Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
85181/05.0YYLSB-A.L1-6
Relator: CARLOS VALVERDE
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ACTAS
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/18/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - É de atribuir força executiva tanto à acta em que se delibera o montante da quota parte das contribuições que cabe a cada condómino pagar, como à acta em que, por um condómino não ter cumprido o deliberado, por não ter pago as contribuições que lhe respeitam, se delibera sobre o valor da sua dívida e se encarrega o administrador de proceder à sua cobrança judicial.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


M deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa, que lhe move a Administração do Condomínio do Prédio sito na Praça, alegando a inexistência de título executivo ou a inexequibilidade dos dados à execução.


A exequente contestou, pugnando pela improcedência da oposição.
Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se decidiu que as actas dadas à execução constituíam títulos executivos e seleccionou-se, com reclamação atendida da opoente, a matéria de facto.

Do despacho saneador foi pela opoente interposto recurso, recebido como de agravo, sendo, embora, de apelação, como se decidiu no despacho preliminar.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a oposição parcialmente procedente, determinou o prosseguimento da execução apenas para o pagamento do valor das quotizações em dívida e juros moratórios respectivos.

Também Inconformada com esta decisão, dela apelou a opoente.

Quer no recurso que interpôs do despacho saneador, quer no recurso que interpôs da sentença final, apresentou a opoente, oportunamente, alegações, em cujas respectivas conclusões, devidamente resumidas - art. 690, 1 do CPC -, coloca a questão de se saber se as actas dadas à execução se constituem ou não como títulos executivos.

Cumpre decidir, atenta a factualidade apurada na instância recorrida e constante das decisões impugnadas, para a qual, por não ter sido posta em causa nem haver lugar à sua alteração, se remete, ao abrigo do disposto no nº 6 do art. 713º do CPC, na redacção introduzida pelo DL nº 329-A/95, de 12/12.
Se bem que a questão colocada em ambos os recursos seja, nuclearmente a mesma, como de deixou enunciado, começa-se, em obediência ao disposto no art. 710º, 1 do CPC, pelo conhecimento do recurso interposto do despacho saneador.
Deve dizer-se, desde já, que tem razão a recorrente quando adianta que a decisão aqui questionada é nula por omissão de pronúncia (art. 668º, 1, d) do CPC).
Na verdade, desatendeu-se a pretensão da opoente na desconsideração apenas de um dos fundamentos invocados - a falta da sua assinatura nas actas dadas à execução -, nada se tendo dito ou referido em relação ao primeiro dos fundamentos invocados - o facto das actas serem omissas quanto à deliberação e fixação da quota parte das contribuições por si devidas.
Não obstante a realidade da nulidade em referência, há que conhecer do objecto da apelação (art. 715º, 1 do CPC).
Por definição, o título executivo é o documento que pode segundo a lei, servir de base à execução de uma prestação, já que ele oferece a demonstração legalmente bastante do direito correspondente (cfr. Castro Mendes, Lições de Direito Civil, 1969, pág. 143).
Do ponto de vista formal, o título é o documento em si próprio e, do ponto de vista material, é a demonstração legal do direito a uma prestação (cfr. o mesmo Autor, A causa de Pedir na Acção Executiva - Rev. Fac. Direito da Universidade de Lisboa, vol. XVIII, págs. 189 e segs).
Como se sabe, o Processo Executivo visa realizar coercivamente um direito já afirmado.
Ora, como “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva” - artº.45º, nº 1 do CPC -, facilmente se percebe que aquela afirmação deve necessariamente constar do título executivo.
E também só essa prévia afirmação do direito permitirá entender o comando do art. 55º, nº 1 do mesmo Código: “A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figura como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tinha a posição de devedor”.
Como se vê, “... pela análise do título se há-de determinar a espécie de prestação e da execução que lhe corresponde (entrega de coisa, prestação de facto, dívida pecuniária), se determinará o quantum da prestação e se fixará a legitimidade activa e passiva para a acção” (Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, pág. 11).
Conforme já salientava Alberto dos Reis, “...desde que a execução não é conforme ao título, na parte em que existe divergência, tudo se passa como se não houvesse título: nessa parte a execução não encontra apoio no título” (Código do Processo Civil Explicado, pág. 26).
E, sempre que isso aconteça, ou seja, “... se a discordância entre o pedido e o título consistir em excesso de execução, isto é, em se pedir mais do que o autorizado pelo título”, cabe ao juiz indeferir liminarmente o requerimento executivo na parte em que exceda o conteúdo do título, mandando prosseguir a execução pela parte que efectivamente lhe corresponda” (Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, pág. 29).
Se a discordância entre o pedido e o título for absoluta, o indeferimento será, naturalmente, total.
Quanto à causa de pedir em acção executiva, há quem entenda que ela se reconduz ao próprio título accionado (cfr. Alberto dos Reis, Comentário, I, pág. 98, Lopes Cardoso, ob. cit., págs. 23 e 29 e Ac. do STJ de 24-11-83, BMJ 331/469), enquanto outros sustentam que ela é antes constituída pela factualidade essencial de onde emerge o direito, reflectida embora no próprio título (cfr. Castro Mendes, A Causa de Pedir..., págs. 189 e sgs., Lebre de Freitas, Acção Executiva , 2ª ed.. págs. 64 e 65, A. Varela, RLJ, 121º/148 e sgs e Ac. do STJ de 27-1-98, CJ, STJ, I, pág. 40).
Como quer que seja, os próprios defensores da 2ª teoria não retiram qualquer relevo ao título executivo, limitando-se a enquadrá-lo no seu meio próprio, que é o processual, do mesmo passo que enquadram a factualidade causal no seu meio próprio, que é o substantivo (cfr. Ac. do STJ de 27-7-94, CJ, STJ, III, pág. 70).
No caso em apreço, os títulos dados à execução são actas de assembleias de condóminos onde, no que à situação sub judicio interessa, se concretizaram os valores das dívidas de quotizações da opoente, respeitantes aos anos de 2003 e 2004 (acta nº 29) e 2005 (acta nº 30).
O art. 6º, nº 1 do DL nº 268/94, de 25/10 que atribui eficácia executiva às actas das reuniões das assembleia de condóminos que tiverem deliberado o montante da contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, não dispensa a conformidade de tais actas à lei geral adjectiva que estabelece os requisitos necessários à configuração de qualquer título como condição suficiente da acção executiva.
A abstracta referência às deliberações sobre o montante das contribuições e despesas feita no normativo em causa quer apenas significar o tipo de deliberações quanto às quais a acta da assembleia de condóminos se constitui como título executivo; seja, impõe-se um limite executivo à acta, que só é titulo executivo em relação às deliberações expressamente previstas nesse normativo e já não em relação a quaisquer outras, nomeadamente as que tenham por objecto alterações estruturais da propriedade horizontal (v.g., as respeitantes a despesas com obras que constituam inovações).
Definidos, todavia, os tipos de deliberações quanto aos quais a acta é título executivo, basta que dela conste, de resto, no dizer da própria lei (“…contribuições devidas…”), quem deve e o que é devido, ao menos em termos susceptíveis da sua determinação e liquidação, seja, que nela estejam claramente determinados os sujeitos da relação executiva e os limites da obrigação exequenda (art. 45º do CPC).
É dizer, em suma, que deverá existir necessária concordância entre o título executivo e o pedido formulado no requerimento inicial da execução, pois esse título “... é o documento (título hoc sensu) donde consta (não donde nasce) a obrigação cuja prestação se pretende obter por via coactiva (por intermédio do Tribunal)” (Antunes Varela, R.L.J., Ano 121º, pág. 147).
Lembrando que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (nº 3 do art. 9º do CC), cada vêz mais a interpretação jurídica das normas vai deixando de se restringir a um conceptualismo formativista, totalmente despido das consequências práticas que dele provinham.
Conforme se escreve lapidarmente no Ac. do STJ de 19-9-89, BMJ 389, págs. 536 e segs., ( maxime, a fls. 547 ), “a ponderação das consequências constitui ainda um momento da argumentação jurídica, pelo menos para todos quantos entendem - e são hoje muitos - que a inferência jurídica não pode ficar alheia aos efeitos práticos da solução inferida”.
Ora, a ponderação dessas consequências parece demonstrar a irrazoabilidade da solução propugnada pela recorrente.
É que não faz sentido atribuir força executiva à acta em que se delibera o montante da quota parte das contribuições que cabe a cada condómino pagar e já não à acta em que, por um condómino não ter cumprido o deliberado, por não ter pago as contribuições que lhe respeitam, se delibera sobre o valor da sua dívida e se encarrega o administrador de proceder à sua cobrança judicial, como se fosse de desresponsabilizar aquele que efectivamente não cumpriu as suas obrigações, até porque, pela própria natureza das coisas, só quando o condómino não tenha pago, a assembleia está em condições de deliberar sobre o montante da respectiva dívida e se deve ou não o administrador instaurar a acção tendente à sua cobrança (art. 6º, 2 do DL 268/94).
Por outro lado, dir-se-á ainda que, independentemente da leitura mais redutora que possa fazer-se do art. 6º, 1 do DL 268/94, defender-se que a acta da assembleia de condóminos em que se delibera que, em determinado momento, este ou aquele condómino deve determinada importância referente às contribuições do condomínio a que está obrigado, não é título executivo é interpretação normativa que a finalidade da própria lei não consente, pois equivale à frustração da eficácia e agilização do regime da propriedade horizontal nela visadas, nomeadamente no que ao inadimplemento de condóminos descuidados ou relapsos respeita.
São, pois, de considerar títulos executivos as actas dadas à execução, não perdendo, por outro lado, como pretende a recorrente, exequibilidade pelo facto de não estarem por si assinadas.
Não se retira do disposto no art. 6º, 1 do DL 268/94, que a força executiva que aí se confere à acta da assembleia de condóminos que tenha deliberado sobre as contribuições devidas por estes, esteja condicionada à presença na respectiva assembleia do condómino devedor e à sua assinatura por este e, de resto e para que dúvidas não houvesse, é a própria lei a encarregar-se de as afastar, quando impõe a força vinculativa das deliberações consignadas em acta não só aos condóminos, mas também aos terceiros que sejam titulares de direitos relativos às fracções (nº 2 do art. 1º do DL 268/94).
Como observa Aragão Seia, “a força executiva da acta não tem a ver com a assunção pessoal da obrigação consubstanciada na assinatura dela, mas sim com a eficácia imediata da vontade colectiva, definida através da deliberação nos termos legais, exarada em acta” (Propriedade Horizontal, 2ª ed., pág. 198).
Não se questionando que a fracção a que respeitam as quotizações de condomínio exequendas seja bem comum do casal da opoente, a qualidade de condómino desta, com os inerentes direitos e obrigações, resulta da própria lei (art. 1420º, 1 do CC) e, por outro lado, não sendo caso das derrogações constantes do nº 2 do art. 1678º do CC, a ela lhe cabe, nos termos do nº 3 deste mesmo normativo substantivo, também a administração ordinária desse bem, sem esquecer que sempre seria responsável pelas dívidas accionadas (art. 1694º, 1 do CC).
Por tudo, a conclusão última de que as actas dadas à execução constituem títulos executivos em relação à opoente, com o consequente insucesso do recurso interposto do despacho saneador e, porque nele se colocam rigorosamente as mesmas questões, desatende-se igualmente o recurso interposto das decisão final, dando-se, para tanto, como reproduzida a fundamentação expendida no conhecimento do primeiro.
Pelo exposto, julgando improcedentes quer a apelação interposta do despacho saneador, quer a apelação interposta da sentença, acorda-se em confirmar essas recorridas decisões.
Custas pela apelante.
Lisboa, 18-03-2010
Carlos Valverde
Granja da Fonseca
Pereira Rodrigues