Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6382/2006-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: PREFERÊNCIA
LEGITIMIDADE
DIREITO DE PREFERÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I- Os preferentes que adquiriram imóvel em compropriedade são parte legítima para , nessa qualidade de adquirentes, serem demandado na acção especial para exercício de preferência a que alude o artigo 1465. º do Código de Processo Civil instaurada por preferente não adquirente
II-É que a legitimidade dos compradores do prédio não se afere pelo seu interesse em exercer a preferência, mas pelo seu interesse em se assegurar que sejam eles os licitantes a quem é atribuído o direito de preferência.
III- Os proprietários não têm de ser demandados pois não lhes cabe intervir no processo de licitação

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

L.[…] intentou a presente acção declarativa, com processo especial de jurisdição voluntária previsto no artigo 1465º do Código de Processo Civil, contra  […] todos melhor identificados nos autos, pedindo: se reconheça ao autor o direito à licitação no exercício do direito de preferência na aquisição do prédio que identifica; se ordene a notificação dos réus para comparecerem no Tribunal no dia e hora que sejam fixados, a fim de se proceder a licitação entre o autor e os 8º a 19º réus, no que respeita à aquisição do prédio em causa, nos termos do artigo 1465º do Código de Processo Civil.

Alega, para o efeito, que é titular de um contrato de arrendamento relativo a uma loja do prédio sito  […] concelho de Sintra, constituído por casa de cave, loja e três andares, descrito na Conservatória do Registo Predial […] , o qual pertencia aos 1º a 7º réus; acrescenta que os então proprietários lhe comunicaram a intenção de procederem à venda do imóvel e o convocaram para uma reunião com os demais arrendatários do prédio em causa, a fim de se proceder à licitação entre os interessados em exercer o direito de preferência na venda em causa, tendo os presentes nessa reunião deliberado excluir o autor da referida licitação, por terem considerado não ser o mesmo titular de direito de preferência; termina concluindo que foi celebrado contrato-promessa de compra-e-venda do imóvel e a venda prometida veio a realizar-se por escritura pública celebrada no dia 2 de Dezembro de 2004, através da qual os 1º a 7º réus declararam vender e os 8º a 19º réus declararam comprar o imóvel em causa, como tudo melhor consta da petição inicial.

Foi proferido despacho, indeferindo liminarmente a petição.

Inconformado, recorre o A, concluindo que:
- O A intentou a presente acção alegando ser titular de um contrato de arrendamento relativo a uma loja sita no prédio dos autos e ter, nessa qualidade, recebido uma carta onde lhe foi manifestada a vontade dos proprietários em vender tal prédio.
- Os senhorios tinham um comprador interessado pelo que transmitiram as condições do negócio ao A que as aceitou, manifestando interesse no exercício do direito de preferência.
- Uma vez que vários inquilinos do prédio manifestaram interesse no exercício do direito de preferência, os senhorios convocaram uma assembleia dos arrendatários, no intuito de proceder à licitação entre os preferentes.
- Após um adiamento e uma suspensão, veio a realizar-se a assembleia, a 13/9/2004, mas o A foi afastado da licitação por ter sido entendido que, enquanto arrendatário não habitacional, não teria direito a licitar.
- As licitações acabaram por não ter lugar, já que os restantes arrendatários se coligaram e adquiriram o prédio em compropriedade.
- O A ficou assim impedido de licitar, tendo-lhe sido negado o exercício do seu direito de preferência.
- A venda do prédio veio a ocorrer em 2/12/2004 a favor dos arrendatários habitacionais, ora RR.
- Foram demandados os arrendatários adquirentes e os senhorios, uma vez que estes podem vir a ser afectados pela decisão e pelo disposto no art.º 1466º nº 3 do CPC, relativamente às custas do processo.

- Contrariamente ao que consta do despacho recorrido, o A não pede o reconhecimento do seu direito de preferência, mas sim o reconhecimento do seu direito a licitar, com a finalidade de ser determinada a pessoa do preferente.
- Por outro lado, têm de ser chamados a licitar os contratantes a preferir.
- Os vendedores estavam obrigados a oferecer a preferência, pelo que, ao afastarem o A das licitações, impediram-se de exercer a preferência, devendo assim ser condenados nas custas.
- Pelo raciocínio do despacho recorrido, todas as partes seriam afastadas do processo, excepto o A.
- Não estamos perante uma acção de preferência, mas sim perante acção que visa a abertura de licitações entre todos os que têm direito de preferência e manifestarem interesse em exercê-lo.
- No caso, os 8º a 19º RR e o A.
- É assim incorrecta a decisão de indeferir liminarmente a petição inicial, devendo ser citados todos os demandados.

- Os RR alegaram sustentando a bondade do despacho recorrido.

                                              *
Cumpre apreciar.
Nos presentes autos o A pediu:
- Que se reconheça ao A o direito à licitação no exercício do direito de preferência na aquisição do prédio.
- Que os RR sejam notificados para comparecer no Tribunal, no dia e hora que forem fixados, a fim de se proceder à licitação entre o A e os 8º a 19º RR.

Nos termos do art.º 1465º nº 1 do CPC, “se já tiver sido efectuada a alienação a que respeita o direito de preferência e este direito couber simultaneamente a várias pessoas, o processo para determinação do preferente segue os termos do artigo 1460º (...)”.
 
Foi alegado pelo A que não lhe permitiram participar na licitação, por não ser arrendatário habitacional, vindo posteriormente a ocorrer, em vez da licitação, a aquisição do prédio, em compropriedade pelos demais inquilinos que não o A.
Entendeu-se na sentença recorrida que todos os RR eram partes ilegítimas, os senhorios enquanto vendedores, os restantes inquilinos por já terem adquirido o prédio.
É pois esta a questão a dirimir no presente recurso.

Diremos desde logo que, salvo o devido respeito, discordamos da decisão no que toca aos inquilinos adquirentes.

Na presente acção, como bem se salienta no despacho recorrido, está em causa a determinação, entre vários titulares do direito de preferência, daquele a quem caberá exercer o direito de preferir. Será esse preferente que deverá, em seguida, intentar a acção de preferência.

A questão que se coloca é a de saber se os inquilinos a quem foi feita a venda do prédio, detêm legitimidade para ser partes na presente acção.
No despacho recorrido escreveu-se:
“considerando que as pessoas que o autor afirma serem titulares do direito de preferência em causa – os 8º a 19º réus – intervieram já na escritura de compra e venda, como compradores, não há que os chamar à presente acção, dado que não poderão intentar a acção de preferência, por falta de interesse em agir, assim não fazendo sentido intervirem na determinação do titular do direito de preferência com competência para intentar essa acção”.

Pensamos que, contudo, a questão não se pode colocar apenas nos termos em que o fez o Mº juiz a quo. A legitimidade dos RR adquirentes afere-se antes do mais pela sua condição de preferentes. E serão eles preferentes, mesmo depois de terem adquirido o prédio aos senhorios?
Antes da compra e venda a questão não se punha, já que sendo essas pessoas arrendatários dos vários andares do prédio, eram manifestamente titulares de um direito de preferência relativamente à venda do imóvel.
Mas, tendo-o comprado, continuam esses RR a deter tal qualidade de preferentes?

O Assento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 1/2/95, refere que:
“Vendido prédio urbano a locatário habitacional de parte dele sem que o proprietário tenha cumprido o disposto no art. 416º nº 1 do Código Civil quanto aos restantes locatários, o comprador não perde, pelo simples facto da aquisição, o respectivo direito legal de preferência.” (DR I-A, 20/4/95).

E compreende-se: o comprador não se pode ter como proprietário do prédio enquanto for possível o exercício do direito de preferência. No caso de este ser exercido por um preferente e vir a proceder, seria este preferente o titular do direito de propriedade do imóvel. Quanto ao primitivo comprador voltaria à situação anterior: se fosse arrendatário, continuaria como tal. E enquanto arrendatário, cabe-lhe igualmente o direito de preferência.

No fundo, a razão de ser do art.º 1465º do CPC é a de possibilitar definir, de entre todos os preferentes – sendo irrelevante se estão ou não entre os compradores do prédio – aquele a quem, após a licitação, é atribuído o direito de preferir, na acção respectiva.
Se os preferentes compradores forem deixados de fora do processo previsto no art.º 1465º, ficam estes sem possibilidade de fazer valer o seu direito face ao  preferente preterido que efectuar o lanço mais elevado na licitação.

É que, e aqui reside no essencial a nossa discordância relativamente ao despacho recorrido, a legitimidade dos compradores do prédio não se afere pelo seu interesse em propor a acção de preferência, mas sim pelo seu interesse em se assegurarem que são eles os licitantes a quem é atribuído o direito.

O art.º 1465º, aplicável no caso de já ter sido alienado o imóvel, visa exactamente determinar, entre os diversos preferentes, aquele que poderá exercer o respectivo direito. A prevalecer a tese do Mº juiz a quo os preferentes compradores, arredados do processo de licitação, não teriam meio algum de evitar que o preferente determinado nos termos dos arts. 1460º e 1465º exercesse o seu direito e, em termos práticos, adquirisse o imóvel sem que aqueles tivessem qualquer possibilidade de se lhe opor.

Neste sentido vejam-se, e para lá do citado Assento, os Acórdãos do STJ de 5/5/88 in BMJ nº 377, p. 476, e de 24/2/2000 in Sumários, nº 38, p. 47.

Já no que toca aos RR senhorios, não se vislumbra a que título poderiam os mesmos alcançar legitimidade para a presente acção, uma vez não lhes cabe intervir no processo de licitação. A legitimidade, art.º 26º nº 3 do CPC, reporta-se à relação material controvertida e, no caso do art.º 1465º o senhorio vendedor não é manifestamente sujeito de tal relação, não bastando o disposto no art.º 1466º nº 3 para lhe atribuir tal qualidade.
 
Assim e tudo visto, julga-se o recurso parcialmente procedente, declarando-se os 8º a 19º RR partes legítimas para com eles prosseguir a presente acção.
No tocante aos 1º a 7º RR, confirma-se o despacho recorrido.

Custas na proporção de metade pelo A e metade pelos 8º a 19º RR  .

LISBOA,  15/2/2007

(António Valente)
(Teresa Pais)
(Caetano Duarte)