Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1121/24.0SKLSB-A.L1-9
Relator: MARIA DO CARMO LOURENÇO
Descritores: CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
PRECLUSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/06/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Sumário (da responsabilidade da Relatora):
I - O nº 4 do artigo 246.º do Código de Processo Penal torna obrigatória para o denunciante de crime particular, a declaração de que pretende constituir-se assistente e, neste caso, impõe à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal a quem a denúncia foi feita verbalmente, a advertência ao denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.
II - Perante a preclusão do direito de constituição de assistente, por estar ultrapassado o prazo (perentório) previsto no artigo 68.º, nº 2, do CPP, a segunda notificação efetuada pelo OPC ao ofendido para requerer a sua constituição de assistente não era apta a conferir um novo prazo/renovar o prazo para a prática do ato em causa, porque nessa data o direito de constituição do ofendido como assistente já se havia extinguido, o ofendido já não era titular desse direito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - RELATÓRIO
Nos autos de inquérito com o nº 1121/24.0SKLSB, que corre termos na Procuradoria da República da Comarca de Lisboa – DIAP – 4ª Secção de Lisboa, foi, em 29/05/2025, proferido despacho pela Ex.ma Juíza com funções de instrução criminal a indeferir o pedido de constituição de assistente formulado por AA a 27/11/2024, relativamente ao crime de injúria denunciado, por o considerar extemporâneo, por o denunciante ter sido notificado para efeito do previsto nos artigos 246.º, nº 4, e 68.º, nº 2, do Código de Processo Penal, a 02/09/2024, e advertido de que tinha dez dias para requerer a sua constituição como assistente.
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Inconformado com esta decisão, dela recorreu o ofendido, que, após a motivação, formulou as seguintes conclusões (transcrição1):
III – DAS CONCLUSÕES:
a) O Recorrente foi vítima de crimes de natureza particular nomeadamente, injúria, e, portanto, necessita de se constituir assistente. No que concerne aos factos em que fora vítima, o Recorrente efetuou a competente queixa crime. No dia 26.11.2024, o Recorrente foi advertido da obrigatoriedade de se constituir assistente no processo, conforme a NOTIFICAÇÃO (doc.03).
b) No dia 27.11.2024, o Recorrente formalizou o seu PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE (doc.04), juntando a PROCURAÇÃO (doc.05), COMPROVATIVO DE PAGAMENTO (doc.06) e a TAXA DE JUSTIÇA (doc.07). Em suma, o Recorrente apresentou o pedido de constituição de assistente, no dia posterior em que fora devidamente notificado para tal finalidade, não havendo, precisamente nenhuma violação de prazo.
c) Todavia, o Recorrente foi surpreendido com o DESPACHO (doc.01), onde o juízo a quo, data maxima venia, equivocadamente, considerou o pedido de constituição de assistente em relação ao crime de injúria extemporâneo.
d) O entendimento do juízo a quo, no sentido de rejeitar a constituição de assistente, relativamente ao crime de injúria, não merece acolhimento, na medida em que está destoante dos dogmas que permeiam nosso ordenamento jurídico, sendo o princípio da legalidade totalmente aniquilado.
e) Nos moldes artigo 68.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, o requerimento de constituição de assistente, no caso dos crimes particulares, deve ser realizado no prazo de 10 (dez) dias. Porém, o supracitado prazo, apenas começa a contar, a partir da advertência delineada no n.º 4 do artigo 246.º, n.º 4 do CPP.
f) O Recorrente foi advertido, nos termos da NOTIFICAÇÃO (doc.03), no dia 26.11.2024, sendo que requereu a sua constituição de assistente no dia 27.11.2024, um dia após a advertência do artigo 246.º, n.º 4 da ritualística processual penal, sendo inconcebível, o entendimento de que o seu pedido de constituição de assistente é extemporâneo.
g) Considerando que o Recorrente observou todas as exigências legais para a sua constituição de assistente, nomeadamente, o respetivo prazo legal, contudo, ainda assim, este direito foi-lhe indevidamente indeferido, o juízo a quo, incorreu na nulidade prevista no artigo 120.º, nº 2 al.d) do CPP, uma vez que não foram praticados os actos legalmente obrigatórios, enfermando o processo de patologia processual, devendo a respeitável decisão do juízo a quo ser reformada, sendo admitida a constituição de assistente em favor do Recorrente.
IV – DOS PEDIDOS:
Diante do exposto, requer-se a Vossas Excelências, o seguinte:
a) A admissão e, posterior deferimento do presente recurso, por estarem presentes todos os seus postulados legais;
b) A nulidade do DESPACHO (doc.01), nos termos do artigo 120.º, n.º 2) al.a), 68.º, n.º 2, 246.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal, na medida em que o pedido de constituição de assistente sobre o crime de injúria, foi realizado tempestivamente, porém, foi indevidamente indeferido pelo juízo a quo, por não terem sido, na fase de inquérito, realizados os actos legalmente obrigatórios – ou seja, a admissão da constituição de assistente -, reformando o referido despacho e admitindo a constituição de assistente em relação ao crime de injúria;
c) Em decorrência da referida nulidade, a aplicação do efeito-à-distância, consoante preconiza o artigo 122.º9 , estendendo-se as mazelas da enfermidade processual, ao DESPACHO (doc.09). OU;
d) A admissão da constituição de assistente em relação ao crime de injúria, nos termos dos artigos 68.º, 2, 246.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Penal, na medida em que o pedido foi feito tempestivamente, reformando o despacho proferido pelo juízo a quo;
e) Que o juízo a quo, envie os protocolos provenientes do sistema citius, do PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE (doc.04) e do REQUERIMENTO (doc.08)”.
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Na primeira instância o Ministério Público respondeu ao recurso, defendendo que lhe deve ser negado provimento e terminando com as seguintes conclusões (transcrição):
“ASSIM E EM CONCLUSÃO:
I. O presente recurso circunscreve-se ao entendimento que o requerimento de constituição de assistente apresentado por AA é extemporâneo para produzir efeitos quanto ao crime particular.
II. Considera-se assim que a decisão recorrida apreciou corretamente os elementos constantes dos autos à luz do disposto no artigo 246.º, n.º 4, e 68.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
III. Atendendo a que parte da factualidade denunciada será apta a integrar a prática do crime de natureza de crime particular, o órgão de polícia criminal procedeu a notificação pessoal do ofendido para requerer a sua constituição como assistente, comunicando a legal consequência processual, em 02.09.2024 (fls. 13).
IV. Considerando a validade da notificação para requerer a sua constituição como assistente nestes autos em 02.09.2024, é nessa data que se inicia o prazo legal de 10 (dez) dias para requerer a sua constituição como assistente, para os efeitos processuais previstos para o crime de natureza particular.
V. Veio AA, em requerimento datado de 27.11.2024 pretender constituir-se assistente com base em segunda notificação da PSP de 26.11.2024.
VI. O requerimento para constituição de assistente formulado nos autos em 27.11.2024 ocorreu quando já precludido o sobredito prazo a contar da primeira notificação.
VII. Importa concluir que, não tendo o requerimento sido tempestivo perante a notificação pessoal a fls. 13, não poderá a sua constituição como assistente nestes autos produzir efeito para o procedimento criminal do crime particular, carecendo o Ministério Público de legitimidade, quanto a este ilícito para prosseguir ulteriormente a ação penal.
VIII. Devendo a decisão recorrida ser mantida, pela admissão de AA a intervir nos autos como assistente com exceção do crime particular, aplicando o disposto nos artigos 246.º, n.º 4, e 68.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, declarando o requerimento de constituição como assistente extemporâneo e sem eficácia para efeitos do procedimento criminal pelo crime particular denunciado.
Nestes termos, deve ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência ser mantida a decisão recorrida, pois não violou qualquer norma processual, designadamente as constantes do artigo 68.º, n.º 2, e 246.º, n.º 4, do Código de Processo Penal. Não merece, por isso, qualquer censura a decisão recorrida.
Porém, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada JUSTIÇA”.
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Neste Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, no parecer que emitiu, declarou acompanhar os fundamentos da resposta do Ministério Público, pelo que o recurso em apreço deve ser julgado improcedente.
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Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada qualquer resposta ao parecer da Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta.
Foram colhidos os vistos, após o que o processo foi presente à conferência, de acordo com o preceituado no art. 419.º, nº 3, alínea c), do Código de Processo Penal.
Cumpre conhecer e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
1 – Delimitação do objeto do recurso.
Nos termos consignados no art. 412.º, nº 1, do Código de Processo Penal, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação pelo recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso previstas no art. 379.º do Código de Processo Penal, e daquelas a que alude o art. 410.º do referido código (atendendo, relativamente a estas últimas, à jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/05, de 19/10/1995, publicado no DR I-A de 28/12/1995).
No caso presente, a questão a decidir é a de saber se o requerimento de constituição de assistente apresentado por AA a 27/11/2024 é ou não tempestivo.
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2 – Da decisão recorrida.
O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição):
“AA veio requerer a sua constituição como assistente.
O Ministério Público deduziu oposição, por entender ser intempestivo o requerido relativamente ao crime de injúria denunciado.
Cumpre apreciar e decidir.
O artigo 68.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, concernente à constituição como assistente, prevê que «tratando-se de procedimento criminal dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4 do artigo 246.º».
Por sua vez, o artigo 246.º, n.º 4, prevê que «(…) tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, nesse caso, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia foi feita verbalmente advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar».
O denunciante notificado para efeito do previsto nos artigos 246.º, n.º 4, e 68.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a 02.09.2024(fls. 13) e advertido que tinha dez dias para o efeito.
A 27.11.2024 deu entrada requerimento subscrito pelo denunciante a solicitar a constituição da denunciante como assistente, quando já se encontrava decorrido o prazo para requerer a constituição como assistente relativamente aos crimes particulares.
Pelo exposto, indefere-se a requerida constituição como assistente relativamente ao crime de injúria denunciado.
Relativamente ao crime de ofensa à integridade física denunciado, por estar em tempo, ter legitimidade para tal (art. 68.º, n.º 1, alínea a), do CPP), estar devidamente representado por advogado, (art. 70.º), e ter procedido ao pagamento da taxa de justiça devida, admito-o a intervir como assistente nos presentes autos.
Notifique”.
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3 – Apreciação do recurso.
3.1 Para a apreciação do recurso importa ter presentes os seguintes elementos e ocorrências resultantes da análise dos autos:
a) No dia 02/09/2024, o ofendido AA foi pessoalmente notificado, pelo OPC (PSP – Divisão de Segurança Aeroportuária de Lisboa), para requerer a sua constituição como assistente nos seguintes termos:
“Atendendo à natureza particular do crime comunicado, torna-se necessário que no prazo máximo de DEZ DIAS (seguidos, exceto em períodos de férias judiciais), contados a partir desta data, requerer junto dos Serviços do Ministério Público do tribunal competente, a CONSTITUIÇÃO COMO ASSISTENTE, sob pena de o Ministério Público não poder, por falta de legitimidade, exercer a ação penal. Fica ainda advertido que a constituição de assistente depende de:
- Constituição de advogado ou pedido de apoio jurídico para nomeação de Patrono
- Requerimento dirigido ao M.º Juiz a solicitar a constituição de assistentes
- Pagamento de Taxa de Justiça (art.º 519 do C.P.P.) ou pedido para isenção da mesma”.
b) No dia 26/11/2024, o ofendido AA foi novamente notificado, pelo OPC (PSP – Divisão de Segurança Aeroportuária de Lisboa), para requerer a sua constituição como assistente no prazo de 10 dias.
c) O ofendido requereu a sua constituição como assistente a 27/11/2024.
d) A Magistrada do Ministério Público pronunciou-se sobre este requerimento, a 02/05/2025, sendo seu entendimento que, quanto ao crime de injúria, se encontra precludido o direito do ofendido à constituição como assistente, por ter requerido a referida constituição decorridos mais de 10 dias desde que foi notificado para o efeito a 02/09/2024.
e) A Ex.ma Juíza a quo, por despacho proferido a 29/05/2025 e acima transcrito:
- indeferiu a requerida constituição do denunciante como assistente relativamente ao crime de injúria denunciado, por o requerimento subscrito pelo mesmo ter dado entrada, a 27/11/2024, quando já se encontrava decorrido o prazo para requerer a constituição como assistente relativamente aos crimes particulares;
- relativamente ao crime de ofensa à integridade física denunciado, por estar em tempo, ter legitimidade para tal, estar devidamente representado por advogado, (art. 70.º), e ter procedido ao pagamento da taxa de justiça devida, admitiu-o a intervir como assistente.
f) Deste despacho que indeferiu a constituição do denunciante como assistente relativamente ao crime de injúria foi interposto o presente recurso.
3.2 – O artigo 48.º do Código de Processo Penal dispõe que o Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, com as restrições constantes dos artigos 49.º a 52.º.
“Sendo o Ministério Público o exclusivo detentor da acção penal, a sua capacidade de acção varia em função da natureza dos crimes em investigação. Assim, e no que respeita à legitimidade para a promoção do processo penal, ela é plena relativamente aos crimes públicos (art. 48º do C. Processo Penal) isto é, pode autonomamente iniciar a respectiva investigação e submeter o facto a julgamento, mediante a dedução de acusação. Já no que respeita aos crimes semi-públicos, a promoção do processo depende de o ofendido ou das pessoas com legitimidade para apresentarem queixa darem conhecimento do facto ao Ministério Público (art. 49º, nº 1 do C. Processo Penal). E no que concerne aos crimes particulares, a promoção do processo pelo Ministério Público, para além da queixa do ofendido, depende ainda da acusação por si deduzida, depois de constituído assistente (art. 50º, nº 1 do C. Processo Penal)”2.
O procedimento criminal pelo crime de injúria previsto e punido pelo artigo 181.º do Código Penal tem natureza particular porquanto depende de acusação particular – artigo 188.º, nº 1, do Código Penal.
E quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular – nº 1 do art. 50.º do Código de Processo Penal.
Podem constituir-se assistentes no processo penal as pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento – alínea b) do nº 1 do art. 68.º do Código de Processo Penal.
Em regra, o assistente pode intervir em qualquer altura do processo, desde que o requeira, até cinco dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de julgamento, ou nos prazos estabelecidos nos arts. 284º e 287º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, para os efeitos aí previstos (art. 68º, nº 3, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal).
Estabelece, no entanto, o nº 2 do art. 68.º do Código de Processo Penal que, tratando-se de procedimento dependente de acusação particular (como sucede com o crime de injúria previsto no artigo 181.º do Código Penal), o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no nº 4 do artigo 246.º.
Este nº 4 do artigo 246.º do Código de Processo Penal torna obrigatória para o denunciante de crime particular, a declaração de que pretende constituir-se assistente e, neste caso, impõe à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal a quem a denúncia foi feita verbalmente, a advertência ao denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência nº 1/20113 uniformizou jurisprudência no sentido de que, em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal.
O ora recorrente apresentou denúncia/queixa junto do OPC. E foi pessoalmente notificado e advertido, a 02/09/2024, pelo agente autuante da necessidade de se constituir assistente no prazo de 10 dias. No referido documento, que se encontra assinado pelo ora recorrente, são explanados os procedimentos legais a adotar para a constituição de assistente: constituição de advogado ou pedido de apoio judiciário para nomeação de patrono; requerimento dirigido ao juiz a solicitar a constituição de assistente; e o pagamento da taxa de justiça ou o pedido de isenção da mesma.
Daqui se conclui que foram observadas na íntegra as informações e as advertências previstas no nº 4 do artigo 246.º do Código de Processo Penal, mostrando-se esta válida e eficaz para efeitos do disposto no nº 2 do artigo 68.º do citado Código.
O prazo de 10 dias comunicado por esta notificação de 02/09/2024 tem natureza perentória no que concerne à constituição do ora recorrente como assistente para prossecução criminal do crime de natureza particular, direito que, com tal configuração, se extinguiu decorridos 10 dias na mesma notificação, no caso dos autos, a 12/09/2024 (ou até 17/09/2024 mediante pagamento de multa – artigos 107.º-A, alínea c), do Código de Processo Penal, e 139.º do Código de Processo Civil)4.
O recorrente não apresentou requerimento a solicitar a sua constituição como assistente até 17/09/2024, pelo que ficou precludida a possibilidade de se constituir assistente relativamente ao crime de injúria denunciado, ao abrigo do disposto nos artigos 68.º, nº 2, e 246.º, nº 4, ambos do Código de Processo Penal. É o que decorre do citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2011.
A segunda notificação efetuada pelo OPC ao ofendido, a 26/11/2024, para requerer a sua constituição de assistente quanto ao crime de natureza particular não era apta a conferir um novo prazo/renovar o prazo para a prática do ato em causa, porque nessa data, de acordo com a legalidade estabelecida dos atos processuais praticados, o direito de constituição do ofendido como assistente já se havia extinguido, o ofendido já não era titular desse direito.
Dizendo de outra forma, “Perante a preclusão do direito de constituição de assistente, por estar ultrapassado o prazo (perentório) previsto no artigo 68.º, nº 2, do CPP, o despacho proferido pelo Ministério Público, notificado ao denunciante, para que este requeira, querendo, a sua intervenção processual na dita qualidade, não se mostra apto ao ressurgimento do referido direito, já extinto, não criando, por isso, no destinatário, uma expetativa legitimamente fundada e tutelada”5.
“É verdade que o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais o cidadão comum, minimamente avisado, não poderia razoavelmente contar, já que deve poder prever as intervenções que o Estado poderá levar a cabo sobre ele ou perante ele e preparar-se para se adequar às mesmas, devendo poder confiar em que a sua actuação de acordo com o direito seja reconhecida pela ordem jurídica e assim permaneça em todas as suas consequências juridicamente relevantes (cf. Acórdão do STJ de 27-03-2007 e, entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 17/84, 303/90, 625/98 160/00 e 345/2009).
Contudo, como atrás se assinalou, no caso dos autos, face à apontada preclusão do direito de se constituir assistente, o recorrente, devidamente advertido das consequências da sua inacção dentro do prazo de que dispunha [cf. 2.2.b)], quando foi destinatário de uma notificação que nunca deveria ter sido ordenada, não podia razoavelmente contar com a possibilidade de se fazer renascer um direito já extinto. Não havia, pois, qualquer expectativa juridicamente criada que, em nome do princípio da confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico e na actuação do Estado, devesse ser tutelada.
Temos, assim, que, a decisão recorrida que não admitiu o recorrente a intervir nos autos como assistente, por ser extemporâneo o requerimento que nesse sentido apresentou, obedeceu às exigências da lei e não pôs em crise aquele princípio constitucionalmente consagrado, sendo insusceptível de reparo”6.
Resta acrescentar que também não se mostra violado, atento o disposto nos arts. 68.º, nº 2, e 246.º, nº 4, ambos do Código de Processo Penal, o princípio da legalidade, como parece defender o recorrente no nº 14 da motivação.
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Pelos fundamentos expostos, acordam as juízas da 9ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto pelo denunciante AA e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta (artigos 513.º, nº 1, do Código de Processo Penal, e 8.º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último).
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Lisboa, 06/11/2025
Maria do Carmo Lourenço
Marlene Fortuna
Ana Marisa Arnêdo
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1. - Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, ressalvando-se alterações da formatação do texto, da responsabilidade da relatora.
2. - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20/01/2016 – processo nº 329/13.8GEACB-A.C1 – www.dgsi.pt.
3. - Diário da República, I Série, nº 18, de 26 de janeiro de 2011.
4. - Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 03/05/2023 – processo nº 919/20.2PWPRT.P1 – www.dgsi.pt.
5. - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19/02/2020 – processo nº 140/19.2T9TCS-A.C1 – www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05/12/2018 – processo nº 542/17.9PBCLD-A.C1 – www.dgsi.pt.
6. - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05/12/2018 – processo nº 542/17.9PBCLD-A.C1 – www.dgsi.pt.