Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1772/09.2BVFX.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: COISA DEFEITUOSA
DENÚNCIA DE DEFEITOS
CADUCIDADE
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. O alargamento do prazo de caducidade da ação previsto no Dec.-Lei n.º 67/2003, de 8.4., de seis meses para dois anos, operado pelo Dec.-Lei n.º 84/2008, de 21.5., aplica-se aos prazos em curso à data da entrada em vigor do Dec.-Lei n.º 84/2008.
II. Sendo imputados defeitos a um bem móvel que é composto por duas partes, produzidas por fabricantes diferentes, e tendo sido demandado apenas o produtor de uma dessas partes, haverá que destrinçar a qual das partes do bem são imputáveis os defeitos verificados, pelo que, se essa questão de facto não tiver sido objeto da prova nem de pronúncia pelo tribunal de primeira instância, deverá anular-se o julgamento a fim de que se proceda à correspondente ampliação da matéria de facto e subsequentes instrução e decisão.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

Em 02.4.2009 Vítor e Isilda intentaram no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Franca de Xira ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra A, Lda e B, S.A..

Os AA. alegaram, em síntese (leva-se em consideração a versão aperfeiçoada da petição inicial, apresentada em 12.9.2011), que em 14.12.2007 compraram à 1.ª R. uma viatura automóvel autocaravana, pelo preço de € 41 800,00. Sucede que a dita autocaravana apresentou e apresenta diversas anomalias, que os AA. descrevem, algumas das quais foram reparadas pelas RR., mas outras houve que, apesar das solicitações dos AA., estão por reparar. Com isso os AA. sofreram e sofrem danos não patrimoniais.

Os AA. terminaram pedindo que, julgada a ação procedente por provada, as RR. fossem condenadas a:

1. Reparar a viatura, eliminando todos os defeitos, todas as anomalias existentes na autocaravana, de forma a que a mesma ficasse em perfeitas condições de funcionamento e uso; ou

2. Se não fosse possível, às RR., eliminar os referidos defeitos da autocaravana, deveriam entregar aos AA. uma autocaravana em perfeitas condições de funcionamento e uso; ou

3. Não sendo possível reparar os defeitos, nem entregarem, aos AA., outra autocaravana, deveriam indemnizar os AA., no valor que estes despendessem, com aquisição da autocaravana, ou seja, 41.800,00€ (quarenta e um mil e oitocentos euros); e, ainda,

4. Indemnizar os AA. por danos não patrimoniais na quantia de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros).

A 1.ª Ré contestou (segue-se a versão que se seguiu à petição inicial aperfeiçoada), admitindo a verificação de algumas das anomalias alegadas e negando a ocorrência de outras, e afirmando que todas as anomalias reportadas tinham sido solucionadas. Mais arguiu a caducidade do direito dos AA.. A 1.ª R. concluiu pela improcedência da ação, por não provada.

Também a 2.ª R. contestou (segue-se a versão que se seguiu à petição inicial aperfeiçoada), arguindo a sua ilegitimidade e a caducidade do direito dos AA., e alegando ignorar e nada ter a ver com os factos alegados pelos AA., em relação aos quais não teve qualquer intervenção. A 2.ª R. concluiu pela sua absolvição da instância, atenta a sua ilegitimidade passiva; ou a sua absolvição do pedido, face à caducidade do direito dos AA., ou a sua absolvição dos pedidos, por a ação ser julgada improcedente por não provada.

Os AA. responderam às exceções, pugnando pela sua improcedência e reiterando o peticionado.

Remetido o processo para o Tribunal Judicial de Alenquer, que foi julgado o territorialmente competente, em 13.4.2012 realizou-se audiência preliminar, em que se julgou improcedente a exceção de ilegitimidade processual da 2.ª R., relegou-se para final a apreciação da exceção de caducidade do direito dos AA. e procedeu-se à seleção da matéria de facto assente e da matéria de facto controvertida.

Procedeu-se à audiência de discussão em julgamento e em 22.3.2013 emitiu-se decisão de facto.

Em 19.6.2014 foi proferida sentença, em que se julgou procedente por provada a exceção de caducidade invocada pela 1.ª R. e absolveu-se ambas as RR. do pedido formulado.

Os AA. apelaram da sentença, tendo apresentado alegação em que formularam as seguintes conclusões, que se transcrevem:

“1a- Da sentença resulta uma deficiente apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como uma errada aplicação do direito aos factos.

2a- Vem o presente recurso interposto da decisão que declara que:

“... a situação em apreço se qualifica como de cumprimento defeituoso, concretamente, na figura de venda de coisa defeituosa, e como tal, encontra-se sujeita ao prazo de caducidade constante no artigo 917.° do Código Civil. Ainda, a indemnização pedida decorre do mesmo regime, por remissão, via artigos 913.° n.°1 e 915.° do Código Civil, para o regime definido no artigo 909.° do mesmo Código. Sobre esta afigura-se-nos, que a denúncia foi tempestiva, por ter ocorrido menos de 6 meses após a celebração do contrato - cfr. artigos 11°, 13°, 15° dos factos provados - artigo 916° n.°2 do Código Civil. Porém, atentos os factos provados, que a presente ação não foi proposta nos 6 meses subsequentes à denúncia, ocorrida em Dezembro de 2007, pois que deu entrada somente a 2-04-2009. Pelo que, forçosamente terá de se considerar procedente, por provada, a exceção de caducidade deduzida, conforme artigo 917.° do Código Civil."

3a- A audiência de discussão e julgamento foi gravada, conforme CD 20121002155345_77953_64093.

4a- Os apelantes impugnam a decisão proferida sobre a matéria de facto, e, em consequência, requerem a sua alteração relativamente aos pontos 19, 24, 30 e 31 dos factos dados como provados, porque consideram incorretamente julgados, já que a prova por depoimento de parte, a prova testemunhal e as regras da experiência comum impõem, e salvo o devido respeito e melhor entendimento, decisão diversa.

5a- Em relação ao ponto 19 dos factos dados como provados, o mesmo deve ser alterado, devendo passar a constar que o técnico da Bosch não apontou como solução efetuar um corte exterior da corrente, sempre que a autocaravana estivesse muito tempo parada, uma vez que a prova produzida, e que se encontra gravada no CD 20121002155345_77953_64093, impõe decisão diversa da recorrida, no que ao referido ponto respeita.

6a- Em relação à última parte do ponto 24 dos factos dados como provados, o mesmo deve ser alterado, devendo ser dado como não provado que a 1a ré tenha feito uma revisão geral à autocaravana, nada tendo detetado, uma vez que a prova produzida, e que se encontra gravada no CD 20121002155345_77953_64093, impõe decisão diversa da recorrida, no que ao referido ponto respeita.

7a- Em relação ao ponto 30 dos factos dados como provados, o mesmo deve ser alterado, devendo passar a constar que os ora apelantes dirigiram-se ao stand da ré A, Lda., para ali deixarem a autocaravana a fim de a mesma ser reparada de uma vez por todas, urna vez que a prova produzida, e que se encontra gravada no CD 20121002155345_77953_64093, impõe decisão diversa da recorrida, no que ao referido ponto respeita, e, ainda, pelo pedido na própria petição inicial.

8a- Em relação ao ponto 31 dos factos dados como provados, o mesmo deve ser alterado, devendo passar a constar que deve ser dado como não provado o facto dado como provado naquele ponto, porque os apelantes não recusaram porque não lhes tinha sido proposto anteriormente, efetuar um corte exterior de corrente, logo não voltaram a recusar, aliás, recusaram, apenas, naquele dia, ou seja, no dia 30 de Outubro de 2008.

9ª- Este ponto 31 dos factos dados impõe decisão diversa da recorrida, no que ao referido ponto respeita, como se pode verificar pela prova produzida, e que se encontra gravada no CD 20121002155345_77953_64093.

10a- Resulta da douta sentença que "Em relação à questão da caducidade, é mencionado na douta sentença que "A 1a ré invoca que a causa de pedir que funda o pleito se subsume à venda de coisa defeituosa, prevista nos artigos 917.° e ss. do Código Civil; assim sendo, a ação deveria ter sido proposta 6 meses após a denúncia dos defeitos, que ocorreu, de acordo com os factos provados, em Dezembro de 2007, prazo que teria sido ultrapassado, atenta a data de interposição da ação. É mencionado, ainda, em relação a esta questão que "Os autores replicam, considerando que apenas intentaram a ação, quando a 1.ª ré se recusou a eliminar os defeitos da autocaravana, após Outubro de 2008, pelo que o seu direito não caducou."

11a- Quanto a esta questão, a ré A, Lda. veio concordar com os ora apelantes que a lei aplicável, nos presentes autos, seria a lei do consumidor, o Decreto-Lei n.° 67/2003, de 08 de Abril.

12a- Refere-se, também, na sentença, que "Antes de mais, cumpre fazer constar que a pretensão dos autores – de reparação dos danos causados pela aquisição de bem que não possui as qualidades enunciadas e não serve o fim a que se destina, enquadra-se necessariamente na qualificativa de cumprimento de coisa defeituosa..."

13a- E, em consequência, conclui, o tribunal a quo que "No caso em apreço, os autores pretendiam adquirir uma autocaravana e assim foi. Não existe, pois, qualquer erro de identidade, ou sobre a matéria. Pelo que a situação em apreço se qualifica como de cumprimento defeituoso, concretamente, na figura de venda de coisa defeituosa, e como tal, encontra-se sujeita ao prazo de caducidade constante no artigo 917,° do Código Civil. Ainda, a indemnização pedida decorre do mesmo regime, por remissão, via artigos 913° n.° 1 e 915.° do Código Civil, para o regime definido no artigo 909.° do mesmo Código. Sobre esta afigura-se-nos, que a denúncia foi tempestiva, por ter ocorrido menos de 6 meses após a celebração do contrato - cfr. artigos 11°, 13°, 15° dos factos provados - artigo 916° n.° 2 do Código Civil. Porém, atentos os factos provados, que a presente ação não foi proposta nos 6 meses subsequentes à denúncia, ocorrida em Dezembro de 2007, pois que deu entrada somente a 2-04-2009. Pelo que, forçosamente terá de se considerar procedente, por provada, a exceção de caducidade deduzida, conforme artigo 917.° do Código Civil."

14a- Finalmente, conclui o tribunal a quo decidir o seguinte: "Pelo exposto, julgo procedente por provada a exceção de caducidade invocada pela Ia ré e absolvo ambas as rés do pedido formulado."

15a- Os apelantes foram condenados nas custas processuais.

16a- Ora, os apelantes não concordam com a aplicação efetuada do Direito ao caso em apreço.

17ª- Tendo em conta a matéria de facto dada como provada, e sendo que o tribunal a quo considerou que a situação em apreço se qualifica como de cumprimento defeituoso, concretamente, na figura de venda de coisa defeituosa, presume-se a culpa das rés, sendo que estas são responsáveis pelos prejuízos sofridos pelos apelantes.

18a- Os ora apelantes consideram que a lei a aplicar ao caso dos autos, tal como o consideraram na própria petição inicial, é a lei do consumidor, ou seja, o Decreto-Lei n.°84/2008, de 21 de Maio, que veio alterar o Decreto-Lei n° 67/2003, de 8 de Abril.

19a- Resulta do n.°1 do art.°1.°-A do Decreto-Lei n.° 84/2008, de 21 de Maio que "O presente decreto-lei é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores."

20a- E resulta da al. a) do art.° 1.°-B do Decreto-Lei n.° 84/2008, de 21 de Maio que "Para efeitos de aplicação do disposto no presente decreto-lei, entende-se por: a) – "Consumidor"; aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise obtenção de benefícios, nos termos do n.°1 do art.°2.° da Lei n.°24/96, de 31 de Julho."

21a- Os ora apelantes são consumidores e celebraram o contrato de compra e venda de uma autocaravana com quem exerce com caráter profissional uma atividade económica.

22a- As regras dos arts.° 913.° e segs. do Código Civil só seriam aplicáveis no caso de as regras do Decreto-Lei n° 84/2008, de 21 de Maio, não regularem totalmente o caso dos autos.

23a- In casu, a autocaravana vendida apresentava e apresenta defeitos, logo trata-se de coisa defeituosa, estando, desta forma, em causa, venda de coisa defeituosa, regulada nos arts.° 913.° e segs. do Código Civil, e no Decreto-Lei n°67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.° 84/2008, de 21 de Maio.

24a- O regime jurídico da venda de coisa defeituosa tem assento legal nos arts.° 913.° e segs. do Código Civil.

25a- As normas contidas no supra citado diploma legal e referidas na Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.° 24/96) e do Decreto-Lei n.° 67/2003, que transpôs para o direito português a Diretiva n.° 1999/44/CE, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 84/2008, de 21 de Maio, aplicáveis ao caso dos autos, são normas especiais relativamente às regras gerais do Código Civil.

26ª- O regime do Decreto-Lei n.° 67/2003 é especial relativamente ao do Código Civil, e por isso regula apenas os negócios em que uma das partes tenha a natureza de consumidor, enquanto o regime do Código Civil tem vocação universal, sem restrição quanto à natureza dos contratantes.

27a- No que respeita aos prazos, esta matéria foi objeto de regulação própria nas relações de consumo, através da Lei n.°24/96, de 31 de Julho.

28a- Foi transposta para o Direito português a Diretiva 1999/44/CE, sendo que o Decreto-Lei n.°67/2003, de 8 de Abril, veio alargar o prazo de garantia para dois anos após a entrega da coisa.

29a- O Decreto-Lei n° 67/2003, de 8 de Abril, foi alterado pelo Decreto-Lei n.° 84/2008, de 21 de Maio, manteve-se o prazo de garantia de dois anos a contar da entrega do bem, e introduziu o art.° 5.°-A, e do seu n.° 2 resulta que "Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detetado. E do seu n.°3 resulta que "Caso o consumidor tenha efetuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.° caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de bem imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data."

30ª- Nesta medida, a douta sentença, e salvo o devido respeito e melhor entendimento, aplicou erradamente a lei ao caso em apreço, pois não deveria ter aplicado as regras do Código Civil, nomeadamente, no que aos prazos de caducidade diz respeito, mas sim as regras constantes do Decreto-Lei n.° 67/2003, de 8 de Abril, na redação dada pelo Decreto-Lei n.° 84/2008, de 21 de Maio.

30ª [na apelação este número das conclusões está repetido]- E quando a ré A, Lda., na sua contestação, referiu que a lei a aplicar seria o Decreto-Lei n.° 67/2003, de 8 de Abril, e que o prazo para intentar a ação era de seis meses, também fez uma errada interpretação, uma vez que este Decreto-Lei já tinha sido alterado pelo Decreto-Lei n.° 84/2008, de 21 de Maio.

31a- O Decreto-Lei n.° 84/2008, de 21 de Maio, veio revogar os números 3 a 5 do art.° 5.° do Decreto-Lei n.° 67/2003, de 8 de Abril.

32a- Desta forma, os ora apelantes tinham o prazo de dois anos, após a denúncia para intentar a ação judicial.

33a- Se se contasse dois anos após a primeira denúncia dos defeitos surgidos na autocaravana, que foi em Dezembro de 2007, os apelantes poderiam intentar a ação judicial até Dezembro de 2009.

34a- Caso se considere que se poderia intentar a ação no prazo de dois anos a contar da última denúncia de defeitos da autocaravana, sendo que esta teve lugar em 30 de Outubro de 2008, e foi nesta data que a ré A, Lda., se recusou a reparar os defeitos, os apelantes poderiam intentar a ação até 30 de Outubro de 2010.

35ª- Os ora apelantes intentaram a ação em tribunal em 02 de Abril de 2009.

36a- E quanto aos prazos de denúncia quando surgiam as avarias/ defeitos, na autocaravana, os apelantes comunicavam/denunciavam esses mesmos defeitos imediatamente.

37ª- Resulta do n.° 2 do art.° 5.°-A do Decreto-Lei n.° 84/2008, de 21 de Maio, que "Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de um bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detetado."

38ª- Os apelantes denunciaram sempre antes de corridos dois meses, pois sempre o fizeram imediatamente ao surgimento das avarias.

39a- E pela experiência comum, e pela prova documental e testemunhal, dúvidas não restam de que assim foi, pois tratando-se de uma viatura automóvel, e o tipo de defeitos/avarias, este teriam de ser denunciados de imediato.

40a- Esta questão não foi posta em crise na sentença.

41a- Forçosamente tem de se concluir que não se verifica aqui a exceção de caducidade do direito dos apelantes, nem em relação ao prazo de dois meses para denúncia dos defeitos, nem se verifica a exceção de caducidade para os ora apelantes exercerem o seu direito, ou seja, intentar a ação judicial.

42a- O contrato de compra e venda da autocaravana foi celebrado em 10 de Novembro de 2007, contudo, é pacífico na jurisprudência e doutrina que o Decreto-Lei n°84/2008, de 21 de Maio, no que concerne aos prazos de caducidade dos direitos do consumidor referentes a bens móveis, que este decreto-lei se aplica aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor.

43a- Desta forma, e apesar do contrato de compra e venda da autocaravana, ter sido celebrado em data anterior à alteração do Decreto-Lei n.°67/2003, de 8 de Abril, pelo Decreto-Lei n.° 84/2008, de 21 de Maio, é este que se aplica ao caso dos autos.

44a- O Decreto-Lei n.° 84/2008, de 21 de Maio, regula vários aspetos do contrato de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores, sendo que o caso dos autos pode ser regulado em todos os aspetos pelo Decreto-Lei n.°84/2008, de 21 de Maio.

45a- O Decreto-Lei n.°84/2008, de 21 de Maio, veio, também, estabelecer que o consumidor pode exigir a reparação ou substituição do bem ao produtor.

46a- Foi junto com a petição inicial, um documento, ao qual foi atribuído o n.° 1, pág.2, constando do mesmo, no ponto 4, que a garantia dos artigos novos é da responsabilidade do fabricante de origem, sendo o local e tempo de reparação ou troca dada pelos mesmos.

47a- Nesta medida, os apelantes sempre consideraram e consideram que as duas rés são responsáveis perante os mesmos, tal como considerou o tribunal a quo na douta sentença.

48a- Os apelantes, na sua petição inicial, efetuaram como pedido, em primeiro lugar, reparar a viatura, eliminando todos os defeitos, todas as anomalias existentes na autocaravana, de forma a que a mesma fique em perfeitas condições de funcionamento e uso. Em segundo lugar, e caso não fosse possível, às rés, eliminar os defeitos da autocaravana, deviam entregar aos autores uma autocaravana em perfeitas condições de funcionamento e uso. E em terceiro lugar, não sendo possível a reparação dos defeitos, nem entregarem aos autores outra autocaravana, deviam indemnizar os autores, no valor que estes despenderam com a aquisição da autocaravana, ou seja, 41.800,00€.

49a- Pediram, os ora apelantes, ainda, a condenação das rés numa indemnização por danos não patrimoniais na quantia de 2.500,00€.

50a- Por tudo o exposto, verifica-se que houve erro na determinação das normas aplicáveis, na douta sentença, logo foi violado o disposto nos arts.° 1°, 1.°-A, 1.°-B, 2º, 3°, 4º, 5.°, 5.°-A, do Decreto-Lei n.° 84/2008, de 21 de Maio, pois não deveria ser aplicado as regras do Código Civil, mas as do Decreto-Lei n.° 84/2008, de 21 de Maio.

51a- Sendo que ficou provado a desconformidade do bem, tal como os danos não patrimoniais, devem as rés ser condenadas nos precisos termos propugnados pelos apelantes.

Nestes termos, deve conceder-se provimento ao presente recurso e a douta sentença ser revogada na parte em que dá como provado os pontos 19, 24, 30 e 31 dos factos dados como provados, tal como deve ser revogada na parte em que decide que se considera verificada a exceção de caducidade.

E, em consequência, condenar as rés a reparar a viatura, eliminando todos os defeitos, todas as anomalias existentes na autocaravana, de forma a que a mesma fique em perfeitas condições de funcionamento e uso, e, caso não seja possível, devem entregar aos autores uma autocaravana em perfeitas condições de funcionamento e uso, ou, não sendo possível a reparação dos defeitos, nem entregarem aos autores outra autocaravana, devem indemnizar os autores, no valor que estes despenderam com a aquisição da autocaravana, ou seja, 41.800,00€.

Devem, ainda, as rés ser condenadas a pagar aos ora apelantes uma indemnização por danos não patrimoniais na quantia de 2.500,00€.

E devem os apelantes serem absolvidos das custas processuais.”

A 2.ª Ré contra-alegou, rematando com as seguintes conclusões:

“1ª.- Devem ser mantidos e confirmados os Factos provados sob os nº.s 19, 24, 30 e 31, como vai justificado em I destas alegações, pois

2ª. - mercê de atenta audição dos depoimentos prestados e ponderada a produção de prova na sua globalidade, verifica-se que não ocorre nem se verifica no caso em apreço nenhuma das previsões que permitissem modificação da decisão de facto, nos termos do actual artº. 662º. do CPC (antigo artº. 712º. do regime anterior à reforma de 2013);

3ª.- Deverá confirmar-se a verificação da caducidade do direito, quer se considere aplicável o regime civil da venda de bens (max. artº. 913º. e ss. do CC) quer se considere aplicável a legislação da venda de bens ao consumo em especial (cfr. DL 67/2003, de 8/Abril), pois:

4ª.- a avaria ocorreu em Dezembro de 2007 (cfr. nº.9 dos Factos Provados), a última queixa dos autores ora recorrentes ocorreu em Agosto de 2008, data em que foi reparada e feita uma revisão geral à caravana, nada de anómalo ou avaria tendo sido detectado (cfr. Facto Provado nº.24), e a acção deu entrada em juízo em 02 de Abril de 2009

– isto é, já exauridos quaisquer dos prazos de que os autores dispunham para exercício tempestivo do direito.

5ª.- De tudo quanto foi alegado pelos recorrentes, inexiste qualquer motivo ou fundamento que permita a alteração da sentença recorrida nos termos pretendidos pelos mesmos recorrentes; devendo, por consequência:

6ª.- a decisão a quo ser confirmada, por constituir decisão justa, com correcta interpretação e aplicação do Direito, e não enfermar de qualquer defeito.

Termos em que deverá ser confirmada a douta sentença recorrida, com as legais consequências, e assim ser feita JUSTIÇA!”

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO

As questões que se suscitam neste recurso são as seguintes: impugnação da matéria de facto; caducidade do direito dos AA.; responsabilidade das RR..

Primeira questão (impugnação da matéria de facto)

O tribunal a quo deu como provada a seguinte

Matéria de facto

1. Em 10 de Novembro de 2007, os autores declararam comprar e a primeira ré declarou vender uma autocaravana Joint Zetta 550 2.2, mediante o pagamento do preço de € 41 800, 00, correspondendo € 44 970, 36 ao valor comercial do veículo, acrescido de € 100, 00 para despesas de documentação, deduzido um "desconto comercial" na importância de € 3.270,36.

2. A autocaravana referida tem as seguintes características: Matrícula: 22-ET-26; Ano: 2007; Nº Chassis: ZFA250000010227128; Joint Zetta 5502.2, com o preço de 40.300,01€; Ar Condicionado Kit Ducato, c/ sensores marcha atrás, com o preço de € 1.900,00; Toldo Fiamma F45i 3.0m, com o preço de 665,00€; Antena Nauccatv cl Mastro, com o preço de 115,00€; Alarme, cl sirene 51 TCB, com o preço de 122,00€; Rádios Sony CDX-GT20 4x45, com o preço de 116,00€; Isotérmicos Ducato 2002/2005, com o preço de 60,00€; Kit Saco-Luvas + Triângulo Sinaliz. Colete, com o preço de 22,00€; Painel Solar 80 W Kit cl montagem, com o preço de 900,00€; Televisão Digital LCD Mobile TV 12/220V, com o preço de 350,00€; Suporte p/LCD Base, com o preço de 110,OO€; Ficha Azul 3 Bornes CEE, com o preço de 3,30€; Bateria Tudor SK 95, com o preço de 140,00€; Tomada 12V Auto Cast., com o preço de 10,00€; Tomada 220V Cast. si Tampa, com o preço de 8,05€; Despesas DGV/Cons. Autocaravanas, com o preço de 149,00€.

3. Em escrito datado de 12.11.2007, subscrito pelos autores, a Credibom - Instituição Financeira de Crédito, S.A. declarou emprestar àqueles, a quantia total de € 42106, 37, para aquisição do veículo referido em a), que os autores declararam aceitar, mediante a obrigação de restituição do referido capital em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas de € 559, 71, vencendo-se a primeira prestação em 12.12.2007 (documentos de folhas 26 a 32).

4. Os autores fizeram a primeira viagem com a autocaravana em 08.12.2007.

5. Na viagem, o silicone da casa de banho caiu por inteiro e as madeiras da carroçaria começaram a descolar-se do tecto da autocaravana, o que foi comunicado à primeira ré.

6. A 1.a ré colocou novo silicone da casa de banho da autocaravana.

7. Em data incerta na primeira quinzena de Dezembro de 2007, no local da residência dos autores em Águas de Moura, Setúbal, os autores colocaram a correspondente chave na ignição da autocaravana e deram à chave, mas o motor não trabalhou.

8. Os autores deram à chave várias vezes, mas não conseguiram que o motor trabalhasse e não se acenderam quaisquer luzes de aviso no painel de instrumentos do veículo.

9. Os AA. deslocaram-se ao stand da primeira ré, à qual comunicaram o sucedido.

10. No intervalo de tempo entre Dezembro de 2007 e Outubro de 2008, verificou-se várias vezes, com intervalos entre 15 a 30 dias, a situação descrita supra, sendo a autocaravana foi levada à 3 Sóis e subsequentemente, assistida, ou na oficina das 3 Sóis, ou, pelo menos, em duas oficinas concessionárias da marca FIAT, por intermédio da Três Sóis, onde a autocaravana era deixada pelos autores para reparação.

11. Pelo menos numa dessas reparações a bateria foi substituída numa oficina concessionária da marca FIAT.

12. Numa dessas situações, a ré enviou um técnico, para substituir a bateria da autocaravana, que mencionou que a bateria se encontrava sem carga.

13. Numa dessas situações, a primeira R. pediu aos AA. que, com a ajuda de outra bateria e respectivos cabos, pusessem a autocaravana a trabalhar e a levassem ao seu stand, o que os autores fizeram.

14. Para levarem a autocaravana à oficina da ré, os autores tiveram de deslocar-se várias vezes ao Quartel dos Bombeiros Voluntários de Aguas de Moura, para pedirem cabos emprestados, a fim de conseguirem pôr a autocaravana a trabalhar, com o auxílio de uma bateria de outra viatura.

15. No dia 15.04.2008, na sequência de sugestão da 1.ª ré, os autores entregaram a autocaravana na oficina Fulcar Sado a fim de "verificar a causa da bateria descarregar" (folhas 33 e 34).

16. Os autores voltaram a informar a 1.a ré que a bateria continuava a descarregar.

17. A 1.a Ré contratou um técnico da Bosch, que se deslocou à casa dos autores, em Águas de Moura e procedeu à troca da bateria da autocaravana.

18. O técnico referido não realizou qualquer exame à bateria, mas procedeu à troca da mesma, a pedido da 1ª ré.

19. O mesmo técnico apontou como solução efectuar um corte exterior da corrente, sempre que a autocaravana estivesse muito tempo parada, solução que os autores recusaram. [adiante se verá que este facto deve ser eliminado]

20. No dia 02.06.2008, os autores entregaram a autocaravana referida em a) na oficina Fulcar Sado para verificar a "causa de descarregar bateria" e ainda o "limpa pára brisas que não funciona" (folhas 35 e 36).

21. O pára-brisas da caravana deixou de funcionar, o que a Fulcar Sado solucionou.

22. Em Agosto de 2008, os autores efectuaram um passeio, na autocaravana e durante o mesmo, a válvula de segurança do retentor do gás, que alimenta o frigorífico e o fogão, bloqueou e não permitiu a passagem do gás para o frigorífico e para o fogão.

23. Em consequência, os autores não podiam cozinhar as refeições no fogão da autocaravana ou guardar os alimentos no frigorífico, pelo que foram auxiliados por um casal de amigos, que também, fizeram aquele passeio, numa autocaravana e disponibilizaram o seu próprio fogão para que os autores pudessem confeccionar as refeições, bem como o seu frigorífico para guardar os alimentos para que não se estragassem.

24. Os autores comunicaram à primeira ré o sucedido e queixaram-se do retentor do gás, que a 1.a ré de imediato substituiu e ainda fez uma revisão geral à caravana, nada tendo detectado. [adiante se verá que este último segmento, ora em itálico, deste ponto da matéria de facto, deve ser eliminado]

25. Por vezes, quando se desliga a ignição da autocaravana, sem retirar a chave, o motor permanece a trabalhar e acende-se uma luz vermelha no painel de instrumentos, avaria que a Rodosul reparou, com substituição completa da ignição.

26. Uma porta de um armário da autocaravana está riscada, em virtude de ter caído uma tampa de uma gaveta interior.

27. Na autocaravana, existe uma abertura no painel, junto à ignição, o que provoca receio aos AA., em conduzir a autocaravana.

28. Os autores temem que a autocaravana se avarie durante as suas deslocações.

29. No dia 30 de Outubro de 2008, os autores compareceram no stand da 1.ª ré para ali entregar a viatura, o que a 1.a ré recusou, informando os AA. que contactaria a G.N.R., se teimassem em ali deixar a viatura.

30. Nas circunstâncias descritas, os autores pretendiam entregar a autocaravana e receber o respectivo preço em contrapartida, alegando que a bateria continuava a descarregar, razão por que a 1ª ré recusou receber a viatura.

31. Nessa ocasião, a 1ª ré propôs e os autores voltaram a recusar, proceder a um corte exterior da corrente eléctrica da viatura. [adiante se verá que este ponto da matéria de facto deve ser alterado]

32. Os AA, com receio do que pudesse vir a acontecer com a autocaravana, resolveram não a deixar no local.

33. Em razão das situações acima descritas, os autores despenderam tempo e faltaram ao trabalho, uma vez que têm de se deslocar ao stand da primeira R., que se situa no Porto Alto, e os AA. residem em Águas de Moura e trabalham em Setúbal.

34. Têm de ir sempre duas pessoas ao stand da primeira ré, porque um tem de conduzir a autocaravana e o outro tem de levar outra viatura para depois poderem regressar.

35. Quando um dos AA. não pode ir ao stand da primeira R., vai o filho, a fim de levar outra viatura para regressarem a casa.

36. O autor deslocava-se ao parque onde se encontra a autocaravana, uma ou duas vezes por semana, à noite a fim de ligarem o motor desta, porque se o não fizer, a bateria descarrega totalmente.

37. Os autores adquiriram o veículo referido, para lhes proporcionar viagens de lazer, o que não têm feito, seja os AA, e a sua família, em virtude das situações descritas, o que lhes causa aborrecimentos, e sentimentos de tristeza e frustração.

38. Na Conservatória do Registo Comercial de Cascais, consta que a 2.a ré é uma sociedade anónima, que tem por objecto social o comércio por grosso e a retalho de veículos automóveis, máquinas agrícolas e industriais, peças, componentes e acessórios, respectivas reparações e recolhas, óleos e lubrificantes; fabrico de peças e componentes para veículos automóveis e montagem dos mesmos. (documento de folhas 71 a 82)

39. A segunda ré representa em Portugal a marca FIAT, na vertente comercial e assistencial, que não integra, mas supervisiona, através da rede de concessionários autorizados à comercialização e assistência técnica à marca.

40. Os chassis da marca Fiat para autocaravanas são importados pelos transformadores, que após as transformações as colocam no comércio.

O Direito

Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2 alínea a) do art.º 640.º do CPC).

Os apelantes impugnam os n.ºs 19, 24, 30 e 31 da matéria de facto, os quais, na sua opinião, não deveriam ter sido julgados provados, ou mereciam resposta diversa, face ao depoimento de parte do A. e ao depoimento de três testemunhas, que referem.

Vejamos.

Quanto ao ponto n.º 19 da matéria de facto, tem a seguinte redação:

O mesmo técnico apontou como solução efectuar um corte exterior da corrente, sempre que a autocaravana estivesse muito tempo parada, solução que os autores recusaram.”

Está em causa o que terá sido aconselhado aos AA. por um técnico da Bosch que a 1.ª R. enviou à casa dos AA., após estes se terem queixado, várias vezes, de que a bateria da autocaravana se descarregava.

No ponto ora impugnado o aludido técnico terá sugerido aos AA. que se efetuasse um corte exterior à corrente, solução essa que os AA. teriam recusado.

Os apelantes invocam, para a resposta negativa a este ponto, o depoimento prestado em julgamento pelo Autor, que negou que o aludido técnico lhe tivesse dado esse conselho, e ainda o depoimento do próprio técnico, que também negou ter dado tal alvitre aos AA..

Ora, na fundamentação da decisão de facto escreveu-se que o aludido técnico, a testemunha Benedito, “negou igualmente ter sugerido qualquer corte exterior de corrente, sendo que, por isso, não pode ter havido qualquer recusa dos autores nessa solução.

Ouvido o depoimento de parte do A. e o depoimento da aludida testemunha, confirma-se que ambas negaram a aludida conversa. E, ouvidos os depoimentos ainda de João Vítor, filho do A., Ana Sofia, empregada da 1.ª R. à data dos factos, Maria da Conceição, empregada da 1.ª R. à data dos factos, Sandra, empregada da 2.ª R., e Nuno, empregado da 2.ª R., nenhum confirmou a existência dessa conversa.

Assim, a inclusão de tal facto na matéria de facto provada só pode ter resultado de lapso.

Lapso esse que efetivamente ocorreu, como se constata da leitura da resposta dada aos quesitos 83.º e 84.º da base instrutória, correspondentes ao n.º 19 da matéria de facto, onde esses quesitos foram dados como não provados.

Assim, esse facto, que fora alegado pela 1.ª R., não deve ser dado como provado (não cabendo aqui, contrariamente ao aparentemente pretendido pelos apelantes, dar como provado algo que não foi sequer alegado e que é, aliás, irrelevante, ou seja, “que o técnico da Bosch não apontou como solução efetuar um corte exterior da corrente, sempre que a autocaravana estivesse muito tempo parada” –vide conclusão 5.ª da apelação).

Quanto ao ponto n.º 24 da matéria de facto, tem a seguinte redação:

Os autores comunicaram à primeira ré o sucedido e queixaram-se do retentor do gás, que a 1.a ré de imediato substituiu e ainda fez uma revisão geral à caravana, nada tendo detectado.”

Este ponto refere-se, como se extrai dos n.ºs 22 e 23 da matéria de facto, a uma avaria no retentor do gás da autocaravana, que veio a ser reparada pela 1.ª R.. A questão que aqui se suscita é se, na sequência dessa reparação, a 1.ª R. “ainda fez uma revisão geral à caravana, nada tendo detectado” – o que os apelantes negam.

Ora, mais uma vez, verifica-se que essa asserção final, correspondente ao quesito 88.º da base instrutória, foi julgada não provada na decisão de facto, pelo que a sua inclusão, na sentença, nos factos provados, resulta de mais um lapso. Efetivamente, na fundamentação da decisão de facto não há menção que permita concluir que, pelo contrário, tal facto fora dado como provado, e na sentença não há qualquer referência a uma alteração do juízo do tribunal em relação à decisão de facto previamente emitida (sentença essa que deveria, conjugando-se o disposto no art.º 659.º n.º 3 do anterior CPC, em vigor à data da decisão de facto, com o disposto no art.º 607.º, n.ºs 3 e 4 do novo CPC, em vigor à data em que foi proferida a sentença, conter a matéria de facto tal como apurada na decisão de facto anterior). Acresce que, ouvidos os depoimentos supra referidos, nenhum confirma que foi realizada a tal referida “revisão geral”, que “não detectou nenhuma anomalia”.

Assim, também o aludido segmento do n.º 24 deve ser eliminado dos factos provados.

Quanto aos pontos n.º 30 e 31 da matéria de facto, transcrevem-se aqui os dois, bem como o ponto que os antecede:

29. “No dia 30 de Outubro de 2008, os autores compareceram no stand da 1.ª ré para ali entregar a viatura, o que a 1.a ré recusou, informando os AA. que contactaria a G.N.R., se teimassem em ali deixar a viatura.

30. “Nas circunstâncias descritas, os autores pretendiam entregar a autocaravana e receber o respectivo preço em contrapartida, alegando que a bateria continuava a descarregar, razão por que a 1ª ré recusou receber a viatura.

31. “Nessa ocasião, a 1ª ré propôs e os autores voltaram a recusar, proceder a um corte exterior da corrente eléctrica da viatura.”

Os apelantes questionam o teor dos n.ºs 30 e 31 da matéria de facto.

Quanto ao n.º 30 da matéria de facto, entendem que se deve dar como provado que os ora apelantes dirigiram-se ao stand da 1.ª R. “para ali deixarem a autocaravana a fim de ser reparada de uma vez por todas.” Dizem que tal resulta do depoimento do A., do do seu filho João Rosa, e do próprio pedido formulado nos autos. Mais dizem que deve ser desconsiderado o depoimento, em sentido contrário, prestado pela testemunha Ana Sofia Craveiro Chaves.

Vejamos.

Ouvido o depoimento de parte do A. e da testemunha João Rosa e bem assim o depoimento da testemunha Ana Sofia, constata-se que os dois primeiros são contraditórios face ao terceiro mencionado. Ou seja, o A. afirmou que esvaziou a autocaravana de tudo o que pertencia aos AA. e foi entregá-la no stand da 1.ª R., pretendendo deixá-la aí “o tempo que fosse necessário para resolver a questão e quando voltassem a devolver, que viesse em perfeitas condições de utilização”. Mais acrescentou “não, não foi minha intenção entregar a viatura, porque eu quero a viatura, por amor de Deus, eu quero é aquele problema resolvido”. O filho dos AA., João Vítor, declarou no julgamento que a conversa, a que assistiu, se desenrolou no parque do stand da 1.ª R., com o Sr. Gastão (sócio-gerente da 1.ª R.), estando também os seus pais presentes, e que o pai foi lá levar a autocaravana para ser reparada. Queriam a autocaravana arranjada, ou então outra, em condições. O “senhor” da 3 Sóis disse que “chamava a GNR se nós deixássemos lá a autocaravana. O senhor disse que só lá estava para vender autocaravanas. Disse que não arranjava.” Por sua vez a testemunha Ana Sofia, que trabalhou para a 1.ª R. entre maio de 2004 e fevereiro de 2011, e que costumava acompanhar os clientes no pós-venda, declarou estar presente quando o A. apareceu, mais a esposa, com a autocaravana. “O que eu me lembro, que o Sr. Gastão estava ocupado e eu fui chamar o Sr. Gastão, foi que o Sr. Vítor queria deixar lá a autocaravana. Queria deixar porque diz que tinha muitos problemas e não resolviam, problemas da parte, onde o Sr. Gastão disse que tudo que fosse referente à Joint, que ele sempre, sempre, arranjou, tudo o que fosse referente à Fiat, no fundo tinha que se deslocar, e arranjar na Fiat.

Advogada: “Mas o Sr. Vítor, quando queria deixar a autocaravana, era para arranjo, ou queria entregar?

Testemunha: “Queria entregar, que eu lembro-me”.

Advogada: “O que é que ele disse concretamente ao Sr. Gastão?

Testemunha: “Disse que queria o dinheiro de volta, tão simples quanto isso. O Sr. Gastão disse que não, porque tinha vendido a autocaravana, que não ia devolver-lhe o dinheiro, porque tudo o que era com a 3 Sóis tinha sido feito e o problema era com a Fiat.”

O facto de o depoimento de Vítor Manuel ser prestado em causa própria e a ligação familiar da testemunha João Vítor aos AA. diminuem consideravelmente a credibilidade desses dois depoimentos. Acresce ser crível que, face aos sucessivos problemas manifestados pela autocaravana, nomeadamente alguns que aparentemente não tinham sido resolvidos, os AA. tenham “perdido a paciência” e se tenham sentido compelidos a desistir da compra em causa. O depoimento da testemunha Ana Sofia, que na ocasião em que foi prestado (08.3.2013) já se encontrava desvinculada da 1.ª R. havia dois anos, pareceu-nos ser credível, pelo que não vemos razões para dissentir do juízo a este respeito formado pela primeira instância. A circunstância de nesta ação os AA. peticionarem, em primeiro lugar, a reparação da viatura, não afeta o supra exposto: tal pode resultar de um adequado e posterior aconselhamento jurídico, ou de uma mais madura e calma reflexão sobre o que melhor servirá os interesses dos AA..

Conclui-se, pois, que é de manter o teor do n.º 30 da matéria de facto.

Quanto ao n.º 31 da matéria de facto (“Nessa ocasião, a 1ª ré propôs e os autores voltaram a recusar, proceder a um corte exterior da corrente eléctrica da viatura”), mais uma vez houve lapso na transcrição, na sentença, do que fora respondido à base instrutória. Os quesitos 83.º, 84.º e 92.º, correspondentes a esse ponto da matéria de facto, mereceram resposta negativa. E, de facto, ninguém declarou que tal conversa ocorreu aquando da tentativa de entrega definitiva da autocaravana e só o A. é que referiu a existência dessa conversa, em momento não explicitado:

Tendo a Sr. juíza perguntado se o técnico da Bosch, acima referido, havia dito ao A. que o facto de a bateria da autocaravana descarregar resultava de a viatura estar muito tempo parada, o A. respondeu: “Não, o técnico não me disse isso. Quem me disse isso, numa das vezes que me desloquei à 3 Sóis, o Sr. da 3 Sóis disse que a bateria descarregava por o carro estar parado muito tempo.”

Juíza: “Esse técnico disse que a solução era o Sr. fazer um corte exterior da corrente?

Autor: “Foi o senhor da 3 Sóis é que propôs, essa solução, e pronto, e eu disse que não aceitava essa solução porque iríamos alterar a viatura, as viaturas não vêm da fábrica com cortes de corrente, porque não são lá necessários, e isso única e exclusivamente iria disfarçar a avaria que a viatura tinha. Iríamos alterar a viatura de origem.”

Agora, em sede de apelação, os apelantes alegam que o facto n.º 31 deve ser alterado, porque anteriormente não lhes tinha sido proposto o corte exterior de corrente, ou seja, apenas naquele dia é que tal lhes foi proposto e foi só nessa altura, portanto, que recusaram esse corte.

Face ao supra exposto, o que se provou não é exatamente o ora pretendido pelos apelantes, mas tão só isto:

Em data não apurada, a 1.ª ré sugeriu ao A. que fosse efetuado um corte exterior da corrente elétrica da viatura, o que este recusou.”

Assim, alterar-se-á o ponto n.º 31 da matéria de facto nesses termos.

Em suma, dando-se provimento parcial à impugnação da matéria de facto:

Elimina-se o n.º 19 da matéria de facto;

O n.º 24 da matéria de facto é alterado, passando a ter a seguinte redação:

Os autores comunicaram à primeira ré o sucedido e queixaram-se do retentor do gás, que a 1.a ré de imediato substituiu.

O n.º 31 da matéria de facto é alterado, passando a ter a seguinte redação:

Em data não apurada, a 1.ª ré sugeriu ao A. que fosse efetuado um corte exterior da corrente elétrica da viatura, o que este recusou.”

No mais, mantém-se a matéria de facto dada como provada na sentença.

Segunda questão (caducidade do direito dos AA.)

Está provado que entre os AA. e a 1.ª R. foi celebrado um contrato de compra e venda de uma autocaravana. Após a compra os AA. constataram que a autocaravana padecia de anomalias, que não eram visíveis à data do negócio, e que impediam ou dificultavam a realização do fim a que estava destinada. Assim, a venda em causa cabe, em tese geral, na previsão das normas que regulam a venda de coisas defeituosas, contidas nos artigos 913.º e seguintes do Código Civil. De acordo com esse regime, se a coisa vendida for um bem móvel, o defeito deve ser denunciado no prazo de seis meses após a entrega da coisa (e um mês após o comprador dele ter tido conhecimento) – art.º 916.º n.º 2 do Código Civil – e, efetuada a denúncia, a ação judicial correspondente caduca decorridos que sejam seis meses – art.º 917.º do Código Civil.

Na sentença recorrida considerou-se que no caso a que se reportam os autos era este o regime aplicável. E, tendo os AA. denunciado os defeitos da viatura em dezembro de 2007, a ação, proposta em abril de 2009, tinha caducado.

Os apelantes contrapõem, para reverter o assim decidido, que ao caso aplica-se o regime jurídico de defesa do consumidor, máxime o disposto no n.º 3 do art.º 5.º-A do Dec.-Lei n.º 67/2003, de 8.4, com a redação que lhe foi introduzida pelo Dec.-Lei n.º 84/2008, de 21.5. Ou seja, o aludido prazo de caducidade seria de dois anos, contado da data da denúncia, pelo que, se se calcular o aludido prazo a partir de dezembro de 2007, a ação foi tempestiva.

Vejamos.

No exercício da sua atividade económica a 1.ª R. vendeu aos AA. o aludido bem, que estes destinavam às suas horas de lazer. Assim, os AA. contrataram na qualidade de consumidores, devendo beneficiar do regime jurídico de proteção do consumidor, cujos diplomas principais, em vigor à data da celebração do contrato (novembro de 2007), eram a Lei n.º 24/96, de 31.7 (em cujo art.º 2.º, n.º 1, se contém a pertinente definição de consumidor) e o Dec.-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril.

O art.º 4.º do Dec.-Lei n.º 67/2003 reconhecia e reconhece ao consumidor, em caso de “falta de conformidade do bem com o contrato”, o “direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato” (n.º 1 do art.º 4.º). Para esse efeito, tratando-se de bem móvel, a falta de conformidade deve manifestar-se dentro de um prazo de dois anos, a contar da entrega do bem (n.º 1 do art.º 5.º)

Na redação original do Dec.-Lei n.º 67/2003, a falta de conformidade deveria ser denunciada no prazo de dois meses após esta ter sido detetada pelo consumidor (n.º 3 do art.º 5.º) e os direitos caducariam decorridos que fossem seis meses após a denúncia (n.º 4 do art.º 5.º), sendo certo que o decurso dos aludidos prazos se suspenderia “durante o período de tempo em que o consumidor se achar privado do uso dos bens em virtude das operações de reparação da coisa” (n.º 5 do art.º 5.º).

O Dec.-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio, alterou o Dec.-Lei n.º 67/2003, alargando o aludido prazo subsequente à denúncia. Assim, nos termos do n.º 3 do art.º 5.º-A, “caso o consumidor tenha efectuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia (…)” e o prazo suspende-se “durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens com o objectivo de realização das operações de reparação ou substituição (…)”.

As aludidas alterações entraram em vigor 30 dias após a data da publicação do Dec.-Lei n.º 84/2008 (art.º 5.º do diploma), ou seja, em 21 de junho de 2008. Por conseguinte, se se partir do pressuposto que a denúncia da desconformidade que, segundo se provou, é a mais relevante e ainda subsiste, ou seja, o anormal descarregamento da bateria, ocorreu em dezembro de 2007, à luz da lei anterior a ação deveria ser instaurada até junho de 2008, inclusive (sendo certo que, como se provou, a autocaravana esteve várias vezes entregue para reparação – vide n.ºs 10, 15 e 20 da matéria de facto – períodos em que o aludido prazo se suspendeu), pelo que o novo prazo, de dois anos, que entrou em vigor em junho de 2008, será aplicável ao prazo então ainda em curso, atento o disposto no n.º 2 do art.º 297.º do Código Civil. Ou seja, a referida caducidade ocorreria em julho de 2009. Por conseguinte, uma vez que a ação foi instaurada em abril de 2009, os AA. impediram a aludida caducidade (art.º 331.º n.º 1 do Código Civil).

Note-se que a Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a proteção dos interesses dos consumidores, impõe que se a legislação de algum Estado membro previr que o exercício dos direitos do consumidor nela previstos esteja sujeito a prazo de caducidade, esse prazo não poderá ser inferior a dois anos a contar da entrega do bem em causa. Assim, o Dec.-Lei n.º 67/2003, que visou proceder à transposição da aludida Diretiva para o direito interno, na sua versão original não respeitava, como decorre do supra exposto, o referido prazo mínimo, o que poderia suscitar a questão da aplicabilidade da Diretiva às relações entre particulares (efeito direto horizontal), por força do princípio do primado do direito comunitário sobre o direito interno, conforme se expende, v.g., no acórdão do STJ, de 12.01.2010, publicado na Col. de Jurisp., STJ, ano XVIII, tomo I, pág. 19 e seguintes. Seja como for, no nosso caso, a aplicabilidade imediata das alterações introduzidas ao Dec.-Lei 67/2003 pelo Dec.-Lei n.º 84/2008 evita que nos alonguemos sobre essa vexata quaestio.

Terceira questão (responsabilidade das RR.)

Provou-se que a autocaravana enferma das seguintes anomalias, ainda não solucionadas, indicadas nos números 7, 8, 10, 16, 26, 27, 36 da matéria de facto: a bateria da autocaravana descarrega-se em períodos anormalmente curtos, inferiores a uma semana, obrigando a que se tenha de por o motor do veículo a funcionar uma ou duas vezes por semana; uma tampa de uma gaveta interior caiu, riscando a porta de um armário da autocaravana, que permanece nesse estado; existe uma abertura no painel, junto à ignição, o que provoca receio aos AA., em conduzir a autocaravana. Trata-se de problemas, em particular o primeiro (descarregamento da bateria), que impedem a normal utilização do bem adquirido e/ou não correspondem às qualidades expectáveis de um bem adquirido novo, com os quais um consumidor não pode razoavelmente contar, pelo que se verifica aquilo que o legislador apelida de falta de conformidade do bem de consumo com o contrato (art.º 2.º do Dec.-Lei n.º 67/2003).

A 1.ª R., vendedora do veículo, responde perante os AA., consumidores compradores, pelas faltas de conformidade da autocaravana com o contrato, sendo certo que, por estas se terem manifestado no prazo de dois anos a contar da data da entrega, presume-se que aquelas existiam à data da entrega do veículo (art.º 3.º do Dec.-Lei n.º 67/2003).

Apesar de ter contratado apenas com o vendedor, o consumidor pode demandar diretamente o produtor do bem, exigindo-lhe a sua reparação ou substituição, embora a lei ressalve os casos de manifesta impossibilidade ou desproporcionalidade, posta em confronto com possíveis soluções alternativas, sem grave inconveniente para o consumidor (n.º 1 do art.º 6.º do Dec.-Lei n.º 67/2003, com a redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 84/2008).

Para efeitos deste diploma, considera-se “produtor” “o fabricante de um bem de consumo, o importador do bem de consumo no território da Comunidade Europeia ou qualquer outra pessoa que se apresente como produtor através da indicação do seu nome, marca ou outro sinal identificador no produto” (alínea d) do art.º 1.º-B do Dec.-Lei n.º 67/2003, com a redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 84/2008). Por sua vez, é “representante do produtor” “qualquer pessoa singular ou colectiva que actue na qualidade de distribuidor comercial do produtor e ou centro autorizado de serviço pós-venda, à excepção dos vendedores independentes que actuem apenas na qualidade de retalhistas” (alínea e) do art.º 1.º-B do Dec.-Lei n.º 67/2003, com a redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 84/2008). Sendo certo que o “representante do produtor” na zona de domicílio do consumidor é solidariamente responsável com o produtor perante o consumidor (n.º 3 do art.º 6.º do Dec.-Lei n.º 67/2003).

A 2.ª R., segundo foi dado como provado no n.º 39 da matéria de facto, representa em Portugal a marca FIAT, na vertente comercial e assistencial, que não integra, mas supervisiona, através da rede de concessionários autorizados à comercialização e assistência técnica à marca.

A 2.ª R. é, pois, uma representante em Portugal do produtor de automóveis Fiat, respondendo solidariamente com este produtor perante o consumidor, por desconformidades que afetem os seus produtos.

No caso dos autos, foi vendida uma autocaravana de marca Joint Zetta 550 2.2 (n.º 1 da matéria de facto). Essa autocaravana tem um chassis de marca Fiat, conforme resulta dos documentos juntos pelos AA. em 22.5.2012, constantes a fls 280 a 282 (certidão emitida pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres I.P. e fotocópia de Documento Único Automóvel) e se deduz do dado como provado sob o n.º 40 da matéria de facto (“os chassis da marca Fiat para autocaravanas são importados pelos transformadores, que após as transformações as colocam no comércio”). Ou seja, a autocaravana é composta de uma parte que foi produzida pela FIAT, o “chassis”, e por uma outra parte, a cabina que forma a “caravana” propriamente dita, que foi produzida por outra ou outras entidades.

Ora, no que concerne àquela que é a principal anomalia da autocaravana, o facto de a bateria do veículo se descarregar com inusitada frequência, não se mostra esclarecido se a mesma é imputável ao “chassis” ou à cabina ou caravana propriamente dita. Os AA. entendiam que toda a autocaravana era da marca Fiat, pelo que responsabilizavam tanto a 1.ª R. como a 2.ª R. pela totalidade dos defeitos verificados. A 2.ª R., para além de dizer que nada tinha tido a ver com o negócio em concreto e com a importação do veículo, afirmava que só o chassis é que era Fiat (art.º 22.º da nova contestação) e que “relativamente ao chassis importado da autocaravana Joint Zetta dos autos” “nunca houve nenhum problema, avaria, anomalia ou o que quer que seja” (art.º 28.º da nova contestação), ou seja, que as invocadas avarias, incluindo o descarregamento da bateria (alínea a) do art.º 29.º da nova contestação da 2.ª R.), “a existirem, em nada respeitam ao chassis Fiat N. Ducato Light” (art.º 30.º da nova contestação).

Essa matéria de facto, que era controvertida, não foi levada à base instrutória e não foi alvo de pronúncia por parte do tribunal.

Haverá, assim, nos termos do art.º 662.º n.º 2 alínea c) do CPC, que anular a sentença, a fim de se ampliar a matéria de facto, devendo esta abarcar a questão da imputação às diversas partes da autocaravana dos defeitos verificados, ou seja, se correspondem a defeitos de fabrico do chassis ou a defeitos de fabrico da cabina ou caravana propriamente dita - , questão essa que deverá ser tema da prova a considerar nos termos dos artigos 410.º e 596.º n.º 1 do CPC. A repetição do julgamento não abrangerá a parte da decisão não viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições (alínea c) do n.º 3 do art.º 662.º do CPC).

DECISÃO

Pelo exposto:

a) Julga-se a apelação quase parcialmente procedente quanto à matéria de facto, alterando-se a matéria correspondente aos n.ºs 19, 24 e 31 da matéria de facto constante na sentença, conforme supra exposto;

b) No mais, julga-se a apelação parcialmente procedente e consequentemente revoga-se a sentença recorrida, considerando-se improcedente a exceção de caducidade dos direitos dos AA.;

c) Anula-se o julgamento e ordena-se que o mesmo seja alargado à questão de facto que consiste na imputação dos defeitos da autocaravana, dados como provados, ao chassis ou à cabina ou caravana propriamente dita, que compõem a autocaravana adquirida pelos AA. à 1.ª R. – a repetição do julgamento não abrangerá a parte da decisão não viciada (com as correções à matéria de facto introduzidas por esta Relação), sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições.

As custas da apelação serão a cargo de quem ficar vencido a final, na respetiva proporção.

Lisboa, 23.4.2015

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Jorge Leal

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Ondina Carmo Alves

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Eduardo Azevedo