Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1409/2008-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: EXECUÇÃO
INÉRCIA DAS PARTES
REMESSA A CONTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – Num processo de execução, o requerimento de remessa dos autos à conta para liquidação, quando não se mostra garantido o pagamento da quantia exequenda nem que ocorreu qualquer outro facto extintivo da execução, não constitui um acto de impulsão do processo.
II – Assim, tal requerimento não obsta a que os autos sejam remetidos à conta nos termos do art.º 51º nº 2 do C.C.J. (paragem do processo por inércia das partes).
(JL)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

Em 05.4.2002 T, S.A. requereu, no 1º Juízo Cível de Lisboa, contra A, execução, com processo sumário, de sentença que havia sido proferida naquele tribunal condenando o executado a pagar ao ora exequente a quantia de Esc. 1 222 227$00 (€ 6 096,44) acrescida de juros e imposto de selo – liquidando o devido, à data da execução, em € 10 020,03.

O exequente nomeou à penhora diversos bens móveis pertencentes ao executado, os quais foram vendidos por negociação particular, tendo-se obtido com a venda o total de € 50,00.

Por requerimento do exequente fizeram-se diligências visando apurar a existência de outros bens penhoráveis, tendo-se apurado que o executado auferia rendimentos de trabalho subordinado e ainda que no registo automóvel encontra-se inscrita, a seu favor, a propriedade de um automóvel marca Morris Mini Clubman, do ano de 1973.

Ordenada, a requerimento do exequente, a penhora de 1/3 do vencimento do executado, veio a entidade patronal informar que o executado auferia tão só o correspondente ao salário mínimo nacional.

O exequente desistiu da aludida penhora e simultaneamente requereu que “atento o mais que dos autos consta e porque não conhece nem tem forma de localizar outros bens pertencentes ao executado, requer a V. Exa., se digne ordenar a remessa dos autos à Secção Central, para efeitos de se proceder a liquidação.”

Em 06.6.2007 foi proferido despacho com o seguinte teor:

Indefiro a remessa dos autos à secção central para efeitos de liquidação por tal acto se revelar desnecessário, uma vez que resulta claramente dos autos a insuficiência dos bens penhorados (Euros: 50,00) para garantir o montante da quantia exequenda e legais acréscimos.

Notifique.

O exequente agravou deste despacho, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:

1. Com o disposto no artigo 51°, n. 2, alínea b), do Código das Custas Judiciais, pretende-se prevenir a inércia da parte motivada por negligência ou desleixo, ou seja, pela falta de exigível diligência;

2. A prática de acto processual adequado e oportuno interrompe o prazo consignado naquelas disposições legais;

3. Não se conhecendo outros bens ou valores ao executado, para além do já penhorado, o único comportamento processual útil da exequente é, como o fez, requerer a remessa dos autos à conta, para liquidação;

4. Deveria, pois, o Senhor Juiz a quo ter deferido o pedido formulado pela exequente, da remessa dos autos à conta, para liquidação;

5. Ao indeferir o requerido, o Senhor Juiz a quo violou, por erro de interpretação e de aplicação, os artigos 264°, 916° e 919° do Código de Processo Civil e, ainda, os artigos 9° e 47°, n.° 3 do Código das Custas Judiciais;

6. Consequentemente, deve ser concedido provimento ao presente recurso de agravo, revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se ao Senhor Juiz a quo que, deferindo ao requerido, ordene a remessa dos autos à conta, para liquidação, como é de inteira Justiça.

Não houve contra-alegações.

O tribunal a quo manteve a decisão recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO

A única questão a apreciar é se, não se conhecendo mais bens livres e penhoráveis para além do que já foi penhorado e vendido na execução, e sendo a quantia apurada inferior ao valor da quantia exequenda, os autos deverão ser remetidos a liquidação, por iniciativa do exequente, com custas pelo executado.

O circunstancialismo a levar em consideração é o supra exposto no relatório.

O Direito

Ao presente processo aplica-se o regime das execuções anterior ao introduzido pelo Dec.-Lei nº 38/2003, de 8.3 (art.º 21 nº 1 do Dec.-Lei nº 38/2003), assim como o regime de custas judiciais anterior ao introduzido pelo Dec-Lei nº 324/2003, de 27.12 (art.º 14º nº 1), redacção pretérita essa que se terá em vista sempre que nada se diga em contrário.

O agravante pretende que, uma vez que não foi apurada a existência de mais bens livres e penhoráveis, o processo vá à conta, procedendo-se à liquidação, com custas pelo executado.

Nos termos do art.º 50º do Código das Custas Judiciais, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte as contas dos processos são elaboradas no tribunal que funcionou em 1ª instância, após o trânsito em julgado da decisão final.

Assim, a conta é elaborada quando o processo se encontra findo. Nas execuções, a elaboração da conta e consequente liquidação é também efectuada quando se perspectiva o fim da execução, ou seja, a sua extinção: seja por força do pagamento coercivo ou voluntário da quantia exequenda (artigos 916º nºs 1 e 919º do Código de Processo Civil), seja por qualquer outra causa extintiva da obrigação exequenda (art.º 916º nº 3 do Código de Processo Civil) ou da execução (918º e 919º nº 1 do Código de Processo Civil).

Fora destes casos, procede-se à contagem do processo apenas nas situações previstas no art.º 51º do Código das Custas Judiciais: por decisão do juiz, quando o processo estiver suspenso; quando o processo estiver parado por mais de três meses, por facto imputável às partes; nas execuções que devam ser remetidas para apensação a processo de falência.

Procura-se, assim, por razões de economia e celeridade processuais, evitar a realização de mais do que uma conta, o que apenas não ocorrerá nos casos excepcionais previstos no art.º 51º.

No caso dos autos, não se mostra que tenha ocorrido qualquer facto tendente à extinção da execução. Por outro lado, o facto de os bens penhoráveis até agora encontrados terem um valor insignificante face ao montante da quantia exequenda não significa que não existam outros bens ou que venham a ser adquiridos pelo executado.

Pesem embora a intervenção activa devida pelo tribunal (artigos 265º e 837º-A do Código de Processo Civil) e a cooperação igualmente exigível ao executado (art.º 837º-A nº 2 do Código de Processo Civil), é sobre o exequente que recai o ónus de impulsionar o processo, sendo em última análise a si que cabe indicar bens susceptíveis de penhora (artigos 264º, 924º e 837º do Código de Processo Civil). É ele o titular do direito que se visa satisfazer através da execução e foi dele a iniciativa de recorrer aos tribunais para esse efeito, o que pressupõe a convicção razoável de que tal efectivação é possível.

No caso sub judice o exequente nada requereu que permitisse o impulso do processo, ou seja, que o mesmo avançasse tendo em vista a prossecução do seu fim, a satisfação do direito do exequente. De facto, a remessa dos autos à conta, quando não se mostra garantido o pagamento da quantia exequenda nem ocorrido qualquer outro facto extintivo da execução não constitui em si um acto daquela natureza. Na situação em que o processo se encontra, a remessa do processo à conta apenas constituirá o resultado da inércia das partes, ou seja, do facto de estas nada requererem que permita o avanço do processo. A circunstância de ser qualquer uma das próprias partes a, antecipando-se ao decurso do prazo previsto na alínea b) do nº 2 do art.º 51º do Código das Custas Judiciais, requerer a remessa dos autos à conta, em nada altera a razão de ser dessa contagem provisória e a aplicabilidade da regra prevista no art.º 47º nº 3 do Código das Custas Judiciais, ou seja, a de que a responsabilidade provisória pelas custas cabe ao exequente.

Note-se que uma vez que foram penhorados e vendidos bens na execução, o valor da execução a levar em consideração é o previsto na parte final do nº 1 do art.º 9º do Código das Custas Judiciais – o que reduzirá consideravelmente o valor da taxa de justiça devida.

Atendendo a que no decurso do prazo previsto na alínea b) do nº 2 do art.º 51º do Código das Custas Judiciais pode ser requerido algo de útil não só pelo exequente mas também pelo executado, não é adequado “queimar”, por iniciativa do exequente, a espera desse prazo, para remeter de imediato o processo à conta.

Assim, o despacho recorrido não violou nenhuma das normas indicadas pelo exequente, não merecendo censura.

DECISÃO

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.

Custas do recurso pelo agravante.


Lisboa, 10.4.2008

Jorge Manuel Leitão Leal

Nelson Paulo Martins de Borges Carneiro

Ana Paula Martins Boularot