Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6054/2007-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: DEPÓSITO BANCÁRIO
CONTA SOLIDÁRIA
PROVA DOCUMENTAL
PROVA TESTEMUNHAL
MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - Sabendo-se que a prova testemunha constitui o único meio utilizável para a demonstração em juízo da realidade de muitos factos, esta é admitida, em regra, sobre quaisquer factos constantes do questionário (art. 392º do Cód. Civil).
II - Não é admitida a prova testemunhal de declarações negociais que, por disposição da lei ou por estipulação das partes (art. 223º do Cód. Civil), só possam ser validamente emitidas ou provadas por documento (art. 393º, 1, do Cód. Civil). São os casos em que a forma do acto constitui, no pensamento da lei, requisito ad substantiam ou mesmo ad probationem do acto.
III - Contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
IV - Determinando a norma jurídica que o juiz faça uma análise crítica das provas produzidas e que especifique os fundamentos decisivos para a sua convicção, deve ser posto definitivamente de parte o método (ou o “expediente”) frequentemente utilizado de apresentar, como fundamentação, os simples meios de prova, v.g. “os depoimentos prestados pelas testemunhas e a inspecção ao local”.
V - Casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto serão, por exemplo, os de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas - v.g. por distracção - determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais.
VI - O depósito bancário à ordem tem sido considerado como um depósito irregular: o banqueiro adquire a titularidade do dinheiro que lhe é entregue, sendo o cliente um simples credor e estando a pedra de toque na disponibilidade permanente do saldo.
VII – Tendo a A. e um terceiro aberto uma conta de depósitos à ordem no Banco, em regime solidário, cada um dos titulares tem plena liberdade de movimentação a débito e a crédito, encontra-se numa posição privilegiada, quanto à liberdade de movimentos e depósitos, não carecendo, para tanto, de autorização ou ratificação por parte do outro ou outros depositantes ou contitulares. Há como que uma relação de solidariedade, de representação entre os contitulares, mercê da aceitação de abertura de conta em tais circunstâncias.
VIII - Este tipo de depósitos assenta numa relação de plena e mútua confiança entre os respectivos contitulares e tem como pressuposto a autorização ou consentimento – pelo menos tácitos – que antecipada e reciprocamente dão uns aos outros para a livre movimentação e disposição das contas e respectivos numerários.
IX - A relação de mútua confiança de que falamos permite aos contitulares movimentar a conta até ao montante da provisão, já não podendo um contitular, sem nada que o autorize a tal, colocar a conta com saldo negativo, a não ser que cumpra uma dívida pela qual também sejam responsáveis os demais; se o fizer será o único responsável pelo saldo negativo.
FG
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa:
ROSA, residente em Inglaterra, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra BANCO, S.A., pedindo que a acção seja julgada provada e procedente e, em consequência, o R. condenado a pagar à A. a quantia de 56.364,16 €, acrescida de juros vencidos no valor de 51.374,77 €, bem como dos vincendos até integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese que:
- em 2 de Abril de 1991, a A. e seu irmão abriram uma conta solidária no banco R.;
- em 24 de Junho de 1994, o R. procedeu ao débito a seu favor das quantias de 1.750.000$00, 1.800.000$00, 2.000.000$00 e 5.750.000$00, sem que a A. ou o seu irmão tenham dado autorização a tais débitos.

O Ré contestou, por excepção e por impugnação.
Defendendo-se por excepção, invocou a prescrição dos juros moratórios peticionados pela Autora, nos termos do art. 310º, alínea d), do Código Civil.
Defendendo-se por impugnação, alegou, resumidamente, que os débitos em causa foram autorizados pelo irmão da Autora, Henrique Paulo Henriques de Freitas Soares da Silva, contitular da conta bancária em questão, para pagamento de letras de câmbio avalizadas pelo mesmo e que lhe foram devolvidos, depois de pagos.
A Autora replicou, respondendo à matéria da excepção deduzida pelo Réu.

Findos os articulados, o processo foi saneado, organizou-se a base instrutória e teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença (datada de 9/1/2007) que julgou a acção totalmente não provada e improcedente, motivo por que absolveu o R. do pedido contra ele formulado pela Autora.

Inconformada com o assim decidido, a Autora apelou da referida sentença, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões:
“a) O Douto Tribunal a quo deu como provada a matéria constante dos quesitos 1.° e 2.° da base instrutória com fundamento no depoimento de testemunhas;
b) Porém, é do conhecimento geral, sendo facto público e notório, que os Bancos apenas admitem a movimentação de contas de depósito através de documento escrito ou com ordens provadas por documento escrito;
c) O que é expressa ou tacitamente aceite pelos clientes;
d) E, no caso vertente, as próprias testemunhas arroladas pelo Banco Réu confirmaram-no e confirmaram que tal sucedia também quanto a esta conta;
e) Pelo que, ao dar os factos vertidos nos quesitos 1.° e 2 .° como provados com fundamento em depoimentos testemunhais, violou o Douto Tribunal o disposto nos artigos 393.°, n ° 1 e 364.°, n.° 1, do Código Civil;
f) Sem prejuízo do alegado, sempre o depoimento das testemunhas arroladas e ouvidas, melhor identificadas nas alegações acima determinaria que tais factos devessem ser dados como não provados, pelo que, a admitir-se, sem conceder, que os mesmos se poderiam provar através de testemunhas, o Douto Tribunal deu incorrectamente como provados os factos vertidos nos quesitos 1.° e 2.° da base instrutória;
g) A Autora e seu irmão, firmaram, na qualidade de depositantes com o Banco Réu, na qualidade de depositário, um contrato de depósito bancário sob o regime da solidariedade activa;
h) Nos termos do artigo 512.°, n.° 1, do Código Civil "A obrigação é solidária, (...) quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles";
i) Em consonância com o qual a cláusula quinta das "Condições Gerais de Depósito" determinava quanto ao depósito solidário que "na movimentação do depósito solidário, qualquer dos titulares poderá livremente total ou parcialmente, movimentar esta conta sem autorização dos restantes, ficando o Banco isento de qualquer responsabilidade pela entrega de todo ou parte do depósito em resultado da movimentação";
j) Nos termos do contrato ajustado, o Banco Réu ficava desonerado da obrigação de prestar perante qualquer dos concredores se cumprisse ordens de movimentação da conta emitidas nos termos do mesmo contrato;
k) Tais ordens poderiam configurar o levantamento directo de numerário ao balcão, a transferência de fundos para outra conta (transferência bancária) ou o pagamento de cheque sacado sobre a conta;
l) O contrato de folhas 11, ajustado entre depositantes e depositário não admitia qualquer outra forma de movimentação da conta. Logo, não admitia a desoneração do depositário, inerente à entrega dos valores objecto do movimento senão através de uma dessas formas;
m) Porque o débito em conta inerente ao pagamento de uma letra aceite resulta do facto acidental de o Banco ser portador de uma letra de que um seu cliente é aceitante, o contrato admite o respectivo pagamento mediante aviso efectuado antes da data do vencimento e salvo indicação em contrário;
n) De onde decorre que, mesmo neste caso, o cliente pode opor-se ao débito bancário;
o) Porém, no caso em apreço não é certo de que nos encontrássemos perante uma letra - dado que o Tribunal a quo apenas deu como provada a existência de um "efeito" e tal conceito pode abranger outras realidades que não a letra - e, segundo o Tribunal a quo deu como provado, e foi contestado, o débito teria sido efectuado no cumprimento de uma obrigação de garantia - um aval;
p) Ao actuar como actuou, ainda que tivesse contado com o consentimento do concredor - o que, sem se admitir, apenas por hipótese se refere - o Banco Réu agiu ao arrepio do regime da solidariedade activa legal e contratualmente estabelecido violando os termos do contrato firmado com a Autora;
q) Pelo que, ao debitar as quantias que debitou, ainda que o pudesse ter feito como a aquiescência do concredor, o Banco Réu não se exonerou perante a Autora;
r) Limitando-se o regime da solidariedade activa, nos termos concretamente consignados no contrato, a fixar os termos em que o Banco devedor se desoneraria perante o concredor não ordenante, não resulta desse regime que o contrato possa ser modificado entre o Banco e o outro concredor ao arrepio da vontade da outra parte;
s) Pelo que, o eventual acordo entre o Banco Réu e o concredor viola o principio pacta sunt servanda, não sendo, por consequência, eficaz perante a Autora que em tal modificação não anuiu;
t) Pelo que, ao julgar como julgou, violou o Douto Tribunal por incorrecta aplicação o disposto nos artigos 1205.°, 1206.° e 512.°, n.° 1, do Código Civil, 303.° e 304.° do Código Comercial, Decreto Lei n.° 430/91, de 2/11, clausulas 5.a e 15.a das Condições Gerais do Depósito e artigo 406.° n. 1, do Código Civil;
Termos em que, deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e condenando-se o Banco Réu nos pedidos efectuados.”

O Réu/Apelado apresentou contra-alegações, pugnando pela total improcedência da apelação da Autora e pela consequente confirmação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
O OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (1)(2).
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) (3)(4). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Autora ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito a três questões:
a) Se o tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 393.°, n ° 1 e 364.°, n.° 1, do Código Civil, ao dar como provados os factos vertidos nos quesitos 1.° e 2 .° da Base Instrutória com fundamento em depoimentos testemunhais, visto que é do conhecimento geral, sendo facto público e notório, que os Bancos apenas admitem a movimentação de contas de depósito através de documento escrito ou com ordens provadas por documento escrito - o que é expressa ou tacitamente aceite pelos clientes;
b) Se, mesmo que se admitisse poderem tais factos provar-se por testemunhas, o depoimento das testemunhas arroladas sempre determinaria que tais factos devessem ser dados como não provados, pelo que o tribunal “a quo” julgou erradamente a matéria de facto ao considerar provados os factos indagados nos Quesitos 1º e 2º da Base Instrutória;
c) Se, de qualquer modo, ao debitar as quantias que debitou, ainda que o pudesse ter feito como a aquiescência do concredor solidário irmão da Autora, o Banco Réu não se exonerou perante a Autora, por isso que sempre teria agido ao arrepio do regime da solidariedade activa legal e contratualmente estabelecido entre as partes (por um lado, o contrato ajustado entre depositantes e depositário não admitia qualquer outra forma de movimentação da conta que não o levantamento directo de numerário ao balcão, a transferência de fundos para outra conta ou o pagamento de cheque sacado sobre a conta; por outro, o contrato apenas admite o pagamento de letras mediante aviso efectuado antes da data do vencimento e salvo indicação em contrário, pelo que, mesmo neste caso, o cliente pode opor-se ao débito bancário; no caso em apreço, não é sequer certo que nos encontrássemos perante uma letra - dado que o Tribunal a quo apenas deu como provada a existência de um "efeito" e tal conceito pode abranger outras realidades que não a letra - e, segundo o Tribunal a quo deu como provado, e foi contestado, o débito teria sido efectuado no cumprimento de uma obrigação de garantia - um aval).

MATÉRIA DE FACTO
Factos Considerados Provados na 1ª Instância:

Devidamente ordenados, segundo uma sequência lógica e cronológica, os factos que a sentença recorrida elenca como provados são os seguintes:
1) Em 2 de Abril de 1991 a Autora e seu irmão, H, abriram na dependência do Réu sita na Estrada de Benfica, em Lisboa, uma conta de depósitos à ordem, com o número 23221704 (al. A) dos factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena).
2) Nesse acto a Autora entregou ao Réu quantias em dinheiro, para que o mesmo pudesse delas livremente dispor (al. B) dos factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena).
3) Obrigando-se o Réu a restituí-las, mediante solicitação, de acordo com as condições apostas no verso do documento, intituladas “condições gerais de depósito” (al. C) dos factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena).
4) O contrato de depósito à ordem celebrado entre a Autora e seu irmão, na qualidade de depositantes e o Réu na qualidade de depositário, foi-o sob o regime da solidariedade (al. D) dos factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena).
5) Dispondo a clausula quinta, das “Condições Gerais de Depósito” quanto ao depósito solidário, que na movimentação do depósito solidário, qualquer dos titulares poderá livremente, total ou parcialmente, movimentar esta conta sem autorização dos restantes, ficando o Banco isento de qualquer responsabilidade pela entrega de todo ou parte do depósito em resultado da movimentação (al. E) dos factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena).
6) Em 24 de Junho de 1994 o Réu procedeu ao débito, a seu favor, das quantias de 1.750.000$00, 1.800.000$00, 2.000.000$00 e 5.750.000$00, no total de 11.300.000$00 (56.364,16 Euros) que se encontravam depositadas na aludida conta (al. F) dos factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena).
7) Justificando tal operação com a menção “pagamento de efeito”, a que deu os números 397933286, 458169898, 446026856 e 425169237 (al. G) dos factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena).
8) O Réu não notificou a Autora de que ia proceder a tais levantamentos (al. H) dos factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena).
9) Nem a Autora deu o seu acordo a tais débitos (al. I) dos factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena).
10) [A Autora] Não deu qualquer ordem de pagamento de que os mesmos [débitos] fossem execução (al. J) dos factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena).
11) [A Autora] Não sacou quaisquer cheques com tais valores (al. K) dos factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena).
12. Nem subscreveu, na qualidade de aceitante, qualquer outro título de crédito, por força do qual tais quantias devessem ser debitadas (al. L) dos factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena).
13) Os débitos em causa foram autorizados pelo irmão da A., na qualidade de avalista dos efeitos debitados (Quesito 1º da Base Instrutória).
14) Em consequência, o R. devolveu os títulos pagos ao irmão da A. e contitular da conta (Quesito 2º da Base Instrutória).

Factos Considerados Não Provados na 1ª Instância.
Dentre os factos controvertidos incluídos na base instrutória, o tribunal a quo considerou não provados os seguintes:
a) Que os documentos de suporte dos movimentos em causa nos autos foram destruídos pelo R. (Quesito 3º da Base Instrutória);
b) Que o R. destrói os documentos de suporte dos movimentos decorridos que sejam dez anos sobre os mesmos (Quesito 4º da Base Instrutória);
c) Que a Autora sabe que o R. procede conforme referido no Quesito 4º (Quesito 5º da Base Instrutória).

O MÉRITO DA APELAÇÃO
1) SE O TRIBUNAL “A QUO” VIOLOU O DISPOSTO NOS ARTIGOS 393.°, N ° 1 E 364.°, N.° 1, DO CÓDIGO CIVIL, AO DAR COMO PROVADOS OS FACTOS VERTIDOS NOS QUESITOS 1.° E 2 .° DA BASE INSTRUTÓRIA COM FUNDAMENTO EM DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS, VISTO QUE É DO CONHECIMENTO GERAL, SENDO FACTO PÚBLICO E NOTÓRIO, QUE OS BANCOS APENAS ADMITEM A MOVIMENTAÇÃO DE CONTAS DE DEPÓSITO ATRAVÉS DE DOCUMENTO ESCRITO OU COM ORDENS PROVADAS POR DOCUMENTO ESCRITO - O QUE É EXPRESSA OU TACITAMENTE ACEITE PELOS CLIENTES.

Na tese da Apelante, ao bastar-se com prova testemunhal, para dar como provados os factos vertidos nos quesitos 1º e 2º da Base Instrutória (factos esse cujo ónus cabia ao R., nos termos do art. 342º, nº 2, do Código Civil), o tribunal de 1ª instância teria violado o disposto no art. 393º, nº 1, do Código Civil (“Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal”), bem como o disposto no art. 364º, nº 1, do mesmo diploma (“Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”).
Isto porque – segundo a Apelante - é do conhecimento de qualquer cidadão que lide com a Banca que qualquer débito bancário é sempre objecto de documento escrito que o prove. E também se sabe que, naqueles casos em que, pelo conhecimento que o Banco tenha do cliente, determinadas ordens sejam executadas mediante ordem verbal e, posteriormente, confirmadas, são-no sempre por escrito. Esta é a prática bancária.
De resto – para a Apelante -, não pode deixar de assim ser já que, sendo os Bancos organizações com dezenas ou centenas de agencias, milhares de funcionários e milhões de movimentos diários e lidando com a coisa mais séria do Mundo - DINHEIRO - não podem deixar de formalizar tais movimentos por escrito. Exige-o não só a prática bancária, como as inspecções internas, como as auditorias do Banco de Portugal, como, ainda, as inspecções fiscais.
Donde que, e em conclusão: a factualidade vertida nos Quesitos 1º e 2º da Base Instrutória constitui “matéria que, resultando da prática bancária, todos os dias oposta a milhares de cidadãos deste país e pelos mesmos aceite, E DE CONVENÇÃO TÁCITA ENTRE O BANCO RÉU, E OS CONTITULARES DA CONTA ORA EM CAUSA apenas poderia ser provada por documento” (sic).
Quid juris ?
«Sabendo-se que ela constitui o único meio utilizável para a demonstração em juízo da realidade de muitos factos, a prova testemunhal é admitida, em regra, sobre quaisquer factos constantes do questionário»(5). Estatui, efectivamente, o art. 392º do Cód. Civil que: “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada”.
Todavia, há determinados factos sobre os quais não é admissível depoimento testemunhal.
Assim e entre outros casos, «não é admitida a prova testemunhal de declarações negociais que, por disposição da lei ou por estipulação das partes (art. 223º do Cód. Civil), só possam ser validamente emitidas ou provadas por documento (art. 393º, 1, do Cód. Civil)»(6). «São os casos em que a forma do acto constitui, no pensamento da lei, requisito ad substantiam ou mesmo ad probationem do acto»(7).
«O nº 1 deste artigo é consequência lógica do disposto no nº 1 do art. 364º» (8). «As declarações negociais que devam revestir a forma escrita (arts. 223º-1 CC e 364º-1 CC), bem como aquelas que só podem ser provadas por documento ou confissão documentada (art. 364º-2 CC), não podem, obviamente, ser objecto de prova por testemunhas (art. 393º-1 CC)), tal como não podem ser objecto de prova por outro meio que não o exigido»(9).
«O artigo 393º estende aos próprios casos em que a forma da declaração provém de estipulação das partes a solução que, para a forma exigida por lei, resulta já do disposto no artigo 364º»(10).
Simplesmente, no caso dos autos, embora a Apelante sustente que entre o Banco Réu/Apelado e os contitulares da conta bancária de depósito em causa (a A. e o seu irmão) fora tacitamente acordado que qualquer débito bancário seria sempre objecto de documento escrito que o provasse, esta asserção não é minimamente comprovada pelo teor do documento (junto à petição inicial sob o nº 1) no qual ficaram reduzidas a escrito as “CONDIÇÕES GERAIS DE DEPÓSITO” acordadas entre as partes. Em nenhum passo desse documento consta qualquer cláusula contratual estipulando que a conta apenas pudesse ser movimentada a débito mediante ordens dadas por escrito. Tudo quanto dispõe, em matéria de “Condições de movimentação”, a Cláusula quinta do referido documento é que: “na movimentação do depósito solidário, qualquer dos titulares poderá livremente, total ou parcialmente, movimentar esta conta sem autorização dos restantes, ficando o Banco isento de qualquer responsabilidade pela entrega de todo ou parte do depósito em resultado da movimentação” (al. E) dos factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena).
De resto, nos seus articulados (petição inicial e réplica), a Autora/Apelante dispensou-se de invocar que, entre as partes outorgantes do contrato de depósito (de um lado, a própria Autora e seu irmão, H e, do outro, o Banco Réu/Apelado) tivesse ficado acordado que a conta apenas mediante ordens dadas por escrito pudesse ser movimentada por qualquer dos respectivos titulares.
De sorte que, na ausência de prova da existência duma estipulação negocial deste teor, nada impedia a produção de prova testemunhal sobre os factos vertidos nos Quesitos 1º e 2º da Base Instrutória, visto não funcionar, in casu, a proibição estabelecida no cit. artigo 393º-1 do Código Civil.
Assim sendo, a apelação improcede, necessariamente, quanto a esta 1ª questão.

2) SE O TRIBUNAL “A QUO” JULGOU ERRADAMENTE A MATÉRIA DE FACTO, AO CONSIDERAR NÃO PROVADOS OS FACTOS INDAGADOS NOS QUESITOS 1º E 2º DA BASE INSTRUTÓRIA.
A Autora ora Apelante impugna, no presente recurso, a decisão sobre matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, no segmento em que considerou provados os factos vertidos nos quesitos 1º e 2º da Base Instrutória (nos quais se indagava, respectivamente, se “Os débitos em causa foram autorizados pelo irmão da A., na qualidade de avalista dos efeitos debitados” e se “Em consequência, o R. devolveu os títulos pagos ao irmão da A. e contitular da conta”).
Na tese da Apelante, as provas testemunhais produzidas em audiência de julgamento reclamavam que o tribunal a quo tivesse respondido negativamente (em lugar de afirmativamente) aos referidos quesitos 1º e 2º da Base Instrutória.
Quid juris ?
Como é sabido, o CPC de 1939 estabelecia como regra a inalterabilidade da decisão do tribunal colectivo sobre a matéria de facto constante do questionário. Solução que, podendo ser criticada (por, eventualmente, cercear excessivamente as garantias de um bom julgamento), tinha, todavia, uma justificação lógica e cabal: «na verdade, não havendo redução a escrito das provas produzidas perante o tribunal colectivo, não podia a Relação controlar o modo como o mesmo Colectivo apreciara essas provas»(11).
Posteriormente, «o CPC de 1961 procurou ampliar os poderes da Relação no que toca, não só à apreciação das respostas à matéria de facto dadas pelo tribunal de 1ª instância, mas também à imposição duma fundamentação mínima relativamente às decisões do Colectivo, e determinou a possibilidade de anulação, ainda que oficiosa, quando as respostas à matéria de facto fossem deficientes, obscuras ou contraditórias»(12).
Todavia, «na prática, apesar de se prever um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, face à redacção anterior do art. 712º do C.P.C., só muito excepcionalmente tal garantia era exequível»(13).
De facto, perante a anterior redacção da al. a) do nº 1 do cit. art. 712º, a Relação só gozava do poder-dever de alterar a decisão sobre a matéria de facto se do processo constassem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão – o que apenas sucedia quando, havendo prova testemunhal, todas as testemunhas tivessem sido ouvidas por deprecada, estando os respectivos depoimentos reduzidos a escrito(14), ou se os elementos fornecidos pelo processo impusessem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas(15).
«Nos demais casos, que a experiência demonstrou constituírem a larga maioria, bastava que na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal indicasse, ainda que em termos genéricos ou imprecisos, a interferência de prova testemunhal, declarações emitidas pelas partes, esclarecimentos prestados pelos peritos ou por quaisquer outras pessoas ouvidas na audiência de discussão e julgamento ou, ainda, o resultado da observação directa que o tribunal retirasse das inspecções judiciais, para que o tribunal superior ficasse impedido de sindicar a decisão proferida pelo tribunal “a quo”»(16).
«Aqui se fundaram, embora em termos não exclusivos, as principais críticas apontadas ao sistema da oralidade plena ou pura, implementado no CPC de 1939 e continuado no CPC de 1961 e que acabaram por levar o legislador a aprovar as medidas intercalares previstas no Dec-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, posteriormente mantidas na redacção final do CPC»(17).
Efectivamente, o cit. DL nº 39/95 veio possibilitar um recurso amplo sobre a matéria de facto, ao prescrever a possibilidade de registo ou documentação da prova, solução que a revisão do CPC operada em 1995/1996 (pelos Decretos-Leis nºs 329-A/95, de 12-XII, e 180/96, de 25-IX) sedimentou.
Assim, «a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto passou a poder ser alterada, não só nos casos previstos desde 1939, mas também quando, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tenha sido impugnada, nos termos do art. 690º-A, a decisão com base neles proferida»(18).
O cit. DL. nº 39/95 aditou ao Código de Processo Civil então vigente os arts. 522º-A, 522º-B, 522º-C, 684º-A e 690º-A, atinentes ao registo dos depoimentos, à forma de gravação e ao modo como se deveria proceder para impugnar a matéria de facto, em sede de recurso.
Após a mencionada Revisão de 1995/96 do Código de Processo Civil, o fulcral art. 690º-A passou a ter a seguinte redacção:
[“Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto”]
1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda.
3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe à parte contrária, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à transcrição dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente.
4- O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso nos termos do nº2 do art. 684º-A”.
Posteriormente, o Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, eliminou a exigência (estabelecida na redacção originária do nº 2 deste art. 690º-A) de que o recorrente procedesse, sob pena de rejeição do recurso, à “transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda”, passando a prescrever que o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento devem ficar registados na acta da audiência de julgamento (cfr. o nº 2 aditado por este diploma ao cit. art. 522º-C do CPC) e possibilitando que as partes possam recorrer da matéria de facto com base na simples referência ao assinalado na acta (cfr. a nova redacção conferida por este diploma aos nºs 2 e 3 do cit. art. 690º-A), devendo o tribunal de recurso proceder à audição e visualização do registo áudio e vídeo, respectivamente, excepto se o juiz relator considerar necessária a sua transcrição, a qual será realizada por entidades externas para tanto contratadas pelo tribunal (cfr. o nº 5 aditado ao cit. art. 690º-A por este diploma).
Porém, o poder de cognição do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto.
Desde logo, a possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados, com os pressupostos adrede estatuídos no art. 690º-A nºs 1 e 2 do CPC.
«A expressão “ponto da matéria de facto” procura acentuar o carácter atomístico, sectorial e delimitado que o recurso ou impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto em regra deve revestir, estando em harmonia com a terminologia usada pela alínea a) do nº 1 do art. 690º-A: na verdade, o alegado “erro de julgamento” normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo “facto”, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente»(19(20)(21)(22).
Por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, «a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no art. 655º, nº 1, do CPC: “o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição(23)(24).
Ora, «contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo»(25)(26)(27).
«O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado»(28).
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art. 653º, nº 2, do CPC).
«Determinando a norma jurídica que o juiz faça uma análise crítica das provas produzidas (expressão que já estava prevista, no que concerne à sentença, no art. 659º, nº 3) e que especifique os fundamentos decisivos para a sua convicção, deve ser posto definitivamente de parte o método (ou o “expediente”) frequentemente utilizado de apresentar, como fundamentação, os simples meios de prova, v.g. “os depoimentos prestados pelas testemunhas e a inspecção ao local”»(29). «A exigência legal, para ser acatada, impõe que, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, se estabeleça o fio condutor entre a decisão da matéria de facto (resultado) e os meios de prova que foram usados na aquisição da convicção (fundamentos), fazendo a respectiva apreciação crítica, nos seus aspectos mais relevantes»(30). «Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados quer quanto aos factos não provados, deve o tribunal justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art. 655º do CPC), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos, achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos particulares, etc.»(31).
«Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção»(32).
Daí que - conforme orientação jurisprudencial prevalecente - «o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição»(33)(34)(35).
Na verdade, «só perante tal situação [de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão] é que haverá erro de julgamento; situação essa que não ocorre quando estamos na presença de elementos de prova contraditórios, pois nesse caso deve prevalecer a resposta dada pelo tribunal a quo, por estarmos então no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, que não compete a este tribunal ad quem sindicar (artº 655-1 do CPC), e pelas razões já supra expandidas»(36)(37).
Em conclusão: «mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante ou quando também eles sejam contrariados por meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade»(38).
É que «o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si»(39).
«Sendo, portanto, um problema de aferição da razoabilidade - à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência (Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 348) -, da convicção probatória do julgador recorrido, aquele que essencialmente se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento fáctico operado pela 1ª instância, forçoso se torna concluir que, na reapreciação da matéria de facto, à Relação apenas cabe, pois, um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou»(40).
Casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto serão, por exemplo, os de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas - v.g. por distracção - determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais.
«A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação»(41). «Assim, por exemplo:
a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada;
b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrário daquele que foi considerado como provado;
c) apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das respostas dadas»(42).
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se a Apelante deu cumprimento aos procedimentos legalmente exigíveis que lhe possibilitam o recurso sobre a decisão de facto e, em caso afirmativo, se lhe assiste razão.
Sob o ponto de vista formal, há que reconhecer que a ora Apelante cumpriu escrupulosamente o que lhe era exigido pela lei processual para poder atacar a decisão de facto da 1.ª instância, na medida em que indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al. a), do n.º 1 do art.º 690.º-A, do CPC) e referiu os concretos meios probatórios, constantes do processo, que – na sua perspectiva - imporiam decisão de facto diversa da recorrida (al. b), do n.º 1, do art.º 690.º-A, do CPC), tendo curado de o fazer por referência ao assinalado na acta, nos termos do art. 522º, nº 2, do CPC (como exige o nº 2 do cit. art. 690º-A) e – se bem que dispensada de o fazer – havendo mesmo procedido a uma transcrição daquelas passagens (por ela consideradas) mais relevantes dos depoimentos prestados pelas testemunhas que, na sua óptica, deviam ter levado o tribunal a quo a proferir uma distinta decisão sobre matéria de facto, nos segmentos concretamente referidos.
Mas se é verdade que tais formalismos foram integralmente respeitados pela ora Recorrente, não deixa de ser menos exacto que este tribunal da Relação, atento o que supra se referiu sobre a sua limitada possibilidade de alterar a matéria de facto (respeito pelo princípio da livre apreciação das provas, atribuído ao julgador em 1.ª instância), não encontra razões bastantes para alterar a factualidade apurada pelo tribunal a quo.
Com efeito, a Senhora Juiz do Tribunal a quo fez a sua valoração da prova produzida, tendo apresentado a respectiva motivação de facto, na qual explicitou minuciosamente, não apenas os vários meios de prova (depoimentos testemunhais) que concorreram para a formação da sua convicção, como os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção acerca dos diferentes factos controvertidos se tivesse formado em determinado sentido e não noutro(43).
Os depoimentos testemunhais, que a ora Apelante pretende que sejam agora valorados diversamente do que o foram pela Senhora Juiz a quo, de molde a levarem à alteração da matéria de facto, são, consabidamente, elementos de prova a apreciar livremente pelo tribunal (arts. 396º do Cód. Civil e 655.º, n.º 1, do C.P.C.). Se o julgador de 1ª instância entendeu valorar diferentemente da ora Recorrente tais depoimentos, não pode esta Relação pôr em causa a convicção daquele, livremente formada, como antes se referiu, tanto mais que dispôs de outros mecanismos de ponderação da prova global que este tribunal ad quem não detém aqui (v.g. a inquirição presencial das testemunhas).
No que concerne à concreta factualidade cuja alteração é pretendida pela Apelante (Quesitos 1º e 2º da Base Instrutória), estamos perante duas versões radicalmente distintas, não dispondo este tribunal de 2ª instância de outros elementos probatórios, sejam documentais sejam testemunhais que, com razoável consistência, comprovem, corroborem, enfatizem ou infirmem qualquer dessas versões.
À partida, portanto, qualquer uma destas versões contraditórias poderia ser aceite. Simplesmente, o Tribunal a quo, apreciando livremente a prova, entendeu dar mais crédito à versão do Réu ora Apelado. E fê-lo de forma fundamentada, amparado sobretudo nos conhecimentos adquiridos através dos depoimentos testemunhais prestados pelas testemunhas (…) e H (o irmão da Autora, que, sendo o contitular da conta bancária em questão, não conseguiu negar convictamente que não deu as ordens de débito em causa e, muito menos, logrou apresentar qualquer explicação credível para o facto de, durante todos estes anos decorridos desde 1994 até à actualidade, jamais haver reclamado junto do R. pelo facto de este ter efectuado na sua conta os débitos em causa, os quais têm valores apreciáveis) que, não sendo partes na causa, nenhum interesse directo têm (pelo menos, aparentemente) no seu desfecho.
As regras da experiência falam a favor da plausibilidade da versão factual apresentada pelo Banco R. e vertida nos mencionados Quesitos 1º e 2º da Base Instrutória: se o irmão da Apelante (e co-titular da conta bancária em causa) não tivesse, ele próprio, ordenado a realização dos débitos em questão, seria altamente improvável que o mesmo se mantivesse como cliente do Banco Réu – como ainda hoje sucede - e, ainda menos, que ele não tivesse querido mudar de gerente de conta dentro da mesma instituição bancária – como, efectivamente, não quis - , ao ver-se subitamente confrontado com débitos realizados à sua inteira revelia.
Perante os limitados meios de que esta Relação dispõe, a apreciação da Mm.ª Juiz a quo - efectivada no insubstituível contexto da imediação da prova -, surge-nos assim como claramente sufragável, com iniludível assento na prova produzida e em que declaradamente se alicerçou, nada justificando por isso a respectiva alteração.
O presente caso, manifestamente, não se reconduz, pois, a um daqueles casos flagrantes e excepcionais em que - como vimos - essa alteração é de ocorrência forçosa.
Não há, pois, que alterar a decisão recorrida, quanto à matéria de facto, visto que não se mostra verificado qualquer dos fundamentos tipificados no n.º 1 do art.º 712.º do CPC, improcedendo, por isso, o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, mantendo-se intocada a fixada pela 1ª instância.

3) SE, DE QUALQUER MODO, AO DEBITAR AS QUANTIAS QUE DEBITOU, AINDA QUE O PUDESSE TER FEITO COMO A AQUIESCÊNCIA DO CONCREDOR SOLIDÁRIO IRMÃO DA AUTORA, O BANCO RÉU NÃO SE EXONEROU PERANTE A AUTORA, POR ISSO QUE SEMPRE TERIA AGIDO AO ARREPIO DO REGIME DA SOLIDARIEDADE ACTIVA LEGAL E CONTRATUALMENTE ESTABELECIDO ENTRE AS PARTES (POR UM LADO, O CONTRATO AJUSTADO ENTRE DEPOSITANTES E DEPOSITÁRIO NÃO ADMITIA QUALQUER OUTRA FORMA DE MOVIMENTAÇÃO DA CONTA QUE NÃO O LEVANTAMENTO DIRECTO DE NUMERÁRIO AO BALCÃO, A TRANSFERÊNCIA DE FUNDOS PARA OUTRA CONTA OU O PAGAMENTO DE CHEQUE SACADO SOBRE A CONTA; POR OUTRO, O CONTRATO APENAS ADMITE O PAGAMENTO DE LETRAS MEDIANTE AVISO EFECTUADO ANTES DA DATA DO VENCIMENTO E SALVO INDICAÇÃO EM CONTRÁRIO, PELO QUE, MESMO NESTE CASO, O CLIENTE PODE OPOR-SE AO DÉBITO BANCÁRIO; NO CASO EM APREÇO, NÃO É SEQUER CERTO DE QUE NOS ENCONTRÁSSEMOS PERANTE UMA LETRA - DADO QUE O TRIBUNAL A QUO APENAS DEU COMO PROVADA A EXISTÊNCIA DE UM "EFEITO" E TAL CONCEITO PODE ABRANGER OUTRAS REALIDADES QUE NÃO A LETRA - E, SEGUNDO O TRIBUNAL A QUO DEU COMO PROVADO, E FOI CONTESTADO, O DÉBITO TERIA SIDO EFECTUADO NO CUMPRIMENTO DE UMA OBRIGAÇÃO DE GARANTIA - UM AVAL).

A sentença ora sob censura justificou do seguinte modo a improcedência do pedido condenatório formulado pela ora Apelante contra o aqui Apelado:
"As partes não discutiram ter celebrado um contrato de depósito bancário, nem a natureza solidária do mesmo.
O art. 1185º do CC define o contrato de depósito como sendo aquele pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde e restitua quando for exigida.
O depósito bancário é o contrato pelo qual uma das partes (o depositante) entrega a uma instituição bancária (o depositário) certa quantia em dinheiro, mediante retribuição (juros), ficando o depositário com o direito de a utilizar e com a obrigação de restituir-lhe outro tanto, do mesmo género e qualidade, quando o depositante o solicitar (Cfr. Ac. TRL de 26-05-94, CJ 94, III, 105).
O depósito bancário à ordem tem sido considerado entre nós como um depósito irregular: o banqueiro adquire a titularidade do dinheiro que lhe é entregue, sendo o cliente um simples credor e estando a pedra de toque na disponibilidade permanente do saldo (V. António Menezes CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, pags. 478 e 479; Acórdãos do STJ de 08-10-91 e de 09-02-95, BMJ 410/805 e CJSTJ 95, I, 75, respectivamente).
Perante os factos provados não se discute que a A. e um terceiro, seu irmão, abriram uma conta de depósitos à ordem no Banco, nem o regime solidário de tal conta (factos nºs 1 a 5).
Neste tipo de depósitos à ordem, cada um dos titulares tem plena liberdade de movimentação a débito e a crédito, encontra-se numa posição privilegiada, quanto à liberdade de movimentos e depósitos, não carecendo, para tanto, de autorização ou ratificação por parte do outro ou outros depositantes ou contitulares. Há como que uma relação de solidariedade, de representação entre os contitulares, mercê da aceitação de abertura de conta em tais circunstâncias (Acórdão do STJ de 25-02-81, BMJ 304/444).
Este tipo de depósitos assenta numa relação de plena e mútua confiança entre os respectivos contitulares e tem como pressuposto a autorização ou consentimento – pelo menos tácitos – que antecipada e reciprocamente dão uns aos outros para a livre movimentação e disposição das contas e respectivos numerários.
A relação de mútua confiança de que falamos permite aos contitulares movimentar a conta até ao montante da provisão, já não podendo um contitular, sem nada que o autorize a tal, colocar a conta com saldo negativo, a não ser que cumpra uma dívida pela qual também sejam responsáveis os demais; se o fizer será o único responsável pelo saldo negativo.
Estabelece o art. 512º, nº 1, do CC que a obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles.
Por sua vez, do art. 513º do mesmo diploma legal resulta que o regime de solidariedade só existe se derivar da lei ou da vontade das partes.
A solidariedade resulta expressa do acto de abertura da conta no Banco R. (facto nº 4).
Nos termos acordados entre as partes (cláusula nº 5 das Condições Gerais de Depósito), na movimentação do depósito solidário, qualquer dos titulares poderá livremente, total ou parcialmente, movimentar a conta sem autorização dos restantes, ficando o Banco isento de qualquer responsabilidade pela entrega de todo ou parte do depósito em resultado da movimentação (facto nº 5).
Foi o que se deu na situação ora posta em causa pela A.: o contitular solidário, irmão da A., autorizou o Banco R. a proceder aos débitos em questão (facto nº 13).
A latere sempre se dirá que a cláusula 15ª das Condições Gerais de Depósito, chamada à colação pela A. nas suas alegações de direito, não tem aplicação na situação sub judice.
Nessa cláusula diz-se que o Banco pode debitar na conta as letras aceites por qualquer dos contitulares mediante mero aviso antes da data do vencimento, não necessitando, portanto, de autorização dos contitulares; o que nada contende com a possibilidade ou obrigação de proceder a todos os outros débitos ordenados ou autorizados por qualquer dos contitulares.
Os débitos dos autos caem na previsão da cláusula 5ª (movimentos com autorização de contitular) e não na da cláusula 15ª (em que o Banco debita mediante mero aviso, sem necessitar de autorização de titular ou contitular da conta)”.
A ora Apelante sustenta, ex adverso, que: por um lado, o contrato ajustado entre depositantes e depositário não admitia qualquer outra forma de movimentação da conta que não o levantamento directo de numerário ao balcão, a transferência de fundos para outra conta ou o pagamento de cheque sacado sobre a conta (cfr. a respectiva cláusula quinta); por outro, o contrato apenas admite o pagamento de letras mediante aviso efectuado antes da data do vencimento e salvo indicação em contrário (cfr. a respectiva cláusula 15ª), pelo que, mesmo neste caso, o cliente pode opor-se ao débito bancário; no caso em apreço, não é sequer certo que nos encontrássemos perante uma letra - dado que o Tribunal a quo apenas deu como provada a existência de um "efeito" e tal conceito pode abranger outras realidades que não a letra - e, segundo o Tribunal a quo deu como provado, e foi contestado, o débito teria sido efectuado no cumprimento de uma obrigação de garantia - um aval.
Consequentemente, ao debitar as quantias que debitou, ainda que o pudesse ter feito como a aquiescência do concredor solidário irmão da Autora, o Banco Réu não se exonerou perante a Autora, por isso que sempre teria agido ao arrepio do regime da solidariedade activa legal e contratualmente estabelecido entre as partes.
Quid juris ?
A tese da Apelante - segundo a qual o contrato ajustado entre depositantes e depositário não admitia qualquer outra forma de movimentação da conta que não o levantamento directo de numerário ao balcão, a transferência de fundos para outra conta ou o pagamento de cheque sacado sobre a conta (cfr. a respectiva cláusula quinta), pelo que a circunstância de os débitos em questão terem sido autorizados pelo co-titular solidário (irmão da Autora) não bastaria para desonerar o Banco Réu, na sua qualidade de devedor (inerente à condição de depositário das quantias em dinheiro que a Autora lhe entregou, para que delas pudesse livremente dispor, com a obrigação de as restituir, mediante solicitação), perante a Autora – não tem qualquer sustentabilidade.
De facto, não é verdade que o contrato celebrado entre a Autora e seu irmão (como depositantes) e o Banco Réu (como depositário) só admitisse a movimentação da conta, pelos depositantes solidários, por uma de três formas:
- levantamento directo ao balcão;
- transferência de fundos para outra conta (transferência bancária);
- saque de cheques.
De resto, o contrato ajustado entre as partes e reduzido a escrito no documento particular anexo à petição inicial sob o nº 1 não contém sequer qualquer cláusula específica regulamentando o modo como se opera a movimentação da conta e, muito menos, restringindo a esta ou àquela modalidade específica as hipóteses de movimentação da conta.
Donde que - como justamente observa o Banco Apelado (nas suas contra-alegações) -, a conta pode ser movimentada por qualquer dos titulares de inúmeras formas e para inúmeras finalidades, não havendo nenhuma regra especial nem especifica que determine que tem que ser daquele modo e não de outro.
Por outro lado, tão pouco merece acolhimento aqueloutra tese, propugnada pela ora Apelante, segundo a qual o contrato de depósito firmado entre a Autora e seu irmão (como depositantes) e o Banco Réu (como depositário) contemplaria um único caso em que o depositário podia efectuar débitos na conta emergentes de títulos de crédito: o previsto na cláusula 15ª, sob a epígrafe “LETRAS ACEITES NÃO PAGAS NO VENCIMENTO” (“O Banco poderá debitar na conta as letras aceites por qualquer dos contitulares domiciliadas ou não na conta, mediante aviso antes da data do vencimento e salva indicação em contrário”).
A circunstância de, nos termos daquela cláusula 15ª, o Banco Réu poder debitar na conta as letras aceites por qualquer dos contitulares, mediante mero aviso antes da data do vencimento - sem carecer, portanto, de autorização dos contitulares -, em nada contende com a possibilidade ou obrigação de o Banco proceder a todos os outros débitos ordenados ou autorizados por qualquer dos contitulares solidários.
Consequentemente, irreleva que os débitos em causa dissessem respeito a livranças (e não propriamente a letras) e também que o co-titular irmão da Autora fosse mero avalista (que não aceitante ou subscritor) dos efeitos (letras ou livranças) debitados na conta.
Desde que o co-titular solidário da conta bancária em questão autorizou tais débitos (cfr. a resposta afirmativa dada ao Quesito 1º da Base Instrutória), para pagamento daqueles concretos efeitos (fossem eles letras ou livranças), a conta foi movimentada em conformidade com as condições contratuais ajustadas (cfr. a cit. Cláusula 5ª do contrato) e, consequentemente, o Banco Réu/Apelado ficou desonerado de quaisquer responsabilidades decorrentes dessa movimentação perante a outra co-titular ora Autora/Apelante.
Eis por que a apelação da Autora também improcede quanto a esta 3ª e derradeira questão suscitada nas conclusões da respectiva alegação.

DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em negar provimento à Apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo da Autora/Apelante.

Lisboa, 13/12/2007
RUI TORRES VOUGA (Relator)
JOSÉ GABRIEL PEREIRA DA SILVA (1º Adjunto)
MARIA DO ROSÁRIO BARBOSA (2º Adjunto)
__________________________________________
1 - Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
2 - Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
3 - O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
4 - A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
5 - ANTUNES VARELA in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., 1985, p. 616.
6 - ANTUNES VARELA, ibidem.
7 - ANTUNES VARELA, ibidem.
8 - JACINTO RODRIGUES BASTOS in “Notas ao Código Civil”, Vol. II, 1988, p. 174.
9 - LEBRE DE FREITAS in A Acção Declarativa Comum à Luz do Código Revisto”, 2000, p. 250.
10 - PIRES DE LIMA – ANTUNES VARELA in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª ed., 1987, p. 342.
11 - LEBRE DE FREITAS-ARMINDO RIBEIRO MENDES in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3º, 2003, p. 95.
12 - LEBRE DE FREITAS-ARMINDO RIBEIRO MENDES, ibidem.
13 - ABRANTES GERALDES in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Vol., 3ª ed., Janeiro de 2000, p. 186.
14 - Na verdade, com o CPC de 1961, a possibilidade de certos depoimentos ficarem registados por escrito só ocorria em caso de depoimentos antecipados (arts. 520º e 521º), cartas precatórias ou rogatórias (arts. 563º e 623º) e depoimentos de determinadas entidades (nos termos dos arts. 625º e segs.): cfr. ABRANTES GERALDES in ob. e vol. citt., p. 185.
15 - «É o caso de o tribunal a quo ter desprezado a força probatória dum documento não impugnado nos termos legais» (MANUEL DE ANDRADE in “Noções Elementares de Processo Civil”. 1979, p. 209). «Com efeito, encontrando-se junto aos autos documento que faça prova plena de certo facto se o juiz, na sentença, não o der como provado, incumbe à Relação alterar a decisão de 1ª instância, nessa parte, fazendo prevalecer a força probatória do documento (arts. 371º, nº 1, 376º, nº 1, e 377º do CC)» (FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 4ª ed., Abril de 2003, p. 202). «E o mesmo fenómeno ocorrerá no respeitante a um facto sobre que verse confissão judicial escrita, desde que desfavorável ao confitente (art. 358º, nº 1, do CC)» (FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, ibidem).
16 - ABRANTES GERALDES in ob. e vol. citt., pp. 193-194.
17 - ABRANTES GERALDES in ob. e vol. citt., p. 186.
18 - LEBRE DE FREITAS-ARMINDO RIBEIRO MENDES in “Código de Processo Civil Anotado” cit., Vol. 3º cit., p. 96.
19 - CARLOS LOPES DO REGO in “Comentários ao Código de Processo Civil”, Vol. I, 2ª ed., 2004, p. 608.
20 - Este é aliás o sentido que o legislador pretendeu dar à possibilidade do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, pois que expressamente refere, no preâmbulo do diploma que possibilitou a documentação da prova (Dec.-Lei n.º 39/95, de 15/12), que “…a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
21 - Cfr., também no sentido de que, «apesar da maior amplitude conferida pela reforma de processo civil a um segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, a verdade é que não se trata de um segundo julgamento, devendo o tribunal apreciar apenas os aspectos sob controvérsia», o Ac. da Rel. de Lisboa de 13-11-2001 (in Col. de Jur., 2001, tomo V, pág. 85).
22 - Cfr., igualmente no sentido de que «a reforma processual operada pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, dando nova redacção ao artº 712 do C. P. Civil, ampliou os poderes da Relação quanto à matéria de facto, mas não impõe a realização de novo e integral julgamento, nem admite recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto», o Ac. da Rel. do Porto de 19/09/2000 (in Col. Jur., Ano XXV - 2000, tomo IV, p. 186).
23 - Ac. da Relação de Coimbra de 3-10-2000 (in Col. de Jur., 2000, tomo IV, pág. 28).
24 - De facto, «é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.» (ABRANTES GERALDES in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 201). «E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância» (ibidem). «Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores» (ABRANTES GERALDES in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
25 - Ac. da Rel. de Coimbra de 25/5/2004, proferido no Proc. nº 17/04 e relatado pelo Desembargador JORGE ARCANJO RODRIGUES, cujo texto integral está disponível para consulta no site htpp//www.dgsi.pt.
26 - «Ressalvam-se (…) do poder de livre apreciação do tribunal colectivo os casos em que a lei exija, para a existência ou para a prova de algum facto, qualquer formalidade especial» (ANTUNES VARELA in “Manual de Processo Civil”, 1984, p. 643). «No 1º caso, a formalidade diz-se ad substantiam; no 2º, ad probationem» (ibidem). «Em qualquer das circunstâncias, o colectivo não pode considerar o facto como provado, enquanto a formalidade exigida (ou a forma do seu suprimento, no caso da formalidade ad probationem) não tiver sido observada» (ibidem).
27 - «Estão, de acordo com essa regra da liberdade de apreciação da prova pelo tribunal, sempre sujeitas à livre apreciação do julgador a prova testemunhal (art. 396º CC), a prova por inspecção (art. 391º CC) e a prova pericial (art. 389º CC)» (LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2001, p. 635). «Têm, pelo contrário, valor probatório fixado na lei os documentos escritos, autênticos (art. 371º-1 CC) ou particulares (art. 376º-1 CC), e a confissão escrita ou reduzida a escrito, seja feita em documento autêntico ou particular, mas neste caso só quando dirigida à parte contrária ou a quem a represente (art. 358º-2 CC)» (ibidem). «Já quando não reúna os requisitos exigidos para ter força probatória legal, a confissão fica sujeita à regra da livre apreciação (art. 361º CC); o mesmo acontece com o documento escrito (art. 366º CC)». «Valor probatório fixado por lei têm também as presunções legais stricto sensu (art. 350º CC) e a admissão (arts. 484º-1, 490º-2, 505º e outros semelhantes)» (ibidem).
28 - Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348”.
29 - ABRANTES GERALDES in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 256.
30 - ABRANTES GERALDES, ibidem.
31 - ABRANTES GERALDES in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 259.
32 - Cit. Ac. da Rel. de Coimbra de 25/5/2004.
33 - Cit. Ac. da Rel. de Coimbra de 25/5/2004.
34 - Cfr., também no sentido de que, «porque se mantêm vigorantes os princípios de imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca, de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados”, o Ac. da Rel. do Porto de 19/09/2000 (in “Col. Jur., Ano XXV - 2000, tomo 4, p. 186).
35 - Cfr., igualmente no sentido de que «a reanálise das provas gravadas pelo Tribunal da Relação só pode abalar a convicção criada pelo Juiz da 1.ª instância, traduzida nas respostas aos quesitos, e determinar a alteração dessas respostas, em casos pontuais e excepcionais, quando, não se tratando de confissão ou de qualquer facto só susceptível de prova através de documento, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou estão profundamente desapoiados face às provas recolhidas», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 21/1/2003, proferido no Proc. nº 02A4324 e relatado pelo Conselheiro AFONSO CORREIA (cujo texto integral está disponível para consulta no site htpp//www.dgsi.pt.).
36 - Ac. da Rel. de Coimbra de 25/11/2003, proferido no Proc. nº 3858/03 e relatado pelo Desembargador ISAÍAS PÁDUA (cujo texto integral está disponível para consulta no site htpp//www.dgsi.pt.).
37 - Cfr., igualmente no sentido de que, «quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face ás regras da experiência comum», o Ac. da Rel. de Coimbra de 6/03/2002 (in Col. Jur., 2002, tomo II, p. 44). Assim, «assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum» (Ac. da mesma Relação de 18/8/2004, prolatado no Proc. nº 1937/04 e relatado pelo Desembargador BELMIRO ANDRADE, cujo texto integral pode ser livremente consultado no site htpp//www.dgsi.pt).
38 - Ac. da Rel. de Lisboa de 13/11/2001 (in Col. Jur., 2001, tomo V, p. 85).
39 - Ac. da Relação de Coimbra de 3/10/2000 (in Col. Jur., 2000, tomo IV, p. 28).
40 - Ac. da Rel. de Coimbra de 22/6/2004, prolatado no Proc. nº 1861/04 e relatado pelo Desembargador HÉLDER ALMEIDA (cujo texto integral está disponível para consulta no site htpp//www.dgsi.pt.).
41 - Cit. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 21/1/2003, proferido no Proc. nº 02A4324 e relatado pelo Conselheiro AFONSO CORREIA.
42 - Ibidem.
43 - É do seguinte teor o despacho que decidiu a matéria de facto controvertida, no segmento relativo à fundamentação da convicção do julgador, tanto no que concerne aos factos considerados provados como no que tange aos considerados não provados:
“Relativamente às respostas positivas, a convicção do tribunal alicerçou-se nos depoimentos de todas as testemunhas inquiridas em juízo, conjugados com as regras da experiência comum.
(…)