Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2455/13.4YYLSB-A.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
SENTENÇA ARBITRAL
VIOLAÇÃO
ORDEM PÚBLICA
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: Sumário (art.º 663º nº 7 do CPC)

1. Encontrando-se em vigor a LAV de 1986 (Lei nº 31/86, de 29 de Agosto) quando as partes apresentaram o requerimento de arbitragem no Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio de Lisboa, será esta a lei aplicável ao processo arbitral, independentemente de, no momento da prolação da decisão, já se encontrar em vigor a LAV de 2011.

2. Os meios impugnatórios da decisão arbitral consistem no recurso da decisão arbitral para o Tribunal da Relação, sempre que as partes a ele não hajam renunciado (artº 29º, nº 1 da LAV), na acção de anulação da decisão dos árbitros (artº 28º do mesmo diploma legal) e na oposição à execução da decisão arbitral (art. 31 da LAV), admitindo-se que nesta sejam invocados os fundamentos da acção de anulação.

3. Havendo renúncia ao recurso prevista no artigo 29º, nº1º, LAV., fica vedada às partes a discussão em juízo do mérito ou demérito da decisão final dos árbitros, só podendo tal decisão ser atacada, em acção de anulação, com fundamento nalgum dos vícios indicados no artigo 27º, nº 1º da LAV, ou por meio dos embargos a que aludem os artigos31º LAV e 814º CPC.

4. O dever de fundamentar previsto no artigo 23°, nº3 e na al. d) do n.° 1 do artigo 27° da Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto, corresponde ao estabelecido na al. b) do n.° 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil (artº 615º, nº 1 al. b) do nCPC).

5. Admite-se ainda a impugnação da decisão arbitral, para além dos vícios indicados no artigo 27º, nº1º, LAV, com o fundamento de que o conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português.

6. São coisa diversa as normas que se revistam de imperatividade na ordem jurídica interna e os princípios que integram a ordem pública internacional. Enquanto aquela se reporta ao conjunto de normas imperativas do nosso sistema jurídico, constituindo um limite à autonomia privada e à liberdade contratual; a ordem pública internacional res­tringe-se aos valores essenciais do Estado português, representando os princípios e regras veiculados pela ordem pública internacional um núcleo mais restrito do que aqueles que subjazem à “ordem pública de Direito material”, referida designadamente nos artigos 271.º, n.º 1, 280.º, n.º 2 e 281.º todos do Código Civil.

7. A sentença arbitral que aplicou as regras inerentes ao regime da prescrição não colide de forma intolerável com os princípios e normas fundamentais da ordem jurídica portuguesa, não integrando, sequer, o regime jurídico da prescrição, a ordem pública internacional do Estado português. E, não conduzindo a sentença arbitral a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português, não é susceptível de anulação.

8. A sanção pecuniária compulsória legal prevista no nº 4 do artigo 829º-A do Código Civil é de funcionamento automático, não carecendo de ser pedida nem necessita de qualquer decisão judicial a estabelecê-la, sempre que esteja em causa uma execução para pagamento de quantia certa

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO

G.E., S.A.., com sede na ……., veio deduzir oposição, em 11.03.2013, contra CARVÕES, LDA., com sede ……. - por apenso ao processo executivo para pagamento de quantia certa, titulado por sentença arbitral datada de 02.12.2012, que esta deduziu contra aquela - tendente a obter a respectiva extinção do pedido executivo.

Fundamentou a opoente, no essencial, a sua pretensão, nos seguintes termos:
1. O título dado à execução é uma sentença arbitral proferida já depois da Lei n.º 63/2011, de 14.12, Nova Lei da Arbitragem Voluntária – NLAV), mas tendo-se iniciado o processo em meados de 2008, é aplicável ao caso a Lei n.º 31/86, de 29.08, sendo a mesma passível de impugnação com fundamento na sua anulabilidade, nos termos e para os efeitos do artigo 27º daquele diploma.
2. A Exequente cumulou ilegalmente juros de mora com a actualização da quantia indemnizatória fixada na decisão arbitral, pretendendo, dessa forma, obter um benefício ilegítimo no valor de €4.776.248,14, a título de juros de mora vencidos desde 2005, para o qual inexiste título executivo.
3. Existe erro de cálculo aritmético da quantia exequenda, quer no que respeita ao cálculo da actualização das dívidas, quer no que respeita ao início da contagem dos juros de mora, bem como no que concerne à taxa de juros de mora aplicada.
4. A sentença exequenda ofende a ordem pública interna, na medida em que viola o regime jurídico da prescrição, cujas normas são parte da ordem pública do ordenamento jurídico português, condenando a ora Opoente no pagamento de dívidas prescritas, quando a prescrição tinha sido expressamente invocada,
5. Enferma ainda a sentença de falta ou insuficiência de fundamentação porque não esclarece a razão pela qual entendeu que nas compras de carvão de 1985 e 1986 havia liberdade de negociação de preço, diversamente do que entendeu suceder nas compras de 1987;
6. Viola também a sentença o princípio do dispositivo relativamente a uma componente do montante indemnizatório.
7. A peticionada sanção pecuniária compulsória não é devida e, para o caso de assim não se entender, deverá ser reduzido o seu valor diário para o valor diário de €182,04.

Foi liminarmente admitida a oposição e, notificada a exequente, veio esta deduzir contestação, na qual reconhece, no que respeita ao cálculo aritmético da quantia exequenda, que não existe título executivo quanto aos juros moratórios, que apenas são devidos a partir da decisão actualizadora.

Invocou, por outro lado e, em síntese, que:
1. A nova LAV aplica-se à presente execução, porquanto a mesma foi instaurada após a data da sua entrada em vigor.
2. A oposição deduzida não se enquadra em qualquer dos fundamentos que o artigo 814º do CPC taxativamente prevê.
3. Não ocorre qualquer dos fundamentos previstos para a acção de anulação da sentença arbitral mencionados no artigo 815º do CPC e no artigo 46º, n.º 3 da LAV de 2011, pois estes são exclusivamente de índole adjectiva, não sendo permitido, como pretende a executada, censurar o mérito da decisão final, ou das decisões interlocutórias proferidas ao longo do processo, que nela tenham influído.
4. Os fundamentos invocados pela executada apenas poderiam ter sido por si invocados em acção de anulação da sentença arbitral, ou no prazo de propositura da mesma, que a executada não intentou atempadamente, com o que viu precludido o direito os invocar, não se verificando, de todo o modo, qualquer dos fundamentos previstos no artigo 46º, n.º 3 da LAV de 2011 ou no artigo 27º da LAV de 1986.
5. É extemporânea a invocação do erro na apreciação da certidão extraída da acção nº 1538/05.9BEPRT, por não ter sido colocada à consideração do Tribunal Arbitral.
6. A prescrição não integra o conceito de ordem pública, qualquer violação desta.
7. A decisão arbitral não enferma de falta absoluta de fundamentação, e que apenas esta constitui causa de anulação;
8. Não se verifica qualquer violação do princípio do dispositivo, porquanto o valor da condenação é claramente inferior ao do pedido, sendo que decorreu já o prazo para se requerer a rectificação de qualquer erro de cálculo inserto na decisão arbitral.

Impugnou, no mais, a exequente, os factos alegados pela executada/opoente e pugnou pela improcedência da oposição à execução e à penhora.

Teve lugar a audiência preliminar, no âmbito da qual foi facultado o exercício do contraditório no que respeita às questões colocadas no âmbito da contestação, e se procedeu à discussão de facto e de direito das questões a decidir.

O Tribunal a quo proferiu desde logo decisão final, em 27.05.2015, por entender que seria possível conhecer do mérito da oposição, sem necessidade de mais provas, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte:
Em face do exposto, e ao abrigo do disposto nos citados preceitos legais, decido:
a. julgar a oposição parcialmente procedente por provada e, em consequência julgar extinta a execução no que respeita aos pedidos de juros e de fixação de sanção pecuniária compulsória;
b. julgar, no mais, a oposição improcedente, por não provada.
Custas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento – artigo 446º, ns. 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Registe, notifique e informe o Agente de Execução.

Inconformada com o assim decidido, a executada/opoente interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São, designadamente, as seguintes as extensas CONCLUSÕES da recorrente:
i. O regime aplicável à anulabilidade e à oposição à execução da decisão arbitral impugnada nos presentes autos é o que resulta da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, e das disposições do Código do Processo Civil para as quais aquela remetia, porque a arbitragem que culminou na decisão arbitral impugnada nos presentes autos decorreu, quase inteiramente, na vigência da LAV de 1986, só aquela decisão tendo sido proferida na vigência da LAV de 2011.
ii. Apesar de o art. 27.º da LAV de 1986 não referir expressamente “a contrariedade à ordem pública”, entre os fundamentos de anulação da sentença arbitral nele elencados, entendia a melhor doutrina, secundada por decisões dos tribunais superiores portugueses, que essa omissão não implicava que a sentença arbitral de que não coubesse recurso ordinário e que resultasse em violação de regras ou princípios da ordem pública, ficasse imune ao controlo dos tribunais estaduais, a fim de poder ser por estes anulada, com tal fundamento.
iii. Para a maioria dos autores que admitiam de jure constituto esta causa de anulação da sentença arbitral, aquilo que constituía fundamento de anulação da sentença arbitral era a violação de “ordem pública interna” (de direito material).
iv. Com efeito, sendo a ordem pública um fator sistemático de limitação da autonomia privada, essa limitação impunha-se tanto às partes, na sua actuação negocial, quanto aos árbitros (e aos juízes) que tivessem de julgar os litígios entre elas surgidos.
v. Em bom rigor, o princípio enunciado no art. 280.º, n.º 2, do Código Civil, que continha um imperativo basilar de salvaguarda do sistema jurídico, permitiria sempre ao tribunal estadual anular a sentença arbitral que tivesse um resultado contrário à ordem pública, sem necessidade de tal fundamento de anulação estar explicitado no art. 27.º, n.º 1, da LAV de 1986.
vi. A ‘ordem pública’ é um conceito indeterminado, semelhante a outros a de que os sistemas jurídicos sofisticados não prescindem, pelo que, tal como acontece com outros conceitos indeterminados, também este tem de ser densificado ou integrado pela jurisprudência, com o auxílio da doutrina.
vii. O conjunto de princípios e regras que integram a ‘ordem pública’ duma ordem jurídica tem um âmbito mais restrito do que o universo das normas imperativas dessa ordem jurídica.
viii. Esta asserção vale mesmo perante a aceção daquele conceito que pode estar em causa em arbitragens puramente domésticas, ou seja, a que se designa por ‘ordem pública interna’ (por oposição à ‘ordem pública internacional’).
ix. Em sede de anulabilidade de decisões arbitrais pelos tribunais estaduais, a noção de ‘ordem pública’ relevante é a usualmente apelidada de ordem pública de direito material, a que se referem os arts. 81.º, n.º 1, 182.º, d), 192.º, n.º 2, d), 271.º, 280.º, n.º 2, 281.º, 345.º, 465.º, a), 800.º, n.º 2, 967.º, 1083.º, n.º 2, b), 2186.º, 2230.º, n.º 2, e 2245.º do Código Civil.
x. Desta noção de ‘ordem pública de direito material’ há que distinguir a “excepção ou reserva de ordem pública internacional” (ordem pública de direito internacional privado) ― prevista no art. 22.º do CC, no art. 56.º, n.º 1, b), ii) da LAV de 2011 e no art. 978.º f) do CPC atual (art. 1096, f) do CPC de 1961) ― que constitui um limite ou barreira à aplicação do direito estrangeiro competente segundo as pertinentes normas de conflitos ou ao reconhecimento de uma decisão estrangeira.
(…)
xi. O pedido de anulação da decisão arbitral formulado pela Embargante na oposição à execução contra ela movida, deve, por isso, ser apreciado “por recurso aos critérios gerais de direito”, sendo o reduto axiológico-normativo compreensivo formado pela ‘ordem pública interna’ que deve convocado para esse efeito.
xii. É errada a proposição segundo a qual “ao juiz competente para anular a sentença arbitral é vedado o reexame do mérito da sentença”, que só por flagrante erro de leitura e desconhecimento do escopo da disposição do n.º 9 do art. 46.º da LAV de 2011 se pode ver aí consagrada.
(…)
xiii. O juiz, ao apreciar a sentença arbitral submetida ao seu controlo, tem o dever de verificar se tal sentença, pelo resultado a que conduz, ofende algum princípio considerado como essencial pela ordem jurídica do foro.
xiv. Há, portanto, que não confundir revisão e controlo da sentença, mesmo quando ambos incidem sobre questões atinentes ao fundo da causa, como acontece no controlo para verificar se houve ofensa da ordem pública, sendo os objetivos do juiz clara e radicalmente diferentes num caso e noutro.
(…)
xv. Deve exigir-se um certo grau de gravidade para que a ofensa à ordem pública leve à anulação da sentença arbitral, em ordem a assegurar um equilíbrio entre a defesa da ordem pública e a eficácia da arbitragem, mas essa exigência é compatível com a necessidade de se conferir ao juiz os meios que lhe permitam verificar se uma tal ofensa se verificou.
xvi. O controlo que ao juiz compete fazer não pode limitar-se a um exame da “parte dispositiva” da sentença, que se desinteresse da respectiva fundamentação, uma vez que importa averiguar se a solução que os árbitros adotaram quanto ao fundo da questão colide ou não com a ordem pública, e para isso pode não bastar o exame da “parte dispositiva” da sentença arbitral, que raramente consagra uma solução contrária à ordem pública, sendo geralmente “neutra” em relação a ela.
(…)
xvii. O efetivo controlo da sentença arbitral impõe que o juiz examine tanto a interpretação como a qualificação do contrato litigioso. Dado que qualificar o contrato é decidir que regras de direito lhe são aplicáveis e qualificar mal o contrato é afastar regras que lhe seriam normalmente destinadas, se as regras ou princípios não aplicados pelo árbitro faziam parte da ordem pública, é irrecusável que esta foi por ele ofendida.
(…)
xviii. O controlo da sentença arbitral, em matéria de direito, deve abranger não só a aplicabilidade das normas e princípios de ordem pública vocacionados para reger a situação litigiosa, mas também a concreta aplicação pelo árbitro de tais regras e princípios. O juiz não pode contentar-se com a verificação da aplicabilidade dessas regras ou princípios de ordem pública, limitando-se a verificar se eles “foram tidos em conta” pelo árbitro, sem escrutinar o modo como este realmente os aplicou.
xix. Os árbitros têm o poder e o dever de aplicar oficiosamente os princípios e regras que integram a ordem pública, independentemente de as partes os terem ou não invocado, porque o respeito pelos mesmos não pode ser condicionado pela iniciativa das partes, que não gozam de disponibilidade sobre aqueles princípios e regras.
xx. Pelas mesmas razões, a violação da ordem pública deve poder ser invocada perante o juiz competente para a anulação da sentença arbitral, mesmo quando não tenha sido alegada perante os árbitros.
(…)
xxi. É o conteúdo da sentença arbitral que é controlado, mas é em função do seu resultado que ela será sancionada. Embora todo raciocínio do árbitro deva poder ser examinado pelo juiz, o controlo deste deve incidir, não sobre esse raciocínio, mas sobre a solução dada ao litígio.
xxii. Quando verifique que o árbitro errou, o juiz deve verificar se é grave a ofensa aos princípios e regras de ordem pública, não devendo ser anuladas sentenças arbitrais que, apesar de conterem erros flagrantes, não tenham consequências relevantes sob o ponto de vista dos objetivos visados pelas disposições de ordem pública em causa.
xxiii. A prescrição extintiva não pode reconduzir-se a um único fundamento, pois que nela confluem diversas razões justificativas e interesses nem sempre convergentes.
xxiv. É a homenagem ao valor da segurança jurídica e da certeza do direito que explica a imperatividade da prescrição estabelecida no art. 300.º do Código Civil, sendo, por outro lado, a faceta da proteção do interesse particular do devedor, em reação contra a inércia do titular do direito, que justifica o disposto no art. 303.º do mesmo Código, sobre a necessidade de a prescrição ser invocada por aquele a quem aproveita.
xxv. Ambas estas ordens de razões depunham no sentido de a invocada prescrição dever ter sido plenamente reconhecida pelo tribunal arbitral e também atendida pela Meritíssimo Juíza ‘a quo’ que decidiu os embargos perante ela deduzidos.
xxvi. A Meritíssima Juiz ‘a quo’ parece ter dado maior peso à segunda das mencionadas facetas, no que terá cometido um erro, visto que do regime da prescrição extintiva fazem parte normas que são de qualificar como de interesse e ordem pública, como os nossos tribunais superiores têm reconhecido.
xxvii. Ainda menos acertado foi o iter racional-valorativo seguido pela Meritíssima Juiz ‘a quo’ ao negar provimento ao pedido de anulação da decisão arbitral, desatendendo a prescrição ordinária que a ora Recorrente invocara no art. 30.º da contestação que apresentou na arbitragem precedente.
xxviii. O que ao juiz cumpre apurar não é se a aplicação incorreta (pelos árbitros) de determinadas normas legais implica uma violação de uma norma de ordem pública, mas antes se o resultado da aplicação da decisão arbitral que enferme de tal erro é ou não intolerável (chocante), na perspetiva da tutela concedida pelo sistema jurídico aos valores e interesses prosseguido pelas normas legais desaplicadas ou mal aplicadas pelos árbitros.
xxix. O vício de que padece a decisão arbitral ora impugnada não é apenas o de ter aplicado incorretamente uma ou várias normas legais integrantes do regime da prescrição, mas antes o de o erro nela cometida ter determinado uma ofensa grave aos fins prosseguidos por tais normas, por a situação criada pela decisão arbitral colidir efetiva e frontalmente com os objetivos prosseguidos pelas regras e princípios de ordem pública aplicáveis ao caso decidido.
xxx. O decidido no Acórdão da Relação do Porto de 10.01.2012, proferido no processo 227/11.0TVPRT.P1, invocado na fundamentação da douta sentença recorrida, não tem qualquer pertinência nem valor persuasório para a decisão do objeto destes embargos e do presente recurso, por não haver a menor semelhança entre o que ali se discutiu e que aqui há que dirimir.
(…)
xxxi. As normas legais alegadamente infringidas pela G.E., S.A., no entender do tribunal arbitral, situavam-se num plano que era exterior aos contratos celebrados com a Carvões, Lda., porque essa infração só pode revelar-se ou ganhar relevo jurídico mediante a comparação dos preços naqueles ajustados com os preços de outros contratos feitos pela G.E., S.A. com outro fornecedor de carvão.
xxxii. O ilícito alegadamente praticado pela G.E., S.A. não consistiu na inserção, nos contratos celebrados com a Carvões, Lda., de cláusulas de preços violadores de preceitos legais imperativos, mas, quando muito, no facto de a G.E., S.A. ter praticado, no âmbito da contratação com os seus fornecedores de combustíveis, preços diferentes para combustíveis equivalentes.
xxxiii. No entender do próprio tribunal arbitral, a ilicitude existente neste caso não se situaria no clausulado dos contratos celebrados com a Carvões, Lda., nem dos contratos ajustados com outros fornecedores reais ou hipotéticos, mas antes num plano mais geral, exterior a cada um dos contratos celebrados pela G.E., S.A. com os seus fornecedores, que era o plano de sua política geral de compras, definida em relação à generalidade dos seus fornecedores de combustíveis.
xxxiv. Apenas neste plano mais geral e claramente extracontratual é que a G.E., S.A., como qualquer outra empresa colocada em circunstâncias semelhantes, poderia infringir a normas legais apontadas à defesa da concorrência.
xxxv. Do que antecede resulta ser flagrantemente errada a qualificação da responsabilidade civil imputada à G.E., S.A. como “contratual”, feita pelo Tribunal Arbitral.
xxxvi. Poderá compreender-se que, em relação aos deveres que fluem diretamente do clausulado dos contratos ou às normas legais atinentes ao cumprimento destes, as partes estejam atentas e despertas para o exercício dos seus direitos e para a eventual oposição a pretensões ilegítimas de contraparte, munindo-se e preservando, durante longo tempo, a prova que venha a ser necessária para o efeito.
xxxvii. Não repugnará porventura, neste contexto, que o prazo de prescrição aplicável seja tão longo, dado que não é de supor que a grande demora no exercício de um direito cause prejuízos à contraparte, que deve razoavelmente contar com tal eventualidade, mesmo que aquele exercício tenha lugar muitos anos após a constituição do direito em questão.
xxxviii. Porém, a situação é radicalmente diferente quando se trate de obrigações que não fluem diretamente de contratos celebrados entre as partes, mas antes de normas jurídicas de alcance geral, como é o caso das que protegem o ambiente ou o ordenamento do território ou ainda, entre muitos outros exemplos, as que visam assegurar que os mercados funcionem de modo a proporcionar o máximo benefício para a generalidade dos operadores.
xxxix. Relativamente aos deveres e obrigações resultantes destas normas de alcance geral, os seus destinatários (ou sujeitos passivos) não estão, nem é razoável esperar que estejam, tão atentos que devam contar com a sua possível efetivação ao cabo do prazo de 20 anos, previsto no art. 309.º do CC.
(…)
xl. São estas marcantes diferenças que conduzem a que a aplicação do prazo ordinário de prescrição, de 20 anos constitua um fator de intolerável injustiça relativamente às obrigações que decorrem de normas de alcance geral.
xli. Mesmo que a qualificação como contratual pudesse parecer, à primeira vista, convir à responsabilidade imputada à G.E., S.A. (então Demandada e ora Recorrente), daí não poderia o Tribunal Arbitral deduzir, com a ligeireza com que o fez, que a prescrição da obrigação decorrente da infração do disposto no art. 13.º, n.º 1, d) (ou do art. 14.º, por remissão para o art. 13.º, n.º 1, d)) do Decreto-Lei n.º 422/83, de 3 de Setembro, só poderia ter lugar no prazo previsto no art. 309.º do C.C.
xlii. Por essa razão, nesta parte da sua decisão, o tribunal arbitral caiu em vício próprio da ultrapassada jurisprudência dos conceitos, baseada na justamente criticada ‘genealogia dos conceitos’.
xliii. A decisão arbitral ora impugnada ao considerar que a G.E., S.A. tinha sido citada para a ação que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 8 de Julho de 2005, conforme a ora Embragada e Recorrida alegara na réplica, quando efectivamente a citação teve lugar apenas em 29 de Agosto de 2006, baseou-se num pressuposto falso, cuja evidência resulta expressamente da certidão junta aos autos, que o tribunal deveria ter confirmado e não fez.
xliv. Essa falsidade cometida pela Embargada (ora Recorrida) e o erro do tribunal arbitral por ela induzido, quanto à data de citação da Demandada bem como a consequente desconsideração do tempo da invocada prescrição daí resultante, explicam, só por si, mais de 90% do montante do pedido exequendo.
xlv. A reduzida atenção com que o tribunal arbitral analisou os factos e documentos atinentes à interrupção da prescrição que considerou ter existido, conduziu a uma conclusão viciada por um erro colossal e, consequentemente, a uma decisão chocantemente injusta que, também por esta razão, resulta em flagrante ofensa da ordem pública do sistema jurídico português.
xlvi. Sendo de prever que que a Exequente/Embargada (ora Recorrida) continue a insistir no engano que cometeu na arbitragem precedente e na sua contestação da oposição à execução apresentada na 1.ª instância, há que reafirmar, categoricamente, que a Executada/Embargante, ora Recorrente, não se confunde nem nunca se confundiu com a sociedade E.N., SA, extinta em 2000, nem sequer com a G.E., S.A. - que veio a incorporar aquela E.N. S.A..
xlvii. Tratava-se, então como agora, de pessoas jurídicas inteiramente autónomas e distintas entre si, como resulta claramente das certidões permanentes do registo comercial respeitantes às sociedades E.N., à G.E., S.A. à Embargante, ora Recorrente, que foram juntas aos autos, pelo que é inquestionável que a citação da Embargante ocorreu apenas em 29.08.2006.
xlviii. Por tudo o que fica exposto, verifica-se que, por efeito acumulado do apontado erro na aplicação das normas legais sobre a prescrição extintiva e da inaceitável desatenção do tribunal arbitral no exame dos documentos respeitantes à alegada interrupção daquela prescrição, o tribunal arbitral, no último trimestre de 2012 ― ou seja, mais de 25 anos após os factos que, no seu entender, teriam sido geradores do dever de indemnizar para a ora Recorrente, condenou-a em montante que, quando atualizado segundo os índices de inflação, se cifra em cerca de 5 milhões de Euros.
xlix. Do que antecede decorre, iniludivelmente, que a aplicação da sentença arbitral ora impugnada resultou numa clara afronta ao mais elementar sentido de Justiça, pois que condenou a ora Recorrente a pagar uma vultuosíssima obrigação que não existia, porque há muito se extinguiu por prescrição válida e que aquela oportunamente invocara (nos arts 30.º a 32.º da contestação. apresentada na ação arbitral).
l. O resultado a que conduz esta sentença arbitral ofende, portanto, com enorme gravidade, regras, princípios e valores basilares do sistema jurídico português, que integram a sua ‘ordem pública’, pelo que se justifica amplamente que tal sentença seja anulada, como se requereu nos Embargos deduzidos na primeira instância.
li. No entanto, para que se possa travar essa flagrante à ofensa pública do Estado Português, é necessário que se acolha o entendimento que é defendido pelos autores que mais aprofundadamente trataram deste tema, segundo qual os tribunais estaduais competentes não devem coibir-se de reexaminar os factos apreciados pelos árbitros à luz do direito aplicável, revendo, na medida do necessário, o relato que desses factos fizeram os árbitros assim como a aplicação do direito por eles feita na sentença proferida, verificando, nomeadamente, o acerto das qualificações jurídicas feitas pelo tribunal arbitral sobre tais factos,
lii. visto que só desse modo os tribunais estaduais poderão cumprir cabalmente a função de supervisores da integridade da arbitragem e, portanto, de garantes da sua legitimação,

A recorrida apresentou contra-alegações, em 01.09.2015 propugnando pela improcedência do recurso, mas não formulou conclusões, defendendo, em suma:
i. A não verificação de qualquer dos fundamentos de oposição à execução ou da acção de anulação previstos nos artigos 814º, nº 1 e 815º, ambos do anterior CPC, os últimos dos quais, a existirem, a sua invocação sempre seria extemporânea.
ii. A inadmissibilidade da violação da Ordem Pública, como fundamento de impugnação,
iii. A inexistência de falta de fundamentação da sentença arbitral.

Defendeu, ainda a recorrida, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 636º do CPC, e para o caso de proceder a apelação, a aplicação aos autos da LAV de 2011, tal como havia sustentado na contestação que deduziu à oposição à execução, invocando o decaimento deste fundamento da sua defesa.

Em 14.09.2015, a executada/opoente juntou aos autos, parecer jurídico, nos termos do artigo 651º, nº 2 do CPC.

A exequente, por sua vez, apresentou, em 17.09.2015, recurso subordinado, relativamente à sentença recorrida, na parte que decidiu julgar extinta a execução no que respeita aos pedidos de juros e de fixação de sanção pecuniária compulsória, e formulou as seguintes CONCLUSÕES:
i. A douta sentença recorrida denegou a aplicação de sanção pecuniária compulsória a que se refere o artº 829 nº 4 CPC invocando que: “Conforme se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 14.05.2013 (disponível em www.dgsi.pt) “mesmo que não se mostre, de modo expresso, estipulada no título dado à execução, pode a sanção pecuniária compulsória ser peticionada no requerimento executivo, impondo-se que para ser atendida na execução seja efetivamente requerida em tal requerimento”. Sucede que a Exequente não peticionou tal sanção. Desde logo não o fez no requerimento executivo, acrescendo que no requerimento de folhas 93 a 95 apenas alude à sanção pecuniária compulsória judicial, e não à legal, pelo que não pode o Tribunal determinar o respetivo pagamento. Procede, pois, nesta parte, a oposição”

ii. Salvo o devido respeito, entende a Exequente que essa sanção de 5% a que se refere o artº 829º-A nº 4 do Código Civil é aplicável automaticamente e sem dependência de requerimento do credor.

iii. Deste modo, deve ser revogada essa parte decisória da sentença recorrida, por forma a que a secretaria, independentemente de requerimento da Exequente proceda à liquidação da sanção pecuniária compulsória a que se refere o nº 4 do artº 829º-A do Código Civil.


A executada/opoente respondeu ao recurso subordinado da exequente, em 22.10.2015, tendo formulado a seguinte CONCLUSÃO:

Û Andou bem e não merece censura jurídica a sentença recorrida, ao julgar que a condenação na sanção pecuniária compulsória prevista no nº 4 do artigo 829º-A do CPCivil, não obstante ser de aplicação automática, só pode ser decretada mediante pedido do credor na acção executiva.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do CPC, é pelas conclusões da alegação das recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

I) Recurso principal:

i. DO REGIME DA OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO APLICÁVEL NOS AUTOS;

ii. DA OFENSA À ORDEM PÚBLICA COMO FUNDAMENTO DE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO;

iii. DA VIOLAÇÃO PELO TRIBUNAL ARBITRAL DE PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA NA ALEGADA APLICAÇÃO INCORRECTA DE NORMAS LEGAIS INTEGRANTES DO REGIME DA PRESCRIÇÃO.


O que implica a ponderação sobre:

a. O ERRO NA QUALIFICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL AO LITÍGIO EM CAUSA E A FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO ARBITRAL;

b. A DESCONSIDERAÇÃO DO ERRO DE FACTO JULGADO PELA DECISÃO ARBITRAL.

iv. DA AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO FORMULADO PELA RECORRIDA


II) Recurso subordinado:

Û DA SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA PETICIONADA PELA EXEQUENTE/APELANTE, NO REQUERIMENTO FORMULADO EM 14.02.2013, DESIGNADO DE AMPLIAÇÃO DO REQUERIMENTO EXECUTIVO.


III . FUNDAMENTAÇÃO

A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte:

1. A Exequente deu à execução sentença arbitral proferida em 02.12.2012 da qual foi junta certidão a folhas 8 e seguintes da execução, que se dá por integralmente reproduzida;

2. Tal decisão foi proferida no âmbito da arbitragem registada com o n.º 11/2010/AHC/AVS, de que foi junta certidão ao requerimento de oposição, que se dá por integralmente reproduzida.


***

B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

I) Recurso principal:

i. DO REGIME DA OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO APLICÁVEL NOS AUTOS

A Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho aprovou um novo Código de Processo Civil que entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2013, conforme resulta do disposto no artigo 8.º.


A entrada em vigor de uma lei processual suscita sempre questões relativas à sua aplicação no tempo, as quais são, em regra, dirimidas mediante disposições transitórias especiais.


Foi o que efectivamente sucedeu no diploma que aprovou o novo CPC.

De entre essas disposições transitórias, o artigo 6.º trata especificamente da acção executiva e, o seu nº 4, dispõe expressamente que: O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos procedimentos cautelares e incidentes de natureza declarativa apenas se aplica aos que sejam deduzidos a partir da data de entrada em vigor da presente lei.

De harmonia com o citado normativo tem sido pacífico, na jurisprudência publicada, o entendimento de que são aplicáveis as disposições do anterior Código de Processo Civil a todos os procedimentos e incidentes de natureza declarativa com estrita ligação funcional ao processo executivo, e que, nas execuções pendentes, hajam sido deduzidos em data anterior de 1 de Setembro de 2013 – cfr., a título meramente exemplificativo e entre muitos, Acs. R.C. de 14.01.2014 (Pº 633/11.0TBFIG-A.C1), de 13.05.2014 (Pº 304921/09.8YIPRT-B.C1), de 03.03.2015 (Pº 15/12.6TBSRE-A.C1), Ac. R.G. de 15.05.2014 (Pº 359/11.4TBFLG-A.G1), Ac. R.P. de 05.05.2014 (Pº 1869/09.9TBVRL-F.P1).

De resto, na doutrina, defende mesmo MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A Acção Executiva Singular, 180, que os embargos de executado constituem um incidente da execução: são processos declarativos incidentais da acção executiva.

Tal significa que serão ainda aplicáveis os normativos do aCPC, na oposição à execução, se deduzidos em data anterior a 01.09.2013, como sucedeu no caso dos autos, em que a oposição deu entrada em Tribunal, em 11.03.2013.

A execução a que se reporta a presente oposição tem como título uma sentença arbitral.

Dispõe o artigo 45º, nº 1 do Código de Processo Civil que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.

E de acordo com o 46º, nº1 alínea a) do Código de Processo Civil, podem servir de base à execução as sentenças condenatórias, decorrendo do artigo 48º, nº 2 do mesmo diploma legal que, as decisões proferidas pelo tribunal arbitral são exequíveis nos mesmos termos em que o são as decisões dos tribunais comuns.

A arbitragem, que pode ser definida como um meio de resolução alternativa de litígios em que a decisão, com base na vontade das partes, é confiada a terceiros, tem o seu quadro legal actualmente previsto, quanto à arbitragem voluntária, na Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro (LAV), que revogou a Lei nº 31/86, de 29 de Agosto.

A actual Lei da Arbitragem Voluntária entrou em vigor em 14 de Março de 2012, conforme decorre do artigo 6º. E, segundo o artigo 4º, nº 1 “ficam sujeitos ao novo regime da Lei da Arbitragem Voluntária os processos arbitrais que, nos termos do artigo 33º da referida Lei, se iniciem após a sua entrada em vigor.

Estabelece-se no nº 2 do aludido artigo 4º, que se aplica aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor, o LAV de 1986, a menos que as partes acordem na aplicação do novo regime.

Aplicou a sentença recorrida à oposição à execução - sendo nesta a exequente, demandante no processo arbitral - o disposto na Lei nº 31/86, de 29.08, afastando a aplicação da Nova Lei da Arbitragem, aprovada pela Lei nº 63/2011, de 14.12.

Atendendo à data da correspondência trocada entre as partes com vista à constituição do tribunal arbitral, e que o requerimento de arbitragem foi apresentado no Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio de Lisboa, em 14.06.2010, e não obstante o acórdão arbitral ter sido proferida em 02.12.2012, considerou o Tribunal a quoe bem - ser de afastar o entendimento da exequente que defendia a aplicação da nova LAV, porque em vigor à data da instauração da execução que, in casu, teve lugar em 12.02.2013, ampliada, em 14.02.2013 e rectificada em 30.04.2013.

Não tem, consequentemente, aplicação o preceituado no nº 2 do artigo 4º da Lei nº 63/2011, antes terá aqui aplicação supletiva a anterior LAV, aprovada pela Lei nº 31/86, de 29 de Agosto que, até ser revogada, sofreu uma única alteração com o Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.

Nos termos dos artigos 28º, 29º, nº 1 e 31º, todos da Lei nº 31/86 de 29 de Agosto, com as modificações que lhe foram introduzidas pelo Dec-Lei 38/2003 de 8 de Março (Lei da Arbitragem Voluntária), são meios impugnatórios da decisão arbitral:
a) A acção de anulação da decisão dos árbitros (no prazo de um mês a contar da notificação da decisão arbitral).
b) O recurso para o Tribunal da Relação (caso a ele as partes não tiverem renunciado).
c) A oposição à execução da decisão arbitral, já que o decurso do prazo para intentar a acção de anulação não obsta a que se invoquem na oposição os mesmos fundamentos susceptíveis de serem invocados em acção autónoma.

O artigo 815.º, do Código de Processo Civil, relativamente aos fundamentos da oposição à execução e reportando-se à situação da execução baseada em decisão arbitral, estatui que: São fundamentos de oposição à execução baseada em sentença arbitral não só os previstos no artigo anterior mas também aqueles em que pode basear-se a anulação judicial da mesma decisão.

A lei dá, pois, relevância aos fundamentos de anulação, quer enquanto causa de pedir em acção de anulação autónoma, quer enquanto fundamento de oposição à execução, sendo que a parte, ao invés de desencadear a anulação da decisão arbitral com fundamento em alguma das circunstâncias constantes do artigo 27.º, da Lei n.°31/86, pode, em sede de oposição, invocar os fundamentos que poderia deduzir em acção
autónoma.

De acordo com o artigo 27.º, da Lei 31/86, de 29 de Agosto, os fundamentos de anulação da decisão arbitral encontram-se contemplados nas alíneas a) a e) do seu n.º1:
a) Não ser o litígio susceptível de resolução por via arbitral (alínea a));
b) Ter sido proferida por tribunal incompetente ou irregularmente constituído (alínea b));
c) Ter havido no processo violação dos princípios referidos no artigo 16.º, com influência decisiva na resolução do litígio (alínea c));
d) Ter havido violação do artigo 23.º, n.º1, alínea f), 2 e 3 (alínea d));
e) Ter o tribunal conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, ou deixado de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar (alínea e)).

E, por se encontrar subjacente à presente execução uma decisão arbitral, atento o disposto nos artigos 814.º, 815.º, ambos do Código de Processo Civil, e artigo 27.º, do DL 31/86, de 29-12, não se poderão invocar, na oposição, os fundamentos que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração - artigo 816.º, do Código de Processo Civil.

Como tem sido entendimento jurisprudencial e se extrai do citado artigo 27º da LAV, as causas de anulação da decisão arbitral reportam-se à relação processual de arbitragem, e não à relação substantiva aí pleiteada.

Não poderá, portanto, o opoente, pretender contestar o mérito da condenação constante da sentença arbitral constitutiva do título executivo, pois tal não constitui fundamento válido de oposição à execução, da mesma forma que não constituiria, a uma execução fundada numa sentença proferida por um tribunal judicial – v. neste sentido Ac. STJ de 11.02.2010 (Pº 209/07.6TBPCV-A.C1.S1), acessível em www.dgsi.pt.

As decisões dos tribunais arbitrais são exequíveis nos mesmos termos em que o são as decisões dos tribunais comuns ( artº 48º, nº 2 do CPC) e, como tal, apenas os fundamentos previstos no artº 814º do CPC podem servir de suporte às execuções baseadas em sentença, acrescendo, no que às sentenças arbitrais concerne, os fundamentos em que pode basear-se a anulação judicial da mesmas decisões, de harmonia com o artº 815º do referido diploma legal.

O artigo 16º da Lei 31/86, com a epígrafe «Princípios fundamentais a observar no processo», preceitua: Em qualquer caso, os trâmites processuais de arbitragem deverão respeitar os seguintes princípios fundamentais:
a. As partes serão tratadas com absoluta igualdade;
b. O demandado será citado para se defender;
c. Em todas as fases do processo será garantida a estrita observância do princípio do contraditório;
d. Ambas as partes devem ser ouvidas, oralmente ou por escrito, antes de ser proferida a decisão final.

O artigo 23º, sob a epígrafe «Elementos da decisão», prevê na parte que ora interessa:
«1 – A decisão final do tribunal arbitral é reduzida a escrito e dela constará:
(…)
3 – A decisão deve ser fundamentada.».


Relativamente às «Regras do processo» estabelece o artigo 15º da Lei 31/86:
1. Na convenção de arbitragem ou em escrito posterior, até à aceitação do primeiro árbitro, podem as partes acordar sobre as regras de processo a observar na arbitragem, bem como sobre o lugar onde funcionará o tribunal.
2. O acordo das partes sobre a matéria referida no número anterior pode resultar da escolha de um regulamento de arbitragem emanado de uma das entidades a que se reporta o artigo 38º ou ainda da escolha de uma dessas entidades para a organização da arbitragem.
3. Se as partes não tiverem acordado sobre as regras de processo a observar na arbitragem e sobre o lugar de funcionamento do tribunal, caberá aos árbitros essa escolha.

Assim, os fundamentos de anulação da decisão arbitral reportam-se a aspectos de natureza essencialmente formal, sendo que, em equiparação com o que acontece na oposição à execução fundada em sentença, não se encontram contemplados quaisquer outros fundamentos, nomeadamente que pudessem ser deduzidos como defesa no processo de arbitragem.

São, pois, os seguintes os fundamentos de anulação:
§ Não arbitrabilidade do litígio;
§ Incompetência do Tribunal;
§ Irregularidade de constituição do Tribunal Arbitral:
§ Violação de princípios processuais fundamentais, tais como o princípio da igualdade das partes; da citação do réu, do contraditório e da audição das partes, sendo ainda necessário que essa violação tenha tido influência determinante na decisão final;
§ Falta de assinatura dos árbitros;
§ Falta de fundamentação;
§ Excesso ou omissão de pronúncia.

Conforme admite PAULA COSTA E SILVA, Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, R.O.A., Ano 52, III (Dezembro de 1992), 946-947, os fundamentos de anulação da decisão arbitral assumem-se como nulidades de natureza processual.

No mesmo sentido se considerou no Ac. do STJ, de 05.12.2002 (Pº 02A3043), ao afirmar que: «No pedido de anulação da decisão arbitral a causa de pedir tem de reconduzir-se a um dos circunstancialismos previstos nas diversas alíneas do nº1 do art. 27º [a Lei nº 31/86 de 29/08], que apenas prevêem hipóteses que respeitam à relação processual de arbitragem […]. São vícios equiparáveis a nulidades processuais».

Por outro lado, a taxatividade da enumeração dos fundamentos de anulação consagrados na LAV e acima elencados, tem sido defendida pela generalidade dos Tribunais Superiores, quando confrontados com a tentativa de introduzir, por via da anulação, um controlo sob o mérito da decisão arbitral, nos casos em que não há lugar a recurso dessa decisão arbitral.

ii. DA OFENSA À ORDEM PÚBLICA COMO FUNDAMENTO DE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO


A figura jurídica da ordem pública não se mostra definida na lei, já que se traduz, como salientam PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado. Vol I, 4ª ed., 69, num princípio geral, uma ideia mestra cujo conteúdo positivo terá de ser preenchido pelo julgador na análise de cada caso.

Já referia
ALBERTO DOS REISProcessos Especiais”, Volume II, 175 e 176 que a definição de “ordem pública portuguesa é questão árdua e complicada" e que “(…) Ninguém até hoje conseguiu exprimir numa fórmula precisa e nítida o conceito de ordem pública internacional; ninguém pôde apresentar uma noção capaz de habilitar o julgador a resolver, sem hesitação todas as dificuldades que os casos concretos suscitam. No estado actual da ciência a única a que pode aspirar-se é à enunciação de princípios gerais de orientação, que sirvam de critério e de bússola no mar flutuante e incerto das realidades da vida jurídica".

Acrescenta que as leis de ordem pública apresentam os seguintes caracteres gerais: são leis rigorosamente imperativas que consagram interesses superiores da comunidade local e estão em divergência profunda com as leis estrangeiras a cuja aplicação servem de limite.

Diz-se que a ordem pública é ‘’nacional’’, porque veicula princípios e normas fundamentais da ordem jurídica do foro. Mas não deve confundir-se a ordem jurídica do foro com o Direito de fonte interna.

Face à dificuldade de definição do conceito de ordem pública, já que se trata de uma cláusula geral, a doutrina tem procurado fornecer critérios orientadores, procedendo-se à distinção entre ordem pública interna e ordem pública internacional.

Para JOÃO BATISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, 3ª ed., 259 e segs, (Lições de Direito Internacional Privado, 2.ª Edição, pág. 254), serão de "ordem pública” (ordem pública interna) aquelas normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, sobre eles se alicerçando a ordem económico-social, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.

Por outro lado, a ordem pública internacional consistiria na parte do mesmo conjunto de normas e princípios jurídicos cuja preterição em virtude da aplicação de uma lei estrangeira, atropelasse grosseiramente as concepções ético-jurídicas da comunidade que forma Estado português.

Tal significa que a excepção de ordem pública internacional funcionará sempre que o direito estrangeiro "comova ou abale os próprios fundamentos da ordem jurídica interna (pondo em causa interesses de maior transcendência e dignidade)" ou seja de molde a "chocar a consciência e provocar uma exclamação”.

Defende, por isso, JOÃO BAPTISTA MACHADO que “a ordem pública é indefinível conceitualmente, como indefinível é o «estilo» ou a «alma» de uma ordem jurídica”, que visa preservar valores ético-jurídicos com suficiente perenidade e assunção pela comunidade para que a sua preterição pudesse ser encarada não só como antijurídica como verdadeiramente imoral.

Segundo MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 335, ordem pública significa os interesses fundamentais que o nosso sistema jurídico procura tutelar e os princípios correspondentes que constituem como que um substrato desse sistema.

Já para MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 434, por ordem pública deve entender-se o conjunto dos princípios fundamentais, subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tão forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas.

Entende, por seu turno, FERRER CORREIA, Lições, 511, que toda a disposição de lei, através da qual se pretenda sancionar o princípio-limite da ordem pública, tem de revestir a forma de preceito em branco, que ao juiz da causa compete preencher, apurando em cada caso concreto, socorrendo-se do seu senso jurídico, se o resultado é intolerável do ponto de vista dos princípios fundamentais do direito português: algo de inconciliável com as concepções jurídicas que alicerçam o sistema.

Finalmente, para
MANUEL PEREIRA BARROCAS, Manual da Arbitragem, 2ª ed., 452, ordem pública constitui um complexo normativo de conteúdo ético-sócio-económico formado por certas normas de direito positivo e por princípios e valores fundamentais relativos à protecção e afirmação da prevalência de interesses gerais essenciais de uma determinada comunidade jurídica e aplicável no espaço respectivo.

No nosso direito interno, a acepção de ordem pública encontra-se consagrada no artigo 280.º do Código Civil. Porém, a ordem pública (interna) não se pode identificar com a totalidade das normas legais imperativas, resultando desde logo dos nºs 1 e 2 do citado normativo, bem como do artigo 281º do C.C. a distinção entre violação da lei e ofensa da ordem pública. De resto, a contrariedade à lei, em si mesma, pode não envolver qualquer ofensa a um princípio de ordem pública.

Mas, além de não se confundir com a contrariedade à lei, a noção de ordem pública não se confunde também com a de bons costumes, noção esta mais ligada a uma ideia de moral social.

Não se justifica, portanto, uma compreensão excessivamente vasta e ampla da ordem pública, já que não é aceitável identificar a noção de ordem pública com o conjunto das normas imperativas do ordenamento jurídico – v. neste sentido, ASSUNÇÃO CRISTAS/MARIANA FRANÇA GOUVEIA, A violação de ordem pública como fundamento de anulação de sentenças arbitrais, anotação ao Acórdão do STJ de 10/07/2008, Cadernos de Direito Privado, n.º 29, Janeiro/Março 2010, 53 e MARIANA FRANÇA GOUVEIA, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 2.ª ed., Almedina, 2012, 254.

É que, se assim se entendesse, a individualidade própria da ordem pública ficaria posta em causa face a uma simples contrariedade à lei, o que, de resto, nem se coadunaria com a distinção legal.

Inexistindo na LAV (Lei n.º 31/86), no que concerne os fundamentos de anulação da decisão arbitral, atenta a enumeração acima efectuada, qualquer referência à ordem pública, a jurisprudência tem defendido maioritariamente que as decisões dos árbitros só podem ser atacadas, em acção de anulação, com fundamento em algum dos vícios taxativamente indicados no artigo 27º, nº 1, ou por meio de embargos a que a aludem os artigos 31º e 814º do CPC, não sendo permitido censurar ou sindicar a legalidade ou mérito da decisão arbitral, pois a ter ocorrido ilegalidade, isso constituiria fundamento de recurso, caso o mesmo se mostrasse admissível – v. neste sentido Acs. STJ de 24.10.2006 (Pº 06B2366), de 11.02.2010 (Pº 209/07.6TBPCV-A.C1.S1) e de 07.06.2011 (Pº 3442/07.7TBVLG.P1.S1); Acs. R.L. de 12.07.2012 (Pº 2191/11.6YYLSB-A.L1-7) e de 04.06.2013 (Pº 2548/10.0TVLSB.L1-7), acessíveis em www.dgsi.pt.
Considerando, todavia, que a ordem pública interna é constituída pelo conjunto de normas de direito positivo portuguesas que implicam uma opção imperativa do legislador na sua aplicação, será que se terá de considerar que ficam sem possibilidade de serem anuladas as sentenças arbitrais, proferidas em arbitragem localizada em Portugal que, embora violadoras de normas imperativas da lei portuguesa, não sejam enquadráveis em qualquer dos fundamentos de anulação tipificados no nº 1 do referido artigo 27º da LAV.

Vejamos,
Tem sido questionada na doutrina a possibilidade de se admitir a validade de uma decisão arbitral que contrariassem a cláusula geral de ordem pública.

Defende PAULA COSTA E SILVA Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, R.O.A., ano 52, vol. III, 1992, Lisboa, 944 e 947 (nota de rodapé n.º 137) que: funcionando a ordem pública como limite à aplicação do Direito pelo tribunal judicial, tal limite não pode ser derrogado através do recurso ao processo arbitral. Assim, sempre que se verifique a violação de uma regra de ordem pública, concluir-se-á, necessariamente, pela nulidade directa ou derivada da sentença arbitral, nulidade esta que deveria ser invocada na acção de anulação, no recurso, caso seja admissível, ou na oposição à execução.

É certo que já se decidiu na jurisprudência que não poderá vingar uma decisão arbitral que viole directamente uma regra de ordem pública – v. Ac. R.L. de 29.11.2007 (5159/2007-2), confirmado pelo Ac. STJ de 10/07/2008 (Pº 08A1698), e que foi objecto da supra referida anotação de ASSUNÇÃO CRISTAS E MARIANA FRANÇA GOUVEIA, op. cit., 48 a 56.

Sucede, porém, que não se pode olvidar que dentro das regras e dos princípios que integram o que usualmente se apelida de “ordem pública de direito material”, e a que se reportam os artigos 271º, nº 1, 280º, nº 2 e 281, todos do Código Civil, há que distinguir entre a ordem pública interna e a ordem pública internacional, tendo esta última um conteúdo mais restrito do que a primeira, tornando menos exigente o controlo da sentença arbitral com os princípios basilares, só sendo possível a sua anulação quando ela afronte princípios estabelecidos para protecção de interesses ou valores considerados como absolutamente fundamentais e inderrogáveis.

Ora, se é certo que a LAV aqui aplicável não previa o fundamento de anulação fundado na violação da ordem pública, a verdade é que mesmo a actual Lei de Arbitragem Voluntária não obstante a ela directamente se refira em vários momentos, designadamente na impugnação da sentença arbitral, restringe a possibilidade de anulação da sentença arbitral quando no seu conteúdo se ofendem os princípios da ordem pública internacional do Estado Português – v. ponto ii) da alínea b), n.º 3, do artigo 46.º da NLAV.

Com efeito, a referência à violação da ordem pública interna que constava da primeira versão do Projecto foi eliminada, o que não deixa de se justificável, atento o risco que essa inclusão dar origem ao reexame do mérito da decisão arbitral, o que sempre seria insustentável, tanto mais que inexistem regras idênticas para as sentenças judiciais, caso as partes renunciem ao recurso (artigos 681º, nº 1 do aCPC ou 632º, nº 1 nCPC).

Cientes de que o controlo de mérito da decisão arbitral só é admissível, por via de recurso, quando a decisão seja recorrível, ou sempre que a decisão arbitral não for susceptível de recurso, entende-se que a mesma só pode ser impugnável, nomeadamente em caso de manifesta incompatibilidade com um núcleo muito restrito de regras e princípios fundamentais da ordem jurídica, pois não será a violação de um qualquer princípio de ordem pública que pode ser invocado como fundamento do pedido de anulação, mas apenas o núcleo mais restrito daqueles princípios de ordem pública interna que sejam também princípios de ordem pública internacional. Identifica a doutrina, nomeadamente, casos de sentenças arbitrais proferidas com fundamento em discriminação pela raça ou pelo género, ou em sentenças que reconheçam negócios manifestamente usurários.

Como refere LUÍS LIMA PINHEIRO, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, ROA, ano 67, Vol. III (Dez.2007), acessível em https://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=30777&idsc=65580&ida=65536, que: A arbitragem seria muito prejudicada se se permitisse que as partes vencidas paralisassem sistematicamente a eficácia das decisões arbitrais mediante acções de anulação baseadas em erros na apreciação dos factos ou na aplicação do Direito, inobservância de formalismos previstos na lei processual comum ou deficiências de fundamentação. Não é de mais recordar que os árbitros podem nem sequer ser juristas. Não excluo, porém, que razões ponderosas possam justificar a admissibilidade de fundamentar adicionais de anulação. No plano do Direito vigente, entendo que a introdução de fundamentos adicionais de anulação tem de apoiar-se firmemente em ideias rectoras subjacentes ao regime da arbitragem voluntária e a sua articulação sistemática com o regime do reconhecimento de decisões arbitrais estrangeiras.

Acresce que, a apreciação de uma alegada violação de ordem pública internacional não pode envolver um reexame do mérito da sentença e do processo, devendo resumir-se essa apreciação a uma avaliação prima facie da sentença e do processo, e de se limitar a casos de aparente ou manifesta contradição com os princípios dessa ordem pública internacional do Estado Português – v. ARMINDO RIBEIRO MENDES / DÁRIO MOURA VICENTE / JOSÉ MIGUEL JÚDICE / JOSÉ ROBIN DE ANDRADE / PEDRO METELLO DE NÁPOLES / PEDRO SIZA VIEIRA, Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, 94.

Ademais, no controlo da decisão arbitral, tendo em consideração uma eventual violação da ordem pública, deve atender-se à decisão em si, à situação que a decisão cria e estabelece, e não aos fundamentos em que assenta – ALBERTO DOS REIS, ob.cit.,179 a 181, FERRER CORREIA-FERREIRA PINTO, Revista e Direito e Economia, Ano XIII-1987, 54 e Ac. R.L. de 12.12.2006 (Pº 5397/2006-7), acessível em www.dgsi.pt.

Será, por conseguinte, dentro deste parâmetros e limites que se irá apreciar a decisão arbitral, por forma a verificar se ocorreu a violação de um princípio ou regra de ordem pública interna que seja também princípio de ordem pública internacional, que implique a pretendida anulação da decisão aqui em causa.


iii. DA VIOLAÇÃO PELO TRIBUNAL ARBITRAL DE PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA NA ALEGADA APLICAÇÃO INCORRECTA DE NORMAS LEGAIS INTEGRANTES DO REGIME DA PRESCRIÇÃO.
a. O ERRO NA QUALIFICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL AO LITÍGIO EM CAUSA E A FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL

Invoca a opoente que o Tribunal Arbitral atribuiu erroneamente natureza contratual à responsabilidade civil em questão no processo arbitral e, por tal razão, aplicou o prazo prescricional de 20 anos previsto no artigo 309º do Código Civil.

Padece a sentença arbitral, no entender da apelante, de um error in judicando (na modalidade de erro de direito), tendo sido aplicado, com ligeireza, o regime legal da prescrição extintiva.

Relativamente à fundamentação da decisão arbitral com base na responsabilidade contratual, importa realçar o que acima ficou dito, sublinhando que a acção especial de anulação ou os embargos de executado, com base nos fundamentos de anulação judicial da decisão arbitral implica um juízo puramente cassatório, não podendo o Tribunal Judicial substituir à decisão arbitral por outra, tanto mais que a acção de anulação de sentença arbitral se limita a apreciar fundamentos formais de validade da mesma, não comportando, por isso, a reapreciação da prova produzida, nem a apreciação de eventual erro de julgamento ou na aplicação do direito.

Tal eventual impugnação deveria ser objecto do recurso a interpor da decisão arbitral, se fosse admissível - que não é - porquanto as partes renunciaram ao recurso, como se prevê no artigo 29º da LAV, ao submeter o litígio ao Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e, de harmonia com o disposto no nº 3 do citado artigo 15º da LAV, consta precisamente da acta de instalação do Tribunal Arbitral – no nº 8 das regras de Instalação e Funcionamento do Tribunal Arbitral - que da decisão final não caberia recurso (fls. 114-116).

Não pode, por conseguinte, este Tribunal da Relação apreciar a bondade da qualificação da situação de responsabilidade civil em causa no processo arbitral, como de natureza obrigacional, que está definitivamente assente, sendo tal decisão definitiva igualmente com relação à aplicabilidade do prazo geral de vinte anos à prescrição do crédito invocado pela demandante/apelada, como, de resto, se acabou por concluir no parecer junto aos autos pela apelante.
Mas, alega também a apelante que, para além de errónea a formulação do raciocínio contido na decisão recorrida, o mesmo reveste de simplicidade e ligeireza, o que, porventura, se pode considerar que visa a apelante invocar uma deficiente fundamentação da decisão recorrida, a tal propósito, assim o tendo entendido a apelada, como se infere das suas contra-alegações.

Com efeito, o dever de fundamentar previsto no artigo 23° e na al. d) do n.° 1 do artigo 27° da Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto, corresponde a idêntico dever previsto na al. b) do n.° 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil (artigo 615º, nº 1 al. b) do nCPC).

No artigo 668º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil, prevê-se a sanção para o desrespeito ao disposto no artigo 659º, n.º 2 do mesmo diploma legal, que manda que o juiz especifique os fundamentos de facto e de direito da sentença, sendo, aliás, um imperativo constitucional quando, no artigo 205º, n.º 1 da C.R.P. se refere que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».

E, como já referia J. ALBERTO DOS REIS, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, reimpressão (1981), 139, a necessidade de fundamentação da sentença assenta numa razão substancial e em razões práticas. Por um lado, porque a sentença deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido ao juiz e, por outro lado, porque a parte vencida tem direito a saber a razão pela qual a sentença lhe foi desfavorável, para efeitos de recurso. E, em caso de recurso, a fundamentação de facto e de direito é também absolutamente necessária para que o tribunal superior aprecie as razões determinantes da decisão.

Mas, seguindo o pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial, uma coisa é falta absoluta de fundamentação e outra é a fundamentação deficiente, medíocre ou errada. Só aquela é que a lei considera nulidade. Esta não constitui nulidade, e apenas afecta o valor doutrinal da sentença que apenas corre o risco, a padecer de tais vícios, de ser revogada ou alterada em via de recurso – cfr. designadamente J. A. REIS, ob. cit., 140 e, a título meramente exemplificativo, Acs. STJ de 03.05.2005 (Pº 5A1086), de 05.05.2005 (Pº 05B839) e de 14.12.2006 (Pº 6B4390), ou em relação às decisões arbitrais, defendendo que a falta de fundamentação capaz de conduzir à anulação da decisão é a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação insuficiente - Acs. do STJ, de 11.05.1995 (Pº 086342), de 15.05.2007 (Pº 07A924), todos acessíveis na Internet, www.dgsi.pt.

Igualmente defende PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., 938-939, que a exigência do nº 3 do artigo 23º da LAV se pode explicar «através da vontade legislativa de afastar toda a arbitrariedade do processo arbitral, impondo-se aos árbitros que demonstrem que «a solução dada ao caso é legal e justa…, que é a emanação correcta da lei», podendo dizer-se que «uma sentença é provida de fundamentos sempre que seja possível compreender a motivação do árbitro. Assim, mesmo que a motivação seja deficiente, medíocre ou errada, estaremos perante uma sentença motivada, devendo as deficiências da sua fundamentação, que não geram nulidade, ser arguidas em via de recurso. Só a falta absoluta de motivação implicará uma nulidade da sentença arbitral, invocável através da acção de anulação. Sempre que a motivação seja deficiente e não havendo lugar a anulação, deve essa deficiência ser suprida através de recurso interposto contra a sentença arbitral.

A decisão arbitral que constitui título executivo não merece reparo, não padecendo de vício da falta de fundamentação, de molde a ser anulada, ao abrigo do disposto no artigo 27.°, n.° 1, alínea d), da Lei n° 31/86, de 29 de Agosto, tendo a sentença recorrida explicitado as razões de facto e de direito constantes do acórdão arbitral que justificam a inexistência do aludido vício.

Improcede, pois, nesta parte, a alegação da recorrente.

b. A DESCONSIDERAÇÃO DO ERRO DE FACTO JULGADO PELA DECISÃO ARBITRAL.

Insurge-se ainda a recorrente contra a sentença recorrida, por ter negado o invocado fundamento de anulação da decisão arbitral, por esta ter violado a ordem pública, ao entender, indevidamente, o prazo prescricional de vinte anos às dívidas anteriores a 08.07.1985 e por ter considerado, de forma errónea, que a prescrição teve lugar em 9 de Julho de 2005.

Em face de tudo o que antes ficou dito, não poderá ser, nem na acção de anulação de decisão arbitral, nem supletivamente, na oposição à execução com os fundamentos indicados no artigo 27º, nº1º LAV, que se poderá discutir o erro de julgamento que, alegadamente, a opoente imputa à sentença recorrida.

Mas, ainda que se admita que no âmbito da acção de anulação (ou embargos de executado) seja possível analisar a decisão arbitral e seus fundamentos, com vista a determinar se foram postergadas regras ou princípios fundamentais estruturantes do ordenamento jurídico, mas sempre e necessariamente, tendo presente uma aparente ou manifesta contradição com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, a verdade é que se não descortina que tal haja sucedido no caso vertente.

Como se refere – e bem – na sentença recorrida, não pode considerar-se que qualquer destes fundamentos (os supra mencionados invocados pela opoente) integre a violação da ordem pública (interna ou internacional) do Estado Português.
Trata-se, em qualquer dos casos, de situações em que, no entender da Executada, havia já decorrido o prazo de prescrição, encontrando-se, pois, a mesma na livre disponibilidade das partes, por força do disposto no artigo 302º, n.º 1 do Código Civil).
Não pode esquecer-se que a “prescrição é uma posição privada, concedida, como vimos, no interesse do devedor. Este usá-la-á ou não.
A hipótese de um devedor beneficiado por prescrição, não a querer usar, nada tem de anormal: poderão prevalecer aspetos morais ou até patrimoniais e pragmáticos – o comerciante preferirá pagar o que deve do que fazer constar que recorreu à prescrição com prejuízo para o seu credor legítimo. Recorrer à prescrição é, em suma, uma opção que exige um claro ato de autodeterminação e isso no seio de uma posição privada (…) a invocada aplicação errada do regime da prescrição não integra motivo de anulação da decisão arbitral.
Na verdade, a situação alegada pela ora Opoente implicaria eventualmente uma aplicação incorreta das normas do Código Civil, mas não, uma violação de uma norma de ordem pública.

Igualmente se concorda com a decisão recorrida quando ali se refere que conferir ao Tribunal estadual o poder de reexaminar o mérito de uma decisão arbitral equivaleria a negar a sua efectividade.

Malgrado se entenda que o alegado erro de julgamento quanto à data em que ocorreu o facto interruptivo da prescrição, por força do processo que correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (certidão de fls. 1250) não possa ser aqui reapreciado, a verdade é que se tem de alertar para o facto de, segundo a decisão arbitral, a acção ter sido instaurada em 05.07.2005, estabelecendo a lei substantiva - nº 2 do artigo 323º do Código Civil – uma ficção legal, devendo considerar-se como efectuada a citação decorridos cinco dias após a instauração da acção, i.e., a lei, para efeitos de interrupção da prescrição, equipara à citação o decurso do prazo de cinco dias após o requerimento da citação – v. de entre a numerosa jurisprudência publicada, e a título meramente exemplificativo, Acs. STJ de 04.03.2010 (Pº1472/04.0TVPRT-C.S1) e de 19.12.2012 (Pº 3134/07.7TTLSB.L1.S1), ambos acessíveis em www.dgsi.pt.

Não se vislumbra, por conseguinte, que a menção da, porventura, errada data concreta em que ocorreu a citação da ré, na acção que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, tenha influenciado decisivamente a resolução do litígio pelo Tribunal Arbitral, inexistindo qualquer violação de princípios fundamentais susceptíveis de justificar a anulação da decisão arbitral que serve de título executivo.

Improcede, pois, in totum, a apelação da opoente, confirmando-se a decisão recorrida.

c. DA AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO POR PARTE DA
RECORRIDA

A exequente/recorrida, nas suas contra-alegações, veio requerer a pronúncia sobre a aplicação da LAV de 2011, aprovada pela Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro, para o caso de ser concedido provimento à apelação.

Como é sabido, a ampliação do recurso, prevista no nº 1 artigo 636º do nCPC, destina-se a permitir que o tribunal de recurso possa conhecer do fundamento da acção ou da defesa não considerado na sentença recorrida, no caso em que determinado pedido tenha pluralidade de fundamentos e, por força do recurso, o fundamento acolhido naquela sentença venha a ser considerado improcedente.

Como refere JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 2003, em anotação ao artigo 684-A (idêntico ao actual artigo 636º do nCPC): “o nº 1, prevê o caso de haver pluralidade de fundamentos da acção (causas de pedir) ou da defesa (excepções), impondo ao tribunal de recurso que conheça do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira na sua contra-alegação, ainda que a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.

E, prevê-se ainda no nº 2 do citado normativo que: Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.

Sem apreciar a bondade da pretensão da apelada quanto ao fundamento de ampliação do recurso contemplado no citado normativo, a verdade é que, face ao que ficou decidido, quer quanto à lei aplicável – de conhecimento oficioso – quer quanto à improcedência da apelação e confirmação da sentença recorrida, prejudicada ficou a apreciação autónoma da ampliação do objecto do recurso interposto pela apelada, nos termos pretendidos pela apelada.


II) Recurso subordinado:

Û DA SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA A QUE SE REFERE O Nº 4 DO ARTIGO 829º, Nº 4 DO CODIGO CIVIL E O PRINCÍPIO DO PEDIDO

Insurge-se, por seu turno, a exequente/recorrente contra a sentença recorrida, que negou a aplicação da sanção pecuniária compulsória a que se refere o nº 4 do artigo 829º, nº 4 do Código Civil.

A sentença recorrida apreciou, no seu ponto IV.2.7, o pedido formulado pela exequente/apelante, no requerimento de 14.02.2013, designado de ampliação do requerimento executivo, e no qual se peticiona a condenação da executada/apelada na sanção pecuniária compulsiva à razão de € 1.000,00, por cada dia de atraso no pagamento da quantia em que esta havia sido condenada.

Com efeito, dispõe o nº 1 do artigo 829º-A do Código Civil que, nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, (...) o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento (...).

Tal significa, que a sanção pecuniária compulsória depende de um requisito material - só pode funcionar nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, mas que não exija especiais qualidades científicas ou artísticas, ou obrigação de pagamento de quantia certa - e de um requisito formal - depende de requerimento do credor interessado, não se consentindo a actuação oficiosa do Tribunal.

O referido instituto jurídico tem, reconhecidamente, uma dupla finalidade: - de moralidade e de eficácia. Reforça a soberania dos Tribunais, o respeito pelas suas decisões, o prestígio da justiça e, simultaneamente, favorece o cumprimento das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis.

A sanção pecuniária compulsória não funciona como indemnização, pois não se destina a indemnizar o credor pelos prejuízos que o inadimplemento da prestação eventualmente lhe venha a causar. Funciona como meio de coerção, destinado, fundamentalmente, a compelir o devedor à realização da prestação devida, constituindo as obrigações de non facere o campo de aplicação por excelência da sanção pecuniária compulsória, dada a sua infungibilidade natural, que decorre da impossibilidade de ter lugar o cumprimento por terceiro, em função do interesse concreto do credor.

Sucede que a sanção pecuniária prevista no nº 1 do artigo 829º-A do Código Civil se reporta à sanção pecuniária compulsória judicial, condenação acessória e condicional, produto de uma decisão judicial, ditada a requerimento do credor, e determinada no processo declaratório donde emerge a declaração, logo dependente do pedido do autor, não sendo possível a imposição da sanção compulsória judicial numa acção executiva, salvo numa execução para prestação de facto. Funciona apenas, como se disse, nas obrigações de facto infungível, positivo ou negativo.

Ao invés, no nº 4 do artigo 829º-A do Código Civil prevê-se uma prestação pecuniária compulsória legal, ao estabelecer que: Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.

Também não funciona como indemnização, pois não se destina a indemnizar o credor pelos prejuízos que o inadimplente da prestação eventualmente lhe venha a causar, mas sim como meio de coerção destinada a compelir o devedor à realização da prestação devida.

Tratando-se de obrigação de pagamento de quantia certa, será computada a partir do trânsito em julgado da decisão, a qual deve ser objecto de execução, destinando-se o quantitativo devido, em partes iguais, ao interessado e ao Estado.

Apreciou a sentença recorrida, a natureza da sanção pecuniária compulsória e a distinção entre a sanção judicial e legal. Negou correctamente a primeira, conforme aparentemente havia sido peticionada, em subsequente requerimento, apelidado de “ampliação do pedido formulado no requerimento executivo”, por não estar em causa uma prestação infungível. E rejeitou a aplicação da segunda - sanção pecuniária compulsória legal - por entender que não havia sido pedida no requerimento executivo, como considerou ser necessário.

Vejamos se assim se deverá entender.

Se é pacífico o entendimento de que a condenação do réu na sanção pecuniária compulsória legalmente prevista no nº 4 do artigo 829º-A do Código Civil não deve ser alegada e decretada na acção declarativa, não tem sido unívoco na jurisprudência a questão de saber se na acção executiva a mesma terá de ser peticionada ou se é de aplicação automática.

Considerou a sentença recorrida, citando o Ac. R. L. de 14.05.2013 ( 4579/10.0YYLSB-B.L1-7), que muito embora a sanção pecuniária compulsória não conste do título executivo, pode ser peticionada no requerimento executivo, impondo-se para ser atendida na execução que seja efectivamente requerida em tal requerimento, o que não sucedeu no caso em apreciação. Este mesmo entendimento, com afloramento no princípio do dispositivo, mostra-se defendido, nomeadamente, e a título meramente exemplificativo, nos Acs. do STJ de 16.02.2012 (Pº 286/07.0TVLSB.L1.S1) e de 12.04.2012 (Pº 176/1998.L1.S1); Acs.R.P. de 05.07.2006 (Pº 0620782) e de 22.06.2010 (Pº 87/04.7TBMUR-F.P1); Ac. R.E. de 03.04.2012 (Pº 280/06.8TBSRP-B.E1).

Segundo outro entendimento, a sanção pecuniária compulsória legal, decorre directamente da lei, sendo por ela disciplinada que, desde logo, fixa o seu montante e o momento a partir do qual é devida, pelo que será de funcionamento automático, sem necessidade de qualquer decisão judicial a estabelecê-la – v. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. II, 276, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 8ª ed., 985, LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma, 5ª ed., 98, Acs. R.P. de 17.06.2004 (Pº 0433267) e de 11.11.2004 (Pº 0435218); Ac. R.L. de 20.06.2013 (Pº 2387/10.2YYLSB-B.L1-2).

Sufragamos esta última posição, sempre que está em causa uma execução para pagamento de quantia certa, posição esta que se tornou mais clara e evidente a partir da nova redacção dos nºs 2 e 3 do artigo 805º do Código de Processo Civil, introduzida pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20/11 – aplicável às acções intentadas a partir de 31 de Março de 2009 - como é o caso da execução de que esta oposição é Apenso, que foi intentada em 12.02.2013.

Estabelece o aludido artigo 805º do CPC, que:
1 - Sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido.
2 - Quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis.
3 - Além do disposto no número anterior, o agente de execução liquida, ainda, mensalmente e no momento da cessação da aplicação da sanção pecuniária compulsória, as importâncias devidas em consequência da imposição de sanção pecuniária compulsória, notificando o executado da liquidação. (bold nosso).(…).

Salientam, de resto, JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, Vol.3, 257, em anotação a este normativo que: “ficou claro com o novo nº 3 que a secretaria calcula também, a final, a sanção pecuniária compulsória que seja devida nos termos do art.829-A-4 CC. Tal como os juros vencidos na pendência da acção, a sanção pecuniária carece de liquidação a final, seja ou não aplicada na própria acção executiva (ver os arts, 933-1 e 941-1). Na execução para pagamento de quantia certa, diversamente do que sucede na execução para prestação de facto, a secretaria procede oficiosamente, não carecendo a sanção pecuniária compulsória de ser pedida nem de ser fixada pelo juiz pois o direito a ela constituiu-se automaticamente nos termos do artigo 829-A-4 CC.”

Nesta conformidade, julga-se procedente o recurso subordinado, revogando-se, nesta parte a decisão recorrida, sendo devida a chamada sanção pecuniária compulsória legal, nos termos previstos no nº 4 do artigo 829º-A do Código Civil.

Vencida, é a executada/opoente responsável pelas custas respectivas, quer em relação ao recurso principal, quer ao subordinado - artigo 527º, nºs 1 e 2 do CPC.

IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso principal, confirmando-se a decisão recorrida e procedente o recurso subordinado, revogando-se a última parte da alínea a) do dispositivo da sentença recorrida, por ser devida a sanção pecuniária compulsória prevista no nº 4 do artigo 829º-A do Código Civil.

Condena-se a executada/opoente no pagamento das custas pelo decaimento no recurso principal e subordinado.

Lisboa, 14 de Abril de 2016

Ondina Carmo Alves – Relatora
Lúcia Sousa
Magda Geraldes