Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12889/20.2T8LSB.L1-2
Relator: GABRIELA CUNHA RODRIGUES
Descritores: EMBARGO DE OBRA NOVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - No âmbito da providência de embargo de obra nova, pode ser decretada a inversão do contencioso (artigo 376.º, n.º 4, do CPC) desde que seja possível formar a convicção segura quanto à existência do direito e que a suspensão da obra, trabalho ou serviço seja suscetível de resolver de forma definitiva o litígio (artigo 369.º, n.º 1, do referido diploma).
II - A omissão de pronúncia está relacionada com os normativos que impõem ao tribunal o dever de tomar posição sobre certas questões que foram submetidas pelas partes à sua apreciação - artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC - ou são de conhecimento oficioso - por ex., os artigos 578.º, 579.º e 734.º do referido Código.
III - A omissão de pronúncia não se pode confundir com uma decisão de não conhecimento de uma questão, por estar prejudicada pela solução dada a outra que a precede, ainda que as questões tenham correspondência com os pedidos, como sucedeu no caso em apreço.
IV - Nos termos do disposto no artigo 397.º, n.º 1, in fine, do CPC, tanto o embargo judicial como a realização do embargo extrajudicial devem ser acionados no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do facto.
V - O argumento de que o prazo de 30 dias se conta a partir do momento em que a Requerida construiu estruturas em alvenaria de tijolo, para colocação de tubagens, aponta para uma destrinça, que a lei não opera no artigo 397.º do CPC, entre a natureza temporária ou definitiva da violação do seu direito.
VI - O auto de embargo extrajudicial, datado de 16.6.2020, não faz qualquer menção a estruturas em alvenaria de tijolo que tivessem sido fixadas nos dias 10 e 11 de junho, mantendo a descrição que fez à Polícia Municipal de Lisboa e que se sintetiza na realização de aberturas nas lajes de cobertura e na colocação de equipamentos de grande porte no terraço.
VII - Não podia a Recorrente pretender a ratificação de embargo de obra nova e, simultaneamente, arguir que só tomou conhecimento do seu direito após verificar a existência de estruturas em alvenaria de tijolo, quando tais estruturas nem são identificados no auto de embargo extrajudicial.
Sumário [artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil (doravante CPC) - da responsabilidade da relatora]
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I - Relatório

1. A Requerente Administração do Condomínio AAA interpôs recurso de apelação da decisão que julgou procedente a exceção de caducidade da providência de ratificação judicial de embargo de obra nova e, em consequência, absolveu a Requerida BBB – Companhia Imobiliária de Investimento, Lda. do pedido.
A Administração do Condomínio requereu a providência cautelar de embargo de obra, com a ratificação do embargo extrajudicial, e em consequência, o seguinte:
- Ser ordenada a total e absoluta interrupção das obras que têm vindo a ser levadas a cabo pela Requerida;
- Ser o terraço, e toda a situação envolvente, reposto no estado em que se encontrava antes do início da obra;
- Ser decretada a inversão do contencioso, proferindo-se assim a decisão final do litígio, por se considerar o direito da Requerente devidamente acautelado.
Alegou, para tanto, que:
- O Condomínio AAA é composto por um edifício de 17 pisos de habitação, Centro Comercial, cinema e garagem;
- O terraço de cobertura do Centro Comercial é utilizado como zona de lazer para todos os condóminos, sendo, por isso, um espaço amplo, aberto e desimpedido;
- A Requerida é proprietária do Centro Comercial e, em 1982, foi acordado ser da sua responsabilidade a manutenção das impermeabilizações da sobreloja em contrapartida pela não participação nos custos de manutenção das torres habitacionais;
- O Centro Comercial foi autorizado a instalar, nas limitações do terraço, as máquinas de ar condicionado, os exaustores e os depósitos de água de incêndio no terraço de cobertura, que é parte comum;
- A 3 de janeiro de 2020, a Requerente informou a administração do Centro Comercial que se verificaram infiltrações no teto da entrada da torre A, solicitando a sua reparação;
- A Administração do Centro respondeu a 13 de janeiro de 2020, com a informação de que iriam proceder ao início dos trabalhos de impermeabilização e que iriam proceder à substituição dos equipamentos de ar condicionado;
- Em finais de março de 2020, a Requerente, percebendo que as obras decorriam de forma não coincidente com o que foi transmitido, solicitou uma reunião com o responsável da obra;
- A reunião realizou-se a 7 de abril de 2020 e as informações transmitidas atenuaram as preocupações da Requerente;
- Porém, o desenvolvimento das obras levadas a cabo pela Requerida repôs, de forma agravada, as preocupações da Administração do Condómino AAA e de todos os Condóminos;
- Para além de nunca ter sido entregue o projeto das intervenções, nem a licença camarária das obras que se encontravam a realizar, conforme havia sido pedido, encontravam-se a executar aberturas na laje da cobertura;
- A referida laje corresponde ao pavimento do terraço e ao telhado do Centro Comercial, construída para aquele efeito e não para sofrer alterações sem qualquer estudo prévio;
- A Requerente «reclamou» junto da Polícia Municipal de Lisboa, por e-mail de 23 de abril de 2020, reiterado em 4 de maio de 2020, a qual visitou o local da obra;
- A 4 de maio de 2020, o terraço estava pejado de aparelhos de ar condicionado «monstruosos», mais ruidosos e que ocupavam uma área bem superior à inicialmente permitida, sem qualquer reforço estrutural da laje;
- Nos dias 10 e 11 de junho de 2020, foram construídas estruturas em  alvenaria de tijolo para colocação de tubagens;
- No dia 16 de junho de 2020, a Requerente procedeu ao embargo extrajudicial da obra;
- Trata-se de uma obra de inovação, em clara violação dos artigos 1422.º e 1425.º do Código Civil, porque a obra nova carecia sempre da prévia aprovação em Assembleia de Condóminos, por maioria de dois terços do valor total do prédio;
- Para além das construções novas em alvenaria de tijolo que nunca existiram, os novos equipamentos de climatização e condutas no terraço do Condomínio AAA não são uma mera substituição de equipamentos, visto que a sua ocupação do espaço é muito maior;
- O terraço onde a Requerida se encontrava a realizar obra nova é a cobertura do piso térreo do Condomínio, sendo uma zona de recreio para todos os Condomínios das torres habitacionais, com acesso único pelos pisos da sobreloja de cada torre, composto por baloiços e um campo de ténis;
- A obra prejudica a segurança da laje do terraço, atendendo a que implementaram, numa estrutura não preparada para o efeito, equipamentos de climatização de grande volume e peso, bem como condutas, também, volumosas - artigo 1422.º, n.º 2, alínea a) do Código Civil;
- A implementação de equipamentos de grande volume, no que é um espaço de recreio, prejudica quer a linha arquitectónica, quer o arranjo estético do edifício, atendendo a que aquele espaço é para ser amplo e aberto, não polvilhado de equipamentos de climatização e condutas;
- A obra apresenta‑se como uma ofensa aos bons costumes e representa um uso diverso do que é a finalidade do espaço -  artigo 1422.º, n.º 2, alíneas b) e c), do Código Civil.
3. Citada a Requerida, foi apresentada oposição, na qual, para além de se defender por impugnação, deduziu as exceções da ilegitimidade ativa e da caducidade do direito da Requerente perante o decurso do prazo de mais de 30 dias após o conhecimento da alegada lesão, nos termos do artigo 397.º do CPC.
4. Notificada para o efeito, a Requerente apresentou resposta às exceções, defendendo que só com o desenrolar da obra, e ao se depararem com as aberturas na laje, alertaram a Polícia Municipal de Lisboa para indagar da legalidade da obra e da «lesão efetiva», sendo inequívoco que o prazo para a Requerente embargar a obra no terraço de cobertura teve início com a construção das estruturas de alvenaria em tijolo, ou seja, nos dias 10 e 11 de junho.
5. Em sede de despacho saneador, o Tribunal a quo fixou o valor da causa em 300 000,00 €, julgou improcedente a exceção da ilegitimidade e julgou procedente a exceção da caducidade, absolvendo do pedido a Requerida.
6. Inconformada com o assim decidido, a Requerente interpôs recurso, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«1 - A Recorrente, administrando as partes comuns do prédio urbano supra referido nada mais pôde fazer para além de embargar extrajudicialmente as obras invasoras do terraço, porque a Recorrida nunca correspondeu às suas obrigações e ordenou o término da obra independentemente do que surgisse.
2 - Mais, o mesmo aconteceu com a citação da presente providência cautelar, que teve de ser realizada através de Agente de execução.
3 - Contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, a Recorrente não considera que o seu direito foi ofendido entre março e maio de 2020, pois durante esse período encontravam-se a decorrer duas obras, a de impermeabilização e colocação de equipamentos de ar condicionado.
4 - A aberturas nas lajes preocupavam a Recorrente por não ter conhecimento da legalidade camarária das mesmas (falta de licenciamento), e não tendo sido aprovadas por uma entidade competente, poderia estar a colocar em causa a estrutura da cobertura, mas nada indiciava que seriam aberturas para a criação de estruturas definitivas.
5 - Relativamente à parafernália de equipamentos, não se nega que os mesmo preocupavam a Recorrente, pois sem qualquer elemento escrito ou gráfico que explicassem o que aquilo representava não conseguia ter um discernimento correto do que ali se encontrava a brotar.
6 - PORÉM, só teve efetivo conhecimento de que estava na presença de uma obra quando, no dia 10 e 11 de junho de 2020, a Recorrida procedeu à construção de estruturas de ALVENARIA DE TIJOLO, pois até ai, não obstantes as preocupações referidas mais atrás, não sabia que se tratava de uma obra nova.
7 - O Condomínio, aqui Recorrente não tem (e também não está obrigado a ter) na sua composição, nomeadamente na sua administração, pessoas com capacidade profissional ao nível da fiscalização de obras, sobretudo quando estas envolvem, como in casu, especiais conhecimentos técnicos, e por isso, não lhe é exigível que aferisse em concreto quando é que se tratava, definitivamente, de uma obra nova e quando é que a lesão do seu direito estava iminente. Bastaria para tanto o tribunal a quo ter atentado nas regras da experiência para extrair essa conclusão.
Na verdade,
8 - O prazo de 30 dias para requerer o embargo de obra nova conta-se a partir do momento em que o titular do direito tenha efectivo conhecimento da verificação do dano e não apenas do conhecimento do início da obra (Ac. TRP de 30-10-2007, Proc. 0725015).
9 - Ou seja, na interpretação do segmento normativo constante do n.º 1 do art. 397.º do Código de Processo Civil, que se refere ao prazo de 30 dias para requerer o embargo de obra nova, deve-se atender ao momento a partir do qual se inicia a contagem desse prazo, isto é, ao momento em que essa obra ou trabalho se torna lesiva dos direitos do embargante e não necessariamente ao momento do conhecimento da existência da obra ou trabalho.
10 - E não pode deixar de ser assim, na interpretação contextualizada da norma, na medida em que se exige que a obra ou trabalho a embargar cause ofensa no direito do embargante.
11 - Para que melhor se compreenda o que representa esse "conhecimento do facto", basta pensar numa obra de construção/levantamento de um muro, onde só se torna perceptível o perigo e o dano que este pode causar a partir do momento em que colocam 8 fileiras de tijolos, pois só a partir daí se torna absolutamente evidente que o mesmo vai conflituar com a servidão de vistas do embargante ou até mesmo ruir sobre a propriedade deste.
12 - Ora, é neste exacto ponto que se coloca a questão nos presentes autos: O momento em que o embargante tem a plena consciência de que a obra é lesiva do seu direito.
13 - Além do mais, o auto de embargo da obra, para além das preocupações indicadas pelos condóminos à Recorrentes, também se faz acompanhar de fotografias. Fotografias essas que judicialmente são aceites como prova válida, logo, e por consequência, devem, também, fazer prova de toda a obra que estava implementada no terraço no dia em que houve o embargo extrajudicial.
14 - Estando documentado nas fotografias, e também vídeo que não pode ser junto em papel, mas consta dos autos, as estruturas em alvenaria de tijolo, devem as mesmas ser consideradas como mencionadas no próprio auto.
15 - Assim, considera-se que a Recorrente, estava, nos termos do art.º 397.º, em prazo para reivindicar o seu direito, que estava a ser lesado pelas obras abusivas da Recorrida, atento que não haviam ainda decorridos os 30 dias a contar do conhecimento efetivo do facto que ofende o seu direito, tendo por isso existido uma errónea apreciação da prova por parte do tribunal a quo, isto é um erro de julgamento, fazendo assim um mau uso do n.º 4 do art.º 607 do CPC.
16 - Como também já referido, o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre questões fundamentais sobre as quais se deveria ter pronunciado. Desde logo, não se pronunciou sobre o pedido de inversão do contencioso oportunamente formulado pelos Requerentes, aqui Recorrentes, por se considerar que a matéria fáctica apresentada nos autos corresponde à mesma que seria apresentada na ação principal e, por consequência, a decisão proferida corresponderia à decisão definitiva e pretendida do litígio.
17 - Nesta conformidade, a decisão recorrida padece do apontado vício de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos da art.º 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte, do Código do Processo Civil e de erro notório na apreciação da prova, por incorreta aplicação do n.º 4 do art.º 607 do CPC.»
7. A Requerida apresentou alegação de resposta, na qual formulou as seguintes CONCLUSÕES:
«(…) I.   Não se verifica a nulidade da Sentença arguida pela Recorrente, por putativa violação do disposto do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, uma vez que, julgada a intempestividade do Embargo cuja ratificação a Recorrente pretendia, ficou prejudicada a apreciação do pedido de inversão do contencioso, atento o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC.
II. A Recorrente, numa temerária litigância, permitiu-se, em sede de recurso, apresentar uma nova versão dos factos, objectivamente contraditória com a que foi por si alegada no Requerimento Inicial.
III. Atento o alegado nos artigos 14.º e 27.º e teor do Doc. n.º 22 do Requerimento Inicial é manifesto que no dia 16.06.2020 já se havia extinguido o prazo de 30 (trinta) dias que a Recorrente dispunha para intentar o procedimento cautelar.
IV. O prazo previsto no artigo 397.º, n.º 1 do CPC tem início a partir do conhecimento pelo lesado da violação do seu direito, sendo absolutamente irrelevante — porquanto tal distinção não é efectuada pelo legislador — a distinção entre a natureza temporária ou definitiva da violação desse direito.
V. Pelo menos a partir de 23.04.2020, a Recorrente já tinha conhecimento do seu putativo direito de embargar a obra contratada pela Recorrida, uma vez que nessa data instou a Polícia Municipal de Lisboa a determinar o seu embargo.
VI. No auto de "Embargo Extrajudicial", não foi feita menção à colocação de quaisquer estruturas em alvenaria de tijolo, que tivessem sido implantadas nos dias 10 e 11 de Junho, mas sim ao que a Recorrente já havia transmitido anteriormente à Polícia Municipal de Lisboa, em 23.04.2020 e 04.05.2020: abertura da laje e colocação de equipamentos de grande porte no terraço.
VII. A Sentença proferida pelo Tribunal a quo fez correcta aplicação do Direito, pouco mais competindo à Recorrida do que louvar a sua inatacável qualidade, coerência e correcção
8. No dia 28 de outubro de 2020, foi proferido despacho de admissão do recurso, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
No mesmo despacho, o Tribunal recorrido pronunciou-se sobre a invocada omissão de pronúncia da seguinte forma:
«Mal se compreendendo a invocada omissão de pronúncia quanto ao pedido de “inversão do contencioso”, não só tendo em conta a própria natureza do procedimento em causa (ratificação de embargo de obra nova) mas, essencialmente, o facto de que o mesmo foi julgado intempestivo, o que sempre prejudicaria a apreciação de tal questão, dir-se-á apenas que não se confere razão ao Recorrente, entendendo-se não existir a invocada nulidade
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II - Âmbito do recurso de apelação
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da Recorrente (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
i. Da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia;
ii. Do erro de julgamento quanto à declarada caducidade da providência, designadamente porque o prazo de 30 dias deveria ser contado desde os dias 10 ou 11 de junho de 2020.
*
III - Fundamentação
Fundamentação de facto
Os factos, as ocorrências e a dinâmica processual a considerar são os descritos no relatório que antecede.
Acrescenta-se ainda o teor dos documentos n.ºs 22, 23 e 28, ao abrigo dos artigos 376.º do Código Civil e 607.º, n.ºs 4 e 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC.
1 - No dia 23 de abril de 2020, a Administração do Condomínio AAA enviou à Polícia Municipal de Lisboa um e-mail com o seguinte teor:
«(…) Tomou conhecimento a Administração deste condomínio da realização de obras por parte do centro comercial CCC, na cobertura do centro comercial e sobreloja/ terraço do edifício que é parte comum do imóvel.
Tais obras vêem-se realizando sem autorização do condomínio, apesar de, há 15 dias ter sido solicitado em reunião ocorrida com a Administração do condomínio do centro comercial, projecto da intervenção e autorização camarária para a realização das mesmas, o que não foi feito pela Administração do Centro Comercial.
Decorridos mais de vinte dias, as obras prosseguem, nomeadamente, com a realização de aberturas na laje da cobertura, pelo que se solicita, com carácter urgente a intervenção dos vossos serviços, com vista ao embargo daquelas obras ilegais. (…)» (doc. 22)
2 - No dia 4 de maio de 2020, a Requerente enviou nova comunicação à Polícia Municipal de Lisboa, com o seguinte teor:
«Após envio de reclamação via mail, no passado dia 23 de abril de 2020 para a Polícia Municipal, foi solicitado o embargo da obra que se encontra a decorrer do terraço/cobertura do Centro Comercial CCC, na qual estão a ser realizadas aberturas na laje de cobertura e portanto passíveis de licenciamento e que não possuem licença nem autorização do condomínio Torre A e Torre B para as mesmas pois o terraço é propriedade do condomínio das torres e não do centro comercial.
Também foi referido neste mail que: "Tais obras vêem-se realizando sem autorização do condomínio, apesar de, há 15 dias ter sido solicitado em reunião ocorrida com a Administração do condomínio do centro comercial, projeto da intervenção e autorização camarária para a realização das mesmas, o que não foi feito pela Administração do Centro Comercial.
Decorridos mais de vinte dias, as obras prosseguem, nomeadamente, com a realização de aberturas na laje da cobertura, pelo que se solicita, com carácter urgente a intervenção dos vossos serviços, com vista ao embargo daquelas obras ilegais."
No dia 4 de maio de 2020 continua a obra a decorrer, tendo sido colocados equipamentos ML-2/ - grande porte no terraço sem que tenham sido autorizados.
Compareceu ao local o Sr. Agente Martins que não procedeu ao embargo da obra, nem solicitou o projeto de alterações nem a licença camarária para o efeito.
A administração do condomínio vem esclarecer que:
- A propriedade horizontal refere que o terraço é pertença da Torre A e da Torre B e não do centro comercial; Portanto é necessária a autorização expressa de todos os condóminos para a realização da obra a efetuar na cobertura;
- A obra que está a ser efetuada necessita de projeto de alterações e respetiva licença camarária pois refere-se a uma ALTERAÇÃO DA COBERTURA/TERRAÇO onde foi CORTADA a laje e por isso poderá colocar em perigo a estabilidade de todo o edifício;
Solicitamos, uma vez mais, a intervenção das autoridades para proceder ao embargo da obra, e solicitar o projeto e a licença para a obra.» (doc. 23)
3 - A Administração do Condomínio AAA procedeu a embargo extrajudicial de obra, no dia 16 de junho de 2020, pelas 17h30, tendo, para o efeito, redigido o documento n.º 38, com o seguinte teor:
«(…) na qualidade de administradores(as) do condomínio AAA, EEPC n.º 900252812, verificando que BBB - Companhia Imobiliária e de Investimentos, S.A., proprietária do Centro Comercial CCC, NIF 500 746 346, iniciou a construção de obras nas partes comuns do prédio, mais concretamente na cobertura do piso térreo do condomínio, que é um espaço constituído por terraço com acesso único pelos pisos da sobreloja de cada torre, sendo uma zona de lazer com baloiços e um campo de ténis para os residentes, e que o fez sem o prévio licenciamento camarário e sem a autorização, também ela prévia da administração do condomínio embargante, já que inicialmente tal obra consistia apenas numa mera troca de máquina de ar condicionado de caraterísticas equivalentes à já instalada.
Contudo, o embargado efectuou o desmonte do revestimento cerâmico e das telas de impermeabilização e fez aberturas na laje de dimensão considerável, com 1.5m/2m X 1.5/2m sem a realização de qualquer reforço estrutural da mesma e iniciou a colocação de diversos equipamentos de grande porte, conforme comprova o registo fotográfico anexo ao presente auto de embargo, cujo fotografo é o senhor(a) (…), dele fazendo parte integrante, incluindo até a obra/trabalho/serviço/construção de diversas paredes de tijolo sobre a cobertura.
Obras estas que, que segundo informação prestada pela Câmara Municipal de Lisboa, não se encontram licenciadas, o que face à legislação vigente, seria obrigatório, em virtude da alteração em coberturas, fachadas e elementos estruturais.
Em consequência para além da falta de licenciamento camarário e autorização expressa do embargante, este sente-se bastante lesado porque tal obra é atentatória da saúde pública, dado que os cheiros e vapores que saem dos equipamentos já instalados afetam as frações, a violação da servidão de vistas das frações que se situam nos pisos inferiores, a transformação do espaço de lazer do condomínio, num espaço polvilhado de "máquinas e equipamentos" que, exatamente pela sua natureza, não são instalados em terraços com utilização pelos condomínios mas sim em coberturas de edifícios, usurpando espaço de lazer comum aos condóminos, sendo até um perigo para as crianças, bem como o iminente risco da própria lage, no futuro, no tocante ao seu comportamento estrutural e até ao nível sísmico. (…)»
Enquadramento jurídico
Da nulidade da decisão por omissão de pronúncia
A Apelante invoca a nulidade da decisão recorrida, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Argumenta, para tal, que no requerimento inicial de 22 de junho de 2020 requereu que a inversão do contencioso, ao abrigo do artigo 369.º, n.º 2, primeira parte, do CPC, para os efeitos do n.º 1 do mesmo artigo, por considerar que a matéria adquirida no procedimento até à decisão permitiria formar decisão segura acerca da existência do direito acautelado, sendo certo que a natureza da providência é adequada a realizar a composição definitiva do litígio.
Conclui que o Tribunal a quo, na decisão recorrida ou em despacho autónomo, não se pronunciou sobre a inversão do contencioso, ficando em falta a decisão sobre um dos pedidos formulados pela Recorrente, o que determina a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Na sua alegação de resposta, a Recorrida sustenta que, tendo sido julgada a intempestividade do embargo cuja ratificação se pretende, fica prejudicada a apreciação do pedido de inversão do contencioso, ao abrigo do artigo 608.º, n.º 2, do CPC.
O Tribunal a quo pronunciou-se sobre alegada omissão de pronúncia da seguinte forma, conforme ponto 8. do relatório.
Apreciando:
O artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC preceitua que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A omissão de pronúncia está relacionada com os normativos que impõem ao tribunal o dever de tomar posição sobre certas questões que foram submetidas pelas partes à sua apreciação - artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC - ou são de conhecimento oficioso - por ex., os artigos 578.º, 579.º e 734.º do CPC (cf. acórdão do STJ de 27.10.2010, p. 70/07.0JBLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt).
Ora, a omissão de pronúncia não se pode confundir com uma decisão de não conhecimento de uma questão, por estar prejudicada pela solução dada a outra que a precede, ainda que às questões correspondam pedidos, como sucedeu no caso em apreço.
A Administração do Condomínio requereu a providência cautelar de embargo de obra, com a ratificação do embargo extrajudicial, e em consequência,
- que fosse ordenada a total e absoluta interrupção das obras que têm vindo a ser levadas a cabo pela Requerida;
- que o terraço e toda a situação envolvente fossem repostos no estado em que se encontrava antes do início da obra.
Mais requereu a inversão do contencioso, proferindo-se assim a decisão final do litígio, por se considerar o direito da Requerente devidamente acautelado.
O regime da inversão do contencioso assenta no disposto no artigo 369.º, n.º 1, do CPC, segundo o qual, «mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da ação principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio».
Este regime pressupõe o requerimento da parte interessada: o artigo 369.º, n.º 2, do CPC define o momento em que esse requerimento pode ser feito e em que o requerido a ele se pode opor: «a dispensa […] pode ser requerida até ao encerramento da audiência final; tratando-se de procedimento sem contraditório prévio, pode o requerido opor-se à inversão do contencioso conjuntamente com a impugnação da providência decretada».
A necessidade de que a providência seja adequada a realizar a composição definitiva do litígio delimita as providências cautelares em que se pode verificar a inversão do contencioso.
No âmbito da providência de embargo de obra nova pode ser decretada a inversão do contencioso - artigo 376.º, n.º 4, do CPC, desde que seja possível formar a convicção segura quanto à existência do direito e que a suspensão da obra, trabalho ou serviço seja suscetível de resolver de forma definitiva o litígio - artigo 369.º, n.º 1, do referido diploma.
No caso em espécie, ainda que seja aplicável, em abstrato, o instituto da inversão do contencioso, não teria cabimento o Tribunal a quo apreciá-lo, uma vez que depende do preenchimento dos requisitos da providência e foi decretada a caducidade desta.
Tendo ficado prejudicada a apreciação da inversão do contencioso, nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, não se verifica qualquer omissão de pronúncia, pelo que se julga improcedente a nulidade apontada.
Do erro de julgamento quanto à declarada caducidade da providência
A Recorrente alega que o Tribunal a quo fez um «mau uso» do artigo 607.º, n.º 4, do CPC, incorrendo em erro de julgamento quanto à caducidade da providência pois, na verdade, o prazo de 30 dias a que se reporta o artigo 397.º, n.º 1, do referido diploma, só teve início com o efetivo conhecimento de que se estava na presença de uma obra, ou seja, nos dias 10 e 11 de junho de 2020.
Argumenta que, no período compreendido entre março e maio de 2020, encontravam-se a decorrer duas obras, a de impermeabilização e a de colocação de equipamentos de ar condicionado.
Alega que as aberturas nas lajes preocupavam a Recorrente por não ter conhecimento da sua legalidade camarária (licenciamento), o que significava que, não tendo sido aprovadas por uma entidade competente, poderiam colocar em causa a estrutura da cobertura.
Mais acrescenta que nada indiciava que seriam aberturas para a criação de estruturas definitivas.
Sustenta que só teve efetivo conhecimento de que estava na presença de uma obra quando, nos dias 10 e 11 de junho de 2020, a Recorrida procedeu à construção de estruturas de alvenaria de tijolo, pois até aí não sabia que se tratava de uma obra nova.
Por fim, alega que o prazo de 30 dias para requerer o embargo de obra nova se conta a partir do momento em que o titular do direito tenha efetivo conhecimento da verificação do dano e não apenas do conhecimento do início da obra.
Na sua alegação de resposta, a Recorrida defende que a Recorrente permitiu-se, em sede de recurso, apresentar uma nova versão dos factos, objetivamente contraditória com a que foi por si alegada no requerimento inicial.
Argui que, no requerimento inicial, a Recorrente afirmou que a obra teve início em «meados de fevereiro de 2020» e que, em «finais de março de 2020» percebeu «que as obras decorriam de forma não coincidente com a que foi transmitida no e-mail constante no doc. 19» (artigos 14.º e 27.º do requerimento inicial). Mas – objeta –, ciente de que o seu direito de ação estava já caducado, a Recorrente procurou contornar tal questão alegando que «está em tempo, uma vez que tomou conhecimento de que todas as obras levadas a cabo pela Recorrida são definitivas apenas quando se deparou com a construção de uma estrutura em alvenaria de tijolo, não tendo, ainda, decorrido o prazo de 30 dias».
Considera tal alegação absolutamente temerária, de tão contraditada por elementos documentais e por comunicações da própria Recorrente.
Argui que o artigo 397.º, n.º 1. do CPC, a propósito do prazo de 30 dias, não distingue entre a natureza temporária ou definitiva da violação desse direito.
Por último, alerta para o teor do auto de «Embargo Extrajudicial», onde não foi feita menção à colocação de quaisquer estruturas em alvenaria de tijolo que tivessem sido implantadas nos dias 10 e 11 de junho, sinal absolutamente inequívoco de que é com base na abertura da laje e a colocação de equipamentos de grande porte que a Recorrente fundamenta a pretensa violação do seu direito.
Apreciando:
O embargo de obra nova é a providência cautelar adequada a evitar a violação ou a continuação da violação dum direito real ou pessoal, de gozo ou da posse duma coisa, por via duma obra em curso.
Na dependência de uma ação que vise alcançar a proibição da continuação da obra, a sua alteração ou a demolição do que já tenha sido efetuado, a providência de embargo de obra nova manda suspender a obra em curso, conservando-se a situação de facto até que na ação se obtenha o resultado pretendido.
A ação de que o embargo depende é normalmente uma ação de condenação (na prestação de facto negativo – não fazer a obra – ou na prestação do facto positivo da reconstituição natural do estado anterior à obra feita). Pode ainda ser uma ação executiva, baseada em título executivo extrajudicial da obrigação (negativa) de não fazer a obra (cf. artigo 876.º, n.º 1, do CPC) ou em sentença proferida anteriormente ao seu início (para prevenção da violação do direito: artigo 10.º, n.º 3, alínea b), do CPC).
A lei não se limita a falar de obra nova, ainda que só esta dê título à providência.
A expressão usada na previsão da norma que a estatui é «obra, trabalho ou serviço novo». No fundo, afastam-se dúvidas acerca da extensão do conceito de obra, podendo abranger qualquer atuação humana material.
O artigo 2335.º do Código Civil de 1867, depois de o artigo que o antecedia garantir a todo o proprietário o direito de defender a sua propriedade, estatuía que, «se a violação provier de qualquer obra nova, a que alguém dê começo, poderá o ofendido prevenir, e assegurar o seu direito, embargando a obra».
O Código Civil de 1966 não contém preceito idêntico, mas continuou a entender-se que a providência cautelar de embargo de obra nova, consistindo na suspensão ou não continuação dela, pressupõe que a obra se tenha iniciado.
Deste modo, a obtenção da licença de construção e a simples junção no local dos materiais necessários são tidas como atos preparatórios, insuscetíveis de justificar o embargo, diversamente da construção dos alicerces, mas da mesma forma que a terraplanagem que a antecede (cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, p. 164, nota 5).
Por outro lado, a referência à «suspensão» da obra tem o claro significado de limitar o embargo às obras ou trabalhos que não se mostrem ainda concluídos nos seus aspetos elementares. No mais, a providência perderia toda a utilidade, não exercendo, como deveria, a função preventiva que a lei reservou para a generalidade dos procedimentos.
Para que esta providência cautelar possa ser decretada, torna-se necessário o preenchimento cumulativo de cinco requisitos:
1) deve estar em causa uma obra, um trabalho ou um serviço;
2) essa obra, trabalho ou serviço devem estar em curso;
3) essa obra, trabalho ou serviço devem ser novos;
4) da obra, trabalho ou serviço deve resultar a ofensa de um direito real ou pessoal de gozo ou da posse;
5) deve existir um prejuízo ou uma ameaça de prejuízo.
À luz do artigo 397.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, o embargo de obra nova pode ser realizado por via extrajudicial.
Tal embargo é efetuado mediante a notificação verbal, na presença de duas testemunhas, perante o dono da obra ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir, para que a obra seja suspensa de imediato - artigo 397.º, n.º 2, do CPC.
A este propósito, importa salientar que o conceito de «notificação verbal» deve ser entendido, não no sentido de notificação judicial, mas antes enquanto mera declaração de vontade, bastando uma simples comunicação verbal que, de forma clara e inequívoca, expresse a vontade do declarante no sentido de os trabalhos serem suspensos de imediato.
Acresce que no embargo extrajudicial não é exigível a elaboração de um auto de embargo, tal como previsto no artigo 400.º, n.º 1, do CPC para a realização do embargo judicial ou para a ratificação do embargo extrajudicial.
De todo o modo, ainda que o requerente opte por lavrar um auto, como sucedeu no presente caso, ele não se encontra sujeito às formalidades previstas no citado artigo 400.º do CPC, razão pela qual o tribunal também não pode recusar a ratificação do embargo extrajudicial com fundamento no facto de esse auto, facultativamente elaborado, não observar tais formalidades.
Para que o tribunal possa julgar procedente o pedido de ratificação de embargo extrajudicial de obra nova é necessário que se mostrem preenchidos os mesmos requisitos que seriam essenciais para o decretamento do embargo judicial de obra nova.
Nos termos do disposto no artigo 397.º, n.º 1, in fine, do CPC, tanto o embargo judicial como a realização do embargo extrajudicial devem ser acionados no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do facto.
Por outro lado, uma vez realizado o embargo, o requerente deve pedir ao tribunal competente a ratificação judicial do embargo no prazo de cinco dias, sob pena de o mesmo caducar (artigo 397.º, n.º 3, do CPC).
O prazo de 30 dias é um prazo de caducidade do direito ao embargo. Tem natureza substantiva e está sujeito à norma do artigo 303.º do Código Civil, ex vi do artigo 333.º, n.º 2, do mesmo diploma, pelo que a sua inobservância constitui exceção só arguível pelo requerido, como ocorreu no caso.
O conhecimento do lesado, a partir do qual se conta o prazo de 30 dias, não tem apenas por objeto a obra, que inicialmente até pode não constituir ameaça alguma, mas também o facto de ela lhe causar ou ameaçar causar prejuízo, isto é, ofender o seu direito.
O Tribunal recorrido declarou procedente a exceção da caducidade da providência, com a seguinte fundamentação:
«(…) Ora, a própria Requerente alega que teve conhecimento que os trabalhos não estavam “coincidentes” com o transmitido em finais de março de 2020. E que, entre 7 de abril e 4 de maio, não tinha o projeto, estavam a ser feitas aberturas na laje sem reforço e a ser ocupada uma área superior à permitida. De resto, o pretendido da Polícia Municipal foi, precisamente, o “embargo” da obra. O argumento da “definitividade” não pode proceder, até porque, a ser assim, já nem seria o caso de “suspender” trabalhos mas antes (e tão só) de os fazer “demolir”, repondo-se a situação anterior. Refira-se ainda que, no próprio “auto” (Doc. 38), não é feita menção à colocação de quaisquer estruturas em alvenaria de tijolo mas à falta de licenciamento, de autorização, ao atentado à saúde pública (por cheiros e vapores), à violação de servidão de vistas, à transformação de um espaço de lazer num espaço polvilhado de máquinas e equipamentos, à usurpação de espaço e eminente risco da própria laje, pelo que, forçoso se torna concluir pela intempestividade do embargo cuja ratificação de pretende
Compulsados os artigos 14.º e 27.º do requerimento inicial, constata-se que a Recorrente alegou que a obra teve início em «meados de fevereiro de 2020» e que, em «finais de março de 2020», percebeu «que as obras decorriam de forma não coincidente com a que foi transmitida no e-mail constante no doc. 19».
No dia 23 de abril de 2020, a Requerente comunicou à Polícia Municipal de Lisboa que:
«(…) Tomou conhecimento a Administração deste condomínio da realização de obras por parte do centro comercial CCC, na cobertura do centro comercial e sobreloja/ terraço do edifício que é parte comum do imóvel.
Tais obras vêem-se realizando sem autorização do condomínio, apesar de, há 15 dias ter sido solicitado em reunião ocorrida com a Administração do condomínio do centro comercial, projecto da intervenção e autorização camarária para a realização das mesmas, o que não foi feito pela Administração do Centro Comercial.
Decorridos mais de vinte dias, as obras prosseguem, nomeadamente, com a realização de aberturas na laje da cobertura, pelo que se solicita, com carácter urgente a intervenção dos vossos serviços, com vista ao embargo daquelas obras ilegais. (…)» (doc. 22)
No dia 4 de maio de 2020, a Requerente enviou nova comunicação à Polícia Municipal de Lisboa, com o seguinte teor:
«Após envio de reclamação via mail, no passado dia 23 de abril de 2020 para a Polícia Municipal, foi solicitado o embargo da obra que se encontra a decorrer do terraço/cobertura do Centro Comercial CCC, na qual estão a ser realizadas aberturas na laje de cobertura e portanto passíveis de licenciamento e que não possuem licença nem autorização do condomínio Torre A e Torre B para as mesmas pois o terraço é propriedade do condomínio das torres e não do centro comercial.
Também foi referido neste mail que: "Tais obras vêem-se realizando sem autorização do condomínio, apesar de, há 15 dias ter sido solicitado em reunião ocorrida com a Administração do condomínio do centro comercial, projeto da intervenção e autorização camarária para a realização das mesmas, o que não foi feito pela Administração do Centro Comercial.
Decorridos mais de vinte dias, as obras prosseguem, nomeadamente, com a realização de aberturas na laje da cobertura, pelo que se solicita, com carácter urgente a intervenção dos vossos serviços, com vista ao embargo daquelas obras ilegais."
No dia 4 de maio de 2020 continua a obra a decorrer, tendo sido colocados equipamentos ML-2/ - grande porte no terraço sem que tenham sido autorizados. (…)» (doc. 23)
Consta do denominado auto de embargo extrajudicial da obra, lavrado no dia 16 de junho de 2020, pelas 17h30, o seguinte:
«(…) na qualidade de administradores(as) do condomínio AAA, EEPC n.º 900252812, verificando que BBB - Companhia Imobiliária e de Investimentos, S.A., proprietária do Centro Comercial CCC, NIF 500 746 346, iniciou a construção de obras nas partes comuns do prédio, mais concretamente na cobertura do piso térreo do condomínio, que é um espaço constituído por terraço com acesso único pelos pisos da sobreloja de cada torre, sendo uma zona de lazer com baloiços e um campo de ténis para os residentes, e que o fez sem o prévio licenciamento camarário e sem a autorização, também ela prévia da administração do condomínio embargante, já que inicialmente tal obra consistia apenas numa mera troca de máquina de ar condicionado de caraterísticas equivalentes à já instalada.
Contudo, o embargado, efectuou o desmonte do revestimento cerâmico e das telas de impermeabilização e fez aberturas na laje de dimensão considerável, com 1.5m/2m X 1.5/2m sem a realização de qualquer reforço estrutural da mesma e iniciou a colocação de diversos equipamentos de grande porte, conforme comprova o registo fotográfico anexo ao presente auto de embargo, cujo fotografo é o senhor(a) (…), dele fazendo parte integrante, incluindo até a obra/trabalho/serviço/construção de diversas paredes de tijolo sobre a cobertura.
Obras estas que, que segundo informação prestada pela Câmara Municipal de Lisboa, não se encontram licenciadas, o que face à legislação vigente, seria obrigatório, em virtude da alteração em coberturas, fachadas e elementos estruturais.
Em consequência para além da falta de licenciamento camarário e autorização expressa do embargante, este sente-se bastante lesado porque tal obra é atentatória da saúde pública, dado que os cheiros e vapores que saem dos equipamentos já instalados afetam as frações, a violação da servidão de vistas das frações que se situam nos pisos inferiores, a transformação do espaço de lazer do condomínio, num espaço polvilhado de "máquinas e equipamentos" que, exatamente pela sua natureza, não são instalados em terraços com utilização pelos condomínios mas sim em coberturas de edifícios, usurpando espaço de lazer comum aos condóminos, sendo até um perigo para as crianças, bem como o iminente risco da própria lage, no futuro, no tocante ao seu comportamento estrutural e até ao nível sísmico. (…)» (doc. 38) - subl. e negrito nossos.
A Recorrente pretende que o prazo de 30 dias se conte desde os dias 10 e 11 de junho de 2020, momento em que a Requerida construiu estruturas em alvenaria de tijolo para colocação de tubagens, como se, de facto, tivesse conhecimento da lesão do seu direito nesse momento.
Ora, compulsado o auto de embargo extrajudicial, constata-se que nunca aí são referenciadas as tais estruturas em alvenaria de tijolo.
A Recorrente pretende agora construir uma argumentação que aponta para uma destrinça, que a lei não opera no artigo 397.º do CPC, entre a natureza temporária ou definitiva da violação do seu direito, e daí centrar-se na construção das estruturas em alvenaria de tijolo.
Como se só a partir de algo tão «definitivo» como a construção de estruturas não amovíveis em alvenaria de tijolo é que a Requerente pudesse ter tido conhecimento da violação do seu direito. Claramente, pretende a Recorrente alargar artificialmente um prazo perentório.
Na verdade, no e-mail de 23 de abril de 2020, a Recorrente já invocava perante a Polícia Municipal de Lisboa a violação do seu direito de propriedade e a feitura de aberturas na laje da cobertura.
No e-mail de 4 de maio de 2020 referenciava ainda a colocação de equipamentos ML-2/ - de grande porte no terraço, sem que tenham sido autorizados.
E no auto de embargo extrajudicial, datado de 16 de junho de 2020, não faz qualquer menção a estruturas em alvenaria de tijolo que tivessem sido fixadas nos dias 10 e 11 de junho, mantendo a descrição que fez à Polícia Municipal de Lisboa e que se sintetiza na realização de aberturas nas lajes de cobertura e na colocação de equipamentos de grande porte no terraço.
Ora, como bem refere a Recorrida no ponto 24. da sua alegação, «Não podia a Recorrente pretender a ratificação de embargo de obra nova e, ao mesmo tempo, invocar no Requerimento Inicial que só tomou conhecimento do seu direito após verificar a existência de estruturas em alvenaria de tijolo, quando tais estruturas nem são identificados no auto de embargo extrajudicial!»
Dúvidas não restam, pois, de que o prazo de 30 dias começou a contar, pelo menos, com o envio do e-mail de 4 de maio de 2020, o que significa que, no dia do auto de embargo extrajudicial datado de 16 de junho de 2020, já decorrera o prazo de 30 dias para a realização do embargo extrajudicial.
Urge, pois, concluir que a decisão do Tribunal a quo não merece qualquer reparo no que tange à decisão sobre a invocada caducidade da providência.
Do sentido da decisão do recurso e das custas
Em face dos fundamentos de facto e de Direito supra explanados, a apelação da Recorrente deve improceder, confirmando-se o decidido quanto à caducidade da providência requerida.
Uma vez que a Apelante ficou vencida, é responsável pelo pagamento das custas do recurso - cf. artigos 527.º, 529.º e 607.º, n.º 6, do CPC.
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IV - Decisão
Nestes termos, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Mais se decide condenar a Recorrente no pagamento das custas do recurso.
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Lisboa, 19 de novembro de 2020
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua
António Moreira