo – Comércio de Automóveis e Serviços, S.A. pedindo a condenação da ré a reintegrá-lo e a pagar-lhe € 53,37, a título de diferença de remuneração base, relativamente ao mês de Setembro de 1997, € 13.526,52, a título de diferenças comissionais por venda de viaturas novas, retomas, prémios por objectivos e financiamentos, € 33.781,72, a título de trabalho suplementar efectuado e não pago, € 20.000, a título de indemnização por danos morais, familiares e pessoais e € 32.119,68, a título de indemnização por antiguidade.
   Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, o seguinte:

(...)

    Saneada, instruída e julgada a causa foi proferida sentença cuja parte dispositiva se transcreve:
     Nestes termos, julgo a acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:
1- condeno a ré a pagar ao autor:
a) a quantia de € 53,37 (cinquenta e três euros e trinta e sete cêntimos), respeitante à diferença da remuneração base relativamente ao mês de Setembro de 1997;
b) a quantia de € 33.781,72 (trinta e três mil setecentos e oitenta e um euros e setenta e dois cêntimos), respeitante a trabalho suplementar prestado;
c) juros à taxa legal sobre tais quantias desde a citação até integral pagamento;
2- declaro ilícito o despedimento do autor e, em consequência, condeno a ré a reintegrá-lo, a pagar-lhe a importância correspondente ao valor das retribuições que ele deixou de auferir desde 30 dias antes da data da propositura da acção até à data da sentença, sem prejuízo do disposto na alínea b) do nº 2 do art. 13º do DL 64-A/89 de 27.2;
3- absolvo a ré dos restantes pedidos.
      Custas por autor e ré, na proporção de 1/3 (um terço) a cargo do autor e 2/3 (dois terços) a cargo da ré
      Inconformada, a ré veio interpor recurso parcial de apelação dessa decisão, restrito à apreciação em sede de decisão da matéria de facto quanto à existência de trabalho suplementar prestado pelo apelado, à apreciação da ilicitude do despedimento do apelado e ao fundamento da condenação no pagamento de trabalho suplementar, requerendo ainda a rectificação do lapso material no que diz respeito ao valor contabilizado para cálculo do trabalho suplementar em que foi condenada, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:

(...)

      O autor na sua contra-alegação pugnou pela manutenção da decisão recorrida.
   Nesta Relação o Ex.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de manutenção do julgado.
      Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
      Como se sabe, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente – tantum devolutum quantum appelatum (Alberto dos Reis Código do Processo Civil Anotado vol. V, pág. 310 e Ac. do STJ de 12.12.95, CJ/STJ Ano III, T. III, pág. 156).
   No caso em apreço, não existem questões que importe conhecer oficiosamente.
  As questões colocadas no recurso delimitado pelas respectivas conclusões (com trânsito em julgado das questões nela não contidas) – arts. 684º, nº 3, 690º, nº 1 e 713º, nº 2 do Cód. Proc. Civil – são as seguintes:
1ª    saber se existe erro de cálculo nos valores a pagar ao apelado quanto ao trabalho suplementar;
2ª   saber se a matéria de facto que vem fixada da 1ª instância deve ser alterada;
3ª    saber se o processo disciplinar é nulo em virtude de o exercício do procedimento disciplinar não ter sido exercido nos 60 dias subsequentes ao conhecimento da infracção;
4ª    saber se há lugar ao pagamento de trabalho suplementar prestado ao sábado.
      Fundamentação de facto

(...)

        Fundamentação de direito

      Quanto à 1ª questão
      Sobre a rectificação erros materiais, dispõe o art. 667º do Cód. Proc. Civil, o seguinte:
      1 – Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
      2 – Em caso de recurso, a rectificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à rectificação.
Se nenhuma das partes recorrer, a rectificação pode ter lugar a todo o tempo, cabendo agravo do despacho que a fizer.
     Segundo o disposto no nº 1 do art. 668º, do mesmo corpo de leis, se alguma das partes requerer a rectificação, da sentença, nos termos do artigo 667º, o prazo para o recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento e, estando já interposto recurso da primitiva sentença ao tempo em que, a requerimento da parte contrária, é proferida nova decisão, rectificando, a primeira, o recurso fica tendo por objecto a nova decisão, sendo lícito ao recorrente alargar ou restringir o âmbito do recurso em conformidade com a alteração que a sentença ou despacho tiver sofrido.
Das disposições acabadas de referir resulta que a rectificação da sentença só pode ser feita pelo tribunal a quo. Ao tribunal ad quem só cabe apreciar, em caso de recurso, a rectificação efectuada. E resulta também que o pedido de rectificação deve ser feito em requerimento autónomo dirigido ao tribunal a quo e não no requerimento de interposição de recurso.
    No sentido acabado de expor veja-se Alberto dos Reis Código de Processo Civil anotado, vol. V, págs. 134 a 136.
    Não se conhece, por isso, do pedido de rectificação, razão pela qual improcedem as 1ª, 2ª e 3ª conclusões do recurso.
      Quanto à 2ª questão
        À modificabilidade da decisão de facto refere-se, na parte que ora interessa, o nº 1 do art. 712º do Cód. Proc. Civil, que dispõe o seguinte:
      1 - A decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação:
   a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690-A a decisão com base neles proferida.
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
    c) Se a recorrente apresentar documento novo superveniente e que por isso, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
    Resulta, por seu turno, do preceituado no art. 655º do Cód. Proc. Civil que o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para existência ou prova de facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
      O princípio da livre apreciação das provas só cede, pois, perante situações de prova legal que fundamentalmente se verificam nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais ou judiciais.
     A apelante impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, pugnando, nas conclusões da sua alegação (e são estas que, como se disse, delimitam o objecto do recurso), pela alteração quesitos 9°, 10° e 12° a 16°, depreendendo-se, no entanto, quer da alegação de recurso quer das conclusões, que o que pretende é a alteração dos pontos 9, 10 e 12 a 16, ou seja, as respostas dadas aos quesitos 11º, 12º e 14º a 18º.
   No que concerne à prova da prestação de trabalho suplementar entre 1 de Setembro de 1997 e 17 de Junho de 1998 - parte da resposta dada aos quesitos 17º e 18º a que corresponde parte dos pontos 15 e 16 da matéria de facto -, sustenta a apelante que não foi apresentado pelo apelado documento idóneo – conclusões 5ª, 6ª, 7ª e 8ª.
    No que respeita à restante matéria impugnada a apelante vem dizer que:
- o apelando não apresentou qualquer documento comprovativo que permita verificar a realização de trabalho suplementar prestado em Agosto e Dezembro de 1999, Abril, Julho, Agosto e Setembro de 2000, e Fevereiro a Maio de 2001 a prova testemunhal apresentada em audiência de julgamento não permite concluir do efectivo número de horas prestado pelo apelado durante aqueles meses – 9ª e 10ª conclusões;
- há contradição entre o provado no quesito 10° da decisão relativa à matéria de facto – terá querido dizer no ponto 10 da matéria de facto (resposta dada ao quesito 12º), relativamente ao período de funcionamento do stand aos sábados, e o provado no quesito 16° – terá querido dizer no ponto 16 da matéria de facto (resposta dada ao quesito 17º), relativamente às horas de trabalho suplementar realizadas em fim de semana, visto que os factos dados como provados em 10 da decisão quanto à matéria de facto, devidamente suportados documental e testemunhalmente evidenciam, só por si, que o quadro-resumo junto pelo apelado, para o qual remete a sentença condenatória, peca por manifesto excesso, equivalente a 0h30 por cada sábado aí indicado – 11ª, 12ª e 13ª conclusões;
-    da apreciação dos testemunhos apresentados na audiência de discussão e julgamento resulta claramente que em nenhum momento a apelante “obrigou” qualquer dos seus trabalhadores, designadamente o apelado, a exceder o seu horário de trabalho, muito menos no que concerne aos serviços ao stand durante os sábados e existindo uma manifestação de vontade expressa pelo apelado em realizar trabalho aos sábados, conforme resulta directamente das suas respostas ao depoimento de parte não existe qualquer coacção ou instrução para o efeito – 14ª e 15ª conclusões;
- existe, pois, contradição entre a resposta dada pela sentença ao quesito 9° da decisão sobre a matéria de facto – terá querido dizer no ponto 10 da matéria de facto (resposta dada ao quesito 12º) – e as respostas dadas pelas testemunhas também relativa-mente a esta matéria, contradição esta que tem igualmente consequência directa na resposta dada aos quesitos 15º e 16º da matéria dada como provada – terá querido dizer nos pontos 15 e 16 da matéria de facto (respostas dadas aos quesito 17º e 18º) -, na medida em que, não tendo havido imposição de realização de qualquer trabalho ao stand aos sábados, não pode falar-se com propriedade de trabalho suplementar – 16ª e 17ª conclusões.
      Analisemos, separadamente, cada um destes aspectos.
   Quanto ao trabalho suplementar realizado entre 1 de Setembro de 1997 e 17 de Junho de 1998, há que atentar no disposto no nº 2 do art. 38º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (RJCIT também designado por LCT) uma vez a acção foi instaurada em 6 de Junho de 2003 e ao caso não é aplicável o Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto que apenas entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003 – art. 8º nº 1 e 3º nº 1 da lei preambular - mas o regime pré-vigente.
      Conforme resulta do disposto no citado nº 2 do art. 38º do RJCIT, a prova dos créditos do trabalho suplementar, vencidos há mais de 5 anos, só pode fazer-se por documento idóneo, o que tem sido entendido como um documento escrito que demonstre a existência dos factos constitutivos do direito, documento esse que deverá ter origem na entidade patronal e ser por si só suficientemente elucidativo de forma a dispensar a sua integração e dilucidação através de outros elementos probatórios e, no caso do trabalho suplementar, este deve ser registado em livro próprio pela entidade patronal, sendo esse o documento idóneo para a sua prova.
      No sentido acabado de expor podem ver-se, entre outros, os Acs. do STJ de 02.06.99 e de 18.01.05, disponíveis em sumário na Internet (www.dgsi.pt).
      O art. 38º, nº 2, do RJCIT, não altera, para os créditos nele referidos, o prazo de prescrição estabelecido no nº 1, apenas limita os meios de prova de que o trabalhador pode lançar mão para demonstrar a existência dos factos constitutivos desses mesmos créditos - através de “documento idóneo”.
      Daí que se trate de um prazo de natureza adjectiva, pelo que o que releva para a contagem dos créditos vencidos há mais de cinco anos é a data da propositura da acção.
      Tendo a acção sido intentada em  6 de Junho de 2003, os créditos mencionados no preceito, anteriores a 6 de Junho de 1998, só podiam ser provados por “documento idóneo”, o que não aconteceu, de modo que não tendo sido feita essa prova, não poderão os mesmos ter-se por provados.
      Procedem, pois, em parte as conclusões 5ª, 6ª, 7ª e 8ª, alterando-se, por isso, os pontos 15 e 16 da matéria de facto, os quais passam a ter a seguinte redacção:
15- No período compreendido entre 6 de Junho de 1998 e 1 de Outubro de 2001 o autor prestou à ré 109 horas de trabalho extraordinário desenvolvido em dias úteis, nos termos constantes do mapa junto de fls. 180 a 184.
16- No período compreendido entre 6 de Junho de 1998 e 26 de Outubro de 2001 o autor prestou à ré 305 horas de trabalho extraordinário desenvolvido aos sábados e domingos, nos termos constantes do mapa junto de fls. 185 a 187.
      Relativamente à demais matéria impugnada e como já se disse a mesma só pode ser alterada pela Relação nas situações contempladas no n° 1 do art. 712° do Cód. Proc. Civil.
      Uma dessas situações, a única que releva para o caso  uma vez que houve gravação da prova, é da alínea a), isto é, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690°-A, a decisão com base neles proferida.
      Nos termos do art. 690°-A, n° 1, do Cód. Proc. Civil. quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
 b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
   Por sua vez, no n° 2 de tal artigo estabelece-se:
   2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do n°2 do artigo 522º-C.
  Segundo o nº 2 do art. 522º-C quando haja lugar a registo áudio ( ..), deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento.
      Incumbe, por conseguinte, ao recorrente relativamente ao pedido de reapreciação da matéria de facto:
- circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso indicando claramente qual a parcela ou segmento o “ponto” ou “pontos” da matéria de facto da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento;
- fundamentar as razões por que discorda do decidido, indicando ou concretizando quais os meios probatórios, constantes de auto, ou de documento incorporado no processo, ou de registo ou gravação nele realizada, que, no entender do recorrente, impõem decisão diversa da tomada pelo tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnados.
- e, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n° 2 do artigo 522°-C.
 A reapreciação da prova é, pois, meramente auditiva, não abrange sequer todo o depoimento prestado por uma qualquer testemunha, mas apenas o depoimento que incidiu sobre os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados e que tem de indicar por referência ao assinalado na acta da audiência de julgamento.
      É, assim, clara a necessidade da individuação dos factos considerados incorrectamente julgados, e a localização na fita registadora dos depoimentos testemunhais que incidiram sobre tais factos, feita através do documento autêntico que é a acta de julgamento, o que visou, em confronto com o regime anterior, facilitar a tarefa quer do tribunal quer dos próprios intervenientes processuais, que assim mais facilmente descortinam os pontos de divergência sobre a matéria de facto invocados pela recorrente.
      Este é o regime aplicável no tocante à reapreciação da prova.
      Ora, no caso concreto, em sede das conclusões do recurso (e são estas que relevam), a recorrente não estruturou da forma indicada a sua impugnação da decisão sobre a matéria de facto, ao contrário do que procurou fazer na alegação.
Na verdade, nessas conclusões, nem sequer procede à identificação das testemunhas cujo depoimento, em seu entender, impunha uma decisão de facto diversa, não diz qual ou quais dos depoimentos é que é determinante para a alteração da resposta a cada um dos pontos da base instrutória e não indica, através da referência ao assinalado na acta, quais as passagens dos depoimentos gravados em que a sua discordância de funda.
   Como se decidiu no Ac. do STJ de 05.2.04, disponível em texto integral na Internet (www.dqsi.pt), se a parte quiser que sejam reapreciados pelo Tribunal da Relação os depoimentos gravados tem de indicar nas conclusões do recurso os pontos concretos da matéria de facto que pretende ver modificados e os concretos meios de prova que, no seu entender, levam a decisão diversa.
      Lê-se nesse Acórdão o seguinte:
      O artº 690º do C.P.Civil estabelece a obrigatoriedade de serem elaboradas conclusões das alegações de recurso, sob pena deste não ser conhecido.
  Após o estabelecimento da gravação da prova e da consequente possibilidade da matéria de facto poder ser alterada em recurso, foi acrescentado o artº 690º - A, que determinou que, sob pena de rejeição, o recorrente que impugne aquela matéria deverá especificar os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios que levam a decisão diversa da recorrida.
 A história do preceito e a sua inserção sistemática levam-nos a concluir que a referida especificação deverá obrigatoriamente constar das conclusões do recurso.
      Nem significa tal exigência um excesso de formalismo.
      É que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto, não significa um julgamento ex novo e global dessa matéria, mas sim a possibilidade do tribunal de 2ª instância fiscalizar os erros concretos do julgamento já realizado. Dupla jurisdição não quer dizer forçosamente repetição. É o que o legislador pretendeu assinalar no preâmbulo do DL 35/95 de 15.02 (...), quando aí consignou, que o duplo grau de jurisdição visava “apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”
      Ora, o exercício desta faculdade fiscalizadora sobre pontos concretos da decisão da matéria de facto só é possível, não com o arrazoado da alegação, mas sim com a rigorosa delimitação desses pontos nas conclusões do recurso. Bem como dos meios de prova que lhes respeitam.
      Não se ignora que no Ac. do STJ de 01.10.98 (BMJ nº 480, pág. 348), se entendeu que deveria ser estendido ao art. 690°-A o disposto no n° 4 do art. 690º em homenagem aos princípios gerais da cooperação e da decisão do processo pelo juiz.
      Salvo o devido respeito não nos parece que este seja o melhor entendimento.
      Como vimos, o art. 690° do Cód. Proc. Civil estabelece a obrigatoriedade de serem elaboradas conclusões das alegações de recurso, sob pena deste não ser conhecido.
   Após o estabelecimento da gravação da prova e da consequente possibilidade da matéria de facto poder ser alterada em recurso, foi acrescentado o art. 690° - A, que determinou que, sob pena de rejeição, o recorrente que impugne aquela matéria deverá especificar os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios que levam a decisão diversa da recorrida.
    O legislador, ao acrescentar, com o art. 690º - A, o elenco dos ónus a cargo do recorrente, não podia deixar de ter presente a solução que determinara para a falta ou a imperfeição das conclusões e que é o convite à sua apresentação ou reformulação – art. 690º nº 4. Se nada disse a esse respeito no nº 1 do art. 690º - A,  é de presumir – art. 9º, nº 3 do Cód. Civil - que quis solução diferente, pois, caso contrário tê-lo-ia dito expressamente.
     De resto, o entendimento sufragado pelo Ac. do STJ de 01.10.98 é energicamente recusado pela doutrina mais autorizada.
      Assim, Amâncio Ferreira (“Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3a edição, pág. 150, anotação 301) critica abertamente a solução adoptada nesse acórdão. A principal razão que aponta para a imediata rejeição do recurso é a de que o legislador nada declarou ou previu quanto a essa possibilidade de convite prévio, ao contrário do que sucede nos casos dos arts. 690°, n° 4 e 75°-A, n° 5 da Lei do Tribunal Constitucional. Esta é também a posição assumida por Lopes do Rego, (“Comentários ao Código de Processo Civil”, 1999, pág. 466), Leal Henriques (“Recursos em Processo Civil”, 3a edição, pág. 61) e Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 3°, pág. 53).
    Por conseguinte, face à inobservância descrita, ao disposto na citada alínea b) do n° 1 do art° 690°- A do Cód Proc. Civil, indicando, nas conclusões da respectiva alegação, os concretos meios de prova em que se funda a impugnação, é de rejeitar o recurso relativo à decisão de facto, no que respeita aos pontos 9, 10, 11, 12, 13, 15 (parte – a não apreciada na análise inicial da presente questão) e 16 (parte – a não apreciada na análise inicial da presente questão) – respostas dadas aos quesitos 11º, 12º, 13º, 14º, 15º (parte) e 16º (parte) da matéria de facto, ficando, assim, igualmente prejudicadas as questões de direito que pressupunham a pretendida alteração à matéria de facto de acordo com a pretensão da recorrente.
   Improcedem, portanto, parte das conclusões 5ª, 6ª, 7ª e 8ª e, no todo, as conclusões 4ª e 9ª a 17ª.
    Quanto à 3ª questão
      Do art. 31º, nº 1 do RJCIT, conjugado com o art. 27º, nº 3, do mesmo diploma resulta que, sob pena de caducidade, o procedimento disciplinar deve exercer-se nos sessenta dias subsequentes àqueles em que a entidade patronal ou o superior hierárquico com competência disciplinar teve conhecimento da infracção, quando não tenha ainda decorrido sobre ela um ano – decorrido que seja um ano sobre a consumação da infracção esta prescreve.
   Determina o nº 11 do art. 10º do Regime Jurídico de Cessação do Contrato Individual de Trabalho, aprovado Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro (RJCCIT também designado por LCCT), que a comunicação da nota de culpa ao trabalhador suspende aquele prazo estabelecido no nº 1 do citado art. 31º do RJCIT e o nº 12 do art. 10º dispõe que a instauração do inquérito suspende igualmente o decurso daquele prazo e, por isso, verificada a necessidade de inquérito prévio o prazo de caducidade de 60 dias do nº 1 do art. 31º do RJCIT conta-se até ao início do inquérito (Ac. do STJ de 28.02.96 CJ/STJ Ano T. 1, pág. 258).
   Para que a instauração do inquérito suspenda o decurso do prazo do procedimento disciplinar necessário se torna, de acordo com o nº 12 do art. 10º do RJCCIT, que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
-    que o inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o que significa que o mesmo só se justifica quando não se saiba quem é o autor da infracção ou quando os factos susceptíveis de a integraram não estão claramente definidos (Ac. desta Relação de 4.7.90, CJ, 1990, T. 2, pág. 200);
-   que, entre a suspeita de comportamentos irregulares e o início do inquérito não medeie mais de 30 dias e,
-   que, entre a conclusão do inquérito e a notificação da nota de culpa não decorram mais de 30 dias.
      No caso em apreço ficou provado que:
-  por carta datada de 10 de Outubro de 2001, a apelante informou o apelado de que tinha decidido proceder a inquérito com vista à instauração de processo disciplinar invocando, para tanto, ter detectado várias irregularidades com indícios de terem origem em comportamentos do apelado qualificáveis como transgressões disciplinares e comunicou a este a sua imediata suspensão;
-  por carta de 30 de Janeiro de 2002, cuja cópia está a fls. 422, foi a apelante informada de que no período compreendido entre 29 de Outubro de 2001 e 15 de Janeiro de 2002 tinham sido inquiridos vários trabalhadores da apelante, tendo em vista o apuramento da alegada verificação de comportamentos irregulares por parte do apelado e que no decurso dessas diligências se tinha tomado conhecimento de factos susceptíveis de constituir justa causa de despedimento indo-se dar conhecimento dos elementos apurados ao advogado da apelante a fim de este proceder à elaboração da respectiva nota de culpa.
      No inquérito a que alude o nº12 do art. 10º do RJCCIT procura-se apurar o que foi (e se foi), praticado pelo trabalhador, em que circunstâncias e com que consequências, de forma a habilitar ao exercício do poder disciplinar ao passo que na nota de culpa descrevem-se circunstanciadamente quais os comportamentos imputados ao trabalhador e que constituem infracções disciplinares, encontrando-se, por isso, definidos os factos sobre que incidirá a defesa do arguido e nos quais a decisão se terá de fundamentar.
      O  conhecimento da caducidade do procedimento disciplinar obriga a que o juiz aprecie da eventual necessidade do processo prévio de inquérito no que diz respeito à suspensão do prazo de caducidade.
    Nos autos de processo disciplinar cuja cópia integral foi junta pela apelante na sessão da audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 9 de Julho de 2004 (fls. 458 e segs.) e que constituem fls. 421 e seguintes não há qualquer participação disciplinar que permita saber quais os factos objecto do inquérito, ou seja, quais são afinal as várias irregularidades com indícios de terem origem em comportamentos qualificáveis como transgressões disciplinares, não há qualquer despacho do titular do poder disciplinar nomeando o inquiridor, não há qualquer registo das inquirições que terão decorrido no período compreendido entre 29 de Outubro de 2001 e 15 de Janeiro de 2002 e também não há qualquer relatório do alegado inquérito com referência às informações recolhidas e respectivas fontes.
      A nota de culpa foi deduzida sem que os autos dêem conta de qualquer diligência instrutória.
      Inexistindo participação disciplinar não é possível saber se o inquérito foi necessário para elaborar a nota de culpa e aquela necessidade não existe se a participação disciplinar apresentada contra o trabalhador já contiver a descrição pormenorizada dos factos que lhe são imputados e se esses factos tiverem sido do conhecimento do superior hierárquico com competência disciplinar sobre o trabalhador (Ac. do STJ de 15.02.05, disponível em sumário na Internet - www.dgsi.pt).
      Não é, assim, possível saber se, no caso, se justificou a existência de inquérito prévio para fundamentar a nota de culpa e a apelante nada de concreto alegou a este respeito, como lhe incumbia, pois, trata-se de matéria que integra fundamento de suspensão do decurso de prazo de caducidade que aproveita à apelante – art. 342º, nº 1 do Cód. Civil.
      De resto, como se ponderou no Ac. do STJ de 02.04.03 (disponível em sumário na Internet - www.dgsi.pt)  não aproveita à entidade patronal o disposto no art. 10º, nº 12 do RJCCIT se, como acontece no caso, não existe qualquer diligência averiguatória até à comunicação da intenção de despedir e envio da nota de culpa, havendo que aplicar a regra contida no nº 11 do referido art. 10º do RJCCIT.
    Ainda que se admitisse que havia necessidade de instauração de inquérito prévio, o certo é que também não se mostra cumprido o restante condicionalismo expresso no nº 12 do citado art. 10º do RJCCIT.
      Na verdade, nos termos deste preceito, não podem mediar mais de 30 dias entre a conclusão do inquérito e a notificação da nota de culpa.
      Ora, este prazo foi excedido: a última diligência do inquérito referida na carta de 30 de Janeiro de 2002 - fls. 422 - ocorreu no dia 15 de Janeiro de 2002 (data da última inquirição de testemunhas), sendo, portanto, esta a data da conclusão do inquérito, que, como se disse, não tem relatório, e o apelante apenas foi notificado do conteúdo  da nota de culpa no dia 18.02.02.
Não tendo a apelante demonstrado que o inquérito foi necessário para fundamentar a nota de culpa, carreando para os autos os documentos  integradores do inquérito, designadamente a participação disciplinar e como entre a sua conclusão e a notificação da nota de culpa  mediaram mais de 30 dias, verifica-se que, nesta última data, tinha já decorrido o prazo de prescrição do procedimento disciplinar estando extinta a responsabilidade disciplinar do apelante.
Quando existe um inquérito prévio que obedece aos três requisitos cumulativos referidos este inquérito suspende - ou melhor interrompe - o prazo de prescrição do procedimento disciplinar, caso contrário esse prazo só se interrompe com a notificação da nota de culpa.
O inquérito que a apelante mandou instaurar não obedece a esses três requisitos cumulativos e portanto, o prazo de caducidade iniciou-se, nos termos do disposto no art. 279º, alínea b) do Cód. Civil, no dia 11.10.01, ou seja no dia imediato àquele em que a apelante transmitiu ao apelado que ia instaurar um inquérito e este é o dia em que tem de considerar que a apelante teve conhecimento dos factos imputados ao apelado - e terminou às 24 horas do dia 11.12.01.
   Verifica-se, deste modo, que quando teve lugar a notificação da nota de culpa, tinha já decorrido o prazo de caducidade do procedimento disciplinar estando extinta a responsabilidade disciplinar do apelado.
      Improcedem, pois, as conclusões 18ª a 24ª.
      Quanto à 4ª questão
   Insurge-se, finalmente, a apelante contra o facto de ter sido condenada no pagamento de trabalho suplementar prestado aos sábados.
      Com a ressalva decorrente do que ficou dito na primeira parte da análise da 2ª questão em que se concluiu pela alteração do ponto 16 da matéria de facto, a sentença recorrida mostra-se correctamente estruturada e suficientemente fundamentada de tal modo que se nos afigura desnecessário e inútil repetir argumentos que temos por correctos e adequados pelo que nos termos do disposto no art.713º, nº 5 do Cód. Proc. Civil remetemos para os fundamentos da decisão recorrida, improcedendo, assim, as restantes conclusões do recurso.
      Concluindo: o recurso apenas merece provimento no que concerne à parte das conclusões 5ª, 6ª, 7ª e 8ª, que determinou a alteração dos pontos 15 e 16 da matéria de facto.
   Em consequência dessa alteração  deve ser deduzida à quantia de € 33.781,72 que a apelante foi condenada a pagar a título de trabalho suplementar realizado pelo apelado a quantia correspondente ao trabalho suplementar prestado pelo apelado entre 1 de Setembro de 1997 e 6 de Junho de 1998, quantia esta a liquidar em execução de sentença.
      Decisão
 Pelo exposto acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação revogando a sentença recorrida na parte em que condenou a apelante a pagar ao apelado o trabalho suplementar prestado entre 1 de Setembro de 1997 e 6 de Junho de 1998.
  Custas da acção e da apelação na proporção do decaimento.

      Lisboa, 2 de Novembro de 2005

Isabel Tapadinhas
Guilherme Pires
Natalino Bolas