Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | PIMENTEL MARCOS | ||
| Descritores: | COMPETÊNCIA MATERIAL GESTÃO PÚBLICA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 12/16/2003 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
| Sumário: | Os tribunais administrativos apenas são competentes para dirimir litígios emergentes de relações jurídico- administrativas. A lei não permite que dois réus sejam demandados num único processo se, em relação a cada um deles, o tribunal competente em razão da matéria não for o mesmo. Formulando-se o mesmo pedido contra uma entidade de direito privado e um Município (actuando este no domínio do ius imperii), deve este ser absolvido da instância. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.
A instaurou acção com processo sumário Contra P. e o Município... Pelos danos resultantes deste acidente seriam responsáveis ambos os RR: a P. por ser a responsável pelas ligações telefónicas na cidade de Lisboa e por não ter cumprido, no caso, as regras de segurança dessas instalações; o Município por não ter fiscalizado a segurança da via pública, como lhe competia. Ambos os RR contestaram, alegando não serem responsáveis pelas consequências do acidente. O Município excepcionou a incompetência do tribunal cível, em razão da matéria, dizendo serem competentes os tribunais administrativos, uma vez que estaríamos perante um caso de responsabilidade civil extra-contratual por acto de gestão pública omitido pelos seus agentes, tendo, consequentemente, por base uma relação jurídica administrativa. O autor não respondeu a esta contestação. * Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.Os factos a ter em consideração são os referidos. O DIREITO. Diga-se desde já que se tivessem sido propostas duas acções (em relação a cada um dos RR em separado) o tribunal cível seria incompetente em razão da matéria quanto ao Município, pelo que este deveria te sido absolvido da instância (como foi). E também não há qualquer dúvida de que em relação a P o tribunal recorrido seria o competente, pelo que não poderia ter sido absolvido da instância com tal fundamento. Vejamos. I Como estabelece o artigo 66º do CPC “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”. No mesmo sentido o nº 1 do artigo 18º da LOFTJ (Lei 3/99, de 13.01). Consagra-se aqui a competência residual dos tribunais judiciais. Assim, são da competência destes tribunais (antes designados de tribunais comuns) as causas que não forem atribuídas por lei a qualquer jurisdição especial. A competência dos tribunais comuns é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual. E, como determina o artigo 67º, as leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada. Na base da competência em razão da matéria está o princípio da especialização, que permite reservar para certas categorias de tribunais o conhecimento de certas causas, atendendo à especificidade das matérias. Tratando-se, como se trata, de uma acção cível relativa a um acidente de viação ocorrido em Lisboa, em que é demandada uma entidade particular, não há qualquer dúvida de que o tribunal competente seria um dos juízos cíveis desta comarca (artºs. 62º, 64º e 99º da LOFTJ), o que, de resto, não é posto em causa. É que os tribunais de comarca são, em princípio, de competência genérica (artº 16º, nº 3, 62º, nº 2 e 77º) e na comarca de Lisboa são os tribunais cíveis que gozam dessa competência (artº 99º) II No artigo 209º da C.R.P. prevê-se a existência de várias categorias de tribunais. Aí estão incluídos, nomeadamente, os chamados tribunais judiciais e os tribunais administrativos e fiscais. O nº 1 do seu art. 211º estabelece que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”. Nos termos do nº 3 do artº 212º, “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. De forma semelhante estabelece o art. 3º do ETAF. Temos assim que os tribunais administrativos apenas são competentes para dirimir litígios emergentes de relações jurídico- administrativas. Mas, como resulta do preceituado no nº 1 do artº 4º do ETAF, existem recursos e acções que estão excluídos da jurisdição administrativa. Aí se referem nomeadamente as questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público (f) - trata-se, portanto, de um critério jurídico e não orgânico, isto é, mesmo que se trate de duas pessoas de direito público poderemos estar perante uma relação de direito privado. Neste caso não existe uma relação jurídica de direito administrativo, e, portanto, os tribunais administrativos não são competentes para o seu julgamento - e as acções cuja apreciação pertença por lei à competência de outros tribunais (g) - consagra-se assim uma cláusula de natureza residual. E como já dissemos, nos termos do art. 66º do CPC são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. Neste mesmo sentido já estabelecia o art. 14º da LOTJ (DL 38/87, de 23.12), tal como agora o artigo 18º da LOFTJ. III Em qualquer acção, a causa de pedir é o acto ou facto jurídico de que deriva o direito que o autor pretende fazer valer. No caso em apreço, os fundamentos da acção são essencialmente os alegados prejuízos sofridos pelo agravante e o acidente do quais os mesmos terão resultado. Ora, a competência do tribunal em razão da matéria afere-se sempre pela pretensão deduzida pelo autor e segundo a versão por ele apresentada na petição. Nos termos da alínea h) do artigo 51º do ETAF, compete aos tribunais administrativos de círculo conhecer das acções sobre responsabilidade civil do Estado e dos demais entes públicos...decorrentes de actos de gestão pública... Mas este artigo 51º refere-se apenas à repartição da competência entre os vários tribunais administrativos. E já vimos que existem alguns casos (que em princípio seriam da competência dos tribunais administrativos) expressamente excluídos da jurisdição administrativa (als. f) e g) do artº 4º do ETAF). Por isso duas questões bastante complexas se deparam com frequência para se averiguar da competência dos tribunais administrativos em razão da matéria: 1. o que se deve entender por “relação jurídica de direito administrativo”. 2. como fazer a distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada. A este propósito escreve o Prof. Freitas do Amaral in “ Direito Administrativo” Vol. III (pag 423) que relação jurídica de direito administrativo “é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impões deveres aos particulares perante a administração”. Sérvulo Correia entende que é administrativa a relação jurídica “disciplinada em termos específicos do sujeito administrativo, entre pessoas colectivas da Administração ou entre a Administração e os particulares” E também há que fazer a distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada. A questão coloca-se, assim, em saber quando é que a Administração Pública pratica actos no exercício da sua actividade de gestão pública ou actos no exercício da sua actividade de gestão privada, pois só para o julgamento daqueles são competentes os tribunais administrativos. Actos de gestão pública serão aqueles em que a administração actua no exercício de poderes de autoridade, disciplinados pelas normas de direito administrativo. Serão actos de gestão privada aquelas em que a administração actua despida desses poderes, ou seja, do ius imperii, estando sujeitos às mesmas regras que vigorariam no caso de serem praticados por simples particulares. Pode também dizer-se que são actos de gestão pública os actos praticados por órgãos ou agentes da administração pública, no exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público. É óbvio que se trataria de actos de gestão pública, ou seja, a CML não teria praticado, como lhe competiria, os actos referidos pelo autor, no exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público. E como teria a obrigação de os praticar, seria responsável pelas consequências do acidente. E deste modo seriam os tribunais administrativos os competentes para o julgamento da causa. Mas diz o agravante que: A acção devia ser proposta contra os dois RR, o que aconteceu, existindo por isso um litisconsórcio passivo dos recorridos ... O agravante pagará 50% das custas devidas. Lisboa, 16.12.2003. Pimentel Marcos Jorge Santos Vaz das Neves _______________________________________________________ [1] Miguel Teixeira de Sousa, in “As Partes...”, pag 87. [2] Nas alegações de recurso, em vez de fazer referência a um simples despacho, o recorrente refere sempre o “acórdão recorrido”, certamente por lapso. |