Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3296/2006-2
Relator: NETO NEVES
Descritores: NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/28/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE
Sumário:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção (Cível) deste Tribunal da Relação de Lisboa

I – R… interpõe o presente recurso de agravo do despacho proferido em 6.1.2006, a fls. 362 da acção declarativa com processo ordinário supra identificada que lhe foi movida por G… e outros e em que foi admitido como interveniente principal J…, aqui agravado, despacho que se pronunciou sobre requerimento da agravante apresentado aos autos manifestando oposição a anterior pedido do agravado no sentido de ser considerada sem efeito a multa aplicada para efeitos de ser admitido a praticar fora de prazo o acto de interposição de recurso de apelação da sentença exarada nesses autos, e não levando em consideração, antes da decisão, a dita oposição.
Formula, nas respectivas alegações, as seguintes conclusões:
1ª O despacho recorrido decidiu manter a isenção da multa, anteriormente, aplicada ao interveniente, em virtude da interposição de recurso fora do prazo legal, por se considerar que o mesmo só foi notificado da sentença em data posterior à presumida, não lhe sendo imputável tal atraso.
2ª A decisão recorrida ao manter a decisão de fls. 320-321, onde se decidiu antes e sem que se tivesse levado em consideração a oposição deduzida pela recorrente a fls. 325 a 327, violou o disposto nos artigos 3º, n° 3, 3º-A e 517, nº 1 do C.P.C., estando eivada de nulidade, nos termos do artigo 201º, n°s 1 e 2 do C.P.C.
3ª Independentemente do atrás exposto, a fls. 299 no seu requerimento de interposição de recurso, o interveniente alegou, desde logo, que só foi notificado da sentença em 2/11/05, não tendo, contudo, apresentado qualquer prova desse facto, como devia ter feito, nos termos do artigo 146º, n° 2 do C.P.C.
4ª Consequentemente, não dando cumprimento ao exigido pelo artigo 146º. nº 2 do C.P.C., não podia posteriormente apresentar prova, tendo sido violado, também, o disposto no artigo 146º, n° 2 do C.P.C.
5ª E, se bem se interpreta, do doc. 2 junto pelo interveniente no seu requerimento de fls. 308 e seguintes, a notificação do defensor do interveniente só não foi conseguida em 31/10/05 por o mesmo não ter sido localizado no destino.
6ª Ora, nos termos do artigo 254º, nºs 3 e 4 do C.P.C., a notificação não deixa de se considerar feita no terceiro dia posterior ao do registo pelo facto da carta não ser entregue por ausência do destinatário, tendo, assim, sido violada esta norma legal.
NESTES TERMOS e nos melhores de Direito doutamente supridos deverá ser dado provimento ao recurso e, por via do mesmo, declarar-se a nulidade do decidido a fls. 320 e 321, dando-se sem efeito o despacho que admitiu o recurso interposto pelo interveniente da decisão final ou revogar-se a decisão recorrida, determinando-se a aplicação de multa ao interveniente no valor de 1.424,00.

Contra-alegou o agravado, concluindo assim:
1. São as presentes contra-alegações apresentadas em resposta ao recurso de Agravo da R…, a qual pugna pela revogação do despacho do Tribunal a quo que ordenou o levantamento de multa ao Interveniente Principal.
2. O Interveniente Principal foi notificado da decisão em 2/11/05 e apresentou requerimento de interposição de recurso em 14/11/05.
3. A presunção constante do nº 3 do artigo 254° do CPC é uma presunção ilidível, a qual admite prova em contrário, pelo que, em face da prova apresentada pelo ora Agravado, ficou afastada a presunção de notificação no dia 31/10/05, isto é, no terceiro dia útil posterior ao do registo, tal como refere a aduzida disposição processual.
4. O prazo para a interposição de recurso é de dez dias, nos termos do artigo 685° nº 1 do CPC, e conta-se a partir da notificação, a qual ocorreu em 2/11/05. O termo do prazo ocorreu no dia 14/11/05, data, aliás, em que foi apresentado o requerimento de interposição de recurso, pelo que o acto foi praticado dentro do prazo normal, isto é, dez dias.
5. Não é aplicável à presente situação a excepção do justo impedimento, dado que o ora Recorrido não praticou o acto esgotado o prazo para o efeito, antes pelo contrário, pelo que não se aplica a situação do justo impedimento, o qual consiste, recorde-se, no evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto.
6. Assim sendo, tendo o prazo de interposição de recurso sido efectivamente respeitado, não há, pois, qualquer violação do artigo 146º, nº 2 e/ou do nº 2 do artigo 254º do CPC, nem tampouco violação do contraditório, dado que o requerimento do ora Recorrido constante dos autos a fls. 308 a 315 não é mais que o cumprimento do estabelecido no nº 6 do artigo 254º do CPC, ao abrigo do qual o Agravado sujeitou à apreciação do Juiz do Tribunal a quo factos para prova de que a notificação da decisão ocorrera somente em 2/11/05, afastando assim a presunção do nº 3 do mesmo artigo.
7. Quanto ao constante no nº 4 do artigo 254º do CPC, também não há aqui qualquer violação dado que não se verificou o circunstancialismo que lhe subjaz.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve o Tribunal ad quem considerar procedentes as presentes contra-alegações e negar provimento ao Recurso de Agravo interposto pela R…, em consequência, manter a decisão recorrida proferida por despacho do Tribunal a quo a 2/12/05, bem como manter o despacho de admissão de recurso da decisão final interposto pelo Interveniente Principal.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II – QUESTÕES A DECIDIR
Das conclusões das alegações da recorrente – que, nos termos dos artigos 684º, nº 3, 690º, nº 4 e 749º do Código de Processo Civil, delimitam o objecto do recurso – resultam serem as seguintes as questões a resolver, referentes tanto ao despacho de 6.1.2006 – aparentemente o único despacho recorrido – como ao despacho de fls. 320-321, de 2.12.2005, que se torna também objecto de impugnação, como se vê tanto pelas paralelas linhas de argumentação, como pela pretensão formulada a rematar as conclusões:
A – A nulidade processual de preterição do princípio do contraditório, com reflexo na validade do despacho de 2.12.2005, por ter sido proferido sem observância do prévio cumprimento desse princípio e nem posteriormente ter atendido à oposição do agravante (violando os artigos 3º, nº 3, 3º-A e 517º, nº 1 do Código de Processo Civil);
B – A legalidade do mesmo despacho, que enfermará de erro de direito, por ter admitido conhecer de mérito do incidente sem que o agravado oferecesse, logo que apresentou fora de prazo o requerimento de interposição do recurso de apelação da sentença, prova da notificação desta depois do 3º dia posterior à expedição do registo postal, só o fazendo no requerimento em que solicitou o levantamento da multa (com violação do disposto no artigo 146º, nº 2 do Código de Processo Civil), e
C – Do erro de direito, por ter atendido à justificação apresentada, de o registo não ter sido logo entregue por o ilustre mandatário do agravado não ser localizado no destino, assim violando o disposto no artigo 254º, nº 4 do Código de Processo Civil.

III – AS OCORRÊNCIAS PROCESSUAIS RELEVANTES PARA O CONHECIMENTO DO RECURSO
a) Por registo nº RS 9085 3179 0 PT, datado de 28.10.2005, foi enviado ao ilustre mandatário do agravado cópia da sentença proferida na acção declarativa com processo ordinário nº 1677/03.30TBOER, à qual aquele fora chamado como interveniente principal – doc. de fls. 66;
b) Por registo expedido em 14.11.2005, o agravado, dizendo-se notificado da sentença em 2.11.2005, interpôs, a fls. 299, recurso de apelação – documentos certificado a de fls. 32-33;
c) Em 16.11.2005, a secção de processos emitiu a guia certificada a fls. 34, no valor de 1.424,90, a título de multa, nos termos do art. 145º do Código de Processo Civil, a cargo do agravante;
d) Em 29.11.2005, o agravado fez entrar nos autos o requerimento certificado a fls. 35-37, requerendo o levantamento da condenação do pagamento da multa referida na guia mencionada na alínea anterior, invocando que só foi notificado da sentença em 2.11.2005, estando assim ilidida a presunção de notificação no 3º dia útil posterior ao registo postal, e juntando documento de pesquisa on line de objectos, emitido por site dos CTT, de que juntou cópia, certificada a fls. 38-39, e fazendo ainda menção de ter dado cumprimento ao disposto nos artigos 229º-A e 260º-A do Código de Processo Civil;
e) Em 2.12.2005, foi proferido o despacho certificado a fls. 43-44 do presente apenso, que nos autos da acção foi lavrado a fls. 320 e 321, deferindo a pretensão do agravado e ordenando o levantamento da condenação do pagamento de multa aplicada a fls. 306, despacho que aqui se dá por inteiramente reproduzido, reproduzindo-se, ainda assim, os seguintes parágrafos: Ora, no caso em apreço, o ofício de notificação é datado de 28/10/2005, presumindo-se, por isso, efectuada a notificação no dia 31/10/2005. No entanto, o notificado veio juntar aos presentes autos documentos que demonstram que a notificação da sentença só ocorreu no dia 2 de Novembro de 2005 (cfr. documentos a fls. 311, 312 e 313), pois os correios tiveram dificuldade em localizar o destinatário. Tal facto não pode ser imputável ao notificado. Assim, considera-se que a notificação apenas foi efectuada no dia 02/11/2005, devendo-se contar o prazo de 10 dias para interposição do recurso de apelação a partir dessa data.
Tendo em conta o referido supra, o prazo para o requerente interpor recurso terminou em 14/11/2005;
f) Em 5.12.2005, a ora agravante juntou aos autos, a fls. 325-327, o requerimento certificado a fls. 45-47, deduzindo oposição ao requerimento do agravado referido na alínea d) supra, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido;
g) Em 9.12.2005, a ora agravante juntou aos autos, a fls. 331-332, o requerimento certificado a fls. 48-49, requerendo a anulação do despacho de fls. 320-321, mencionado na alínea e) supra, invocando que o mesmo foi proferido antes ainda de decorrido o prazo para a agravante se pronunciar sobre o requerimento do agravado e, consequentemente, sem levar em consideração a oposição que veio a ser deduzida nos termos mencionados na alínea anterior;
h) Em 6.1.2006, foi, a fls. 362 do processo, proferido despacho admitindo o recurso de apelação mencionado na alínea b) supra e ainda, quanto ao requerimento de fls. 325 (o mencionado na alínea f) supra) o despacho do seguinte teor:
Fls. 325: visto, nada a ordenar face ao decidido a fls. 320/321.

IV – O DIREITO
IV – 1.
A 1ª QUESTÃO: A nulidade processual de preterição do princípio do contraditório, com reflexo na validade do acto recorrido, por ter sido proferido sem observar o prévio cumprimento desse princípio e nem posteriormente ter atendido à oposição do agravante (violando os artigos 3º, nº 3, 3º-A e 517º, nº 1 do Código de Processo Civil).
É patente que o despacho de 2.12.2005, referido na alínea e) de III-, foi prolatado sem que se tivesse aguardado pelo decurso do prazo de pronúncia da contraparte, a ora agravante, cuja oposição apenas deu entrada em juízo em 5.12.2005 (dentro do prazo legal supletivo de 10 dias).
Torna-se, por isso, flagrante a preterição do princípio do contraditório, particularmente nas suas incidências genericamente enunciadas no artigo 3º, nº 3 do Código de Processo Civil – O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, e, na medida em que o contraditório é expressão do princípio da igualdade das partes, também a preterição desse princípio, tal como também genericamente enunciado no artigo 3º-A do mesmo Código – O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.
A preterição desses princípios resulta da inobservância de uma formalidade processual – mediante a precipitação da prática de um acto (o despacho de 2.12.2005) sem que se tivesse deixado decorrer o prazo de resposta, consequentemente, pela prática de um acto em momento em que ainda não era admissível a sua prolação – a qual, sendo sem dúvida susceptível de influir no exame e decisão sobre o requerimento do agravado, constitui, nos termos do artigo 201º, nº 1 do Código de Processo Civil, nulidade processual que foi objecto de arguição tempestiva pela agravante.
E dificilmente pode o despacho de 6.1.2006, referido na 2ª parte da alínea h) de III-, ser tomado como de sanação dessa nulidade, pois que, pelos seus próprios termos, se limita a manter o despacho anterior de 2.12.2005, escusando-se a enfrentar tanto os argumentos expressos pelo agravante no seu requerimento entrado a 5.12.2005 (alínea f) de III-), dando-os como prejudicados pelo antes decidido, como os do requerimento de arguição de nulidade, entrado em 9.12.2005 (alínea g) de III-).
Enferma, por isso, o despacho de 2.12.2005 de nulidade, a qual, nos termos do nº 2 do artigo 210º, afecta a validade dos actos subsequentes, designadamente o despacho de admissão do recurso de apelação e a 2ª parte do despacho de 6.1.2006.
Deve, por isso, proceder a 1ª questão supra enunciada.
Dessa procedência, no bom dos rigores, deveria, prima facie, extrair-se como conclusão a revogação desses despachos e ordenar a descida dos autos à 1ª instância para que apreciasse o requerimento do agravado, de 29.11.2005 (alínea d) de III-), ponderando-o também à luz da oposição deduzida.
Sucede, porém, que, estando-se igualmente em face de uma nulidade do próprio despacho de 6.1.2006, manifestamente também impugnado, e tendo essa nulidade sido invocada em termos substanciais, ainda que sem a invocação do preceito legal correspondente (o artigo 668º, nº 1, alínea d), 1ª parte do Código de Processo Civil), entendemos que deve este Tribunal conhecer das demais questões referentes ao mérito do despacho de 2.12.2005, implicitamente mantido pelo de 6.1.2006, pois que dispõe de todos os elementos a tal necessários, assim fazendo uso do poder-dever que o artigo 715º, nº 1 do citado Código estabelece para a apelação e que, estando presentes as mesmas razões de economia e celeridade processual, não vemos razão para não aplicar no âmbito do recurso de agravo, atenta aliás a regra do artigo 749º.
Passar-se-á, por isso, a conhecer seguidamente dos erros de direito imputados ao despacho de 2.12.2005.

IV – 2.
A 2ª QUESTÃO: Erro de direito, por ter admitido conhecer de mérito do incidente sem que o agravado oferecesse, logo que apresentou fora de prazo o requerimento de interposição do recurso de apelação da sentença, prova da notificação desta depois do 3º dia posterior à expedição do registo postal, só o fazendo no requerimento em que solicitou o levantamento da multa (com violação do disposto no artigo 146º, nº 2 do Código de Processo Civil.
Uma observação se impõe preliminarmente: o incidente processual destinado a afastar a presunção estabelecida no nº 3 do artigo 254º do Código de Processo Civil não deve ser confundido com o incidente de justo impedimento previsto no artigo 146º do mesmo diploma.
Este pressupõe que não foi observado um dado prazo peremptório estabelecido para a prática de um acto, pelo que o fim visado é o de demonstrar da impossibilidade de cumprimento desse prazo por evento não imputável à parte, ao seu representante ou ao seu mandatário, e obter do tribunal a autorização para a prática do acto fora do prazo, como claramente está expresso no nº 2 do citado artigo.
Com o incidente de afastamento da presunção do nº 6 do artigo 254º, o que se pretende é ilidir a presunção de que o registo postal simples de notificação foi recebido no 3º dia ou, caso este o não seja, no 1º dia útil após ele, contados da data da expedição, a qual está estabelecida no nº 3 do mesmo artigo.
Daí que, se o tribunal considerar que o recebimento do registo teve lugar após um desses dias, e que tal sucedeu por facto não imputável ao destinatário, considerará provado o contrário e aceitará que o início da contagem do prazo peremptório para a prática do acto seja a data (posterior) do efectivo recebimento e não a data legalmente estabelecida por presunção iuris tantum.
Não se dá por justificado um atraso, possibilitando praticar o acto fora de prazo, mas verdadeiramente apura-se uma data diferente do momento a quo de contagem do prazo, reconhecendo-se, consequentemente, que o acto é praticado em prazo.
Isto dito, importa saber se o afastamento da presunção de recebimento da notificação nos termos do nº 3 do artigo 254º deve ser invocado logo no momento em que interessado se apresenta a interpor o recurso de apelação ou se posteriormente, como reacção à não admissão do recurso ou, como no caso dos autos, quando notificado da sanção prevista no artigo 145º, nº 6 do Código.
Com efeito, se é líquido na jurisprudência que o justo impedimento deve ser invocado logo que a parte se apresenta a praticar o acto, embora a admissibilidade deste esteja condicionada à prévia prova do dito impedimento (que deve desde logo instruir – 1ª parte do nº 2 do artigo 146º) –, nenhuma razão existe para defender posição diversa no caso do incidente do nº 6 do artigo 254º.
Em primeiro lugar, porque depende do afastamento da presunção ser-lhe consentido praticar o acto nas condições concretas em que se propõe fazê-lo.
Em segundo lugar, porque, como único interessado no deferimento da sua pretensão incidental, sobre si recai o ónus de activar o impulso processual correspondente, em homenagem ao princípio do dispositivo, tal como aliás decorre do citado nº 6 do artigo 254º.
Em terceiro lugar, e agora especificamente em face dos contornos concretos do caso, porque não podia ignorar que teria de suscitar o incidente, pois que, como se evidencia pelo próprio sobrescrito de envio do registo, que este fora expedido em 28.10.2005 (v. fls. 38) e da própria documentação dos serviços postais que apresentou (v. fls. 39), sabia que o registo de notificação postal estava avisado no 3º dia posterior ao do registo, o que desde logo o colocava perante a necessidade de vir a tribunal invocar e demonstrar existirem os requisitos para o afastamento da presunção de recebimento ao 3º dia.
Refira-se ainda que nem sequer se indicia que a obtenção da necessária prova destinada a ilidir a presunção padecesse de demora, já que o documento junto a fls. 39-40 foi obtido por consulta on line em página de pesquisa de objectos postais dos CTT.
Entende-se, assim, que o agravado deveria ter requerido o incidente destinado a ilidir a presunção do nº 3 do artigo 254º no prazo geral de 10 dias contados da data em que recebeu o registo, o qual coincide, aliás, com o prazo de interposição do próprio recurso (artigo 685º, nº 1 do Código de Processo Civil), simultaneamente apresentando a prova destinada a afastar essa presunção.
Não o tendo feito, deveria o requerimento, em que solicitou que a multa prevista no artigo 145º, nº 6 daquele Código fosse dada sem efeito, ter sido liminarmente indeferido, por apresentação extemporânea da pretensão destinada a ilidir aquela presunção.
Procede, assim, a segunda questão.

IV – 3.
A 3ª QUESTÃO: Do erro de direito, por ter atendido à justificação apresentada, de o registo não ter sido logo entregue por o ilustre mandatário do agravado não ser localizado no destino, assim violando o disposto no artigo 254º, nº 4 do Código de Processo Civil.
Entende o agravante que o motivo da não entrega de um registo num escritório de um mandatário judicial como o apresentado pelo agravado – não ter sido localizado no local – não é de molde a afastar a presunção, considerando que a lei, como resulta do nº 4 do artigo 254º, determina que a notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o destinatário estar ausente.
Entendemos que o argumento tal como é apresentado é algo simplista, em face do caso concreto.
É um facto que ao equiparar à devolução do registo a não entrega por ausência do mandatário destinatário a lei parece apontar no sentido defendido pelo agravante.
Mas deve ter-se presente que a razão de ser da norma reside no dever que todo o mandatário tem, para efeitos jurídico-processuais, de dispor de um domicílio profissional, cujo conhecimento nos processos em que tem procuração é também ónus seu manter prontamente actualizado.
E, também, entendemos que, se é verdade que nada impõe que um advogado disponha de um escritório com uma organização interna complexa, não o é menos que alguma organização, dotada de eficiência, tem de existir e que, existindo ela (o contrário não foi invocado, no caso concreto), lhe assiste o dever de adoptar todas as cautelas para assegurar, em caso de necessidade, o recebimento das notificações dirigidas ao escritório ou domicílio escolhido (v. Acórdão Relação Lisboa de 28.5.1992, Rec. 0041456, in Colectânea de Jurisprudência ano XVII, Tomo III, página 196).
Resulta do teor do documento informático de fls. 39 que a tentativa de entrega do registo, em 31.10.2005, ocorreu pelas 9 horas precisas.
Não é, por isso, na ausência de um horário preestabelecido regulamentarmente de funcionamento de um escritório de advogado, de estranhar que ainda não estivesse nenhum funcionário presente, o que, em termos normais, permitiria concluir estar-se perante um facto não imputável ao agravado.
Mas também a hora de passagem do distribuidor do correio, que deixou aviso, possibilitaria que o registo fosse levantado ainda nesse dia na estação para onde ficou avisado, a menos que o momento indicado no aviso para esse efeito não recaísse nessa mesma data.
O destinatário, que teve esse elemento na sua posse, não o invocou.
E o ónus de prova é seu (nº 6 do artigo 254º).
Em face do exposto, consideramos ser de concluir que o agravado não fez prova cabal de o não recebimento do registo no dia 31.10.2005 ter resultado de razão que lhe não fosse imputável.
Assim, também esta questão deveria improceder, sendo certo que em rigor a sua relevância sempre fica prejudicada pelo facto de se ter já concluído que o requerimento do agravado visando ilidir a presunção em causa deveria ter sido liminarmente indeferido.

V – DECISÃO
Termos em que acordam em conceder provimento ao agravo, revogando o despacho de 2.12.2005 e determinando que seja substituído por outro que mantenha as guias passadas para pagamento da multa prevista no artigo 145º, nº 6, ou determine a passagem de novas guias de igual teor.
Custas pelo agravado.

Lisboa, 28 de Setembro de 2006
António Neto Neves
Isabel Canadas
Maria da Graça Mira