Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3528/14.1YYLSB.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE MÚTUO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. O art. 4.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que aprovou o atual C.P.C., não revogou o Dec. Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, o qual, assim, se mantém em vigor.
2. Por conseguinte, os documentos particulares consubstanciados nos contratos de mútuo, dados à execução, constituem títulos executivos, pois:
- titulam atos, no caso, contratos de mútuo, realizados pela CGD;
- prevêm a existência de obrigações por parte da mutuária;
- estão assinado pela devedora, aqui executada.
pelo que:
- cabem na previsão do citado art. 703º, nº 1, al. d);
- estão revestido de força executiva, sem necessidade de quaisquer outras formalidades.
3. O Ac. do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, de 23.09, publicado no DR n.º 201/2015, Série I, de 14.10.2015, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do C.P.C., aprovado em anexo à Lei nº 41/2013, de 26.06, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, nº 1, alínea c), do C.P.C. de 1961, constante dos artigos 703º do C.P.C., e 6º, nº 3, da Lei nº 41/2013, de 26.06.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO:
Caixa Geral de Depósitos, S.A., instaurou, no dia 8 de abril de 2014, ação executiva para pagamento de quantia certa, contra A [ Maria …..], constando do respetivo requerimento executivo, além do mais, o seguinte:
«1.º
No exercício da sua actividade creditícia, a exequente celebrou com a executada sete contratos de mútuo.
o primeiro da quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) (Doc. 1).
o segundo da quantia de € 1.418,00 (mil quatrocentos e dezoito euros) (Doc. 2).
o terceiro da quantia de € 6.800,00 (seis mil e oitocentos euros) (Doc. 3).
o quarto da quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) (Doc. 4).
o quinto da quantia de € 3.619,00 (três mil seiscentos e dezanove euros) (Doc. 5).
o sexto da quantia de € 3.605,31 (três mil seiscentos e cinco euros e trinta e um cêntimos) (Doc. 6).
o sétimo da quantia de € 3.800,00 (três mil e oitocentos euros) (Doc. 7).
2.º
O capital mutuado destinou-se às finalidades constantes dos contratos (Docs. 1 a 7).
3.º
Os prazos de pagamento constam dos respectivos contratos (Docs. 1 a 7).
4.º
A mutuária deixou de cumprir a obrigação de pagar após a prestação que se venceu:
No primeiro contrato em 25/07/2012, vencendo-se nessa data todo o valor em dívida
No segundo contrato em 29/06/2008, vencendo-se nessa data todo o valor em dívida
No terceiro contrato em 22/06/2008, vencendo-se nessa data todo o valor em dívida
No quarto contrato em 09/08/2008, vencendo-se nessa data todo o valor em dívida
No quinto contrato em 18/07/2008, vencendo-se nessa data todo o valor em dívida
No sexto contrato em 23/01/2010, vencendo-se nessa data todo o valor em dívida
No sétimo contrato em 20/07/2008, vencendo-se nessa data todo o valor em dívida
5.º
O crédito cuja cobrança coerciva se requer e respectivos juros, vencidos e vincendos, está consubstanciado em título executivo, de harmonia com o disposto no artigo 9,4 do Dec-Lei 287/93 de 20 de Agosto.
6.º
Pretende a exequente haver da executada a quantia de € 27.077,71, acrescida de juros vincendos até efectivo e integral reembolso.
7.º
Os juros vencidos e vincendos estão sujeito a imposto de selo à taxa de 4%
8.º
O mencionado crédito encontra-se vencido e é exigível.
(...)
Valor Líquido                                                                       20,730,96 €
Valor dependente de simples cálculo aritmético              6.251,95 €
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético         94,80 €
                                                                Total          27.077,71 €
No primeiro contrato encontram-se em dívida à exequente:
- capital                                                                      € 1.533,68
- Juros de 25/07/2009 a 04/04/2014                    € 312,63
o que perfaz a quantia de                                                €1.846,31
A partir de 04/04/2014, o débito agravar-se-á, quanto a juros vincendos, em € 0,30 por dia, encargo correspondente a juros calculados à taxa actualizada de 7%, que inclui a sobretaxa de 2% ao ano nos termos do Decreto Lei n.º 58/2013 de 08 de Maio (Doc. n.º 2).
No segundo contrato, encontram-se em dívida à exequente:
- capital                                                                        € 827,20
- Juros de 29/06/2008 a 04/04/2014                                € 256,83
o que perfaz a quantia de                                             € 1.084,03
A partir de 04/04/2014, o débito agravar-se-á, quanto a juros vincendos, em € 0,16 por dia, encargo correspondente a juros calculados à taxa actualizada de 7%, que inclui a sobretaxa de 2% ao ano nos termos do Decreto Lei n.º 58/2013 de 08 de Maio (Doc. n.º 8).
No terceiro contrato, encontram-se em dívida à exequente:
- capital                                                                       € 5.516,80
- Juros de 22/06/2008 a 04/04/2014                                € 1.365,70
o que perfaz a quantia de                                              € 6.882,50
A partir de 04/04/2014, o débito agravar-se-á, quanto a juros vincendos, em € 1,09 por dia, encargo correspondente a juros calculados à taxa actualizada de 7%, que inclui a sobretaxa de 2% ao ano nos termos do Decreto Lei n.º 58/2013 de 08 de Maio (Doc. n.º 10).
No quarto contrato, encontram-se em dívida à exequente:
- capital                                                                       € 5.591,42
- Juros de 09/08/2008 a 04/04/2014                                € 1.673,00
o que perfaz a quantia de                                               € 7.264,42
A partir de 04/04/2014, o débito agravar-se-á, quanto a juros vincendos, em € 1,09 por dia, encargo correspondente a juros calculados à taxa actualizada de 7%, que inclui a sobretaxa de 2% ao ano nos termos do Decreto Lei n.º 58/2013 de 08 de Maio (Doc. n.º 11).
No quinto contrato, encontram-se em dívida à exequente:
- capital                                                                        € 2.873,44
- Juros de 18/07/2008 a 04/04/2014                                   € 850,75
o que perfaz a quantia de                                                € 3.724,19
A partir de 04/04/2014, o débito agravar-se-á, quanto a juros vincendos, em € 0,56 por dia, encargo correspondente a juros calculados à taxa actualizada de 7%, que inclui a sobretaxa de 2% ao ano nos termos do Decreto Lei n.º 58/2013 de 08 de Maio (Doc. n.º 12).
No sexto contrato, encontram-se em dívida à exequente:
- capital                                                                        € 588,42
- Juros de 23/01/2010 a 04/04/2014                                € 542,35
- Comissões                                                                 € 94,80
o que perfaz a quantia de                                                € 1.225,57
A partir de 04/04/2014, o débito agravar-se-á, quanto a juros vincendos, em € 0,25 por dia, encargo correspondente a juros calculados à taxa actualizada de 12,950%, que inclui a sobretaxa de 3% ao ano nos termos do Decreto Lei n.º 58/2013 de 08 de Maio (Doc. n.º 13).
No sétimo contrato, encontram-se em dívida à exequente:
- capital                                                                       € 3.800,00
- Juros de 20/07/2008 a 04/04/2014                                  € 1.250,69
o que perfaz a quantia de                                              € 5.050,69
A partir de 04/04/2014, o débito agravar-se-á, quanto a juros vincendos, em € 0,96 por dia, encargo correspondente a juros calculados à taxa actualizada de 9%, que inclui a sobretaxa de 4% ao ano nos termos do Decreto Lei n.º 58/2013 de 08 de Maio (Doc. n.º 11).
Sobre os juros vencidos e vincendos de todos os contratos deve ser calculado selo à taxa de 4%.»
Com o requerimento executivo juntou, como títulos executivos, os documentos particulares que constituem os contratos de mútuo ali identificados, assinados pela exequente e pala executada.
*
Na primeira vez que o processo lhe foi concluso, a senhora juíza a quo proferiu o despacho datado de 26 de maio de 2014, com o seguinte teor:
«A acção executiva consiste em processo de jurisdição mediante o qual o autor “requer as providências adequadas à realização coactiva de uma obrigação que lhe é devida” (artigo 10.º, n.º 4 do Novo Código de Processo Civil).
A realização coactiva da prestação, a ter lugar na Execução, pressupõe a anterior definição dos elementos da relação jurídica que a fundamenta, sendo o título executivo o elemento que consubstancia tal definição, constituindo a base da execução, determinando o fim e os limites da acção executiva (artigo 10.º, n.º 5 do Novo Código de Processo Civil).
*
Nos termos do disposto no artigo 703.º, n.º 1 do Novo Código de Processo Civil, à execução apenas podem servir de base os títulos elencados, a saber:
- As sentenças condenatórias;
- Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
- Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
- Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
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A enumeração legal é taxativa, pelo que quaisquer outros documentos apenas têm a virtualidade de, em sede de acção declarativa, constituírem elementos de prova para obtenção de sentença condenatória, que constitui título executivo nos termos da lei.
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Com o Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, o Legislador entendeu restringir o elenco de títulos executivos, excluindo os anteriormente previstos documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constante, ou de obrigação de entrega ou de prestação de facto, atendendo ao diminuto grau de segurança jurídica dos mesmos.
O Exequente apresenta como título executivo um documento que consubstancia um reconhecimento de dívida onde nem sequer há um reconhecimento notarial da declaração, não se tratando pois de documento autêntico, definido como o documento exarado, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência, notário ou outro oficial provido de fé pública (artigo 363.º, n.º 1 do Código Civil).
Todos os outros documentos são particulares, sendo tidos por autenticados quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais (artigo 363.º, n.º 2 do Código Civil e 150.º do Código do Notariado).
Acresce que, é nosso entendimento, tendo em conta quer o espirito da lei que figura no âmbito da revisão do elenco dos títulos executivos, quer o princípio da igualdade, que se encontra claramente derrogado o art. 9º, nº 4 do Dec.-lei nº 287/93, de 20.08.
Assim, da análise do documento apresentado resulta que o mesmo é um documento particular, que não constitui documento autenticado, uma vez que o seu teor não foi confirmado perante notário, nos termos legais.
Concluímos, assim, que o documento apresentado não configura título executivo elencado no artigo 703.º do Novo Código de Processo Civil, pelo que o Exequente não dispõe de título que lhe permita intentar acção executiva.
*
Nestes termos e pelo exposto, atento o disposto no artigo 726.º, n.º 2, al. a) do Novo Código de Processo Civil, indefiro liminarmente o requerimento executivo.
Custas pelo Exequente (artigo 446.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Notifique.
Oportunamente, arquive.»
*
Notificada desse despacho, no dia 26 de junho de 2014 a recorrente interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
«I - os documentos particulares dados à execução são título executivo por força do art.9º.-4 do D.L. 287/93 de 20 de Agosto
II - Esta norma não foi revogada pelo NCPC
III - Nem se pode considerar derrogada, como pretende o Tribunal “a quo” pelo espírito da lei nem pelo princípio da igualdade , pois existem inúmeras outras normas especiais para situações especiais que prevêem documentos particulares como títulos executivos; essa a razão da alínea d) do artigo 703º. do NCPC;
IV- Mas mesmo que assim não se entendesse, os contratos particulares assinados antes da entrada em vigor do NCPC têm de se considerar títulos executivos para as novas execuções, sendo que a interpretação em sentido contrário do art.6º., nº3 da Lei 41/2013, seria claramente inconstitucional por violar as legítimas expectativas dos seus portadores, pondo em causa o principio constitucional por violação da segurança e protecção de confiança integrador do principio do Estado de Direito Democrático, previsto no artigo 2º. Da Constituição da República Portuguesa, sendo que os objectivos do novo Código não são suficientemente importantes para derrogar esse princípio.
V- Decidindo em sentido contrário violou o tribunal “a quo” o artigo 9, 4 do D.L. 287/93 de 30 de Agosto e artigo 703,d) do NCPC , art. 12º. do Código Civil e ainda o artigo 2º CRP
Termos em que,
A decisão recorrida deve ser revogada, e substituída por outra que ordene o prosseguimento da execução,
Com o que fará Justiça».
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Só no dia 25 de maio de 2019, cerca de 5 (cinco) anos após a interposição do recurso, foi proferido o seguinte despacho:
«Por ter sido interposto de decisão que o admite, ter sido apresentado por quem tem legitimidade para o efeito, e dentro do prazo legal, admito o recurso consubstanciado no requerimento em apreço (arts. 852º, 853º, n.º 3, 638º, n.º 1, todos do N.C.P.C.).
O mesmo é de apelação, sobe imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (arts. 852º e 853º, n.º 4, ambos do N.C.P.C.).
*
Notifique, sendo a Executada quer para os termos do recurso, quer para os da causa (art. 641º, n.º 7 do N.C.P.C.).»
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Em 27 de junho de 2022 foi proferido novo despacho com o seguinte teor:
«Em face da decisão que, ao abrigo do disposto no artigo 726.º, n.º 2, al. a) do Novo Código de Processo Civil, indeferiu liminarmente o requerimento executivo, o prosseguimento da execução, com realização de actos de penhora e adjudicação de rendimentos é ilegal, carecendo em absoluto de fundamento legal.
Assim, ao abrigo do disposto no art. 195.º do N.C.P.C., anulo todo o processado praticado pela AE posterior ao despacho de admissão do recurso e citação da executada, e, consequentemente:
- ordeno o levantamento da penhora, devendo ser devolvido à executada os montantes penhorados, com documentação nos autos daquela devolução;
- condeno a AE, pela violação do disposto nos citados artigos e realização de penhora e adjudicação de rendimentos sem fundamento legal, em multa que fixo em 2 UC’s.
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Cumpra-se o determinado no despacho anterior.»
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Só em 7 de julho de 2022:
a) mais de 8 (oito) anos depois:
- da instauração da execução;
- da prolação do despacho recorrido;
- da interposição do recurso
b) mais de três anos depois da prolação do despacho que admitiu o recurso, é que os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação de Lisboa.
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III – ÂMBITO DO RECURSO:
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Assim, perante as conclusões da alegação da apelante, a única questão que se coloca consiste em saber se os documentos particulares dados à execução pela exequente Caixa Geral de Depósitos, consubstanciando contratos de mútuo, são dotados de força executiva.
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III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
Os factos relevantes para a decisão do recurso são os que constam do relatório supra.
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3.2 – Fundamentação de direito:
Nos termos do art. 703.º, n.º 1, al. d), à execução podem servir de base «os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.»
O art. 1.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 287/93, de 20.08, transformou a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, estabelecendo o seu art. 9.º, n.º 4 que «os documentos que, titulando acto ou contrato realizado pela Caixa, prevejam a existência de uma obrigação de que a Caixa seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades.»
Tal como decidido no Ac. da R.C. de 17.12.2014, Proc. n.º 295/13.0TBPNI-A.C1 (Maria Domingas Simões), in www.dgsi.pt, «a suficiência do título traduz a exigência de que a obrigação exequenda dele conste, sem necessidade de indagação, sendo a sua existência por ele presumida. Numa outra formulação, o título executivo há-de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda; trata-se do documento capaz de, por si só, revelar, com um grau de razoável segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo, isto sem prejuízo da possibilidade do executado fazer prova de que, apesar do título, a dívida não existe - ou porque a obrigação, apesar da aparência, nunca se chegou a constituir, ou porque se extinguiu ou modificou, assim contrariando a aparência do direito que resulta do título.»
No caso concreto, estão em causa contratos de mútuo, contratos reais “quoad constitutionem”, o que significa que apenas se completam com a entrega da coisa; ou seja, a conclusão do contrato de mútuo e, por conseguinte, a vinculação do mutuário à obrigação de restituir, depende da disponibilização pelo mutuante das quantias neles referidas (arts. 408º, nº 1, in fine, e 1142º, do Cód. Civil).[1]
Tratando-se de um empréstimo em dinheiro, isso implica a transferência desse dinheiro do mutuante para o mutuário, que dele se torna proprietário, o qual, por sua vez, fica obrigado a restituir igual importância àquele, nos termos acordados.
Nos contratos de mútuo dados à execução consta expressamente, como se viu, a entrega do montante em cada um deles titulado, à executada, na data da perfeição do contrato,
Cada um dos contratos de mútuo ficou perfeito na data da respetiva assinatura.
A executada logo se confessou, em cada um dos contratos, devedora à CGD da quantia em cada um deles titulada.
No requerimento executivo, a CGD liquidou a obrigação exequenda através de simples cálculo aritmético, nos termos legalmente previstos no art. 716.º.
O art. 4.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que aprovou o atual C.P.C., não revogou o Dec. Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, o qual, assim, se mantém em vigor.
Por conseguinte, os documentos particulares consubstanciados nos contratos de mútuo, dados à execução constituem título executivo, pois:
- titulam atos, no caso, contratos de mútuo, realizados pela CGD;
- prevêm a existência de obrigações por parte da mutuária;
- estão assinado pela devedora, aqui executada.
pelo que:
- cabem na previsão do citado art. 703º, nº 1, al. d);
- estão revestido de força executiva, sem necessidade de quaisquer outras formalidades.
A propósito, afirma Lebre de Freitas, que «também documentos particulares podem constituir título executivo por disposição legal da lei.
Deles constituem exemplo (...) o documento de contrato de mútuo concedido pela Caixa Geral de Depósitos, nos termos do art. 9-4 do DL 287/93, de 20 de agosto.»[2].
No mesmo sentido veja-se ainda Marco Carvalho Gonçalves, para quem, «nos termos do art. 9.º, n.º 4, do DL n.º 287/93, de 20 de abril, os documentos que, simultaneamente, titulem atos ou contratos realizados pela Caixa Geral de Depósitos, que prevejam a existência de uma obrigação de que essa instituição bancária seja credora e que se encontrem assinados pelo devedor revestem força executiva, sem necessidade de outras formalidades. É o que sucede, por exemplo (...) com um contrato de mútuo, concedido pela Caixa Geral de Depósitos, desde que se encontre assinado pelo devedor.»[3].
Além disso, o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, de 23 de setembro de 2015, publicado no DR n.º 201/2015, Série I, de 14 de outubro de 2015, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do C.P.C., aprovado em anexo à Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, nº 1, alínea c), do C.P.C. de 1961, constante dos artigos 703º do C.P.C., e 6º, nº 3, da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
Consequentemente, à luz da doutrina consagrada neste acórdão do T.C., sempre os documentos dados à execução pela CGD teriam de ser considerados títulos executivos.
Por isso, sem necessidade de mais considerandos, por desnecessários, se conclui que os documentos particulares dados à execução pela CGD, consubstanciados nos contratos de mútuo a que nos vimos reportando, constituem títulos executivos.
*
IV - DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram esta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação procedente, em consequência do que revogam o despacho recorrido e determinam a devolução dos autos à primeira instância, onde a execução deverá prosseguir seus regulares termos.
Custas pela apelada - arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2, do C.P.C..

Lisboa, 13 de setembro de 2022
José Capacete
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
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[1] Sobre a questão do caráter real quoad constitutionem do mútuo, veja-se Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, 4.ª Edição, Almedina, 2006, pp. 384 ss.
[2] A Ação Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª Edição, Gestlegal, 2017, p. 83.
[3] Lições de Processo Civil Executivo, Almedina, 2016, p. 120. Na jurisprudência vejam-se, por todos, os arestos citados pelo Autor nas notas 357 e 359 da referida página.