Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
178/09.8TYLSB-C.L1-9
Relator: MARGARIDA VIEIRA DE ALMEIDA
Descritores: RECURSO PENAL
MOTIVAÇÃO
CONCLUSÕES
PEDIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/17/2016
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEIÇÃO
Sumário: I - A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

II - Há que distinguir o acto de demanda do conceito de pretensão processual.

III - Afirmar e pedir são os dois actos essenciais…o pedido há-de ser a consequência logica das afirmações efectuadas.

O pedido deve ser formulado com toda a precisão, de modo a que não haja dúvidas sobre o efeito jurídico que se pretende obter

IV - Os recursos que não indicam o sentido em que o Tribunal “ad quem” deve decidir as questões suscitadas na motivação e resumidas nas conclusões, não formulando o pedido respectivo, terão de ser rejeitados por manifesta improcedência substantiva.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão sumária:

O MºPº junto do Tribunal da Concorrência de Santarém veio interpor recurso do despacho judicial que equiparou a penhora de depósitos bancários à ordem de sociedades comerciais à penhora de vencimentos e determinou a devolução imediata às executadas de 2/3 das quantias à ordem bloqueadas/penhoradas, e que aplicou o artº 73º, nº 8 da Lei nº 19/2012, de 8 de Maio, ao invés do artº 47º, nº 4 da Lei nº 18/2013, de 11 de Junho, por considerar que é a lei mais favorável às sociedades comerciais executadas, e que o artº 3º, nº 2 do RGCO deve ser interpretado extensivamente para, depois, concluir que as executadas “X” “Y” e “Z”, não tinham legitimidade, indeferindo liminarmente a acção executiva em relação às mesmas e determinando o levantamento imediato das penhoras respectivas.

Termina dizendo, … “Nesta conformidade, deverão V. Exªs revogar a decisão recorrida.” (em 19 de Novembro 2015).

Em 20 de Novembro de 2015, interpôs igualmente recurso da decisão que indeferiu liminarmente a acção executiva em relação a seis sociedades comerciais executadas por falta de título executivo.

Termina, pedindo….” Nesta conformidade deverão V. Exªs revogar a douta decisão recorrida.

As requeridas na execução vieram responder aos recursos interpostos, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Vejamos, então:

Nos termos do disposto no artº 412º, nº1 do Código do Processo Penal, …1 a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.”

Da simples leitura da frase com que o recorrente termina a motivação verifica-se que inexiste pedido, considerado este do ponto de vista técnico.

Senão, vejamos:

O pedido é o objecto da pretensão processual do recorrente, conforme ensina Prof Alberto dos Reis.

Há que distinguir o acto de demanda do conceito de pretensão processual. Como ensina GUASP, citado por aquele insigne Professos, … a demanda no seu estado puro é um simples acto de iniciação processual, o acto mediante o qual o autor (aqui o recorrente) pede que se dê começo a um processo (aqui, o acto pelo qual o recorrente pede que se conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida); a pretensão processual é uma declaração de vontade por virtude da qual o declarante solicita determinada actuação do órgão jurisdicional….” CPC anotado, vol. II, pág 335.

Estes dois objectos aparecem fundidos a maior parte das vezes; … mas simultaneidade temporal não significa identificação, não significa que os dois actos se confundam (Guasp, Comentários a la ley de enjuiciamento civil, tomo 2º, vol 1º, parte 1ª, págs. 232 a 235).

E prossegue o Prof. Alberto dos Reis…” …Afirmar e pedir são os dois actos essenciais…o pedido há-de ser a consequência logica das afirmações efectuadas…” na motivação e que se encontram resumidas nas conclusões.

Em boa técnica jurídica, uma coisa é a pretensão, outra o pedido..., o pedido dirige-se ao Tribunal…é um elemento da relação jurídica processual… traduz-se na providência que o autor solicita ao Tribunal…

O pedido deve ser formulado com toda a precisão, de modo a que não haja dúvidas sobre o efeito jurídico que se pretende obter…” Há-de ser a consequência lógica dos fundamentos …” do recurso, que deverão estar resumidos nas conclusões.

O pedido deve ser congruente com os fundamentos, deve ser o corolário lógico deles…” ibidem, Prof. Alberto dos Reis, vol. 2º do Comentário, 380 e ss.

Pires Bento, citado pelo insigne Professor, ensinava, em O Advogado Aprendiz, pág 212…” a conclusão … ou elaboração do pedido é a tarefa mais delicada do Advogado…saber formular o pedido é o ponto capital.”

No caso vertente, o pedido é apenas o de que se revogue a decisão recorrida.

Falta a indicação do sentido em que o recorrente entende que o Tribunal “ad quem” deve decidir, como corolário das razões indicadas na motivação, e resumidas nas conclusões.

Faltando essa pretensão, o recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência, uma vez que o Tribunal não tem de substituir-se aos intervenientes processuais na interpretação de qual terá sido a sua pretensão para concluir pela procedência de esta ou daquela pretensão, em detrimento de outra, a “olho” e a seu “bel-prazer”

Mal se compreenderia que o legislador, tão exigente que foi na formulação dos mecanismos de interposição de recurso, e das exigências técnicas a respeita, não entendesse que era necessário formular o pedido, (ou pedidos), que decorrem, necessariamente, como corolários dessa pretensão.

Logo, os recursos do MºPº, porque não indicam o sentido em que o Tribunal “ad quem” deve decidir as questões suscitadas na motivação e resumidas nas conclusões, não formulando o pedido respectivo, terão de ser rejeitados por manifesta improcedência substantiva, nos termos das decisões conjugadas dos artºs 420º, nº 1 a) e 417º, nº 6 b) do CPP.

Cumpre, todavia, esclarecer ainda que mesmo que os recursos não devessem ser rejeitados por falta de pedido, a sua improcedência sempre seria manifesta do ponto de vista substantivo.

Uma coisa é a lei prever que as associadas respondam solidariamente pela coima imposta à Associação, outra muito diferente é entender-se que essa responsabilidade pode ser executada sem previamente ser declarada.

Dito de outro modo, a responsabilidade solidária tem de resultar de uma decisão que vincule as associadas, que previamente assegure o direito de defesa e que acolha o seu direito a um processo justo e equitativo.

Daí que a formulação do artº 73º, nº 8 da Lei nº 19/2012 tenha vindo explicitar o pensamento do legislador nesse sentido, ao prever como excepção a essa responsabilidade solidária a existência de…”oposição escrita à decisão que constitui infracção ou da qual resultou a infracção”.

Onde é que essa prova deve ser feita? Em sede de processo judicial, obviamente, entendido este o processo para aplicação da contra-ordenação pela referida infracção.

Só depois de ser concedido às associadas o direito de defesa no exercício do qual podem provar a existência de oposição escrita à decisão que constitui infracção ou da qual resulta a infracção, e de tal defesa ter sido apreciada e julgada improcedente, por decisão que a não acolha, é que a decisão de impor a coima pode vincular as associadas.

Logo, a decisão recorrida de considerar que não existe título executivo contra as associadas que o MºPº pretende executar não mereceria qualquer reparo deste Tribunal de recurso, e o recurso interposto, seria igualmente de rejeitar por manifesta improcedência substantiva.

Mantendo-se a decisão recorrida, por via da improcedência manifesta do recurso do MºPº em relação à decisão que indeferiu o requerimento executivo por falta de título contra as seis associadas, prejudicado fica o conhecimento das restantes questões suscitadas pelo recorrente.

Decisão sumária :

Termos qme se decide rejeitar por manifesta improcedência o recurso interposto pelo MºPº junto do 1º Juízo do Tribunal da Concorrência de Santarém, ao abrigo das disposições conjugadas dos artºs 420º, nº1 a) e 417º, nº 6 b), todos do CPP.
Não é devida taxa de justiça.
Registe e notifique, nos termos legais.
Lisboa, 17 de Maio de 2016

Margarida Vieira de Almeida