Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10804/2007-2
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
PROCURAÇÃO
BOA-FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/14/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Sumário: I - A obrigação de prestar contas é uma obrigação de informação que pode resultar da lei, do negócio jurídico, bem como do princípio geral da boa fé.
II – A prática de actos jurídicos em nome e por conta de outrem, recebendo determinadas verbas em dinheiro, impõe a obrigação de prestar contas da sua administração. Assim, tendo sido concedidos poderes ao réu, por procuração, para tratar de todos e quaisquer assuntos referentes à construção de uma moradia e resultando provado que os autores lhe fizeram diversas entregas de dinheiro para custear a obra, há obrigação de prestar contas por parte daquele.
(G.A.)
Decisão Texto Integral:       Acordam os Juízes da 2ª Secção (Cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:



1.RELATÓRIO


 
      F, R e J, intentaram a presente acção especial de prestação de contas contra M.


      Foi proferida sentença que declarou a inexistência da obrigação de prestação de contas por parte da Apelada/Ré, em consequência do que foi absolvida dos pedidos contra si formulados pelos Apelantes/Autores.


      Inconformados, vieram os AUTORES apelar da sentença, tendo extraído das alegações que apresentaram as seguintes
CONCLUSÕES:

      1.) A Sentença a quo é nula, nos termos do artigo 668.0, n.º 1, alínea c) do CPCivil, dado que apresenta forte contradição entre a fundamentação (factual e jurídica) e o momento final da decisão.

      2.) Contradição esta que não se concatena apenas à estrutura externa tripartida (relatório, fundamentos e decisão), mas manifesta-se, desde logo, na própria dimensão interna da fundamentação, ou seja, entre as razões de facto elencadas e a subsunção jurídica aduzida.

      3.) De um ponto de vista formal ainda, o Meritíssimo Juiz, não fez um "exame crítico das provas que lhe cumpre conhecer", à luz do artigo 659.°, do CPCivil, tendo, inversamente, resvalado na proibição constante do n.º 2, do artigo 158.°, deste mesmo Diploma, porquanto, na fundamentação da matéria de facto, limitou-se a fazer uma simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição" das partes.

      4.) A Decisão a quo enferma ainda da nulidade consagrada no artigo 668.°, n.º 1, alínea d), uma vez que o Julgador não se pronunciou sobre questões que deveria ter apreciado por as mesmas terem sido expressamente suscitadas pelos AA., aqui Apelantes.

      5.) Por conseguinte, o Juiz a quo nenhuma apreciação crítica expendeu quanto à desconformidade formal na apresentação de contas da Ré, ora Apelada, respectivamente constante dos artigos 37.° a 51.° da Contestação.

      6.) A apresentação de contas não seguiu os cânones legais obrigatórios previstos no artigo 1016.°, do CPCivil, tendo tal facto sido objecto de Reclamação dos AA., presentemente Apelantes.

      7.) A forma pela qual a Ré, ora Apelada, apresentou as suas contas não satisfaz os requisitos do artigo 1016.°, do CPCivil, pois não seguiu a forma de conta-corrente, na qual se especifique " (...) a proveniência das receitas e a aplicação das despesas, bem como o respectivo saldo".

      8.) Não juntou também qualquer duplicado nem instruiu a apresentação de contas com "documentos justificativos", à luz do disposto no n.º 3 do antedito normativo.

      9.) Quanto ao mérito substantivo da Sentença a quo, esta restringe injustificadamente a finalidade da acção de prestação de contas.

      10.) Na verdade, a obrigação de prestar contas é diferente da necessidade de prestar contas e decorre, de modo automático, no caso concreto, da própria relação de mandato com representação, independentemente de, afinal, vir a apurar-se ou não a existência de saldo.

      11.) Aliás, não é exigível ao autor da prestação forçada de contas que saiba, de antemão, qual será o resultado final desta, pois essa mesma dúvida pode exactamente consubstanciar a principal razão param se lançar mão deste meio processual.

      12.) Em segundo lugar, no que concerne ao mérito da Decisão, inversamente à tese jurídica a quo, a Apelada viu-se efectivamente investida em poderes de administração de bens alheios e bens simultaneamente alheios e próprios, em virtude – refere-se uma vez mais – do contrato de mandato com representação celebrado entre ela e o pai dos Apelantes, pelo que deve prestar contas dessa mesma administração, pois, em momento algum, fora dispensada de tal obrigação.

      13.) Na sequência do artigo 1159.°, do CCivil e, em concreto, do teor das procurações outorgadas à Apelada, conclui-se que esta não só foi investida em poderes para praticar actos de administração, que efectivamente concretizou, como também actuou no âmbito de poderes de disposição, designadamente através da alienação de bens alheios e de bens sujeitos ao regime da compropriedade. Ainda que os meros actos de administração fossem, em si mesmos, condição suficiente para suscitar a obrigação de prestar contas, da qual a Apelada nunca foi dispensada.

      14.) Finalmente, de tudo quanto ficou exposto, em sentido oposto ao entendimento do Meritíssimo Juiz, a acção especial de contas demonstra-se "in casu" como o meio processualmente idóneo para tutelar os direitos e interesses dos AA., agora Apelantes.

      15.) Havendo mandato representativo, existindo obrigação de prestação de contas sem dispensa desse dever, tendo-se concretizado actos de administração e disposição relativamente a bens alheios (e simultaneamente alheios e próprios), não tendo a mandatária prestado espontaneamente contas – então o meio adjectivo idóneo e no qual se detecta interesse em agir será o constante dos artigos 1014.°, e seguintes do CPCivil.


      Foram apresentadas contra-alegações

      Colhidos os vistos, cumpre decidir.


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    OBJECTO DO RECURSO:[1]


      Emerge das conclusões de recurso apresentadas (…) que o seu objecto está circunscrito às seguintes questões:

      1.) Nulidade da sentença recorrida por contradição entre a fundamentação e a decisão final (al. c), do nº 1, do art. 668º, do CPCivil).
      2.) Nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia sobre questões que o tribunal devia apreciar (al. d), do nº 1, do art. 668º, do CPCivil).
      3.) Obrigação do mandatário prestar contas.


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2.FUNDAMENTAÇÃO


    A.) O DIREITO:


    1.) NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA POR CONTRADIÇÃO ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO FINAL (AL. C), DO Nº 1, DO ART. 668º, DO CPCIVIL).

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      Nas conclusões da sua alegação de recurso, os Apelantes arguíram a nulidade da sentença recorrida, nos termos da alínea c) do nº 1 do art. 668º do CPC, sustentando que esta apresenta forte contradição entre a fundamentação (factual e jurídica) e o momento final da decisão, contradição esta que não se concatena apenas à estrutura externa tripartida (relatório, fundamentos e decisão), mas manifesta-se, desde logo, na própria dimensão interna da fundamentação, ou seja, entre as razões de facto elencadas e a subsunção jurídica aduzida.
      Vejamos a questão.
      É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão – al. c), do n.º 1, do art. 668º, do CPCivil.
      Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.[2]
      Porém, esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se.[3]
      Apenas ocorre a nulidade da sentença prevista na alínea c), do nº 1, do art. 668º, do CPCivil, quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier expresso na sentença.[4]
      Por isso, a inexactidão dos fundamentos de uma decisão configura um erro de julgamento e não uma contradição entre os fundamentos e a decisão.[5]
      Se a decisão em referência está certa ou não, é questão de mérito, que não de nulidade da mesma.[6]
      A sentença recorrida fundamentou juridicamente a improcedência do pedido condenatório formulado pelos Apelantes na circunstância de por não lhe terem sido outorgados poderes de administração a Apelada não estar obrigada a prestar contas.
      A decisão absolutória constitui, portanto, o corolário lógico da fundamentação jurídica aduzida.
      A esta luz, ainda mesmo que – como sustentam os ora Apelantes – os factos apontarem para a existência de um vinculo contratual de mandato com poderes de representação, através do qual a Apelada praticou actos de disposição, devesse, necessariamente, conduzir à procedência dos pedidos  formulados nesta acção, estar-se-ia apenas perante um erro de julgamento (e não perante uma hipótese de oposição entre os fundamentos e a decisão).
      Alegam ainda os Apelantes que o tribunal “ a quo” não fez um "exame crítico das provas que lhe cumpre conhecer", à luz do artigo 659.°, do CPCivil.
      Nos processos especiais de prestação de contas, o Réu, citado para contestar as contas, em vez de as prestar, pode suscitar uma questão prévia: pode alegar que não tem a obrigação de prestar contas.
      A acção é de prestação de contas; contestada pelo réu a obrigação de as prestar, tem de se resolver, antes de mais, esse problema.[7]
      Tal alegação assume o carácter de questão prévia e prejudicial, e enquanto não for decidida, não pode o processo avançar.[8]
      Se a questão for unicamente de direito, não havendo por isso necessidade de quaisquer diligências probatórias, o juiz decide de imediato por meio de sentença, e não de despacho, a questão prévia.[9]
      Assim, tendo a Apelada/Ré suscitado a obrigação de prestar contas, por tal revestir a natureza de questão prévia e por ser unicamente de direito, não tinha o tribunal “a quo” que fazer um exame critico das provas, e mesmo que o tivesse, tal não configurava nulidade da decisão por contradição entre os fundamentos e a decisão.
      Como assim, a sentença objecto do presente recurso de apelação não enferma, obviamente, da nulidade que os Apelantes, erroneamente, lhe imputam.
      Eis porque a apelação improcede, necessariamente, quanto a esta 1ª questão.
     
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    2.) NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA SOBRE QUESTÕES QUE O TRIBUNAL DEVIA APRECIAR (AL. D), DO Nº 1, DO ART. 668º, DO CPCIVIL).


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      Alegam os Apelantes que a sentença recorrida é nula,
pois omitiu decisão quanto à desconformidade formal na apresentação de contas da Apelada/Ré.
      Vejamos a questão.
      É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – al. d), do n.º 1, do art. 668º, do CPCivil.
      Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 660º, n.º 2, do CPCivil), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado.[10]
      Efectivamente assiste inteira razão aos Apelantes quando referem que “o tribunal recorrido nenhuma apreciação critica expendeu quanto à desconformidade formal na apresentação das contas da Apelada”.
      Porém, tal omissão de decisão, na sentença recorrida, não configura a nulidade prevista na al. d), do n° 1 do art. 668°, do CPCivil.
      A omissão de pronúncia está relacionada com o comando contido no n.º 2, do art. 660º, do CPCivil, exigindo ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
      Do princípio de que a sentença deve resolver todas as questões suscitadas pelas partes exceptuam-se «aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
      Assim, por exemplo, se o tribunal se declara
incompetente para conhecer do pedido, em razão da matéria ou da hierarquia, não faria sentido que na sentença se pronunciasse ainda sobre as questões levantadas pelas partes quanto ao mérito da causa.
      Ora, quanto à omissão de decisão, estamos, pois, em presença dum caso em que, dados os termos da causa, o julgamento expresso na sentença – inexistência da obrigatoriedade de prestação de contas por parte da Apelada/Ré - tinha como consequência necessária o seguinte julgamento implícito: mostrar-se prejudicada a questão da eventual desconformidade formal na apresentação das contas.
      Assim, é manifesto que a decisão recorrida não padece da nulidade prevista no art. 668.°, n.º 1, al. d), 1ª parte, do CPCivil. 
      Concluindo, a omissão de pronúncia, referida na alínea d), do n.º 1, do art. 668º, do CPCivil, só acontece quando o julgador deixe por resolver questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
      Donde que o presente recurso improcede, quanto à imputação à sentença sob recurso da nulidade prevista na 1ª parte da alínea d), do nº 1, do art. 668º, do CPCivil (indevida omissão de pronúncia sobre questões que o juiz devesse apreciar).
      Destrate, não se verificam as nulidades arguidas pela Apelante.

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    3.) OBRIGAÇÃO DO MANDATÁRIO PRESTAR CONTAS.


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      Alegam os Apelantes que a Apelada viu-se efectivamente investida em poderes de administração de bens alheios e bens simultaneamente alheios e próprios, em virtude do contrato de mandato com representação celebrado, pelo que deve prestar contas dessa mesma administração, pois, em momento algum, fora dispensada de tal obrigação.
      Vejamos a questão.
      A acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que se venha a apurar - art. 1014º, do CPCivil.
      A obrigação de prestar contas é uma obrigação de informação. Esta existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias – art. 573º, do CCivil.
      Pode formular-se este princípio geral: quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses.[11]
      Umas vezes, essa obrigação resulta da própria lei, outras de negócio jurídico, e outras, até, do princípio geral da boa fé que impõe expressamente tal obrigação.
      O fim da acção de prestação de contas é, como se vê do art. 1014º, o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas de modo a obter a definição de um saldo e de determinar, assim, a situação do réu - de quite, de devedor, ou de credor - perante o titular dos interesses geridos, com apuramento do crédito para este eventualmente resultante da actuação daquele. Com o julgamento das contas apresentadas por uma ou por outra parte, visa-se apurar quem deve e o que deve.[12] 
      A prestação de contas tem por objecto o apuramento e aprovação de receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.
      Essa administração terá necessariamente de ser susceptível de gerar receitas, podendo também impor a realização de despesas; e do apuramento dessas duas realidades, resultará ou não um saldo que o administrador terá de pagar.
      Entre os legalmente obrigados à prestação de contas figura o mandatário.
      O Mandatário é obrigado a prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir – al. d), do art. 1161º, do CCivil.
      O mandato caduca por morte ou interdição do mandante ou do mandatário – al. a), do art. 1174º, do CCivil.
      Mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra – art. 1157º, do CCivil.
      Quer os actos jurídicos stricto sensu, quer os negócios jurídicos – figuras em que se desdobra o acto jurídico – podem ser objecto de mandato, estando definitivamente afastada a doutrina que circunscrevia os actos jurídicos, objecto do mandato, aos actos negociais.[13]
      Como decorre da própria definição legal, um dos elementos deste contrato é a actuação do mandatário por conta do mandante.
      Procuração é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa confere a outra poderes de representação, isto é, para, em nome dela, concluir um ou mais negócios jurídicos - art. 262º, n.º 1, do CCivil; o mandato, diversamente, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra - art. 1.157º, do CCivil.[14]
      Para que funcione o mecanismo da representação é mister que o agente tenha sido investido na qualidade de representante, através do conferimento de poderes de representação, o qual se processa através da procuração. Mas é também necessário que ao gente, titular do poder, actue contemplatio domini, invocando o nome do representado[15]
      O mandatário, pessoa que aceitou - que se obrigou - a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra, pode ser ou não representante do mandante. Mas se o for, como acontece quando celebra os negócios jurídicos para os quais lhe foram, pela procuração, atribuídos poderes representativos, não deixa de ser mandatário e, como tal, de ser titular dos direitos e obrigações do mandatário-representante - arts. 1161º e 1178º do CCivil.
      Nos casos de mandato representativo são de aplicar conjuntamente as normas da representação e do mandato - 1178º, n.º 1, do CCivil - porque a procuração, uma vez aceita, obriga o mandatário-procurador, em princípio, a celebrar o acto em nome do mandante.[16]
      Os Apelantes/Autores alegaram que foi outorgada uma procuração, em 1993-11-12, nos termos da qual, além do mais, foram conferidos poderes à Apelada/Ré para em nome de M, dar ou prometer arrendar, vender ou prometer vender,…, podendo pagar e receber quaisquer importâncias,…, celebrar escrituras, etc.
      Por procuração outorgada em 2001-11-06, M, constituiu a Apelada/Ré, sua bastante procuradora, nos termos da qual, além do mais, lhe conferiu poderes para prometer vender o prédio urbano, receber o sinal, como antecipação do pagamento final.
      Por sua vez, a Apelada/Ré interveio na qualidade de procuradora de M na escritura pública de partilhas realizada no dia 2000-10-30, e recebido a titulo de tornas a quantia de € 199.519,16.  
      Interveio por si, e na qualidade de procuradora de M na escritura pública de compra e venda realizada no dia 2000-04-18, na qual procederam à venda do prédio sito , e recebido a titulo de pagamento a quantia de € 78.560,67.
      Verifica-se assim, face à alegação dos Apelantes/Autores e dos documentos que tendo a Apelada/Ré celebrado actos jurídicos para os quais lhe foram, pelas procurações, atribuídos poderes representativos, não deixa de ser mandatária e, como tal, de ser titular dos direitos e obrigações do mandatário-representante.
      Tendo sido concedidos poderes ao réu, por procuração, para tratar de todos e quaisquer assuntos referentes à construção de uma moradia,…, e provando-se que os Autores fizeram diversas entregas de dinheiro para custear a obra, que foram despendidas pelo réu , há obrigação de prestar contas.[17]
      Concluindo, tendo a Apelada/Ré praticado actos jurídicos em nome e por conta do Mandante, e recebendo determinadas verbas em dinheiro, nos termos da al. d), do art. 1161º e 1178º, ambos do CCivil, está obrigada a prestar contas da sua administração.
      Assim sendo, haverá que anular a decisão proferida pelo tribunal “a quo”, e como os autos seguiram a forma de processo comum ordinário, a mesma deverá ser substituída por outra que seleccione a matéria de facto provada e controvertida com relevância para decisão da causa, nos termos dos artigos 508º e seguintes, do CPCivil.

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3.DISPOSITIVO
          

    DECISÃO:


      Pelo exposto, Acordam os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso de Apelação e, consequentemente, em anular-se a decisão proferida pelo tribunal “a quo”, a qual deverá ser substituída por outra que seleccione a matéria de facto provada e controvertida.    

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      REGIME DE CUSTAS:

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      Custas da Apelação pela Apelada, porquanto a elas deu causa por ter ficado vencida, e no mais pela parte vencida a final - art. 446.º, do CPCivil.


Lisboa,2008-02-14


(NELSON PAULO MARTINS DE BORGES CARNEIRO)

(ANA PAULA LOPES MARTINS BOULAROT)

(LÚCIA CELESTE DE SOUSA)

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[1] As conclusões das alegações do recorrente fixam o objecto e o âmbito do recurso – n.º 3, do art. 684.º e, n.º 1, do art. 690.º, do CPCivil.
  Todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
  Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
[2] LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2001, p. 670.
[3] LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO, ibidem.
[4] Ac. da Rel. do Porto de 13/11/1974, BMJ 241/344, e Ac. do STJustiça de 21/10/1988 , BMJ 380/444.
[5] Ac. do S.T.J. de 21/1/1978 (in BMJ 281/241).
[6] Ac. do S.T.J. de 30/5/1987 (in BMJ 387/456).
[7] ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, 1º Vol., pág. 325.

[8] ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, 1º Vol., pág. 325.

[9] ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, 1º Vol., pág. 326.

[10] LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.°, pág. 670.
[11] ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, 1º Vol., pág. 303.

[12] ALBERTO DOS REIS, RLJ 74º/46.

[13] MANUEL JANUÁRIO GOMES, Contrato de Mandato, 15.

[14] VAZ SERRA, Rev. Leg. Jur., 112º-222.

[15] MANUEL JANUÁRIO GOMES, Contrato de Mandato, 109.

[16] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. II, nota 3, ao art. 1178º.

[17] Ac. Rel. Évora de 1997-04-24, (in BMJ 466/607).