Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2742/13.1TBFUN.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: PROCESSO EXECUTIVO
AGENTE DE EXECUÇÃO
EXEQUENTE
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Independentemente da recondução da responsabilidade do agente de execução à área privatística ou da preferência pela aplicação do regime da responsabilidade do Estado pelos atos daqueles em que delega os seus poderes de autoridade, em nenhuma dessas abordagens será de excluir a situação de pluralidade de autores do ato ilícito em que se resolve a penhora de bens de executados que não figuram como obrigados no título executivo, mas contra quem a execução foi também instaurada, com indicação para penhora, no requerimento executivo, de bens desses executados.

II- Tal pluralidade, e verificada a culpa de ambos os agentes implica a responsabilidade solidária pelos danos ocasionados aos executados respetivos.

III- A vergonha, vexame, humilhação, grande ansiedade, tristeza, amargura angustia e desespero com a situação dos executados que ficaram impossibilitados de fazer face às suas despesas mínimas de subsistência, tendo que pedir dinheiro emprestado a familiares e amigos, ninguém acreditando terem os AA. sido alvo de penhora de todas as contas bancárias, com remoção de todos os valores, se não fossem devedores, não traduzem simples incómodos, contrariedades e preocupações.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:



I-Relatório:


I – A e B, intentaram ação declarativa, com processo comum sob a forma sumária, contra C, pedindo a condenação da Ré a pagar a cada um dos ora Autores a quantia de € 12.000,000 + € 1.598,69, acrescidos de juros vencidos desde a citação da Ré e vincendos, até integral pagamento.

Alegando, para tanto:

A Ré, em 21-02-2012, deu entrada nas Varas de Competência Mista do Funchal de requerimento executivo para pagamento de quantia certa, tendo identificado como executados os ora Autores, sendo o valor de execução de € 51.314,26.

No âmbito do processo executivo respetivo, sem qualquer citação prévia, os Autores viram todas as contas bancárias que possuíam no Banco Millennium bcp penhoradas, no valor total de € 51.524,80.

A Ré apresentou à execução como título executivo um requerimento de injunção apresentado apenas contra a sociedade D, no qual foi aposta força executiva, em 4 de Dezembro de 2011.

Assim, por sentença proferida no aludido processo de execução, foi julgada procedente a oposição apresentada pelos executados, ora Autores e, em consequência foram considerados partes ilegítimas, absolvidos da instância executiva e consequentemente ordenado o levantamento de todas as penhoras que recaíram sobre os bens dos Autores, incluindo os saldos bancários ou outros valores mobiliários titulados por estes, com a devolução de todos os seus bens e valores.

Em consequência dos sérios problemas que a Ré lhes ocasionou, sofreram os AA. danos não patrimoniais, justificando uma indemnização por esse título no montante de € 12.000,000.

Os Autores para verem a situação esclarecida viram-se obrigados a constituir mandatário e, a deduzir oposição à execução, tendo de despender a título de despesas e honorários cerca de € 916,80.

E, mesmo após a devolução às suas contas bancárias das quantias penhoradas no montante de € 51.240,80, os Autores sofreram a perda de juros no montante de € 681,89.

Citada, contestou a Ré, alegando, em suma, que a dívida da sociedade executada, D, foi causada pelos autores enquanto gerentes e sócios da dita sociedade, sendo aqueles “responsáveis pelas dívidas até ao limite do capital social, e de facto enquanto sócios gerentes, criaram dívidas, não as pagaram, deliberadamente, dada a solvência da sociedade, sendo que a venderam sem aviso aos credores.”.

Tendo os AA. causado “prejuízos à sociedade, ora Ré, pois na qualidade de sócios gerentes que foram da sociedade com o nome do Autor, celebraram negócios e não pagaram os montantes que assumiram ainda que em nome da sociedade” (sic).

Impugna a existência dos alegados danos.

Rematando com a improcedência da ação e a sua absolvição dos pedidos.

O processo seguiu seus termos, com saneamento, identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente por provada e, em consequência, decido:
a) Condenar a Ré a pagar, a cada um dos AA., a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, acrescidas das quantias devidas a título de juros moratórios legais, às taxas que se forem sucedendo no tempo, computados desde a data desta decisão até integral pagamento.
b) Absolver a Ré do demais peticionado.”.

Inconformada recorreu a Ré, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:

“I.- O tribunal recorrido deveria ter julgado a sociedade Ré parte ilegítima na ação porquanto o poder executivo conferido ao Agente de execução, fundamenta-se num título executivo que aquele sabe e tem de saber interpretar, não promovendo mais do que consta do título executivo. Tudo o que consta do requerimento e seja ilegal é, para todos os efeitos e inexistente.

II.- A recorrente, tendo mandatado advogado para cobrar uma dívida, e tendo o requerimento de Injunção sido interposto em cumprimento desse mandato, contra a sociedade comercial e não contra os autores, não agiu dolosa, ilícita ou culposamente.
Em sede de requerimento executivo, o mandatário ainda que inserindo o nome dos autores e requerendo a penhora de contas bancárias, em nada poderia resultar pois o mero requerimento não determinaria a penhora.

III.- Apenas ao Agente de execução tem o poder e a capacidade de ação, ou seja de penhorar, sendo certo que a ilegalidade cometida e logo reparada foi pelo Agente de Execução e não pela Ré.

IV.- O Agente de execução, no presente caso é a entidade processual responsável pela penhora ilícita e contra quem os Autores deveriam ter atuado, o que torna a sociedade Ré parte ilegítima, ainda que o tribunal não tenha julgado a ilegitimidade.

V.- O caso em concreto não permite a condenação em indemnização por danos não patrimoniais.
Só merecem a tutela do direito os danos não patrimoniais, que, atenta a sua gravidade, a mereçam (art.496º do CC)
Os simples incómodos, as contrariedades, as preocupações não revestem gravidade suficiente para justificar a atribuição de indemnização. Neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela, in CPC Anotado, Vol. I, 2ª ed. Ver. E act. Pág. 434., como se referiu nas alegações, ora assim sendo julgou mal o Tribunal recorrido ao condenar a sociedade ré no pagamento a cada um dos Autores da Indemnização.

VI.- Os pontos 7,8, 9, da matéria dada como provada são contraditórios com os pontos 12. 13. e 14 da matéria dada como não provada., como se salientou, pelo que não poderia condenar-se a Ré na indemnização.

VII.- O juiz do tribunal recorrido aplicou erradamente o disposto no artigo 496º nº 3 do Código Civil, ao considerar indemnizável os alegados incómodos dos Autores, pois não se provou uma gravidade tal que justificasse a sua aplicação, como errada é a aplicação do artigo 563º do Código Civil.,
A condenação em indemnização por danos não patrimoniais não encontra suporte legal, por falta de merecimento da tutela do direito.

VIII.- Deverá a sentença ser substituída por outra que absolva a sociedade Ré, recorrente, do pedido na parte em que foi condenada.”.

Não se mostram apresentadas contra-alegações.

II – Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:

- se a Ré é parte ilegítima;
- se se verifica a contradição entre pontos da matéria de facto provada apontada pela Recorrente;
- se não estão provados danos não patrimoniais indemnizáveis.

***

Considerou-se assente, na 1ª instância, a matéria de facto seguinte:

“1) A Ré em 21-02-2012, deu entrada, nas extintas Varas de Competência Mista do Funchal, requerimento executivo para pagamento de quantia certa, tendo identificado como executados os ora Autores, com valor de execução de Eur: 51.314,26, que deu origem ao processo n.º 140/12.3TCFUN, 2ª Secção.

2) O título executivo dado à execução referida em 1) é um requerimento de injunção, no qual foi aposta força executiva, intentado em 4 de Dezembro de 2011, apenas contra a sociedade D, não figurando, assim, os AA. no título executivo como devedores.

3) A Ré, na sequência do processo referido em 1), ordenou a penhora das contas bancárias dos ora Autores.

4) No âmbito do referido processo, sem qualquer citação prévia, os Autores viram, no dia 28.02.2013, todas as contas bancárias que possuíam no Banco Millennium bcp penhoradas, com remoção de todo o valor monetário que ali detinham, no valor total de Eur: 51.524,80 (cinquenta um mil quinhentos vinte quatro euros e oitenta cêntimos), conforme abaixo descriminadas:

a. - Conta n.º …-Millenium bcp, de B, no montante de Eur 23.922,07 (vinte três mil novecentos vinte dois euros e sete cêntimos).
b. - Conta n.º …-Millenium bcp, de A, no montante de Eur 723,00 (setecentos e vinte três euros).
c. - Conta n.º …-Millenium bcp, de A, no montante de Eur 2.136,32 (dois mil cento trinta seis euros e trinta dois cêntimos).
d. - Conta n.º …-Millenium bcp, de A, no montante de Eur 20.668,44 (vinte mil seiscentos sessenta oito euros e quarenta quatro cêntimos).
e. - Conta n.º …-Millenium bcp, de A, no montante de Eur 4.074,97 (quatro mil setenta quatro euros e noventa sete cêntimos).

5) Por sentença proferida no processo referido em 1), foi julgada procedente a oposição apresentada pelos executados, ora Autores e, em consequência foram considerados partes ilegítimas, absolvidos da instância executiva e consequentemente ordenado o levantamento de todas as penhoras que recaíram sobre os bens dos Autores, incluindo os saldos bancários ou outros valores mobiliários titulados por estes, com a devolução de todos os seus bens e valores.

6) Em 27 de Março de 2013, após a solicitação da devolução urgente de todos os valores monetários penhorados para as contas dos Autores, veio o Exmo. Agente de execução em 1 de Abril de 2013, informar que iria de imediato proceder à transferência das quantias penhoradas para a conta dos Autores.

7) Em consequência da ocorrência do facto descrito em 4) os Autores ficaram privados de todas as suas poupanças e impossibilitados de poderem fazer face às despesas mínimas de subsistência, nomeadamente, impossibilitados de poderem fazer face às indispensáveis despesas mensais de habitação, nomeadamente água, luz gás, telefone, bem como as de alimentação, tendo passado por sérias dificuldades económicas.

8) Os AA. viram-se obrigados a pedir dinheiro emprestado a familiares e amigos, facto que os deixou bastante envergonhados, vexados e humilhados com a situação, dado que ninguém acreditava terem sido alvo de penhora de todas as contas bancárias, com remoção de todos os valores se não fossem devedores.

9) Os AA. com a conduta descrita sofreram grande ansiedade, tristeza, angustia e desespero por naquele período terem ficado sem qualquer dinheiro para prover a sua subsistência e sentiram-se envergonhados e humilhados por terem de pedir a amigos e familiares dinheiro emprestado.

10) Na verdade os Autores passaram a viver bastante amargurados e angustiados.

11) Os Autores viram-se obrigados a constituir mandatário e, a deduzir oposição à execução, tendo de despender a título de despesas e honorários cerca de Eur: 916,80 (novecentos e dezasseis euros e oitenta cêntimos), sendo a quantia de 550,80 de taxa de justiça e 366,00 de honorários, sendo inequívoca a existência de danos.”.

Tendo-se julgado não provado:

“12) Que os AA. à data do facto descrito em 4) não possuíssem outros valores monetários.

13) Que o Autor A, tenha passado a sofrer de constantes palpitações no peito, de insónias, ansiedade e fadiga, o que o levou a consultar o seu médico, tendo sido diagnosticado uma depressão e ansiedade, provocada pelos sérios problemas que o têm afligido.

14) E, mesmo após a devolução às suas contas bancárias das quantias penhoradas no montante de Eur: 51.240,80, os Autores sofreram a perda de juros no montante de Eur: 681,89 (seiscentos oitenta um euros e oitenta nove cêntimos).”.

Vejamos.

II – 1 – Da arguida ilegitimidade da Ré.

1. A Recorrente acusa a falta de tal pressuposto processual relativo à sua pessoa, na consideração de que “O mandatário nem a sociedade Ré, ora recorrente, poderiam ter determinado, sequer logrado penhorar as contas bancárias dos autores.

Tal ato, ilegal, foi praticado pelo Agente de Execução e só por ele, contra quem os Autores deveriam ter interposto a ação e não contra a sociedade Ré.

É o agente de execução que verifica a penhorabilidade de bens e a legitimidade dos exequentes e Executados, para isso tem o acesso prévio ao título executivo.

O Agente de execução não age por mero requerimento, age em conformidade com a legitimidade do título executivo.

Numa execução contra o Estado, bem sabemos que edifícios públicos são impenhoráveis, mesmo que requerida, a título de exemplo uma penhora, em imóvel público, o Agente de Execução não pode penhorar.

Foi o que aconteceu neste processo quanto ao requerimento que o Agente de Execução tinha por obrigação seguir apenas no limite do Título Executivo.”

Assim, e em suma, a circunstância de a execução no âmbito da qual foi efetivada a penhora em causa, haver sido requerida pela ora Ré, representada pelo seu mandatário – que nomeou à penhora os saldos bancários existentes em nome dos executados, sem discriminação, nos Bancos que indicou – seria pura e simplesmente descartável, no plano da responsabilidade civil, destarte a assacar apenas ao agente de execução…

Com estranheza da Ré à relação jurídica controvertida, tal como configurada pela A., cfr. art.º 30º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil.

Distanciando-se destarte a exequente – pelo menos gravemente negligente, ao requerer execução, também, contra quem não figura como obrigado no título respetivo, facto que não podia desconhecer – das consequências danosas da ilícita penhora de bens dos indevidamente executados, ora AA.

Quando, e desde logo, ponto é que nos termos do art.º 819º, do Código de Processo Civil de 1961, com a redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março – em cujo âmbito de vigência decorreu a execução em causa – “Procedendo a oposição à execução sem que tenha tido lugar a citação prévia do executado (como assim foi o caso) o exequente responde pelos danos a este culposamente causados e incorre em multa (…) sem prejuízo da responsabilidade criminal em que possa também incorrer”.

2. No domínio da reforma do processo civil de 2003, e no confronto do Estatuto da Câmara dos Solicitadores – Decreto-Lei n.º 88/03, de 10 de Setembro – definia Lopes do Rego[1] o solicitador da execução “como o profissional liberal independente, sujeito a um triplo controlo (…) e a um rigoroso regime de impedimentos e incompatibilidades (…) que coopera na administração da justiça”.

Para Lebre de Freitas[2] – e ainda no âmbito do anterior Código de Processo Civil, após a reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, vigente à data da instauração da execução em causa – “Tal como o huissier francês, o agente de execução é um misto de profissional liberal e de funcionário público, cujo estatuto de auxiliar da justiça implica a detenção de poderes de autoridade no processo executivo.

A sua existência, sem retirar a natureza jurisdicional ao processo executivo, implica a sua larga desjudicialização (entendida como menor intervenção do juiz nos atos processuais) e também a diminuição dos atos praticados pela secretaria. Não impede a responsabilidade do Estado pelos atos ilícitos que o agente de execução pratique no exercício da função, nos termos gerais da responsabilidade do Estado pelos atos dos seus funcionários e agentes.”.

Também Amâncio Ferreira,[3] já na vigência do regime introduzido pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, referindo que “a missão do agente de execução apresenta-se com uma natureza híbrida, por reunir em si as características próprias de um mandatário do credor e de um oficial público”.

Rui Pinto,[4] concordando “no essencial”, com esta abordagem, conclui “que o agente de execução não está na causa como mandatário do exequente, ainda que sem representação, mas como auxiliar de justiça do Estado, escolhido pelo exequente. Esta tem a natureza de negócio jurídico processual unilateral do exequente.”.

Na jurisprudência, tem-se entendido ora que o agente de execução não tem a qualidade de agente administrativo, prevalecendo no seu estatuto a vertente liberal devendo a sua responsabilidade ser enquadrada no campo privatístico, sem acarretar a responsabilidade do Estado, ora acentuando a qualidade de auxiliar de justiça e, consequentemente, aplicando o regime da responsabilidade do Estado pelos atos daqueles em que delega os seus poderes de autoridade.

Podendo ver-se no primeiro sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 06-07-2011[5] e 11-04-2013,[6] e, no segundo, os Acórdãos da Relação de Guimarães de 25-10-2012[7] e da Relação do Porto, de 25-10-2010.[8]

3. Temos para nós – e reportando-nos ao quadro normativo vigente à data do requerimento executivo respetivo – sobrelevar a natureza híbrida do Estatuto do agente de execução.

E, assim, na consideração, por um lado, de que o ECS, no seu art.º 99º, n.º 1, enuncia que a solicitadoria é exercida “em regime de profissão liberal remunerada.”.

Mandando aplicar subsidiariamente ao agente de execução, “as incompatibilidades gerais inerentes à profissão de solicitador e de advogado.” – art.º 120º, n.º 3 – e “os impedimentos gerais inerentes à profissão de solicitador e de advogado”, cfr art.º 121º, n.º 4.

Sendo ainda “aplicável ao agente de execução, com as necessárias adaptações, o regime a que estão sujeitos os solicitadores, no que diz respeito à acção disciplinar, designadamente aos deveres e à responsabilidade disciplinar.”, vd. art.º 132º, n.º 1, do mesmo ECS.

Para além de nos termos do art.º 810º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961 – na redação introduzida pelo já citado Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20-11 – ser o exequente quem, logo no requerimento executivo “Designa o agente de execução…”.

Sendo concedido ao exequente o poder de livre destituição do agente de execução, e a um órgão disciplinar – Comissão para a eficácia das execuções – o poder de destituição fundada, cfr. art.ºs 808º, n.º 6 do Código de Processo Civil de 1961 e 69º-B e 69º-F, do ECS.

Mas tendo-se, por outro lado, competir ao juiz de execução “julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de actos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias.”, e, bem assim, “Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução (…)”, cfr. art.º 809º, n.º 1, alíneas c) e d).

Não podendo o exequente impor ao agente de execução instruções quanto à ordem de realização da penhora em contrário do disposto no art.º 834º, n.º 1, ainda e sempre do mesmo Código de Processo Civil.

Restringindo-se de resto as instruções que o exequente pode dar ao agente de execução, à mera nomeação de bens à penhora, relativa ao objeto desta, “e que não se estendem a mais nenhum aspeto da atividade executiva do agente de execução. Por outras palavras, o exequente não pode dar válidas e eficazes instruções quanto aos termos da penhora, quanto à venda e quanto ao pagamento.”.[9]

Acresce que o agente de execução, e como visto, está sujeito a um regime de impedimentos, e a algumas incompatibilidades, como sucede com os juízes, os peritos e os funcionários da secretaria, sendo mesmo aplicável ao agente de execução, e a título principal, “com as necessárias adaptações, o regime estabelecido no Código de Processo Civil acerca dos impedimentos e suspeições dos funcionários da secretaria.”, cfr. n.º 1 do cit. art.º 121º, do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, sendo nosso o grifado.

4. No sentido da corresponsabilização do Estado e do exequente, pelas atuações do agente de execução, pronunciou-se já Rui Pinto,[10] em hipótese que julgamos ser a de culpa in elegendo: “o Estado pode ser responsabilizado pelas actuações dolosas ou negligentes do agente de execução, mas o mesmo também é verdade quanto ao exequente em razão da escolha.

Por ex., se um agente de execução causar dano ao executado por actos que integram um padrão de comportamento reiterado e que era objecto de processos disciplinares já pendentes à data da escolha do agente, o Estado pode responder nos termos da responsabilidade civil extracontratual (cf Lei 67/2007, de 31 de Dezembro) e o credor também por não poder ignorar aqueles.”.

Para além disso, e como quer que seja, independentemente da recondução da responsabilidade do agente de execução à área privatística ou da preferência pela aplicação do regime da responsabilidade do Estado pelos atos daqueles em que delega os seus poderes de autoridade, ponto é que em nenhuma dessas abordagens será de excluir a situação, diversa, de pluralidade de autores do ato ilícito em que se resolve a penhora de bens de executados que não figuram como obrigados no título executivo.

Pluralidade aquela implicando a responsabilidade solidária pelos danos ocasionados aos executados respetivos, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 490º e 497º, n.º 1, do Código Civil.

Ora, revertendo ao caso dos autos, temos que a Ré requereu execução para pagamento de quantia certa, tendo identificado, no requerimento respetivo, como executados, e para além de outros, os ora Autores/recorridos.

Sendo que o título executivo dado a tal execução é um requerimento de injunção, no qual foi aposta força executiva, apresentado em 4 de Dezembro de 2011, apenas contra a sociedade D.

Resultando assim incontornável não poder a execução, com esse título executivo, ser promovida contra outrem que não a sobredita sociedade por quotas. Cfr. art.º 55º, n.º 1, do mesmo Código de Processo Civil, e descartando-se, por aqui desinteressantes, as hipóteses desviantes, previstas nos art.ºs 56º e 57º do referido Código.

Configurando-se, no confronto dos executados ora AA./recorridos, uma situação de insuficiência de título.

Ora, de acordo com o disposto no art.º 811º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil de 1961, competia ao agente de execução – perante execução instaurada contra quem no título executivo não figurava como devedor, e assim em situação de manifesta insuficiência do título – recusar receber o requerimento executivo.

Admitindo-se que tal recusa pudesse ser apenas quanto à parte em que a execução era dirigida contra os ora AA. e certo ser já então admitido expressamente o despacho de indeferimento liminar parcial do requerimento executivo, cfr. art.º 812º-E, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Devendo ainda o agente de execução, em caso de dúvida quanto à suficiência do título, remeter eletronicamente o processo ao juiz para despacho liminar, vd. art.º 812º-D, alínea e), do dito Código.

O que nada foi feito pelo agente de execução…

Tendo a execução prosseguido seus termos, com a penhora de todas as contas bancárias que os ora AA. possuíam no Banco Millennium bcp, com o saldo total de € 51.524,80, e que haviam sido indicados pela exequente.

Mas sendo assim incontornável a falta de cuidado posta pelo agente de execução na análise do processo executivo recebido, com violação de deveres processuais e deontológicos – vd. tb., do citado ECS, os art.ºs 123.º (dever de praticar diligentemente os actos processuais de que seja incumbido), e 109.º (dever de não solicitar contra lei expressa, não usar meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências inúteis ou prejudiciais para a correta aplicação do direito e descoberta da verdade) – que a serem observados teriam obstado a que aquele procedesse à ilícita penhora, ponto é também que não houvesse a Ré/recorrente instaurado a execução contra quem no título não figurava como devedor, indicando à penhora bens pertencentes a esses terceiros, e não teria sido ordenada a penhora daqueles. 
 
Confrontando-nos pois com situação em que o ato ilícito – penhora de bens pertencentes a executados contra os quais não podia ser instaurada a execução, por não terem, no título dado à execução, a posição de devedores – foi praticado em via de conjugação de atos da exequente, aqui Ré/recorrente, com atos e omissões por parte do agente de execução.

Em qualquer caso, estes e aqueles, exuberantemente negligentes, e no mínimo, pelo que respeita à exequente.

Decorrendo, de quanto se vem de expender, ser a Ré sujeito da relação controvertida, tal como foi configurada pelos AA. na sua petição inicial, assistindo-lhe pois legitimidade processual.

*

Com improcedência, nesta parte das conclusões da Recorrente.

II – 2 – Da pretendida contradição entre pontos da matéria de facto provada.
Aquela verificar-se-ia, segundo a Recorrente, entre os pontos n.ºs 7,8 e 9, dos factos provados e os pontos n.ºs 12, 13 e 14, dos factos não provados.

E por isso que, apontam, “dá-se como provado, no ponto sete, que os autores ficaram privados de todas as suas poupanças e impossibilitados de poderem fazer face às despesas mínimas de subsistência, quando na matéria dada como não provada, ponto 12, se dá como não provado que os autores não possuíssem outros valores monetários.”, cfr. folhas 8 das alegações.

Com o que – e dado o evidente encadeamento de tais factos provados e não provados – colocam a “contradição” entre os pontos n.ºs 8 e 9, dos primeiros e os pontos n.ºs 13 e 14, dos segundos, como decorrência da “contradição” entre o ponto n.º 7 dos factos provados e o ponto n.º 12 dos factos não provados.

Não vislumbramos, porém, qualquer contradição lógica ou naturalística, entre as assinaladas asserções, assim em confronto.

Que em consequência da efetivada penhora os AA. tenham ficado privados de todas as suas poupanças e impossibilitados de poderem fazer face às despesas mínimas de subsistência, nomeadamente, impossibilitados de poderem fazer face às indispensáveis despesas mensais de habitação, nomeadamente água, luz, gás, telefone, bem como as de alimentação, tendo passado por sérias dificuldades económicas, não é incompatível com a circunstância do não provado de que os AA., à data da penhora, não possuíssem outros valores monetários.

Uma coisa são as poupanças e saldos em depósito bancário, atingidas pela penhora, e cuja indisponibilidade, comprovadamente, privou os AA. da dita possibilidade de proverem às aludidas despesas mínimas de subsistência.

Outra é a eventualidade – consentida pelo não provado da matéria do n.º 12, mas assim ela própria não se alcandorando ao plano da verdade processual – de os AA. possuírem, à data da penhora, outros valores monetários.

Por outras palavras, do não provado de não possuírem os AA. esses outros valores, não resulta o provado de…os possuírem.

Para além de que mesmo que os possuíssem, nada nos diz que a sua origem e montante fossem de ordem tal que, suprindo a indisponibilidade dos saldos penhorados, permitissem aos AA. continuar a, por si sós, fazer face às despesas mínimas de subsistência.

Improcedendo pois, também aqui, e sem necessidade de maiores considerações, as conclusões da Recorrente.

II – 3 – Dos danos não patrimoniais.

Na sentença recorrida valoraram-se, como danos não patrimoniais indemnizáveis, os extratáveis da factualidade vertida para os n.ºs 7 a 10 dos factos provados.

Considerando que os correspondentes “factos causaram preocupações e redução da qualidade de vida dos Autores, pelo menos, durante o período em que tiveram os saldos bancários penhorados.
Assim, o abalo psicológico sofrido traduz a existência de dano não patrimonial sofrido pelos lesados, e merecem a tutela do direito, pelo que, atento o critério da equidade, tendo presente que os danos psicológicos tendem a esbater-se com o decurso do tempo”.
Fixando “como compensação a quantia de € 1.500,00 (…), quantia essa devida a cada um dos AA. e que foi objeto de cálculo atualizado (…), pelo que às mesmas serão acrescidos juros de mora, às taxas legais que se forem sucedendo no tempo, a contar desde esta decisão e até efetivo e integral pagamento”.

Insurge-se a Recorrente, convocando o não provado de que os AA. à data da penhora não possuíssem outros valores monetários, e o “facto” – não alegado nem integrante dos factos provados – de que “em sede de julgamento ficou claro que os réus vivem da pensão, sendo as quantias penhoradas num curto espaço de tempo aplicações a prazo.”.

Mais considerando que “É certo que os Réus, legalmente não poderiam ser executados, ainda que moralmente a dívida foi pelos mesmos criada através da sociedade de que eram sócios, mas também é certo que os Réus enquanto sócios da sociedade executada foram quem criaram as dívidas da mesma, pelo que os seus alegados incómodos ou sofrimento só por remorsos se justificariam, não tendo ficado provada a alegada causalidade entre as perturbações e o processo executivo, nem que os réus não dispusessem de outras fontes de rendimento.”.

Concluindo…tratarem-se, os sofridos pelos AA., de simples incómodos, contrariedades, preocupações, não merecedoras da tutela do direito, cfr. conclusão IV.

No que tange ao não provado de que os AA. à data da penhora não possuíssem outros valores monetários, remete-se para o exposto supra, em II-2, a propósito da inexistência de contradição entre aquela circunstância e o provado do facto n.º 7.

Quanto ao que teria ficado “claro em julgamento”, trata-se de factos não alegados nem contemplados na decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, não tendo aquela sido objeto de impugnação por parte da Recorrente e nada nos autos impondo diversamente.

Relativamente ao nexo de causalidade – adequada, na formulação negativa[11] – entre a ilícita penhora e os danos não patrimoniais apurados – e conquanto se trate de questão que, aflorada no corpo das alegações, se não mostra incluída nas formuladas conclusões – dir-se-á resultar aquele, diretamente, dos n.ºs 7 a 10 dos factos provados.

A atuação da exequente, aqui Ré/recorrente, foi uma das condições dos danos comprovadamente ocasionados pela requerida e efetuada penhora, que não teria tido lugar, não fora aquela.

Finalmente, e no tocante à gravidade dos comprovados danos não patrimoniais, temos que em consequência da efetuada penhora “os Autores ficaram privados de todas as suas poupanças e impossibilitados de poderem fazer face às despesas mínimas de subsistência (…) tendo passado por sérias dificuldades económicas.”, vendo-se “obrigados a pedir dinheiro emprestado a familiares e amigos, facto que os deixou bastante envergonhados, vexados e humilhados com a situação, dado que ninguém acreditava terem sido alvo de penhora de todas as contas bancárias, com remoção de todos os valores se não fossem devedores.”.

Sofrendo os AA., com o comportamento da Exequente grande ansiedade, tristeza, angustia e desespero por naquele período terem ficado sem qualquer dinheiro para prover a sua subsistência e sentiram-se envergonhados e humilhados por terem de pedir a amigos e familiares dinheiro emprestado.”.

Passando “a viver bastante amargurados e angustiados.”.

Sendo sabido que “A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particular mente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito; O dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.”.[12]

Pois bem, numa cidade com as dimensões do Funchal, a situação em que os AA. se encontraram, por via da efetuada penhora, é, à luz de critérios objetivos, suficientemente lesiva da personalidade moral daqueles – cuja tutela é consagrada no art.º 70º, do Código Civil – para que se justifique a tal compensação com a obrigação pecuniária imposta ao agente.

A vergonha, vexame, humilhação, grande ansiedade, tristeza, amargura angustia e desespero com a situação, mostram-se consonantes, na perspetiva do homem médio, na circunstância de, tendo os AA. ficado impossibilitados de fazer face às suas despesas mínimas de subsistência, se verem obrigados a pedir dinheiro emprestado a familiares e amigos, ninguém acreditando terem os AA. sido alvo de penhora de todas as contas bancárias, com remoção de todos os valores, se não fossem devedores.

Não se situando tais danos não patrimoniais a nível próximo de outros possíveis de enorme gravidade, descolam, ainda assim, dos simples incómodos, contrariedades e preocupações.
 
E, por último, obedecendo a reparação a juízos de equidade, tendo em conta as circunstâncias concretas do caso – vd. art.ºs 496º, n.º 1 e 494º, ambos do Código Civil – ponderada assim, e designadamente, a duração da situação de indisponibilidade decorrente da penhora em causa – pouco mais de um mês – nem pecaria por excesso o montante da indemnização por esse título arbitrada a cada um dos AA., de € 1.500,00.
Ponto este, de resto, que a Ré não questiona diretamente.

*

Com improcedência, assim e in totum das conclusões da Recorrente.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu totalmente.

***

Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 663º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:

I - Independentemente da recondução da responsabilidade do agente de execução à área privatística ou da preferência pela aplicação do regime da responsabilidade do Estado pelos atos daqueles em que delega os seus poderes de autoridade, em nenhuma dessas abordagens será de excluir a situação de pluralidade de autores do ato ilícito em que se resolve a penhora de bens de executados que não figuram como obrigados no título executivo, mas contra quem a execução foi também instaurada, com indicação para penhora, no requerimento executivo, de bens desses executados.

II – Tal pluralidade, e verificada a culpa de ambos os agentes implica a responsabilidade solidária pelos danos ocasionados aos executados respetivos.

III – A vergonha, vexame, humilhação, grande ansiedade, tristeza, amargura angustia e desespero com a situação dos executados que ficaram impossibilitados de fazer face às suas despesas mínimas de subsistência, tendo que pedir dinheiro emprestado a familiares e amigos, ninguém acreditando terem os AA. sido alvo de penhora de todas as contas bancárias, com remoção de todos os valores, se não fossem devedores, não traduzem simples incómodos, contrariedades e preocupações.

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Lisboa, 2015-07-09


(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Maria Teresa Albuquerque)


[1]In “Papel e Estatuto dos Intervenientes no Processo executivo”, Lisboa, LEX, 2003, pág. 15.
[2]In “A Ação Executiva”, 6ª ed., Coimbra Editora, 2014, págs. 34, 35.
[3]In “Curso de Processo de Execução”, 11ª Ed., Almedina, 2009, pág. 143.
[4]In “Manual da Execução e do Despejo”, Coimbra Editora, 1ª ed., 2013, pág. 134.
[5]Proc. 85/08.1TJLSB.L1.S1, Relator: FONSECA RAMOS, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[6]Proc. 5548/09.9TVLSNB.L1.S1, Relator: ABRANTES GERALDES, no mesmo sítio da Internet.
[7]Proc. 294/10.3TBVCT.G1, Relator: AMÍLCAR ANDRADE, in www.dgsi.pt/jtrg.nsf.
[8]Proc. 2798/07.6TBSTS.P1, Relator: SOARES DE OLIVEIRA, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf.
[9]Rui Pinto, in op. cit., pág. 133.
[10]In op. cit., págs. 134, 135.
[11]Cfr. Antunes Varela, in “Das obrigações em geral”, Vol. I, 10ª ed. (reimpressão), Almedina, 2003, págs. 891-901.
[12]Antunes Varela, in op. cit., pág. 606.