Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10408/2007-8
Relator: SILVA SANTOS
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
PROMESSA DE COMPRA E VENDA
RESTITUIÇÃO DO SINAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/06/2008
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário:
A acção em que se pede a resolução de contrato promessa que tem objecto um imóvel sito em Coimbra e consequente condenação dos RR a restituírem determinada quantia correspondente ao sinal então entregue não tem perspectiva real mas, apenas, obrigacional pelo que não lhe é aplicável o disposto no art. 73 do C.P.C.
(SS)
Decisão Texto Integral:   DECISÃO PROFERIDA NOS TERMOS DO ART. 705 DO CPC:
RELATÓRIO
I.
“...... –, Lda”
instaurou, no tribunal judicial de Lisboa, a presente acção com processo ordinário contra
J ……….. e mulher M ………. e outros,
pedindo que  se declare a resolução de contrato promessa que tem objecto um imóvel sito em Coimbra e consequente condenação dos RR a restituírem determinada quantia correspondente ao sinal então entregue.

Após contestação, o tribunal decidiu, …« de harmonia com as disposições conjugadas dos art. 73°, n.° 1, 108°, 110°, n.° 1, a) e n.° 3, 111°, n.° 1 e n.° 3, 288°, n.° 1, ai. e) e n.° 2, 493°, n°2 e 494°, ai. a), todos do CPC, julgo procedente a excepção dilatória da incompetência territorial, e declaro este Tribunal territorialmente incompetente para conhecer da presente acção e competente o tribunal da comarca de Coimbra ordenando em consequência a remessa dos autos e de todos os apensos ao Tribunal competente».

Desta decisão recorre a A., pretendendo a sua revogação, porquanto:

1. A Douta Decisão Recorrida declarou territorialmente Incompetente o Tribunal da Comarca de Lisboa para o conhecimento dos presentes autos, considerando aplicável a norma de competência especial do art.73° do C.P.C., a qual não admite derrogação por pacto de foro, pelo que o pacto de competência invocado pela aqui Recorrente seria inválido.
2. Acontece que o art.73 n°1 do C.P.C. rege a competência para as acções referentes a direitos reais e pessoais de gozo sobre imóveis, sendo o pedido dos presentes autos a resolução do contrato promessa e a restituição do sinal pago, pelo que os presentes autos não estão sujeitos à disposição de competência territorial especial do foro da situação dos bens, na medida em que o pedido formulado não visa o reconhecimento de qualquer direito real ou pessoal de gozo sobre o imóvel, não se verificando a competência territorial do Tribunal da Comarca de Coimbra.
3. Por outro lado, as ora partes nos presentes autos convencionaram a competência do foro da Comarca de Lisboa, ao abrigo do disposto aos artigos 99° e 100° do C.P.C., mediante forma escrita em sede do contrato promessa em causa celebrado em 25/09/2001.
4. O pacto atributivo de jurisdição celebrado pelas partes respeitou todos os pressupostos formais e, à data da sua celebração, a matéria de resolução do contrato por falta de cumprimento não era objecto de disposição especial quanto a competência territorial, uma vez que tal disposição apenas foi introduzida pela Lei 14/2006 de 26 de Abril.
5. Assim, a disposição de competência especial imperativa prevista no art.74 n°1 em conjugação com o art.110° n°1 ambos do CPC, apenas foi consagrada pela redacção da Lei 14/2006 de 26 de Abril, pelo que, salvo o devido respeito, o pacto atributivo de jurisdição celebrado pelas partes no referido contrato promessa é válido e aplicável à matéria dos presentes autos.
6. Uma vez que o pacto atributivo de jurisdição invocado pela aqui Recorrente foi celebrado em 25 de Setembro de 2001, a validade do mesmo tem de ser aferida à luz das normas processuais vigentes aquando da sua celebração, porquanto a regra de conflitos estipulada no art. 12°, n° 2, 1" parte, do Cód. Civil é a de que a Lei Nova sobre o regime dos contratos não se aplica aos contratos anteriores, sendo a lei de origem ou lex contractus que regula todos os efeitos dos contratos: quer os efeitos directos, quer os chamados efeitos indirectos, na medida em que a vontade das partes é aferida pela lex contractus, não podendo a lei adjectiva vir pretender a aplicação de algo novo, a uma situação regulada e cimentada pela lei do tempo da sua celebração.
7. Assim e ao abrigo da Jurisprudência praticamente unânime, a convenção de foro celebrada pelas partes em 25 de Setembro de 2001 é valida e aplicável aos presentes autos, fixando a competência da Comarca de Lisboa.
8. Mesmo que assim não se entendesse, por mera cautela de patrocínio e sem conceder, sempre se dirá que mesmo que o pacto de competência não fosse válido, por violar a nova redacção do art.74° e do art.110° do C.P.C., aplicar-se-ia aos presentes autos a nova regra de competência especial imperativa consagrada no art.74° n°l do C.F.C., ou seja, a competência do tribunal do domicilio do réu - "A acção destinada a exigir a resolução do contrato por falta de cumprimenta, é proposta no tribunal do domicílio do Réu" - pelo que o Douto Tribunal de Lisboa seria sempre competente para o conhecimento dos presentes autos, porquanto os Réus J… e M… têm domicilio em Lisboa; nunca sendo competente o Tribunal da comarca de Coimbra.
9. Em suma e salvo o devido respeito, o Douto Tribunal a quo é competente para conhecer da matéria dos presentes autos em razão da competência territorial, não se verificando qualquer infracção das regras de competência, nem se verificando a excepção dilatóriã de incompetência relativa territorial do Tribunal da Comarca de Lisboa.
Não foram oferecidas contra alegações.
II.
É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objecto do recurso se limita em face das conclusões contidas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 684. 3 e 690.1 do CPC.

OBJECTO DO RECURSO

Face às conclusões das alegações temos que o objecto do recurso se resume:
    • Qual o tribunal territorialmente competente para conhecer de acção cujo pedido é o de resolução de contrato promessa que tem por objecto um imóvel ?

A matéria de facto relevante é aquela que anteriormente se sumariou e que por razões de economia ses reproduzem.

FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
III.
A fixação da competência territorial encontra-se fixada nos arts. 85° e 86° do Código de Processo Civil, na redacção posterior à Lei n°14/2006, de 26/04, assim entendida como regra geral.

Assenta num critério supletivo que cede quando haja disposição legal em contrário, estabelecida nos arts. 73° a 84° do mesmo diploma legal.

Dispõe o art. 21° n°3 da Lei n°3/99 de 13/01 (L.O.F.T.J.), que a lei do processo fixa os factores que determinam, em cada caso, o tribunal territorialmente competente.

E nos termos do art. 22° do mesmo diploma legal, a competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente.

Finalmente,

"As regras de competência em razão da matéria, da hierarquia, do valor e da forma de processo não podem ser afastadas por vontade das partes; mas é permitido a estas afastar, por convenção expressa, a aplicação das regras de competência em razão do território, salvo nos casos a que se refere o artigo 110º."(cfr. nº 1 do art. 100)

Após a entrada em vigor da Lei 14/2006 - 01/05/06 - a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações (..) é proposta no tribunal do domicílio do Réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou, quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana

Nos termos do art. 6° da Lei n°14/2006 de 26/04, esta lei aplica-se às acções e aos requerimentos de injunção instauradas ou apresentados depois da sua entrada em vigor.

Os artigos 73º a 84º estabelecem regras específicas para acções e meios processuais determinados, sendo em regra os respectivos critérios de atribuição de competência conexionados com o objecto da acção ou meio processual.

O artigo 85º define a regra geral, que é de aplicação supletiva (rege para os casos não previstos nos artigos anteriores e em disposições especiais), sendo que tal regra – do tribunal da área de domicílio do réu – é objecto de adaptações para os casos em que o réu é o Estado e demais pessoas colectivas ou sociedades (artigo 86º), e para os casos de pluralidade de réus e de cumulação de pedidos, com ou sem pluralidade de sujeitos passivos.

A competência do tribunal afere-se pelo pedido formulado pelo autor, alicerçado dos demais pressupostos processuais (local de residência, etc.).

Ao contrário das regras legais de competência em função da matéria, da hierarquia, do valor e da forma de processo, que não podem ser afastadas pelas partes, podem estas, por convenção expressa, afastar as regras de competência em razão do território, salvo nos casos previstos no artigo 110º - artigo 100º/1, sendo a competência fundada na estipulação convencional tão obrigatória como a que resulta da lei.

A competência baseada na convenção das partes, nos casos em que é permitido o pacto de competência, é vinculativa para as partes, importando a infracção à convenção a incompetência relativa do tribunal onde a causa haja sido proposta em violação desse pacto.


NORMAS APLICÁVEIS

IV.
Decorre do artigo 108º que a infracção das regras de competência fundadas na divisão judicial do território ou decorrentes do estipulado nas convenções atributivas de jurisdição e competência, nos termos dos arts. 99º e 100º, determina a incompetência relativa do tribunal.


Estatui o artigo 99º do CPC, na parte aqui útil:

1. As partes podem convencionar qual a jurisdição competente para dirimir um litígio determinado, ou os litígios eventualmente decorrentes de certa relação jurídica, contanto que a relação controvertida tenha conexão com mais de uma ordem jurídica.
2….(...).
3. A designação do foro só é válida quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:

a) Dizer respeito a um litígio sobre direitos disponíveis;
b) Ser aceite pela lei do tribunal designado;
c) Ser justificada por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que não envolva inconveniente grave para a outra;
d) Não recair sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
e) Resultar de acordo escrito ou confirmado por escrito, devendo nele fazer-se menção expressa da jurisdição competente. Para tal, observar-se-á também o disposto no art. 100º, nº 2 do CPC.

O acordo deve satisfazer os requisitos de forma do contrato, fonte da obrigação, contanto que seja reduzida a escritos termos do nº 4º do artigo anterior, e deve designar as questões a que se refere e o critério da determinação do tribunal que fica sendo competente.
FUNDAMENTAÇÃO FACTUAL

V.
Consta na cláusula 11ª do contrato promessa accionado que «as partes acordam convencionar coimo foro competente para o dirimir de qualquer eventual litígio decorrente do presente contrato o foro da comarca de Lisboa».


Na acção, a A. pretende se decrete a resolução de tal contrato promessa que tem por objecto a prometida venda de imóvel sito em Coimbra com a subsequente condenação dos RR. na restituição de determinada quantia alegadamente correspondente ao sinal prestado.

Tal clausula constitui, tipicamente, um pacto de competência, nos termos e para os efeitos previstos no cit. art. 100º do C.P.C..
A competência fundada na estipulação do pacto é vinculativa para as partes, como resulta do nº 3 do art.100º do CPC.

No plano processual, «as convenções sobre a competência atribuem competência a um tribunal, em exclusividade ou em concorrência com a competência (legal ou convencional) de outro tribunal»[1] .

«Esse é o seu efeito processual: - quando a competência convencional é exclusiva, nenhum outro tribunal é competente para apreciar a questão sobre a qual as partes celebraram a convenção; - quando a competência convencional é concorrente, subsiste intocada a competência de outro tribunal» 
[2]
VI.
O tribunal declarou-se territorialmente incompetente por entender que …« no art. 73°, n°1, do CPC, o tribunal competente para julgar este tipo de acções que têm por objecto apreciar da validade de contrato sobre bens imóveis é o da situação dos bens.

No caso dos autos, o tribunal da situação dos bens é o da comarca de Coimbra.
Alega a autora a existência de um pacto atributivo de jurisdição.

O art. 100 exclui a possibilidade de se afastar ar regras da competência territorial nas causas … a que se refere o art. 73 do CPC.

Determina-se que …« (foro da situação dos bens): Devem ser propostas no tribunal da situação dos bens as acções referentes a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis, as acções de divisão de coisa comum, de despejo, de preferência e de execução específica sobre imóveis, e ainda as de reforço, substituição, redução ou expurgação de hipotecas.

Aparentemente, poder-se-ia pensar no invocado contrato promessa na perspectiva de transmissão de direito real.

Porém, não é isso que está controvertido. Nem sequer questionado.

De facto, assim seria, se através da acção se pretendesse exercer um direito de execução específica que determinasse a consolidação de direito de propriedade ou de qualquer outro direito real.

Acontece que, porém, não é isso que por qualquer forma, directa ou indirecta, está em causa na acção.

Na realidade, o que se pretende (atento o pedido formulado) é constatar e decidir o cumprimento ou não cumprimento de contrato promessa na sua perspectiva obrigacional, averiguar se através dele ou com fundamento nele existem determinem vínculos obrigacionais, ou examinar se dele dimanam o (in)cumprimento de obrigações e não qualquer derivação de direito real de gozo ou garantia.

Assim sendo, é inaplicável ao presente caso o disposto no art. 73 nº 1 do CPC.

Ao contrário, a inserção de clausula convencional atributiva de competência territorial era válida e vinculativa na altura em que foi se consignou (25/09/2001) e também o é hoje, não obstante a alteração acarretada pela Lei 14/2006 de 26 de Abril, se se atentar no local de residência dos RR. J… ……….. e mulher.

Por conseguinte, procedem as conclusões das alegações de recurso, o que determina a procedência do recurso.



DECISÃO

VII.
Deste modo, pelo exposto, na procedência do agravo, revoga-se a decisão impugnada, conferindo-se competência territorial à 6ª Vara Cível à qual foram distribuídos os autos, a fim de aí prosseguirem seus posteriores termos.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 6.02.08

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[1] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns” cit.., p. 106
[2] ibidem