Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
38/10.0TBBRR-A.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: INVENTÁRIO
ACÇÃO DE DIVÓRCIO
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
CRÉDITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: LUÍS FILIPE SOUSA
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Em processo de inventário subsequente a ação de divórcio, tendo um ex-cônjuge investido capitais próprios na aquisição da casa de morada de família na pendência do casamento, tal crédito sobre o património comum deve ser pago pela meação do cônjuge devedor no património comum, o que implica – aquando das operações da partilha - a majoração da meação do cônjuge credor em metade de tal valor e a diminuição simétrica da meação do cônjuge devedor.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO

Em 17.1.2011, Ana Maria... veio requerer inventário para partilha de bens na sequência do divórcio com o requerido, Orlando....
Em 15.6.2011, o cabeça de casal apresentou relação de bens, dela constando como “Direito de Crédito” a verba nº1 com a seguinte descrição: “Crédito a favor do cabeça de casal no valor de € 35.000 relativo a investimento de capital produto da venda de bem imóvel próprio na aquisição do bem comum casa de morada de família identificada na verba nº 40” (fls. 22).
A requerente reclamou contra a relação de tal verba, afirmando que: “Na aquisição do bem imóvel relativo à casa de morada de família não foi feita qualquer menção inerente ao investimento de cada um dos adquirentes”, bem como que “O bem foi adquirido pela requerente e pelo cabeça de casal como bem comum de ambos (verba nº 40), tendo ambos contribuído em partes iguais” (fls. 45).
Em 9.5.2012, foi proferida a seguinte decisão:
«Da reclamação à relação de bens.
A - Questão de saber se deve manter-se na relação de bens a verba descrita no n° 1 do ativo e retificada pelo cabeça-de-casal na resposta à reclamação a fls. 81 para o valor de € 39.776,31.
Da análise dos documentos juntos aos autos, resultam provados os seguintes factos:
1. O cabeça-de-casal comprou, no estado civil de solteiro, o bem imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o nº 1.../950911, em 30 de Setembro de 1998, pelo valor de Esc. 16.500.000$00 (€ 82.301,65) (doc. de fls. 89 a 92), tendo contraído um mútuo bancário no mesmo valor junto da Companhia Geral do Crédito Predial Português (doc. de fls. 93 a 102).
2. Em 1 de Março de 2006, o cabeça-de-casal, no estado civil de casado com a requerente, vendeu o imóvel descrito no ponto anterior pelo preço de € 112.500,00 (doc. de fls. 103 a 110).
3. O valor de € 72.723,69 da quantia referida no ponto anterior foi utilizado no cancelamento antecipado do empréstimo hipotecário referido em 1 (doc. de fls. 111I).
4. No dia 15 de Novembro de 2006, o cabeça-de casal, no estado civil de casado com a requerente, adquiriu o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o n° 0..., que constituiu a casa de morada de família, pelo valor de € 240.000,00 (doc. de fls. 197 a 201), tendo contraído, juntamente com a requerente, um mútuo bancário no valor de € 205.000,00 junto do Banco Santander Totta, S.A. (doc. de fls. 179 a 189).
5. Na declaração de rendimentos entregue na Administração Fiscal respeitante ao ano de 2006 em nome da requerente e do cabeça-de-casal, consta no item "valor reinvestido no ano da alienação" a quantia de € 35.000.00 (doc. de fls. 164 a 169).
6. A requerente e o cabeça-de-casal contraíram casamento um com o outro no dia 19/10/2002, sem convenção antenupcial.
7. A ação de divórcio apensa foi instaurada em 06/01/2010.
*
Resulta demonstrado, tal como se extrai dos factos provados supra descritos, que o cabeça-de-casal investiu capitais próprios na aquisição da casa de morada de família no valor de € 35.000,00, resultante da venda do imóvel de que era titular no estado de solteiro, pelo que deve tal valor ser considerado bem próprio do mesmo - cf. art. ° 1722.°, n° 1, aI. c), do Código Civil.
O cabeça-de-casal não logrou demonstrar que, para além da quantia de € 35.000,00, tivesse investido, com dinheiro próprio em tal aquisição, a quantia remanescente até perfazer a quantia de € 39.776,31, no valor de € 4.776,31.
Pelo exposto, determino que a verba descrita no nº 1 do ativo da relação de bens de fls. 22 e ss. passe a ter o valor de € 35.000,00 em vez de € 40.000,00.
Notifique.
Altere em conformidade
Em 22.1.2014, decorreu conferência de interessados onde foram licitadas várias verbas, sendo a verba nº 40 licitada pela interessada pelo montante de € 278.000 (fls. 382-387). No âmbito da conferência de interessados foi proferido o seguinte despacho: «Considerando o referido pelos interessados quanto ao montante em dívida ao Banco Santander Totta, SA, no sentido de aprovarem esse passivo, julgo a dívida judicialmente reconhecida sendo a responsabilidade do seu pagamento por ambos os interessados – art. 1354º, nº1 do Código de Processo Civil
Em 7.4.2014, foi proferido o seguinte despacho:
«Procede-se a inventário para separação de meações subsequente ao divórcio de Ana (…) e de Orlando (…), os quais foram casados no regime de comunhão de adquiridos e cujo casamento foi dissolvido por divórcio em 18 de novembro de 2010.
Os bens a partilhar são os que constam das relações de bens de fls. 22 a 25 e 86 a 88.
Existe passivo que foi aprovado por ambas as partes, no montante de € 170.277,17.
Na conferência de interessados, procedeu-se à licitação de todos os bens.
*
Considera-se a soma dos valores de todos os bens móveis e imóveis, tendo em conta o valor resultante das licitações efetuadas em conferência, subtraindo-se o passivo aprovado, sendo o resultado obtido dividido em duas partes iguais, correspondendo cada uma delas à respetiva meação (artigos 1689º, nº2 e 1730º, ambos do Código Civil).
O preenchimento dos quinhões far-se-á consoante o resultado das licitações, abatendo-se ainda o valor da dívida ao cabeça de casal (fls. 224).
Notifique.» (fls. 388).
Em 22.4.2014, foi organizado o “Mapa Informativo” de fls. 390, nos termos do qual o passivo é de € 170.277,17, cabendo à interessada dar de tornas ao interessado € 142.660,005, sendo ainda descrito um “Crédito sobre a interessada …€ 35.000”.
Em 10.9.2014, a interessada apresentou o requerimento de fls. 403/404, nos termos do qual afirma: “A requerente pagará ainda ao cabeça de casal o montante de € 17.500 correspondente a metade do direito de crédito relacionado sob verba nº 1. / Deve assim o Mapa da Partilha ser reformulado em conformidade com o alegado.”
Em 28.7.2015, foi elaborado “Mapa Informativo Retificativo” de fls. 422-423, nos termos do qual consta: “operações de partilha segundo o determinado no respetivo despacho:
Ativo:
Móveis …€ 7.630
Imóveis … € 283.000              € 290.630
Passivos:
Direito de crédito …€ 35.000
Passivo hipotecário … € 170.277,17              € 205.277,17
                                                                       € 85.352,83
(…)”
Notificado de tal mapa retificativo, o interessado apresentou o requerimento de fls. 429/420, no qual afirma que “(…) o crédito de € 35.000 corresponde a uma dívida efetiva que a interessada tem que pagar na totalidade ao cabeça de casal. / Trata-se de valor que acresce ao valor de tornas que o cabeça de casal tem a receber e não, conforme consta do atual Mapa Informativo, de valor constante do passivo que reduz a verba que a interessada tem a pagar ao cabeça de casal.”
 Em 30.11.2015, foi proferido o seguinte despacho:
«Vieram ambos os interessados reclamar da forma à partilha.
Alega o cabeça de casal em suma que:
O despacho de 03 de Maio de 2012 considerou ter ficado demonstrado que "( .. .) o cabeça-de-casal investiu capitais próprios na aquisição da casa de morada de família no valor de € 35.000, resultante da venda do imóvel de que era titular no estado de solteiro ( ...)" e, em consequência, determinou que a verba descrita no nº 1 do ativo da relação de bens teria o valor de €35.000.
E o despacho determinativo da forma da partilha proferido a 07 de Abril de 2014 determina, quanto ao crédito de €35000,OO, o seguinte: "O preenchimento dos quinhões far-se-á consoante o resultado das licitações, abatendo-se ainda o valor da dívida ao cabeça de casal.”
Consequentemente, o crédito de €35000,00 corresponde a uma dívida efetiva que a Interessada tem que pagar na totalidade ao cabeça-de-casal, valor este que acresce ao valor de tornas que o cabeça-de-casal tem a receber e não, conforme consta o atual Mapa Informativo, de valor constante do passivo que reduz a verba que a Interessada tem a pagar ao cabeça-de-casal.
Por sua vez, veio a interessada Ana Maria..., alegar, em suma, que:
O passivo hipotecário, único existente, embora o banco credor não haja desonerado o CC, é suportado pela Requerente integralmente, na medida em que o móvel vai ficar na titularidade da mesma Requerente. A circunstância, hipotética, de o CC vir a ser chamado ao seu cumprimento, no caso de incumprimento da Requerente, apenas geraria um direito e regresso do CC pelo valor correspondente.
Por isso o mesmo não pode ser contabilizado nas tornas devidas ao CC pela Requerente, tornas que apenas podem corresponder ao valor em que a meação da esma Requerente excede a do CC, uma vez efetuadas as operações acima referidas.
Cumpre decidir:
1) No que respeita ao passivo hipotecário cumpre referir o seguinte:
- O referido passivo, conforme consta da ata de conferência de interessados de 22/01/2014, foi aprovado por ambos os interessados, no entanto, não consta da mesma ata que a interessada Ana Maria... assumiria esse passivo exclusivamente, pelo contrário, foi ali proferido expressamente o seguinte despacho:
"Considerando o referido pelos interessados quanto ao montante em dívida ao Banco Santander Totta, SA, no sentido de aprovarem esse passivo, julgo a dívida judicialmente reconhecida sendo a responsabilidade do seu pagamento por ambos os interessados- art. 1354º nº 1 do Código de Processo Civil",
Dito isto, quando no Mapa Informativo se considerou aquele passivo devido por ambos os interessados tal foi feito em obediência ao aludido despacho e à ausência de qualquer acordo diferente entre as partes, pelo que nada cumpre corrigir.
2) No que concerne ao crédito de € 35.000,00 ao contrário do alegado pelo interessado Orlando... nada foi feito em oposição quer ao despacho de 03 de Maio de 2012, quer ao despacho determinativo da forma da partilha proferido a 07 de Abril de 2014, considerando que cumpria abater o valor da dívida ao cabeça-de-casal e tal foi feito.
Na verdade, conforme resulta do despacho de 03/05/2012 reconheceu-se o referido crédito, que aliás havia sido relacionado como um ativo da herança, quando em causa estava um passivo da mesma.
Com efeito, os aludidos € 35.000,00 foram aplicados no bem imóvel que constitui ativo da herança, pelo que tal valor tem de ser retirado à herança, sob pena de se tratar tal crédito como sendo uma divida da interessada e não da própria herança.
Não existem dúvidas de que se trata de um crédito do Cabeça-de-Casal mas pelo menos [mesmo] responde a herança e não a interessada Ana Maria....
Nessa medida, tal valor reflete-se obrigatoriamente na meação que cada interessado tem direito. Com efeito, é como se ambos os interessados assumissem a responsabilidade de € 17.500,00, o que dá o total de € 35.000,00, não tomando o reclamante consciência desse facto por ser simultaneamente interessado ("devedor") e credor.
Dito isto, igualmente se conclui não existir o lapso invocado, nada havendo a corrigir.
Notifique.»
O cabeça de casa veio interpor recurso de tal despacho (fls. 443-455), o qual foi rejeitado por se entender que «o despacho recorrido só pode ser impugnado na apelação interposta da sentença de partilha» (fls. 479).
Em 2.5.2017, foi elaborado “Mapa de Partilha” consoante fls. 477-481.
Em 18.5.2017, a interessada Ana apresentou requerimento em que requereu a realização de uma conferência de interessados com o objetivo de se proceder à adjudicação à requerente do passivo correspondente ao crédito hipotecário “em virtude de estarmos perante um facto superveniente e determinante para a conclusão da partilha”, reportando-se a requerente à posição do Banco que aprovou o pedido da interessada para que esta assumisse a dívida do empréstimo habitação ( fls. 503506).
Sobre tal requerimento pronunciou-se o cabeça de casal, afirmando que reside na casa de morada de família que a interessada licitou, assumindo desde abril de 2012 as despesas decorrentes do empréstimo bancário, concluindo que “é óbvio que o cabeça de casal está totalmente disponível para encontrar uma solução que, assegurando os seus direitos, resolva totalmente as situações pendentes” (fls. 513-514).
Em 20.6.2017 foi proferido o seguinte despacho:
«Tendo em consideração o requerimento da interessada datado de 18.5.2017, determina-se a notificação do cabeça de casal para, em dez dias, informar os autos se se opõe a que a mesma assuma na integralidade o pagamento do passivo ao credor Banco Santander Totta, SA, com a cominação de que caso nada diga, se considerará que não se opõe a tal por forma a interessada puder proceder à assunção desse valor e granjear fundos para que possa proceder ao pagamento das tornas devidas ao cabeça de casal» (fls. 518).
Em 10.1.2018, foi proferida sentença homologatória da partilha efetuada consoante mapa constante de fls. 477 a 481 (fls. 527).
Em 10.1.2018, imediatamente antes da sentença homologatória da partilha, foi proferido o seguinte despacho:
«Tendo em consideração que é consensual nos presentes autos que a interessada Ana (…) assuma integralmente o pagamento junto do credor Banco (…) da dívida existente nos autos a este credor no valor de € 85.138,585, sem qualquer necessidade da realização de conferência de interessados, por forma a ultrapassar a situação de impasse dos autos e de permitir o pagamento das tornas devidas pela interessada ao cabeça de casal, desde já se considera a mesma interessada é a responsável pelo pagamento integral de tal passivo junto do credor, determinando-se que o cabeça de casal colabore com a interessada junto do banco credor por forma a formalizar a transmissão da dívida para a interessada e consequente desoneração do cabeça de casal do empréstimo do qual emerge tal passivo, com a cominação de que caso não o faça será condenado em multa processual por falta de colaboração com o tribunal, a qual se fixará em valor superior a 3 UC´s. / Notifique
O cabeça de casal veio interpor recurso de tal despacho (fls. 530-534), sendo o recurso rejeitado por despacho de 10.4.2018 (fls. 543 a 546), do qual não foi formulada reclamação. No mesmo despacho de 10.4.2018, foi apreciada a arguição de nulidade do despacho de 10.1.2018, tecendo o Mmo. Juiz a quo as seguintes considerações: «(…) por despacho datado de 10.1.2018, tendo em consideração que é absolutamente consensual nos autos que a interessada Ana (…) assuma na integralidade o pagamento junto do credor Banco (…) da dívida existente nos autos a este credor, no valor de € 85.138,585 para cada um, desonerando-se assim o cabeça de casal dessa dívida (…)» (sublinhado nosso).
Em 21.2.2018, o cabeça de casal apresentou o recurso de fls. 535 e seguintes, formulando as seguintes conclusões:
«De tudo o que acima ficou dito, formulam-se as seguintes conclusões:
a) Inconformada, vem o Apelante recorrer da sentença homologatória da partilha proferida, na qual foram violadas e incorretamente aplicadas as normas constantes nos artigos 157°, nº 1 e 2 ,620°, nº 1 e 625°, nº 2 do Código de Processo Civil, 1375°, nº2 e 1376°, nº 1 do Código de Processo Civil (versão anterior), 1722°, nº 1, alínea c) e 1726°, nº 2 do Código Civil.
b) O Mapa da Partilha (fls. 477 a 481), e também o Mapa Informativo da Partilha Retificativo (ref.a 337909806), não cumprem devidamente a Lei, designadamente o artigo 1375°, nº 2 do Código de Processo Civil, o despacho sobre a forma da partilha (de 07 de Abril de 2014 - ref. 6510935) e o despacho de 09 de Maio de 2012 (fls. 224).
c) O despacho de 09 de Maio de 2012 a fls. 224 (ref. 5170062) decidiu "( ... ) que o cabeça de casal investiu capitais próprios na aquisição da casa de morada de família no valor de €35.000,00 (. . .) pelo que deve tal valor ser considerado bem próprio do mesmo - cf. art. ° 1722°, n. ° 1, aI. c), do Código Civil.".
d) Este despacho não foi objeto de recurso ou reclamação, configurando caso julgado formal, nos termos do artigo 620°, nº 1 do Código de Processo Civil.
e) O despacho sobre a forma da partilha de 07 de Abril de 2014 (ref. 6510935) determina o seguinte: "Considera-se a soma dos valores de todos os bens móveis e imóveis, tendo em conta o valor resultante das licitações efetuadas em conferência, subtraindo-se o passivo aprovado, sendo o resultado obtido dividido em duas partes iguais, correspondendo cada uma delas à respetiva meação (artigos 1689°, 2 e 1730º, ambos do Código Civil). O preenchimento dos quinhões far-se-á consoante o resultado das licitações, abatendo-se ainda o valor da dívida ao cabeça-de-casal (fls. 224). ".
f) O despacho determinativo da forma da partilha declara que o passivo é apenas de €170.277, 17 (crédito hipotecário aprovado pelas partes).
g) Consequentemente, o Mapa da Partilha contém um erro ao incluir como passivo, no quadro referente aos BENS A PARTILHAR, o direito de crédito no montante de €35.000,00.
h) O passivo a considerar deve ser apenas o que foi aprovado na Conferência de Interessados (ref. 6394307) - €170.277, 17.
i) O direito de crédito no valor de €35.000,00, não só não foi aprovado como passivo, como deve ser abatido unicamente ao cabeça de casal, em cumprimento do despacho sobre a forma da partilha.
j) O valor total de bens a partilhar é de €120.352,83 (= €290.630,00 ativo - €170.277, 17 passivo), sendo a meação do cabeça de casal e da interessada no valor de €60.176,415 cada.
k) O Mapa da Partilha também está errado quanto aos PAGAMENTOS respeitantes à interessada Ana Maria..., ao indicar no passivo (a abater aos valores licitados pela interessada) como “Seu crédito” o valor de € 35.000.
l) O valor de €35,000,00 não é um crédito da interessada que deva ser abatido como passivo, em seu benefício, aos valores que licitou.
m) Esta interpretação, salvo o devido respeito, para além de constituir um manifesto absurdo uma vez que foi decidido que esse valor corresponde a uma dívida ao cabeça de casal, viola o despacho de fls. 224 e despacho sobre a forma da partilha, de 07 de Abril de 2014.
n) No que respeita à interessada Ana Maria..., à soma dos valores licitados de €287.975,00, deverá ser deduzido o passivo de €85.138,585 (metade do empréstimo hipotecário).
o) O que totaliza o valor de €202.836,42, que excede a sua meação - €60.176,415 - no valor de €142.660,01.    
p) O cabeça de casal licitou bens no valor total de €2.655,00, no entanto o mapa da Partilha está errado quando soma as tornas ao valor por si licitado. 
q) Ao valor de €2.655,00, deve ser deduzido o passivo de €85.138,585 (metade do crédito hipotecário) e o valor da dívida de €35.000,00 ao cabeça de casal, conforme despachos de fls. 224 e de 07 de Abril de 2014.  
r) O resultado desta operação é um valor negativo de - €117.483,58, que será “reposto" pelas tornas e direito de crédito a pagar pela interessada Ana Maria..., no montante global de €177.660,01 - €142.660,01 correspondente ao valor que excedeu a sua meação + € 35.000 da dívida ao cabeça de casal.
s) Tudo o que se deixou exposto é o que consta do (primeiro) Partilha de fls. 390, que foi alterado erradamente.
t) O (segundo) Mapa Informativo da Partilha Retificativo (ref. 337909806) não foi precedido de qualquer despacho decidindo a reclamação apresentada pela interessada Ana Maria e ordenando a elaboração de novo mapa.
u) Este (segundo) Mapa, foi elaborado e notificado às partes sem despacho prévio em violação do artigo 157°, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil.
v) A sentença homologatória da partilha ao "acolher" o Mapa da Partilha, assim como o Mapa Informativo da Partilha Retificativo, viola o despacho sobre a forma da partilha (de 07 de Abril de 2014 - ref. 6510935) e o despacho de 09 de Maio de 2012 (fls. 224), e é contrária aos artigos 1722°, nº 1, alínea c) e 1726°, nº 2 do Código Civil, 1375°, nº 2 e 1376°, nº 1 do Código de Processo Civil (versão anterior).
w) O despacho de 09 de Maio de 2012 (ref. 5170062), ao considerar os €35.000,00 como bem próprio do cabeça de casal, nos termos do artigo 1722°, nº 1, aI. c) do Código Civil, determina necessariamente que no momento da partilha, decorrente do divórcio, o valor considerado bem próprio, aplicado na compra da casa de morada de família, tem que lhe ser devolvido.
x) Essa devolução é efetuada através da meação da interessada, ou seja conforme constava, e bem, do (primeiro) Mapa Informativo da Partilha (a fls. 390 - ref.a 679729), os €35.000,00 têm que ser considerados, após as operações de partilha, na meação da interessada como crédito ao cabeça-de-casal, e na meação do cabeça de casal, como crédito sobre a interessada.
y) Os €35.000,00 acrescem às tornas.        ,
z) Não se tratando, conforme consta do Mapa Informativo da Partilha Reficativo e também do Mapa da Partilha, de valor constante do passivo que reduz a verba que a interessada tem a pagar ao cabeça-de-casal.
São pois termos em que, tendo sido violadas todas as normas referidas nas presentes alegações, designadamente as constantes dos artigos 157°, nº 1 e 2, 620°, nº 1 e 1625°, nº 2 do Código de Processo Civil, 1375°, nº 2 e 1376°, nº 1 do Código de Processo Civil (versão anterior), 1722°, nº 1, alínea c) e 1726°, nº 2 do Código Civil, de Vossas Excelências se espera juízo de procedência, devendo a sentença ser revogada e substituída por outra nos termos defendidos nas presentes alegações, porque só assim se cumprirá a Lei, realizando-se o Direito e fazendo-se a desejada Justiça!»
Não foram apresentadas contra-alegações.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
· Repercussão nas operações de partilha do despacho proferido em 10.1.2018;
· Como deve ser imputado na operação de partilha a verba de € 35.000,  correspondente ao pagamento de parte da casa com capitais próprios do cabeça de casal;
· Qual o valor de tornas a que o apelante tem direito.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria relevante para a apreciação do recurso é que a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Atento o despacho proferido em 10.1.2018, interpretado em conjugação com o despacho proferido em 10.4.2018, infere-se que, na sequência de acordo das partes superveniente à conferência de interessados, o tribunal a quo entendeu, por decisão transitada, que a interessada Ana assumiu a totalidade do passivo  hipotecário de € 170.277,17 perante o Banco Santander Totta, SA. Assim sendo, não releva o despacho anteriormente exarado na conferência de interessados segundo o qual o pagamento do passivo de € 170.277,17 ficava a cargo de ambos os interessados.
Dispõe o Artigo 1375.º, n.º 2, do CPC, que: «Para a formação do mapa acha-se, em primeiro lugar, a importância total do ativo, somando-se os valores de cada espécie de bens, conforme as avaliações e licitações efetuadas e deduzindo-se as dívidas, legados e encargos que devam ser abatidos; em seguida determina-se o montante da quota de cada interessado e a parte que lhe cabe em cada espécie de bens; por fim, faz-se o preenchimento de cada quota com referência aos números das verbas da descrição
Resulta deste preceito, aplicável ao presente inventário, que a regra geral estabelecida é da dedução do ativo ao passivo (passivo este que tenha sido aprovado segundo as normas que regem essa matéria e que se encontram vertidas nos artigos 1353.º, n.º 3 e 1354.º e seguintes, do CPC).
No âmbito da prolação do despacho sobre a forma da partilha, há que atentar nas especificidades decorrentes do regime dos Artigos 2099º e 2100º do Código Civil, aplicáveis ao caso em apreço porquanto sobre a verba nº 40 incide hipoteca a favor do Banco Santander.
Na explicação clara do Acórdão do STJ de 17.12.2009, Pires da Rosa, 147/06,
«Quando o ex-cônjuge AA licitou (por essa via veio a fazer seu) o prédio que constituía verba nº167 do ativo, ele não o licitou puro e simples, na pureza inteira de um puro e limpo direito de propriedade.
Sobre esse direito de propriedade recaía, na titularidade de um terceiro, no caso a Caixa Económica Montepio Geral, um direito real de garantia, uma hipoteca que confere a esse titular o direito de sequela desse mesmo bem.
A medida deste direito é a medida da desvalorização do bem o que significa que atribuir a um dos cônjuges um determinado imóvel sobre o qual recai uma hipoteca é atribuir-lhe, para efeitos de partilha, um valor correspondente ao seu valor de adjudicação menos o valor garantido pela hipoteca.
A menos que a hipoteca seja remida antes da partilha, através do pagamento que a extingue – art.730º, al. a ) do CCivil. Porta, aliás, aberta pelo disposto no art. 2099º do CCivil – se existirem direitos de terceiro, de natureza remível, sobre determinados bens da herança, e houver nesta dinheiro suficiente, pode qualquer dos co-herdeiros ou o cônjuge meeiro exigir que esses direitos sejam remidos antes de efetuada a partilha.
Num tal caso, livres chegarão os bens à partilha e pelo real valor da sua liberdade serão adjudicados.
Mas se assim não for – e aqui não foi - entrando os bens na partilha com os direitos referidos no artigo anterior, descontar-se-á neles o valor desses direitos, que serão suportados exclusivamente pelo interessado a quem os bens couberem – é o que reza o disposto no art.2100º do CCivil.
Claro que outra solução seria imaginável. Qual fosse a de considerar adquirido pelo adquirente, passe o pleonasmo, o valor real do bem e assim o considerar na partilha do ativo, e colocar na imputação de ambos os cônjuges, metade para cada qual, a obrigação de pagamento do passivo, pagamento que se diferiria aliás no tempo, prestação a prestação.
Só que tal solução tinha o grave inconveniente de impor ao licitante do bem a obrigação de entregar de imediato ao seu ex-cônjuge afinal a quantia com a qual este, por sua vez, deveria ir assegurar a metade do pagamento de cada prestação futura, correndo ainda o risco de ter que repetir a prestação para salvar o seu direito se acaso este último deixasse de cumprir pontualmente a metade de cada prestação futura.
Dir-se-á que, no reverso, é o mesmo o risco corrido pelo cônjuge não licitante, porque ele não deixa de responder diretamente perante o credor, como aliás se verifica pela declaração da Caixa Económica Montepio Geral - « não desonerará qualquer dos interessados em caso de incumprimento ».
Não é assim.
E não é assim porquanto o não licitante tem ao menos a garantia do disposto no art. 835º do CPCivil [atual Artigo 752º do CPC] – tratando-se de dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora começa, independentemente de nomeação, pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução.»
Por sua vez, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.9.2007, Tibério Silva, 4068/2007, enfatizou-se o caráter supletivo do regime do Artigo 2100º do Código Civil  nestes termos:
1.     É supletiva a regra, resultante do art. 2100º do C. Civil, de que, em caso de bens onerados com hipoteca que entrem em partilha, com os direitos garantidos, descontando-se neles os valores desses direitos, serão estes suportados exclusivamente pelo interessado a quem os bens couberem.
2.      Poderão os interessados deliberar que o passivo hipotecário seja pago por todos eles.
3.      Se os dois interessados, em partilha subsequente a divórcio, para além de aprovarem uma dívida dessa natureza, acordarem em que a responsabilidade pelo pagamento seja atribuída a ambos, em igual proporção, isso significa a assunção colectiva do pagamento do encargo, sendo tal acordo possibilitado por lei, independentemente de quem licita o bem.
Na fundamentação de tal aresto, escreveu-se o seguinte:
«Lopes Cardoso, em Partilhas Judiciais, vol. II, Almedina, Coimbra, 1980, debruçando-se sobre o problema das dívidas hipotecárias e pignoratícias, refere, na pág. 158, que «se a remissão não for exigida ou de outra forma se não convencionou, os bens entram à partilha com esse ónus, descontando-se neles o respetivo valor, e o interessado a quem foram atribuídos os bens suportará exclusivamente a satisfação do encargo (Cód. Civ., art. 2100º-1). Quer isto dizer que se o prédio vale 60.000$00 e sobre ele recai uma hipoteca de 20.000$00, será avaliado em 40.000$00 e com este valor é atribuído ao interessado a quem couber, ficando a seu exclusivo cargo o pagamento da hipoteca.
Se não se fizer tal desconto, o interessado que pagar a remissão tem regresso contra os outros pela parte que a cada um tocar, em proporção do seu quinhão; mas em caso de insolvência de algum deles, é a sua parte repartida proporcionalmente (idem, art. 2100º-2).
Não deixará, todavia, de considerar-se que a precedente norma é de carácter supletivo; neste pendor já CUNHA GONÇALVES emitiu parecer face à regra do art. 2122º do Código de Seabra, equivalente à atual».
Em nota de rodapé, cita-se Cunha Gonçalves, que considerava que «Nada obsta a que os co-herdeiros se obriguem colectivamente a pagar o encargo, por acordo entre si» (Tratado, XI-24).
No Ac. da Rel. de Lisboa, de 21-04-1994, CJ, II, 121, que o Apelante cita em abono da sua tese, refere-se, a dado passo, que do art. 2100º do C. Civil «resulta que os bens a partilhar onerados com hipotecas entrarão na partilha com os direitos garantidas por elas, descontando-se neles os valores desses direitos que serão suportados exclusivamente pelo interessado a quem os bens couberem.».
Explica-se, em seguida, que tal é inteiramente lógico e justo, «pois se eu recebo um bem no valor de cem onerado com um encargo de trinta, é óbvio que o valor que eu recebo é apenas de setenta», acrescentando-se, porém, que se não se fizer esse desconto, o interessado que pagar a dívida ficará com direito de regresso contra os outros pela parte que a cada um tocar, em proporção com o seu quinhão. Finalmente, chama-se a atenção para o facto de se estar perante regra supletiva, que pode ser afastada por acordo dos interessados, «nada obstando a que estes deliberem, por exemplo, que o passivo hipotecário seja pago ou suportado por todos os interessados».
Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, II Vol., 4ª ed., 1990, p. 461, afirma: «Quanto a este [passivo hipotecário] a lei especialmente dispõe que entrará em partilha o imóvel, onerado como se tal ónus não existisse (Cód. Civil, art. 2100º); o passivo comum submete-se à regra geral, isto é, deduz-se ao ativo, pura e simplesmente.». Também Abílio Neto, Processo de Inventário, Ediforum 2013, p. 242, anota também que:« O passivo hipotecário - assaz corrente no inventário em consequência de separação ou divórcio (…) - deve ser deduzido, uma vez que acompanha o bem e é dele inseparável, sendo responsável pelo respetivo pagamento o interessado ao qual o imóvel foi adjudicado.»
Sintetizando: no caso de licitação de um bem comum imóvel por um dos ex-cônjuges, estando tal imóvel onerado por hipoteca, haverá que equacionar dois cenários: (i) os ex-cônjuges acordam que ambos pagarão o passivo hipotecário ou (ii) inexiste tal acordo. Na primeira situação (i), estando o passivo a cargo dos dois ex-cônjuges, tal imóvel entra no apuramento do ativo e do passivo a par dos demais bens ( cf. Artigo 1375º, nº2, do CPC). Na segunda situação (ii), ficando o pagamento do passivo somente a cargo do ex-cônjuge licitante, haverá que autonomizar tal imóvel para efeitos do Artigo 1375º,nº2, do CPC, abatendo-se o passivo hipotecário ao valor do imóvel fixado pela licitação ,calculando-se a meação de cada interessado sobre o valor sobrante ( valor da licitação - passivo hipotecário =valor sobrante).
Cabendo ao  ex-cônjuge licitante de verba onerada com hipoteca o encargo de pagar o passivo que onera essa verba, isso deve ser tido em consideração na avaliação do preenchimento da meação do aludido interessado e refletir-se no cálculo de eventuais tornas ( neste sentido, cf. Acórdãos da Relação de Lisboa de 24.5.2018, Jorge Leal, 2356/07 e de 29.11.2016, Luís Filipe Sousa, 2697/09).
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Nos termos do despacho proferido em 9.5.2012, reconheceu-se que o cabeça de casal investiu capitais próprios na aquisição da casa de morada de família no valor de € 35.000, resultante da venda do imóvel de que era titular no estado de solteiro, pelo que deve tal valor ser considerado bem próprio do mesmo nos termos do Artigo 1722º, nº1, al. c), do Código Civil.
Ao contrário do que afirma o apelante, tal despacho não transitou de imediato porquanto, tratando-se de uma decisão interlocutória, o mesmo podia ser impugnado no recurso que viesse a ser interposto da decisão final (Artigo 1396º, nº2, do Código de Processo Civil aplicável). Não tendo sido interposto recurso de tal despacho aquando do recurso interposto da decisão final, tal despacho transitou em julgado (Artigo 629º, nº1, do Código de Processo Civil), sendo vinculativo para a apreciação de mérito deste recurso.
Nem antes nem depois da prolação de tal despacho, as partes (nomeadamente o cabeça de casal) não invocaram nem peticionaram a aplicação do Artigo 1726º, nº1, do Código Civil, no âmbito do qual pode ser alterada a qualificação de um bem de modo ao mesmo se incluir no património comum ou no património próprio de um dos cônjuges, o que importa o surgimento de um direito de compensação ao património em que o bem não foi integrado (cf. Ana Prata (coord.), Código Civil Anotado, Vol. II, p. 634 e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. IV, p. 431). Assim sendo, não tem aplicação o disposto no nº2 do Artigo 1726º do Código Civil, o qual tem como pressuposto a alteração da qualificação do bem enunciada no nº1 do mesmo artigo.
Em sede de liquidação e partilha, há que distinguir as compensações e os créditos entre cônjuges como realidades distintas. Conforme explica Cristina Araújo Dias, Do Regime da Responsabilidade dos Dívidas dos Cônjuges, 2009, pp. 784-785, «A compensação é o meio de prestação de contas do movimento de valores entre a comunhão e o património próprio de cada cônjuge que se verifica no decurso do regime de comunhão. A compensação aparecerá, no momento da liquidação e partilha, ou como um crédito da comunhão face ao património próprio de um dos cônjuges ou como uma dívida da comunhão face a tal património, permitindo que, no fim, uma massa de bens não enriqueça em detrimento e à custa de outra. (…) Por definição, uma compensação presume um movimento de valores entre o património comum e o património próprio de um dos cônjuges. Se, durante o regime matrimonial, a transferência de valores se realizar entre os patrimónios próprios, haverá um crédito entre cônjuges, e não uma compensação. Tais créditos entre cônjuges obedecem a um regime jurídico distinto da compensação. Desde logo, salvo convenção em contrário, tais créditos são exigíveis desde o momento do seu surgimento, por estarem sujeitos ao regime geral do Direito das Obrigações, não se justificando o seu diferimento para o momento da partilha.» E, a pp. 786- 787, continua: «(…) esses créditos não integram a massa a partilhar nem constam de uma conta como as compensações. Daí a importância e necessidade da distinção entre compensações e créditos entre cônjuges. O regime jurídico é diferente, sobretudo ao nível do seu cálculo, avaliação e exigibilidade, estando as compensações sujeitas a um regime particular, ao passo que os créditos entre cônjuges submetem-se ao regime geral do Direito das Obrigações
Quanto ao modo como opera a compensação, é incisiva a seguinte explicação da mesma autora a pp. 780/781: «É efetivamente a meação do cônjuge não credor que compensará o cônjuge que respondeu com o seu património por dívidas comuns (cf. o art. 1689º, nº3), verificando-se, desta forma, uma compensação do património comum ao próprio de um dos cônjuges. É que, note-se, dada a ausência de personalidade jurídica da comunhão, os titulares do património comum são, efetivamente, ambos os cônjuges. No final, a compensação devida a um dos cônjuges pela comunhão será paga por um acréscimo da meação do cônjuge credor nos bens comuns, de valor igual ao da compensação devida e, necessariamente, por uma diminuição, na mesma proporção, na meação do outro cônjuges. A tal não obsta que se trate de um património de afetação especial e com autonomia (ainda que não plena) face aos cônjuges e ao património próprio de cada um deles. A não ser assim, no final, tratar-se-ia sempre de relações entre patrimónios próprios e as compensações (stricto sensu) não tinham razão de existir».
Ora, considerando que a aquisição da casa ocorreu na pendência do casamento, o pagamento do mútuo hipotecário constituía uma dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges (Artigo 1691º, nº1, al. a), do Código Civil). Assim, na medida em que suportou mais de metade de tal dívida como lhe competia (Artigo 1730º, nº1, do CC), contribuindo com um adicional de € 35.000 que constituía um bem próprio (cf. decisão transitada de 9-5-2012 e Artigo 1722º, nº1, al. c), do Código Civil, sendo certo que não tem aplicação a doutrina do AUJ nº 12/2015 porque o cabeça de casal não se arroga com proprietário único da casa), o cabeça de casal tornou-se credor do património comum no valor de €17.500, sendo esse crédito só exigível no momento da partilha dos bens do casal (Artigo 1697º, nº1, do CC; cf. Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de15.12.2011, Rui Vouga, 1364/08, de 10.11.2016, 1249/14, www.colectaneadejurisprudencia.com; Acórdão da Relação de Guimarães de 15.3.2012, Isabel Rocha, 1385/10).
E, nos termos do Artigo 1689º,nº3, do CC, os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum. Só não existindo bens comuns ou sendo estes insuficientes, é que responderão os bens próprios do cônjuge devedor (parte final do nº3 do Artigo 1689º do CC). Conforme referem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Vol. I, 5ª ed., p. 502, tudo se passará como se o credor fosse credor do património comum e, a título subsidiário, credor do outro cônjuge. Note-se que, conforme clarifica Cristina Araújo Dias, Op. cit., p. 782. «(…) o art. 1689º, nº3, 1ª parte, ao referir-se aos “créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro”, não deverá ser interpretado como créditos entre cônjuges, quando esteja a regular a situação decorrente do art. 1697º, nº1, 1ª parte, mas como compensações, na sequência do entendimento apresentado anteriormente. / Deve atender-se ao art. 1730º, que estabelece a regra da metade, isto é, os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão. O facto de os arts. 1689º, nº3 e 1697º, nº1, se reportarem a compensações entre o património comum e o património próprio de um dos cônjuges, nos regimes de comunhão, e exigíveis apenas no momento da partilha, não obsta, nem afasta a que atendamos, nesses regimes, ao art. 1730º, ou seja, qualquer estipulação que afasta a regra da metade é nula. Por isso, se um cônjuge pagou dívidas comuns com bens próprios, o outro, que necessariamente participa em metade do passivo da comunhão, terá de ter a mesma participação daquele».
A partilha de bens entre os cônjuges compõe-se de várias operações:
· A separação de bens próprios, como operação ideal preliminar;
· A liquidação do património comum, destinada a apurar o valor do ativo comum líquido, através do cálculo das compensações e da contabilização das dívidas a terceiros e entre os cônjuges;
· O cálculo do valor das meações;
· O preenchimento das meações (cf. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Vol. I, 5ª ed., p. 504 e Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, 5ª ed., p. 486).
No que tange ao passo ii., há que começar por relacionar os bens comuns, sendo a regra supletiva a de que a partilha se fará de acordo com o regime de bens que vigorou no casamento, no caso, comunhão de adquiridos (cf. Artigo 1790º do CC). Após a soma do valor dos bens comuns a partilhar, deve ser abatido o passivo: «Primeiramente, são relacionadas e deduzidas as dívidas do património comum perante terceiros (cf. art. 1689º, nº2). / Segue-se a consideração das dívidas do património comum perante os cônjuges, em que se incluem as dívidas entre os cônjuges e as dívidas do património comum ao património próprio de um dos cônjuges» (Jorge Duarte Pinheiro, op. cit., p. 488), em que se inclui precisamente as dívidas de compensação pelo pagamento de dívidas comunicáveis nos termos do Artigo  1697º, nº1, do Código Civil.
Refere a este propósito Cristina Araújo Dias, ob. cit., p. 840, Nota 1455 que : «Participando os cônjuges por metade no património comum (cf. o art. 1730.º), se um deles, e relativamente ao pagamento de dívidas do casal, respondeu para lá da parte que lhe cabia, na falta ou insuficiência de bens comuns, tal significará que o outro cônjuge, que deveria também responder nos mesmos termos, mas que não o fez, terá agora de realizar tal participação. Por isso, não obstante ser o património comum a responder, pois estamos perante compensações, tal compensação será efetuada por um aumento da meação de um dos cônjuges e uma diminuição na do outro cônjuge.»
Assim sendo, o despacho da forma à partilha proferido em 7.4.2014 mostra-se incorreto, devendo ser substituído  e atualizado por outro deste jaez:
«Procede-se a inventário para separação de meações subsequente ao divórcio de Ana (…) e de Orlando (…), os quais foram casados no regime de comunhão de adquiridos e cujo casamento foi dissolvido por divórcio em 18 de novembro de 2010.
Os bens a partilhar são os que constam das relações de bens de fls. 22 a 25 e 86 a 88, com exceção do crédito a favor do cabeça de casal no valor de € 35.000 o qual será objeto de compensação.
Existe passivo hipotecário que foi aprovado por ambas as partes na conferência de interessados, no montante de € 170.277,17. Supervenientemente, foi acordado e decidido que a interessada Ana suportará na íntegra tal passivo.
Na conferência de interessados, procedeu-se à licitação de todos os bens.
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Considera-se a soma dos valores de todos os bens móveis e imóveis, tendo em conta o valor resultante das licitações efetuadas em conferência, subtraindo-se o passivo aprovado, sendo o resultado obtido dividido em duas partes iguais, correspondendo cada uma delas, provisoriamente, à respetiva meação (artigos 1689º, nº2 e 1730º, ambos do Código Civil). Seguidamente, por via da compensação (Artigo  1689º, nº3, do Código Civil), adiciona-se € 35.000 ao valor da meação do cabeça de casal e subtrai-se o mesmo valor à meação da interessada Ana, ficando assim constituídas definitivamente as meações.
O preenchimento dos quinhões far-se-á consoante o resultado das licitações.
Atento o trânsito em julgado do despacho proferido em 10.1.2018, no preenchimento da meação da interessada e no cálculo das tornas deverá  atender-se a que a interessada licitante da verba onerada com hipoteca assumiu o encargo de pagar a totalidade do passivo que onera essa verba.
Assim, quantificando as operações enunciadas obtemos o seguinte resultado:
Ativo  tendo em consideração o valor resultante das licitações: € 290.630
Passivo hipotecário aprovado na conferência de interessados: € 170.277,17.
Subtraindo o passivo ao ativo, obtém-se um ativo de € 120.352,83.
Para obtenção das meações provisórias, divide-se o ativo em dois, obtendo-se uma meação provisória de € 60.176,41. À meação da interessada Ana subtrai-se € 17.500 (compensação), passando a meação da mesma a ser de € 42.676,41 e a do cabeça-de-casal de € 77.676,41 (€ 60.176,41 + € 17.500), sendo a diferença das duas meações de precisamente € 35.000 (€ 77.676,41 – € 42.676,41 = € 35.000).
No que tange ao preenchimento das meações, há que considerar que a interessada licitou bens desonerados de hipoteca (cf. supra pp. 15 a 19) no valor de € 117.697,83 e o cabeça de casal licitou bens no valor de € 2.655, assumindo a interessada o pagamento de todo o passivo hipotecário. Sendo a meação da interessada de € 42.676,41, deve a mesma pagar ao cabeça de casal tornas no valor de € 75.019,42 (€ 117.697,83 – € 42.678,41), as quais acrescidas de € 2.655 completam a meação do cabeça de casal de € 77.674,42 (€ 75.019,42 + € 2.655 = € 77.674,42).
Do que fica exposto resulta que quer o mapa da partilha de 2.5.2017 (fls. 477-481), nos termos do qual a interessada Ana tem de pagar ao cabeça de casal € 125.160 de tornas, quer o mapa informativo de fls. 493, nos termos do qual a mesma interessada tem de pagar tornas de € 142.660,005, estão incorretos e desatualizados, sendo o valor de tornas devido de apenas € 75.019,42.
Nos termos das disposições conjugadas dos Artigos 663º, nº2 e 611º, nº1, do Código de Processo Civil, deve este Tribunal da Relação relevar e atender o acordo superveniente no que tange ao pagamento do passivo de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão do caso, que corresponde ao da prolação da sentença homologatória da partilha. Assim sendo, e consoante se viu, o despacho de forma à partilha de 7.4.2014 e os subsequentes mapas da partilha são incorretos (designadamente não consideraram devidamente o modo como deve ser imputado o pagamento dos € 35.000) e bem assim estão desatualizados e ultrapassados pelo acordo das partes, objeto de despacho transitado, no sentido de que caberá à interessa suportar na íntegra o passivo hipotecário. Tal despacho de forma à partilha bem como os dois subsequentes mapas tiveram como pressuposto que o passivo hipotecário seria suportado pelos dois, o que agora não sucede. Assim sendo, prevalecem a forma à partilha e as contas derivadas da mesma efetuadas supra.
Improcedendo a pretensão do apelante de ver acrescido o valor global a receber da interessada segundo os mapas da partilha efetuado na sequência do despacho de forma à partilha de 7.4.2014, improcede a apelação.

DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, consignando-se que o valor de tornas a pagar pela interessada ao cabeça de casal é de € 75.019,42.
Custas pelo apelante na vertente de custas de parte (arts. 527º, nº1, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 12.7.2018
                                  
Luís Filipe Sousa

Carla Câmara

Higina Castelo