Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
633/2007-8
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: ÓNUS DA PROVA
RELAÇÃO JURÍDICA SUBJACENTE
LETRA
TÍTULO DE CRÉDITO
EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/29/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Sumário: Instaurada execução com base em letra, cabe ao executado o ónus de provar a inexistência de débito causal (relação fundamental) relativamente àquele que emerge do título cambiário (relação cambiária) que o executado assumiu pagar, assinando-o como aceitante.
(S.C.)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. J. […] instaurou no dia 13-1-2004 execução contra V.[…] com base em letra emitida em Viena no dia 21-7-2000 com vencimento no dia 31-5-2001 para dela haver a quantia de 2.500.000 xelins austríacos ( € 181.682,09) com juros vencidos (€ 28.402,149 e vincendos à taxa aplicável de 6%.

2. A executada deduziu oposição alegando essencialmente o seguinte:
a) Que só o original da letra é título executivo e não a sua fotocópia.
b) Que da letra não consta a assinatura do sacador.
c) Que no dia 1-8-2000 o exequente dirigiu-se à executada com um documento para esta assinar - que é a letra ora em execução - referindo que se a não assinasse nunca mais teria de volta a casa que arrendara nesse mesmo dia a Ana […] e que, se não fosse esse medo de nunca mais voltar a ter a casa de volta, nunca teria assinado a letra.
d) Que não há nem houve nenhuma justificação para a dívida titulada pela referida letra.

3. [ Refira-se, para compreensão, que essa casa tinha sido adquirida pela embargante no dia 31-3-1994, que fora vendida pelo exequente/embargado à dita Ana […] em 28-4-1999 com base em procuração passada pela ora embargante ao ora exequente, que a A. propôs acção para anulação dessa venda, mas veio a desistir do pedido no dia 17-11-1999, tudo factos anteriores à data de 1-8-2000 em que, segundo a executada, o exequente se dirigiu à executada para os fins alegadamente referidos; a executada veio entretanto a readquirir a referida casa adquirindo-a à Ana […] por escritura de 31-8-2001]

4. Na sua contestação aos embargos referiu o exequente que a letra, emitida em Viena no dia 21-7-2000, foi aceite pela executada como forma de garantia do pagamento do valor em dívida resultante da soma de diversos empréstimos que lhe foram feitos pelo próprio exequente ao longo de mais de três anos até essa data.

5. Na sentença considerou-se o seguinte:

a) Que, com a junção do original da letra, ficou prejudicada a questão da inexequibilidade da fotocópia.
b) Que a reprodução mecânica da assinatura é válida para efeitos de se considerar exarada no título a assinatura do sacador.
c) Que ao exequente cabe o ónus da prova do direito cujo cumprimento coercivo solicita.

6. Assim, com base nesta última razão, os embargos foram julgados procedentes.

7. Sustenta o recorrente que era à embargante que cabia demonstrar a inexistência da relação de crédito subjacente à subscrição da letra, mediante prova da sua inexistência ou então da existência de qualquer vício na formação da vontade.

8. A alegada ameaça sofrida pela oponente/embargante consubstancia um verdadeiro facto constitutivo do seu direito cuja prova lhe cabia fazer e não fez.

9. Remete-se para os termos da decisão de 1ª instância que decidiu a matéria de facto: ver fls. 408/411.

Apreciando:
10. Dos factos alegados com relevância para a decisão temos a considerar aqueles que referem que “ a oponente/executada foi vítima de pressões por parte do exequente/embargado” e que “ a oponente/executada assinou o título executivo que serve de base à presente execução por pressão do exequente/embargado”.

11. O tribunal não deu como provado nem que “ a oponente/executada não tivesse consciência do que é que estava a assinar” nem que a oponente/executada seja devedora do exequente/embargado da importância de dois milhões e quinhentos mil xelins austríacos resultantes de empréstimos por este feitos ao longo de vários anos”.

12. Não consta nem da matéria provada nem da matéria não provada os factos alegados na petição de oposição/embargos, a saber:

1. No dia 1-8-2000, quando a executada celebrou com contrato de arrendamento, como arrendatária, com Ana […], a quem veio a readquirir o mesmo imóvel que antes lhe vendera, o exequente dirigiu-se à executada com a letra em causa nos autos para esta assinar?

2. E nesse momento por ele foi referido que, se ela não assinasse esse documento, nunca mais teria a casa de volta e, por isso, a custo o assinou?

3. Se não fosse esse medo de nunca mais voltar a ter a sua casa, a executada nunca teria assinado esse documento?

4. O exequente bem sabia que a executada não lhe devia dinheiro nenhum e que, ao preencher o documento nos termos em que apresentava, estava a tentar impor uma declaração de vontade à executada que não correspondia à realidade?

13. No que respeita ao ónus da prova importa atentar no entendimento segundo o qual o ónus da prova, nos embargos de executado, de que a quantia reclamada com base na relação cambiária não corresponde a efectivo crédito à luz da relação subjacente, cabe ao executado, não ao exequente:

Veja-se:

I - Os embargos de executado traduzem-se numa acção de simples apreciação negativa.
II - Apesar de ser uma acção de simples apreciação negativa não se observa a regra de ónus da prova contida no n.º 1 do art.º 343 do CC, já que as razões que levaram o legislador a inverter o ónus da prova nas acções de simples apreciação declarativa não têm cabimento nos embargos de executado.
V.G.
08-02-2001
Revista n.º 3772/00 - 7.ª Secção
Miranda Gusmão (Relator)
Sousa Inês
Nascimento Costa

I - A responsabilidade do avalista, e não obstante a natureza de independência ou de autonomia material do aval face à obrigação cambiária, só pode ser excluída no caso desta se encontrar ferida de nulidade por vício formal ou, se a livrança já se encontrar paga.
II - Invocando o embargante uma situação de pagamento parcial da livrança por parte do subscritor e o que lhe era legítimo alegar a esse propósito, se tal matéria não obteve a necessária comprovação, uma vez que a ele lhe cumpria o ónus de prova da excepção, decai nos embargos.
V.G.
05-06-2001
Revista n.º 1480/01 - 1.ª Secção
Lemos Triunfante (Relator)
Torres Paulo
Reis Figueira

I - Numa acção executiva basta a invocação dum título de crédito para, de imediato, não havendo oposição, se avançar para a fase de afectação de bens patrimoniais do executado para garantia da cobrança do crédito reclamado.
II - Daí que seja ao executado, no caso de deduzir oposição, que incumbe a alegação e a prova dos fundamentos que obstam àquela eficácia executiva ou permitam concluir pela inexistência ou invalidade da obrigação.
III - No caso de títulos de crédito em branco, a sua mera invocação para execução pressupõe que foram preenchidos com respeito do acordo, expresso ou tácito, previamente estabelecido entre os interessados.
27-06-2002
Agravo n.º 1591/02 - 2.ª Secção
Duarte Soares (Relator)
Simões Freire
Ferreira Girão

O regime do ónus de afirmação (e prova) na oposição à execução (embargos de executado) traduz-se em ser o embargante (executado) a ter de afirmar o fundamento (causa de pedir) do seu pedido.
13-02-2003
Revista n.º 4577/02 - 7.ª Secção
Miranda Gusmão (Relator) *
Sousa Inês
Nascimento Costa

Os embargos de executado são um meio de oposição ou defesa no processo executivo (art.ºs 813 a 816 do CPC), cabendo ao embargante alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente, designadamente, a inexistência de causa debendi em acção cambiária.
11-11-2004
Revista n.º 3471/04 - 7.ª Secção
Ferreira de Sousa (Relator)
Armindo Luís
Pires da Rosa

Ac. do S.T.J,. de 26-2-2006 (Pires da Rosa) C.J.,1, pág. 94
I-A letra mantém-se nos seus precisos termos como título executivo enquanto o obrigado cambiário não provar que a obrigação incorporada na letra não exista
II- Improcedem os embargos à execução de letra se o obrigado cambiário não fizer prova de que não deve a quantia constante da letra

Ac. do S.T.J. de 9-5-2006 (P. 989/2006) (João Camilo)
I. O conteúdo do depoimento de parte no que exceder a confissão de factos desfavoráveis à mesma parte, constitui meio de prova de livre apreciação pelo tribunal.
II. Logo, as respostas dadas a factos da base instrutória com fundamento naquela parte do depoimento não é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça.
III. Em embargos de executado em que está em causa como títulos executivos, quatro letras de câmbio sacadas pela exequente e aceites pela executada, incumbe a esta, nos termos do nº 2 do art. 342º do Cód.Civil, a prova da inexistência de relação subjacente à subscrição daquelas, sob pena de improcedência dos embargos deduzidos com fundamento na mesma inexistência.

Ac. da Relação do Porto de 13-3-2003 (Teles de Menezes) C.J., 2, pág. 179
Em sede de embargos de executado o ónus da prova da inexistência de “causa debendi” impende sobre o embargante

Ac. da Relação do Porto de 21-10-1996, C.J., 5, 183
I- Em execução instaurada, com base em letra de câmbio, pelo sacador contra o aceitante, pode este deduzir, por embargos à execução, como sua defesa, excepções fundadas nas suas relações pessoais para provar não ter o título correspondência com um débito real
II- Como facto extintivo do direito cambiário do portador do título é sobre o executado que incide o ónus de alegar e provar a inexistência de causa justificativa da aposição da sua assinatura no lugar destinado ao aceite.

14. Do exposto conclui-se o seguinte:

1º- O ónus da prova da inexistência da relação fundamental cabe ao executado; não provando o executado que não deve e não provando o exequente que o executado deve , o non liquet, resolve-se contra o executado e, por conseguinte, os embargos devem improceder.

2º No caso em apreço, em que o tribunal se absteve de formular base instrutória, não constam da matéria provada nem da matéria não provada os factos acima referenciados; uma vez provados, procedem os embargos.

15. Nestes termos devem os autos baixar ao tribunal recorrido para ampliação da base instrutória, aditando-se os indicados quesitos (artigo 712.º/4 do C.P.C.).

16. E como resulta do disposto no artigo 712.º/4 do C.P.C., a ampliação, ora determinada, não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.

17. Refira-se ainda, no que respeita aos factos provados, em que o tribunal fala de “pressão” exercida sobre a executada/embargante que tais respostas são manifestamente obscuras pois não se concretizam as referidas pressões e bem interessa saber se tais pressões correspondem aos factos a aditar, acima indicados, ou correspondem a outra realidade.

Concluindo:
Instaurada execução com base em letra, cabe ao executado o ónus de provar a inexistência de débito causal (relação fundamental) relativamente àquele que emerge do título cambiário (relação cambiária) que o executado assumiu pagar, assinando-o como aceitante

Decisão: anula-se o julgamento por obscuridade no que respeita às respostas 15º e 17ª e para ampliação da matéria de facto, considerados os factos indicados
Lisboa, 29 de Março de 2007
(Salazar Casanova)
(Silva Santos)
(Bruto da Costa)